domingo, 12 de julho de 2009

Paso Pampa Llámac

Como todas manhãs, acordo com uma temperatura abaixo de zero, hoje, todavia, um pouco mais alta que as anteriores: - 1ºC. Atmosfera clara, serena, num céu desembaraçado de nuvens. Final de trekking, infelizmente! E nos aguarda, ainda, o derradeiro paso: Pampa Llámac (4.300 m). Deixamos o acampamento Inca Wain às 8 horas, percorrendo uma boa extensão de pampa, banhada pelo curso estreito do rio Jahuacocha. Quando ingressa na quebrada Pacclón, o rio cava um fosso e suas até então pacíficas águas transformam-se em turbulentas corredeiras, passando a ser chamado Atchin (numa tradução livre, Espirro). Parentêsis, parêntesis: por favor, nem levem a sério essa minha espúria tradução, pero não resisti à gozação, barata, eu sei. Os matutinos raios solares oferecem um mágico efeito luminoso quando incidem na neve que caiu durante a noite: os minúsculos flocos, ainda não de todo dissolvidos, adornam com seu brilho de diamante os talos de capim que recobrem o solo por onde trilho. Um show impossível de ser compartilhado já que os recursos de minha máquina digital são insuficientes pra capturar tal beleza.....uma pena! A quebrada de Pacclón, um largo e plano vale, é cercada em ambos os lados por altas montanhas que lançam extensas zonas de sombra na paisagem por onde passamos. Olho pra trás e vejo cada vez mais distantes os nevados Rondoy, Jirishanca, Toro e Yerupaja. Uma fina nuvem paira sobre este último cerro, tal qual um longo véu de noiva, coroando seu cume. À medida que ganhamos altitude, abandonamos a região sombreada da quebrada e ingressamos no território ensolarado da encosta superior do cerro que estamos ascendendo. Nada de muito exigente as primeiras duas horas de caminhada, margeadas pelos indefectíveis currais de taipas, destacando-se aqui e ali arbustos floridos de amarelo. Cruzamos bosques de queñuales com seus belos troncos retorcidos e pego, caída no chão, a casca de um deles. Dessa feita, o meu recuerdo do trekking será um objeto do reino vegetal. Mas tanta moleza tinha de acabar! Embora a subida até o paso apresente só 300 m de desnível, é dura e bem íngreme! Além do mais, estou sentindo os efeitos da fadiga dos 9 dias de intensa caminhada. Assim, não me faço de rogada e aceito o amável convite de Julio pra montar seu cavalo. Dá um medinho porque o cavalo vai rente às bordas dos precipícios. Quando chego ao alto do cerro que suponho ser o paso (na verdade, o paso localiza-se mais adiante) desmonto, contente de pôr o pé em terra firme. Prefiro caminhar a ficar encarapitada no alto do cavalo. Sei lá se o bicho, de repente, não resvala nas pedras e lá vou eu despencando morro abaixo! Finalmente, chegamos ao paso, de onde já é visível um pedaço da cordilheira Blanca, situada ao norte. Alguns dos membros do grupo dos 8 sacam seus celulares (aqui já há sinal) e conversam, entusiasmados, com seus familiares, provavelmente, dando detalhes do trekking que finda. Depois do paso, numa descida interminável de 2 horas, (pra mim pareceram 4 horas), caminhando sob um sol, brilhando inclemente num céu de brigadeiro, o calor se faz sentir. Paro e retiro os agasalhos, ficando só de manga curta. A descida é bem chatinha, cheia de pedras e areia fofa. Como sempre, fico pra trás, caminhando, cautelosamente, porque tenho medo de levar algum tombo. Além do mais, aproveito e curto, sem pressa alguma, meus últimos minutos de caminhada. Um bosque de cáctus, alguns floridos de vermelho, crescem altaneiros ao lado da estradinha. Impressionante! Nunca vira tanta quantidade e tão altos assim! Já avisto os telhados metálicos de Llámac, brilhando lá embaixo. Pequena e pitoresca, a pequena vila, situada a 3.300 m de altitude, tem na sua entrada pequenos sítios protegidos por muros de pedra. E novamente rola outra discórdia. Tudo porque Richardi, a uma certa altura da descida (talvez porque eu estivesse num passo lento demais), se mandara com o grupo me deixando pra trás. Isso me põe nervosa e irritada pois nem sei direito onde é o lugar onde o ônibus nos espera. Peço então à Vivi, que caminha mais à frente, que me espere. A irritação, porém, leva a melhor, e, quando chego ao ponto de encontro, vou direto e reto pra cima de Richardi, reclamando, energicamente, por ele ter me “abandonado”. Minha relação com o casal, que já andava estremecida por conta de desavenças anteriores, deteriora-se em definitivo, quando Juan, o protetor dos fracos e oprimidos, mais uma vez, toma as dores pelo guri, intrometendo-se de pato a ganso na conversa. Rispidamente, fuzilo-o com os olhos e ordeno-lhe que não se intrometa. Richardi, sentindo que a briga é de cachorro grande, escapole rapidamente. Fico, depois, sabendo o motivo da pressa do guia: ele queria chegar antes das 13 horas, horário combinado de nossa partida pra Huaraz, a fim de tomar banho na vila. Gurizinho caprichoso este! Claro está que um pouco depois, mais calma, sem Juan interferindo, procurei Richardi pra aclarar o mal entendido. Finalizamos a conversa, apertando as mãos, sem rancor algum. A estrada de Llámac a Huaraz, de chão batido, me parece mais perigosa que aquelas percorridas no Paquistão, impressão confirmada por Bea, minha xará basca, que também esteve lá. Em ziguezagues contínuos, a estreita e sinuosa via, recortada nas encostas das montanhas, descortina profundos precipícios em cujos fossos escorrem as águas agitadas dos rios. Ao longo duma boa parte do trajeto, avistam-se, ainda, os nevados Ninashanca, Rondoy, Jirishanca, Yerupaja e Siula, substituídos, à medida que nos aproximamos de Huaraz, pelos nevados da cordilheira Blanca. Analiso, enquanto viajo, os motivos por que nós três, Juan, Arantza e eu, estamos tão emburrados a ponto de trocarmos palavra alguma durante as 4 horas em que permanecemos enclausurados no ônibus. Pra mim, a semente do azedume foi plantada a partir do episódio ocorrido no paso Yaucha, cujo pivô foi o inocente Richardi. Por supuesto, o episódio das gorjetas foi outro golpezito. E o antepenúltimo golpe, a discussão - vamos colocar assim - causada por motivos econômicos, dois dias atrás, no acampamento Inca Wain, abalou mais ainda a já frágil reserva de boa vontade dos bascos comigo. Sentados na barraca-refeitório, bebericando nossos chazinhos pós-ceia, sei lá por que cargas d’água, Arantza e Juan começaram a se queixar da perda de poder aquisitivo nos Países Bascos, quando da substituição da peseta pelo euro, com a consequente desvalorização da antiga moeda espanhola. Seus argumentos mais lembram as lamúrias de pequenos burgueses. Partindo de comunistas, isso me causou perplexidade...que durou pouco, entretanto. Como adoro uma discussão (meu filho diz que sou uma encrenqueira nata), provoco-os, afirmando que, apesar da unificação européia, seu padrão de vida é bem melhor que o existente no Brasil. Astuciosos, porque já haviam especulado dias antes o preço dum imóvel na cidade onde moro, jogaram em minha cara que, com 120 mil euros, só poderiam adquirir um apartamento de 60 m², ao passo que, no Brasil, a mesma quantia compraria um de 150 m². Consideram tal argumento, os babacas, o cheque-mate que poria fim à discussão. Já um pouco enjoada do bate-boca (enfezadíssimos os dois, tanto que o tom de voz até subiu duas oitavas), ainda mais depois que Arantza resolveu me chamar de hombre, obrigando-me a pedir-lhe, energicamente, “no me llames así, Arantza, soy mujer” (e não é que a basca, sei lá se por implicância, ou se por cacoete de linguagem, continuou a me tratar desse jeito?), lancei na cara deles, numa manobra diversionista, que os brasileiros conheciam muito mais sobre a Europa do que eles sobre o Brasil. Consegui desconsertá-los momentaneamente. A Juan, mais que à indomável Arantza. Embora tenha fornecido um bom mote pra que exercessem a famosa autocrítica, tão típica de todo comunista que se preza, eles mantiveram aquele papinho ressentido sobre os efeitos deletérios da unificação européia. Engraçada essa gente, passei o trekking todo escutando eles tecerem loas sobre seu país. Incentivava-os, inclusive, indagando, sobre particularidades de sua terra. Já eles, em raríssimos momentos, manifestaram interesse em obter informações sobre o Brasil. E eu e Milton, na maior polidez, nos esforçando em falar espanhol – vá lá, portunhol! -, bem como procurando entendê-los, mesmo quando falavam naquele jeito rápido deles de metralhar as palavras. E pensam que se comoviam, quando pedíamos “por favor, hablen más despacio?” Só não!! Continuavam a cuspir as palavras num frenesi verborrágico. E, nós, quando nos arriscávamos a falar português, erámos fulminados com “no entiendo....no entiendo”. Mas tudo acabou em pizza! Se figurativamente? No, no! Explico: Arantza, quando já estávamos em Huaraz, bate à porta de meu quarto, convidando-me a cear com eles mais Milton no El Horno, uma das tantas pizzarias da cidade, localizada no Parque del Periodista. Comunistas porém politicamente corretos....estranha combinação! Satisfeita com tal happy end, saio do restaurante, voando as tranças, rumo ao hotel buscar minha bagagem. O ônibus pra Lima parte às 23 horas e já são 22. Durmo que nem uma pedra durante a viagem, e desperto solamente na capital peruana. Despeço-me de Arantza e Juan, que também viajaram juntos comigo, e me mando pro aeroporto. É.....já estou com saudades! Hasta la vista arrebatador Peru!!

sábado, 11 de julho de 2009

La Pachamanca

A madrugada está linda e fria (-2ºC) quando levanto pra fazer xixi. Embora já minguante, a lua ilumina o campo ao redor do acampamento. Só às 7:30, saio da barraca, afinal hoje o passeio é light, uma leve caminhada até a laguna Solteracocha. Bandos de yanavicos - pássaros pretos de bico amarelo, muito elegantes - voam formando "vês" no límpido céu azul. No desjejum, é servida uma panqueca trigostosa que recheio com mel. Às 9:00, partimos em direção à laguna Solteracocha, situada um mais além do lago Jahuacocha. A trilha bordeja sua margem esquerda onde vicejam tufos de capim dourado. Ao longo do caminho, nas encostas dos cerros, destacam-se bosques de queñuales com seus troncos retorcidos. A temperatura muito agradável é um alívio pros dias frios que vínhamos até então enfrentando. Os estupendo nevados Rondoy, Jirishanca, Toro, Yerupaja e Rasac estão totalmente visíveis, sem quaisquer nuvens que toldem sua branca imponência. Após pouco mais de uma hora, chegamos à laguna Solteracocha. Pequena, redonda, suas águas verde-esmeralda refletem a brancura dos nevados situados acima dela. Uma grande avalanche, precedida dum silvado (provavelmente devido ao trincamento do gelo), resvala estrondosa pelo flanco do Jirishanca. Enquanto ficamos, eu, Milton e Richardi (Arantza e Juan resolvem se mandar antes pro acampamento), aguardando novo desmoronamento de neve que, entretanto, não ocorre, aproveito pra observar melhor a face oeste do Yerupaja: amarelada, apresenta listras horizontais escuras, ao passo que os outros nevados as têm num tom uniformemente escuro. Por volta do meio-dia, quando retornamos ao acampamento, nuvens fofas e brancas começam a preencher o azul do céu, sem, contudo, empanarem o sol reluzente de inverno. Os três voltamos, sem pressa, parando várias vezes pra fotografar a paisagem magnífica que nos rodeia. Um killiksha (espécie de falcão) prende nossa atenção e Milton se põe a fotografá-lo enlouquecido. Explica que adora clicar aves. Ao chegar ao acampamento, dirijo-me ao refeitório e peço um copo pra colocar as flores que havia colhido durante o passeio. Fico sabendo, então, que fui escolhida a madrinha da pachamanca. Pachamanca é um assado de ovelha temperado com ervas e acompanhado por vários tipos de batatas, como camotes e ocas, cujo cozimento é processado sob a terra. Minha tarefa como madrinha é retirar a areia que cobre a comida com uma pá. Emocionada, derramo algumas lágrimas que limpo, rapidamente. Sei lá por quê, envergonho-me de chorar na frente dos outros. São tantas as emoções: este bom povo peruano, gentil e prestativo, faz meu coração palpitar de alegria. Compro