quinta-feira, 5 de abril de 2007

Brincando com Milodón

Ontem, quarta-feira, amanheci com faringite, resultado de uma combinação de vento gelado e ambientes super aquecidos. Nem pisquei, tomei antibiótico, medicamento indispensável em minha necessaire. Decidira tirar o dia para passear pela pequena cidade, sacar fotos e fazer umas comprinhas. Assim, conheço Rodrigo, artesão e dono de uma loja onde são vendidas jóias feitas em lápis lázuli e turquesa além de expor diversas outras gemas e pedras de diversos metais, dentre os quais se destaca, o xodó de sua coleção, um meteorito encontrado por ele no deserto de Atacama. Simpático e afetuoso, conversa comigo como se eu fosse sua velha conhecida. Revoltado com a situação política do Chile, comenta que o país está vendido para os americanos, a liberdade é ilusória e os meios de comunicação só mostram o que lhes convém. Afirma que já há um movimento de insatisfação contra tudo isso liderado pelos estudantes de ensino médio em manifestações território afora. Gosto dele de cara e durante minha permanência em Puerto Natales costumo visitá-lo em sua loja pra batermos papo e tomarmos café. Como ele não tem fogão, esquenta a chaleira com o maçarico utilizado na fabricação de suas jóias. Deveras engenhoso este Rodrigo! Hoje, aconselhada por Victor, um dos guias da Chile Nativo, agência que está organizando meu trek às Torres del Paine, estou indo fazer uma caminhada no cerro Benitez, onde há um conglomerado rochoso conhecido como Silla del Diablo bem como um monumento natural formado por várias cavernas. A mais famosa delas é a Cueva del Milodón, habitada há milênios por um animal de grande porte similar a um urso. As demais cavernas que fazem parte desse importante sítio paleontológico são conhecidas como Media, Chica e La Ventana. A idéia é rodear o cerro, subir uma de suas encostas até o topo, e dali, com sorte, avistar os condores, para então descer pelo outro lado, visitando as demais cuevas, a Chica e a Media. E assim fazemos, conversando alegremente durante nosso passeio. O amável Victor empresta-me seu binóculo de modo que posso avistar com nitidez condores, águias e traros (pequenos pássaros com lindos bicos vermelhos), tordos pretos e rajaditos (passarinhos de peito branco, dorso preto e cabeça colorida por uma listra vertical amarela). Provo chaura, frutinha silvestre, redonda e vermelha, que cresce rasteira ao chão, cujo sabor lembra um pouco maçã verde. Vejo do interior da cueva La Ventana o lago Sofia, balneário dos puertonatalenses no verão. Admiro no entorno a pequena cordilheira Prat com seus cerros, o Tenerife e o Prat. Na grama, ainda nascem dentes de leão e margaridas enfeitando-a de branco e amarelo: resquícios do verão patagônico. Pumas, cerdos, raposas e guanacos são comuns nesta região. Há milhões de anos, os animais mais comuns foram, contudo, os smilodons, tigres de dentre de sabre, e cavalos bem pequenos, extintos por força dos sucessivos períodos de glaciação ocorridos ao longo dos séculos no planeta Terra. Conta-me Victor que os pumas ensinam seus filhotes - dois por ano - a caçar matando ovelhas, por isso os fazendeiros os odeiam e contratam, às escondidas, já que estes felinos são protegidos por lei, caçadores para eliminá-los. Seu peso atinge 90 kg de puro músculo e 2,80 metros de comprimento, só sendo avistados pela manhã, bem cedo, ou à tardinha. Já os condores, cuja média de vida atinge 60 anos, continua Victor, alimentam-se de animais mortos. Os pais dividem-se na criação de seu único filhote: enquanto um busca a comida, o outro permanece no ninho cuidando da cria. Carregam a comida numa bolsa localizada no papo, e, ao chegar ao ninho o alimento semi-digerido é regurgitado no bico do filhote, durando esse processo 6 meses, tempo suficiente para que o aprendizado se complete. Victor, surpreende-me outra vez, quando retira de sua mochila uma toalha quadriculada verde e branca, estende-a na grama (o lugar escolhido foi um bosque de lengas já mostrando suas folhas alaranjadas) e coloca sobre a improvisada mesa sanduíches redondos de pão integral, feitos de massa bem leve, recheados com carne de soja, tomate, alface e fatias finas de abacate, um térmica com água quente, sachês de chá e café, um vidro com uma mistura de passas, damascos, ameixas secas, castanhas de caju, amendoim e amêndoas, além de barras de chocolate e uvas moscatel. Santo deus, um banquete no bosque magalhânico foi o que se revelou aquele piquenique! Desse jeito vou engordar, hehehe....

Nenhum comentário: