segunda-feira, 8 de dezembro de 2008

Trilha dos Porcos e Cachoeiras do CTG

Choveu a noite inteira e, hoje, sábado, o dia continua nublado com muita cerração, encobrindo o interior do cânion e a paisagem ao redor. Embora tenhamos acordado cedo, só saímos lá pelas dez e meia da manhã. O plano é descer a trilha dos Porcos acompanhando a parede norte do cânion Churriado cuja parede sul vem a ser a parede norte do Malacara. A mochila está deveras pesada! Também pudera - são 8 kg - porque, além das roupas de neoprene molhadas, levo outras cositas mas. Nunca na minha vida carregara tanto peso nas paletas. O tempo continua fechado. À medida que nos aproximamos do cânion Churriado, percebe-se o espesso nevoeiro saindo de seu interior. O céu, totalmente, nublado e a temperatura, em torno de 17º C, torna gostosa a caminhada, evitando que se sue muito. Paramos algumas vezes pra descansar e comer nozes, amendoins, pistaches e amêndoas. Estas frutas oleaginosas por conterem muitas calorias são boas pra reporem as energias perdidas num trek pesado como o de hoje. Serão aproximadamente 8 horas batendo pernas. Ainda não fiz rapel no Cânion Churriado que, segundo Kaloca, não é lá dos mais legais. Diz ele que as cachoeiras são quase secas e sua extensão é menor que a do Malacara. Eu gosto de saber disso, afinal, muita água nas cachoeiras me assusta um pouco. Gosto mesmo é de descer no seco. Combino com ele um canionismo nesse cânion numa próxima aventura. A conformação do Churriado é bem diferente da do Malacara porque, de sua parede norte, saem, perpendicularmente, várias gargantas menores. O caminho ondulado no campo turfado requer certa habilidade de modo a evitar que os pés afundem no terreno mais encharcado que o habitual, pois chove na região faz dois meses. Distinguem-se nitidamente vários tipos de flores amarelas, brancas e roxas despontando entre as gramíneas, nesta época do ano. Atingimos o platô do Churriado quando o ponteiro do meu relógio atinge exatas 13:00. Decidimos então fazer outra parada, dessa feita, pra almoçar. Entretanto, preguiçosos, desistimos de acender o fogareiro e nos limitamos a comer a sobra dos fiambres. Vou até a borda do Churriado, porém mal posso enxergar algo de seu interior, a cerração continua senhora do perau. Retomamos a caminhada e, um pouco mais adiante, enveredamos pela trilha dos Porcos. Sei lá por quê, pensei que o tal carreiro seria moleza. Qual o quê! É uma descida íngreme, estreita, escorregadia. Receio que a mochila pesada me faça rolar tal qual uma bola desgovernada ribanceira abaixo. Bah, nem pensar, comento preocupada com meus botões! Redobro, assim, os cuidados na descida, entretanto a paisagem trata de dar um chega pra lá em meus temores de mulher urbana. Não há como não se envolver com a rica e variada flora que se sucede diante de meus olhos: matas de araucária, pequenos trechos de floresta atlântica onde brotam grandes quantidades de xaxim, orquídeas e bromélias, sem faltar, inclusive, vegetação rupestre, destacando-se no terreno enormes urtigões, cujos caules espinhosos aninham em seu interior estupendas cachopas vermelhas. E tudo isso existe, aqui, nos campos de cima da serra! Após sete horas e meia de caminhada, enxergamos o capô vermelho do táxi do seu Denoir. Aleluia! não agüento mais caminhar. Domingo, tiro pra descansar, minhas pernas e panturilhas estão deveras doloridas. Limito-me a uma breve caminhada até a casa de Kaloca pra devolver sua mochila, pouca coisa, 4 km entre ida e volta da pousada. O restante do dia fico só na conversa fiada com Maria, Paulo e João Paulo na cozinha. Na segunda-feira, embora bem doída, não resisto e telefono pra Kaloca. Combinamos, então, fazer uma seqüência de seis rapéis. E lá vamos nós até o armazém do Louro, estabelecimento situado na beira da estrada da Serra do Faxinal. A primeira cachoeira, com 7 metros, à esquerda de quem sobe a serra, fica na frente do bolicho. Rapelamos sem grandes emoções a cascatinha, coisa pra criança. Cruzamos a estrada e descemos o leito do rio para então rapelarmos duas outras quedas, com 25 e 30 metros, fáceis demais ambas. A quarta, a única com nome, chama-se cachoeira do CTG, assim chamada devido a um centro de tradições gaúchas, o Porteira do Faxinal, aquerenciado aos pés da colina onde a queda d'água se localiza. Apresenta de tudo um pouco: negativo, positivo, trechos na água, trechos no seco e um amplo platô quase em seu final. É tudo de bom essa cachoeira embora sua altura seja de 47 metros. Absolutamente deliciosa, sua descida é tranqüila. Adoro rapelá-la. Sucedem-lhe outras duas quedas, igualmente, gostosíssimas, medindo 25 e 15 metros. A única dificuldade é a subida até lá porque pra alcançá-las temos de subir uma encosta coberta de bananais bastante íngreme e tortuosa, tipo escalaminhada. Ainda bem que de vez em quando dá pra se agarrar nos putamerdas, raízes de árvores que servem de agarras. Desço as duas últimas cachoeiras, cantarolando, feliz da vida. Terminados os rapéis, subimos uma colina bem inclinada que nos leva direto à pousada Colina da Serra. Despeço-me de Kaloca e vou pra cabana me alongar e tomar banho. Depois do almoço, vou com Maria dar uma banda em Praia Grande. Ela quer que eu conheça sua casa na cidade. Aproveito pra visitar um casal de amigos, seu Pedro e Emília. Conversamos um pouco e depois Maria me leva pra conhecer dois de seus irmãos. Vamos também ao super onde ela compra mantimentos pra reabastecer a pousada. Terminado nosso périplo pela cidade, ardo pelo sossego de minha cabana. Chega de civilização ainda que esta nem ultrapasse 3.000 almas. Ando de um jeito tal que até essa quantidade de gente me soa demasiado. É, tou ficando meio misantropa, tenho de admitir.

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Outras cachoeiras do Malacara

Graças a um feriadão prolongado que se estende da sexta à segunda-feira, retorno a Praia Grande. Saio na quinta, no ônibus das 17 horas pra Torres. Viagenzinha bem chata essa! Como o ônibus não é direto, pára em várias rodoviárias: Osório, Morro Alto, Maquiné, Terra de Areia, Três Cachoeiras e Vila São João, sem contar as paradas pra pegar e largar passageiros BR 101 afora. O taxista, seu Denoir, se aproxima de mim quando desembarco em Torres. Veio de Praia Grande para me buscar já que é mais barato descolar um motora desta cidade do que contratar um táxi no balneário gaúcho. Em quarenta minutos, estou na pousada Colina da Serra. Maria, a meu pedido, fizera um bifezinho acebolado, uma salada (alface, colhida da horta, mais tomate) e aipim derretendo na boca de tão novinho. Botamos a conversa em dia, e vou dormir cedo porque, no dia seguinte, muitas atividades me aguardam. Às oito horas, o táxi de seu Denoir, trazendo Kaloca, passa na pousada pra me pegar. Vamos acampar na borda do cânion Malacara. E lá vamos nós pela estrada do Faxinal, já em terras gaúchas, desembarcando um pouco antes da entrada do Parque Nacional do Itaimbezinho. Enveredamos pela trilha que nos levará até o Malaca. A caminhada se faz sobre um terreno ondulado, os chamados campos limpos, cobertos de turfas. Num pequeno capão, por onde atravessamos, vi as delicadas sophonitis, orquídeas típicas da região dos campos de cima da serra, pintalgando de vermelho o verde escuro da mata. Deixamos nossas mochilas escondidas num capão e iniciamos a descida até o interior do cânion. Vamos fazer quatro rapéis em cachoeiras ainda inexploradas por mim. Em quarenta minutos, alcançamos o poço da Cachoeira das Abelhas Zangadas, assim batizada por mim, devido ao ataque sofrido, ano passado, por um bando ensandecido destes insetos, atraídos que foram pelo repelente que eu besuntara em mim e em Kaloca. Em vez de afugentá-las, ao contrário, atraíra as loucas. Repelente só funciona contra mosquitos, mutucas e moscas. Com abelhas não só é uma proteção inócua, como o cheiro as deixam irritadíssimas. Talvez porque um dos componentes do remédio seja essência de laranjeira. Foi uma situação difícil porque os bichos escolheram como alvo preferencial nossos rostos. Por sorte, já estávamos perto da oitava cachoeira do Malaca onde, dentro de seu poço, nos refugiamos do ataque feroz das irritadas zumbidoras. E a colméia permanece no mesmo velho tronco de árvore. Passamos pelo local, mudos, de cantinho. Quando atingimos o leito do rio, embarafustamos por um carreiro lateral ao seu curso quando então retornamos ao rio no ponto onde se localiza a nona cachoeira. O cânion Malacara se diferencia dos outros não só por sua beleza como por um bom volume de água em seu rio. Kaloca me alerta prum degrauzinho na metade da descida. Rapelo com cuidado até lá e depois só vai. O dia está nublado, sem que as nuvens toldem o céu por completo. Caminhamos mais um pouco, agora sempre pelo leito do rio até a Cachoeira dos Degraus, assim chamada porque apresenta dois grandes desníveis. Sua descida se faz em duas cordadas: a inicial, com 15 metros, vai até o primeiro poço, onde se ancora novamente a corda em uma proteção fixa pra se descer o restante da queda d’água, esta já um pouco maior, com 25 metros. O cânion apresenta uma vazão razoável de água. Eu não gosto de cachoeira bombada porque a espuma formada pela pressão d'água ofusca a visão, dificultando perceber com clareza as reentrâncias da rocha onde se deve pisar. Mais uma pernada sobre o leito do rio até a décima primeira cachoeira, uma rampa suave que não necessita rapel, motivo pelo qual seguimos, andando, por sua lateral. Eu, claro, agarrando-me às pedras, cautelosamente (morro de medo de levar um tombão no basalto pra lá de liso), enquanto Kaloca, bem à vontade, calca sem dificuldade alguma as rochas escorregadias pra caramba. Em vez de saltar até a água já que a altura, nesse ponto, é coisa de 1,5 m, prefiro escorregar dentro do poço. O lugar é amedrontador. Não à-toa, é chamado Poço Negro. Os paredões do cânion, até então distantes, estão bem próximos um do outro, impedindo quase, totalmente, a entrada da luz. O poço deve ter uns 7 m de largura por uns 15 m de comprimento. O lugar lembra um pouco a caverna da caveira, residência do Fantasma, o primeiro herói mascarado das estórias em quadrinho, criado em 1936. O barulho da água, escorrendo pela cachoeira de 23 metros, dá um frio na barriga. A via do rapel é uma canaleta estreita e já estou sentindo bastante frio. Kaloca, zombeteiro, fala que o frio é psicológico. Esse guri, tá me tirando! O ruído da água, ensurdecedor, torna o local mais assustador ainda. Quando termino o rapel, verifico que não foi, contudo, uma descida difícil. Nado até a saída do Poço Negro e dou uma espiada na cachoeira. A água escorre pelas rochas formando duas vertentes. É muito lindo o lugar embora seja pra lá de soturno. Aguardo Kaloca e então iniciamos a descida da décima terceira cachoeira, 10 metros adiante daquele impressionante brete em forma de caverna. Desço, rapidamente, os 12 metros que me levam até o poço porque, agora, sim, tô enregelada. Iniciamos então a subida da parede norte do cânion, uma pirambeira que, antes da enchente de março de 2007, não apresentava maiores percalços. Agora já não é tão simples trilhá-la. A forte enxurrada tornou a senda mais estreita e perigosa. Num determinado trecho, Kaloca põe cordas pra ajudar na subida. É difícil. Faltam-me forças nos braços pra ganhar impulso e ascender. Enfim, incentivada pelo meu guia, chego ao topo da pedra....uuufaaa!! O resto do carreiro não apresenta maiores dificuldades. Cruzamos o rio e subimos pela pirambeira da parede sul até sairmos do interior do canyon, alcançando os campos de cima da serra. Pegamos as mochilas e vamos procurar um local pra montarmos a barraca. Uma garoa cai enquanto eu alongo, e uma espessa viração surge do interior do cânion, tornando a paisagem meio espectral. Barraca montada, já lá dentro, Kaloca acende o fogareiro pra fazer um chá. Estou com muito frio. A temperatura desce rapidamente enquanto a noite, de mansinho, se anuncia. Como não leváramos papel higiênico, Kaloca me ensina a usar barba de bode, excelente substitutivo, diga-se, a bem da verdade. O truque é pegar as mais verdes, gotejantes de umidade. Após a janta - sopa de pacotinho, acompanhada de queijo, salame, nozes, amêndoas e pistache - bebemos um pouco de vinho e conversamos até tarde quando, então, cada um se acomoda em seu saco de dormir prontos pra dormir. Dessa vez sem lua ou estrelas pra admirar devido ao mau tempo. Mesmo assim, que baita indiada!