algumas cervejas que ofereço ao pessoal do staff. Agradecem felizes da vida. Brinco com eles pra que não se emborrachem em demasia. Riem com gosto. Agora, depois de ter comido à farta, vou sestear um pouco já que o forte vento impede a permanência ao ar livre. Durmo aquele sono pesado de quem comeu muito e acordo louca de sede. Bebo um pouco de chá de camomila e saio da barraca. O vento amainou, coisa boa! Encontro Vivi e, curiosa, pergunto a ela o motivo de eu, entre tantos, ter sido eleita a madrinha da pachamanca. Ela, sorridente, responde: “porque usted eres chistosa e alegre”. Mais uma vez agradeço, toda envaidecida. Tão bom ser querida! Aproveito pra explorar um pouco as cercanias do acampamento, e subo num morrete de onde posso observar melhor a paisagem. Algumas gaivotas dão rasantes nas águas do lago Jahuacocha. Saco a digital do bolso da pantalona mas logo desisto de fotografá-las porque o zoom é uma merda, deixa as fotos demasiadamente granuladas. Assim, fico só observando o vôo das aves. De volta à barraca, sou abordada por um dos bascos do grupo dos 8 e ficamos conversando. Ele conta que esteve no Brasil na década de 80 com a mulher e adorou o país, o que me deixa super orgulhosa. Simpático e educado, a prosa rola com facilidade, eu mais escutando que falando. Apesar de ser uma gasguita incorrigível, sei, quando quero, ser boa ouvinte. Além do mais, como não escutar com atenção o que falam sobre o meu país, não é mesmo? O acampamento está cheio de turistas que chegaram durante a tarde e barracas estão sendo montadas, algumas, inclusive do outro lado do rio. Chama minha atenção um círculo de pessoas à volta duma ovelha, morta, recentemente, pra outra pachamanca. Aproximo-me e fico ali curtindo o destripamento do bicho. Fascinada - nunca presenciara o carneamento dum animal antes –, vejo o estômago - uma grande bolsa que se encontra locupletada de comida - esvaziado, habilmente, para, posteriormente, ser aproveitado na feitura de lingüiças. Das tripas são retiradas, com destreza cirúrgica, três enormes tênias. Uma médica francesa explica que a primeira providência, pra matar estes vermes, é entornar uma cerveja (não explicou se a garrafa seria de 600 ou de 375 ml), e ato contínuo, ingerir o vermífugo. Garante que é tiro e queda! Essa é boa, às tênias é dado o consolo dum tragoléu antes de exalar o último suspiro, hahaha!! Ao meu lado um baiano curte o espetáculo tão encantado quanto eu. Entabolamos um papo sobre o trekking, trocando impressões sobre os lugares que já havíamos percorrido. Ele e seu grupo atravessaram o paso San Antonio um dia depois que desistimos de cruzá-lo. Infelizmente, pouco viram dos nevados devido ao mau tempo que persistiu em reinar sobre aquela região. Quando o frio começa a pegar, cada um de nós procura refúgio em suas barracas. Ao ver a luz do lampião acesa na barraca-refeitório, pra lá me dirijo, encontrando Milton debruçado sobre um mapa. Conversamos sobre a proposta de Arantza e Juan em rachar as gorjetas com o grupo dos 8. Participo-lhe que darei a minha individualmente, recebendo sua pronta adesão, atitude que desagrada o casal quando informado de nossa decisão. Argumentam que a média de gorjetas, via de regra, é 25 euros por pessoa (não tenho bem certeza mas parece ser essa quantia) e nós, ao darmos mais (Milton pretende dar 50 dólares e eu 100), estaríamos rompendo um padrão estabelecido pela maioria dos turistas. Essa é boa!! Que padrão, hein, cara pálida? O nosso é outro, ora bolas! Mais uma vez, os brazucas deram um show de união, e, batendo o pé, metaforicamente - é claro – dissemos um não uníssono à proposta reducionista dos bascos. Seria risível a atitude do casal se não houvesse um não sei quê de prepotência. E devem estar nos tachando de pequenos burgueses, corruptores da classe trabalhadora, hehehe, porque descobri ontem à noite, em meio a uma discussão acirradíssima travada após o jantar, que são comunistas. Ééééé....são muitas as emoções neste trek!! E viva a diversidade de opiniões!!

