segunda-feira, 9 de abril de 2007

Valle del Francês

O dia amanhece nublado apesar dos bons augúrios da noite anterior. Ao sairmos do albergue Cuernos, às 08:40, continuamos bordejando o Lago Nordenskjöld e atravessamos uma prainha, linda, cujo chão é coberto de seixos brancos e pretos. As ondas que o vento levanta no lago formam uma cortina de água com mais de 3 metros de altura. O tempo é realmente surpreendente aqui: ao leste, sol, bom tempo; à oeste, nuvens pesadas pairam sobre o Paine Grande. A vegetação alterna-se entre matorrales e bosques magalhânicos, quando então praticamente só se percorre estes últimos, o que é muito bom, porque começa a cair uma chuvinha fina porém persistente e a copa das lengas e ñires servem assim de proteção natural contra a umidade. Ao fundo, os cerros Ferrier e Donoso. Daniel ensina-me que as lengas têm folhas largas e arredondadas, os ñires, folhas mais longas e enrugadas nas bordas. No outono, num primeiro momento, ambas amarelam e, após, tornam-se avermelhadas. Já os coigues têm folhas alongadas e serrilhadas nas bordas, permanecendo verdes mesmo durante o outono. Ao entrar no valle del Francês começa a cair granizo, venta muito e o frio faz-se sentir com rigor. O lindo rio Francês cascateia verdoso entre as pedras no fundo do vale. O glaciar Francês em seu esplendor branco azulado domina a paisagem. Vez por outra percebo deslizamentos compactos de neve que soam tais quais trovões quebrando o silêncio do vale deserto. Um novo arco-íris coroa o lago Nordenskjöld. Ao chegar ao acampamento Italiano, ainda, avisto o glaciar Francês. Sobressaindo do Paine Grande, os seus três cumes: o Central, Principal e Norte. A reviravolta climática é rápida, de feio o tempo torna-se horrível, inicia a nevar incessantemente, embranquecendo o colorido dos bosques. O caminho é bem mais árduo que o da véspera porque, num certo trecho entre o Mirador do Glaciar Francês e o acampamento Britânico, as subidas e descidas constantes exigem atenção redobrada. Devido à chuva e à neve, o solo está pra lá de enlameado e, portanto, bem escorregadio. Às vezes as nuvens afastam-se e permitem que se aviste deste lado do parque os Cuernos Norte e o Principal. Do acampamento Italiano até o Britânico o único som é o da barulhenta correnteza do rio Francês turbilhonando espumosa por entre as pequenas corredeiras de seu leito. Desde o albergue las Torres até o lago Grey, venho curtindo, maravilhada, a visão das plácidas águas de coloração verde dos lagos Nordenskjöld, Skottsberger, Pehoe e Grey que se sucedem uns aos outros. Consigo enxergar os cerros Máscara, Hoja e Espada, o primeiro e terceiro são agulhas de granito, e cada um apresenta duas pontas, já o do meio é largo com o cume serrilhado tal qual uma folha de coigue. No final do vale, há um belvedere de onde se avistaria, se o tempo estivesse bom, o impressionante anfiteatro de rochas graníticas em tom rosa, cuja formação abriga, à leste, os Cuernos Principal e Norte, cerros Máscara, Hoja e Espada, Fortaleza, Escudo; ao centro, destacam-se os cerros Cabeza del Índio, Punta Catalina e Trono Blanco; e, à oeste, quedam-se os cerros Aleta de Tiburón, los Gemelos e Águia de los Quinquinchos, Punta Negra, Cerros Catedral, Cota 2000, Castillo e Paine Grande. E como o tempo não dá mostras de melhorar, saímos do vale amargando uma chuva tocada a vento. Meus dedos, apesar de eu estar usando luvas, estão endurecidos de frio, em sendo assim, trato de apressar o passo e guardo a câmera porque o tempo não dá trégua para que eu possa brincar de fotógrafa. Cruzamos a ponte do rio Francês deixando o acampamento Italiano para trás e passamos a andar em meio a uma trilha plana coberta em ambos os lados de matorrales que nos conduzirá ao albergue Paine Grande. À direita, chama minha atenção o cerro Bariloche e duas rochas cujas formas lembram pequenas guampas abrigando um pequeno glaciar entre elas. Indagado se sabia o nome, Daniel não sabe responder, foi daí que as apelidei Portal das Guampas. Já bem cansada, suspiro, desta vez de alívio, ao ver as luzes do refúgio Paine Grande, apontando um pouco mais adiante, onde chegamos às 18:30. Um banho quente, janta e cama. Eu, decididamente, quero mais é me estirar embaixo do quentinho das cobertas depois do longo dia. Boa noite e hasta la vista !

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