sexta-feira, 10 de julho de 2009

Paso Yaucha

Devido ao frio, levanto não uma, mas duas vezes pra fazer xixi durante a madrugada, e, na noite clara, a lua prateia tudo ao derredor. Pela manhã, mesmo com um sol escancarado, a baixa sensação térmica faz doer as pontas dos dedos dos pés e das mãos. Escuto um dos bascos comentar que a temperatura, durante a noite, foi de – 4ºC, o que resta comprovado pela fina camada de neve branquejando o solo e os tetos das barracas. Partimos às 8 e, sobre nós, um céu de brigadeiro prenuncia um lindo dia. Um pouco além do acampamento, mais um portão, onde os ingressos são apresentados. Ingressamos na quebrada Ancocancha, um largo vale repleto de pequenas lagunas. Vejo, plantados nos flancos das montanhas, os primeiros queñuales, árvore típica dos Andes. Sua copa, formada por folhas miúdas, é frondosa; o tronco, de coloração ocre, é revestido por finíssimas lâminas de casca (parecem papel-seda), cuja função é servir como isolante térmico contra o frio andino. Flores vermelhas caem de seus galhos. As nuvens formam zonas de sombra nas encostas dos cerros, expondo a superfície áspera e fissurada das rochas. Gosto de vê-las sem a cobertura branca da neve, assim posso apreciar a textura e cor das pedras pelas quais sou apaixonada. Decerto, essa visão é mais agressiva que a dos nevados porque estes são suavizados pelo manto da neve que os protege. À medida que avançamos em direção ao paso Yaucha - uma suave subida em ziguezague, deveras fácil – vão surgindo os nevados. Às 10:20, já no cocoruto do Yaucha (4.750 m) , desfruto, deliciada, a visão reluzente das brancas faces ocidentais dos nevados Ninashanca, Rondoy, Toro e Jirishanca. Um espetáculo de encher os olhos! Embora fofos e espessos flocos de nuvens estejam já se agrupando, o sol mantém-se inabalavelmente radioso no céu. E oxalá assim permaneça durante o resto do dia! Ao lado do paso, há um morro cujo acesso até seu topo permite apreciar o Yerupaja e Siula dando a tapa suas caras oeste. Não vou até o final, apenas o suficiente pra poder fotografar os dois gigantes nevados. Como sói acontecer, sempre há uma pendente pedregosa em ziguezague após os pasos. E a que enfrento não foge à regra, conduzindo à quebrada Huacrish, resguardada à direita por uma belíssima muralha formada por numerosos e altos blocos rochosos. Ao longo do declive florescem arbustos de tarwi que exalam um agradável odor adocicado. Um rio de águas claras serpenteia serelepe ao longo da quebrada. Já em terreno plano, rebanhos de touros pastam nos campos. Durante boa parte do percurso, é possível, olhando pra trás, avistar os imponentes nevados Tsacra e Huacrish. Eu, toda contente, pensando que não havia mais ladeira pra descer, tenho uma desagradável surpresa: eis a minha frente outra pendente, esta sim, extremamente íngreme e tortuosa. Entretanto sou recompensada, enquanto desço o áspero declive, com a visão da superfície verde-esmeralda das águas do belíssimo lago Jahuacocha. Situado lá embaixo, no vale, dá pra ver com nitidez os dois rios que o alimentam. Um deles é o rio Pacclón; o outro é justo o que desce pela quebrada Huacrish, delimitando o seu final uma formidável cachu de uns 200 m de altura. O sol continua forte e firme reinando no céu. Dessa vez, as fofas nuvens brancas não levaram a melhor, ofuscando seu brilho. Nosso acampamento, o Inca Wain, situa-se em frente às faces oeste dos nevados Rondoy, Jirishanca, Toro e Yerupaja. Chegamos ao acampamento às 13 horas, e, como de hábito, faço meus alongamentos. Os cozinheiros compraram duas ovelhas para a pachamanca que será servida no almoço, amanhã. Oba, haverá um festim!! Neste acampamento, há um pequeno comércio local: numa tendinha, uma índia vende refris, cervejas, toucas e meias. Pergunto se vende cigarros, a resposta é negativa. Aponta com o dedo de sujas unhas, a casinha mais adiante. Dirijo-me até lá. A habitação, tosca, é feita de pedras, teto coberto de palha e chão de terra batida. Muito escura, a moradia lembra uma caverna. A dona, uma mulher de seus 60 anos, parece ter uns 70. Pergunta enquanto eu a fotografo (essa não se incomoda) se eu não tenho remédio pras dores que sente nos joelhos (provavelmente artrite, devido à idade). Aliás, desde ontem, têm sido constantes os pedidos de medicamentos. Um homem e depois uma mulher pediram pastilhas pra garganta. Todos se queixam de que as cidades, onde há farmácias e médicos, localizam-se muito longe. Afora isso, os meios de transportes são os lombos das mulas ou de cavalos, dificultando, sobremaneira, a locomoção. Pobre gente, tão mal tratados e mesmo assim resignados. Recuso o convite de Vivi pra tomar banho na lagoa. Só de pensar em entrar na água gelada, sinto calafrios. Nananinanão....eu fora! Sento ao ar livre junto a Arantza, Juan e Milton, aproveitando o sol gostosinho do meio da tarde. Aproveito e fumo um cigarro que trago com volúpia e vagar. É o primeiro cigarro em oito dias. O grupo dos 8 também se aquece ao sol, sentados mais adiante de onde estamos. Boquiaberta, vejo bandos de gaivotas voando de lá pra cá. Nunca, nunquinha, imaginaria encontrar gaivotas a 4.000 m de altitude!! Sempre pensei fossem aves marítimas....puxa, que coisa! Ficamos até quase às 17, lagarteando, quando, então, o sol desaparece atrás das montanhas, e a temperatura baixa vertiginosamente. E o frio começa a pegar, obrigando todos a se recolherem ao interior de suas barracas até a hora da janta. Mais uma vez retorno à leitura do Pólo Sul. Passados quinze minutos, largo o livro sobre a barriga, distraída que sou pelo bramido potente das águas da cachu despencando montanha abaixo. Lembra barulho de ondas batendo na areia....que legal! E continuo prestando atenção aos ruídos a minha volta. Balidos de ovelhas, ainda, soltas no pasto. As risadas de Arantza, provocadas por algo que Juan lhe conta, me fazem sorrir. E a algazarra de vozes masculinas na barraca ao lado, pertencentes a dois bascos do grupo dos 8, desperta-me o desejo de ser uma mosquinha pra escutar a conversa. Fazer o que, né? Admito, gente, o meu lado voyeur vez por outra escapa....assim, sem eu me dar conta. Mas juro, é do bem , podem crer!

quinta-feira, 9 de julho de 2009

Paso Tapush

Quando acordo de madrugada pra fazer xixi (o relógio aponta, exatamente, 1 e 30), a lua cheia, num céu despejado de nuvens, realça com seu brilho prateado os cerros que circundam o acampamento, destacando-se o lindo monolito rochoso Padre Eterno. O pueblito de Huayllapa, situado a 3.500 m, é o lugar de menor altitude onde acampamos até agora. Assim desfrutei duma boa noite de sono, já que o frio não foi tão severo quanto o de noites anteriores. De manhã, um sol radioso, brilhando num céu de brigadeiro, torna amena a temperatura. Aqui, em Huayllapa, banho quente é luxo pra poucos. Ao que parece, só uma casa tem tal conforto. Daí por que os habitantes são tão sujinhos. Eu, caso morasse aqui, também, enforcaria o banho diário. Nem pensar em enfrentar água fria todos os dias. Bem fazem eles! Saímos às 8 e 20 da vila e, durante quase duas horas, percorremos as estreitas e sinuosas quebradas Milo e Huatiaq. Muita vegetação em seu entorno, destacando-se, em meio aos arbustos floridos, a belezinha amarela das calceolárias, vulgarmente conhecidas como sapatinhos de vênus. Percorre as duas quebradas um rio, cuja agitada corredeira turbilhona veloz entre as pedras ancoradas em seu leito. Sua nascente origina-se dum dos glaciares que pendem das largas e espalhadas encostas do nevado Ancocancha, situado 3 km além. Durante o trajeto, mulheres, montadas em mulas, envergam, vaidosas, seus chapéus enfeitados com coloridas flores artificiais (algumas delas as usam naturais, colhidas dos arbustos que vicejam em ambos os lados da estradinha). São acompanhadas por maridos e filhos que caminham junto à montaria. Dirigem-se às plantações de okas, já que estes tubérculos estão no ponto de serem colhidos. À tardinha, retornam pras suas casas em Huayllapa. A subida é íngreme e ao sairmos do confinamento da última quebrada, a de Huatiaq, despenca, dum desnível do terreno, uma cachoeira altíssima, formada pelo rio que se origina das águas de degelo do glaciar Ancocancha. Agora, já em espaço aberto, avista-se o cerro Juituhuarco (5.449 m) com sua cumbre e encostas nevadas. Eu que largara na frente pra não perder o ritmo, já que Arantza e Milton, como sempre, sobem devagar, chego às 13 horas aos pés do Ancocancha onde apontam suas duas cumbres. O céu, tão límpido pela manhã, agora já se encontra ocupado aqui e ali por pesadas nuvens brancas. Encontro, já almoçando, o grupo dos 8. Dessa feita, os cozinheiros prepararam massa com atum. Conversando com Otavio (irmão de Vivi, e guia, também, do bando dos 8), descubro que Richardi me repassara uma informação errada (e já não era a primeira vez que o guia se enganara). A montanha que eu supusera ser o Diablo Mudo é, na verdade, o Ancocancha. Quando Richardi chega com o resto do meu grupo, chamo sua atenção pelo equívoco. Os demais guias, juntamente com os dois cozinheiros, tiram sarro do jovem que se mostra, visivelmente, embaraçado. Fico com pena - tadinho, afinal, é ainda um aprendiz -, e trato de amenizar a situação, explicando que Richardi, devido à inexperiência (afinal, é sua primeira guiada no circuito Huayhuash), não tem obrigação de saber com exatidão os nomes das montanhas. Porém Arantza e Juan tratam de meter o bedelho na conversa e tomam o partido do guri, argumentando que ele só necessita saber as direções certas a seguir, pouco importando o nome dos lugares. Até meu compatriota Milton (jesus cristinho, dai-me paciência!) resolve soltar seu pitaco e, quando reiniciamos a marcha, dá uma letra pra eu pegar menos pesado com o rapaz. Respondo, asperamente, que ele não se meta em assuntos alheios (sou meio barraqueirinha, sim!). Cria-se, assim, um clima um tanto desagradável, e mantenho pelo resto do caminho um silêncio meio emburrado. Se eles pretendem me transformar na vilã dos pobres e oprimidos, deram com os burros n’água. Ah...essa não!! Penso até que, ao exigir mais do jovem guia, ajudo-o a conhecer melhor a região por onde continuará fazendo suas guiadas, não é mesmo? Aliás, já discutíramos sobre isso, eu, Juan e Arantza. Eles são de opinião que um guia – porque assim é na Europa, eles querem que aqui seja igual – só precisa ter ciência das trilhas; já eu penso o contrário, não basta apenas conhecê-las, tem de, ainda, prestar informações corretas. Uma coisa é ser guia e outra condutor. Richardi estuda pra ser guia, portanto, não é um mero condutor, não! Embora de curta duração, cai, em meio à tarde ensolarada, uma precipitação de aquanieve. Passamos por uma cruz que marca o local onde bandoleiros assassinaram uma estrangeira e um limenho vindos de Huayllapa. Essa foi uma época em que eram freqüentes os roubos de turistas por nativos assaltantes. Hoje em dia, felizmente, isso não mais acontece. Após o paso Tapush (4.750 m), é possível avistar, agora sim, o Diablo Mudo (5.223 m), descortinando-se lá embaixo, no vale, a laguna Susucocha. O tempo começa a fechar e somos surpreendidos com a queda brusca duma nevasca que dura uns bons 30 minutos. Embora estejamos cansados, tratamos de apressar o passo até o acampamento Gashcapampa, montado no interior dum curral, onde chegamos às 15:20, encontrando o chão e tetos das barracas branquinhos da neve que há pouco caíra. E o sol volta a brilhar, iluminando o Diablo Mudo (5.223 m) e outros belos cerros despidos de neve, situados ao redor do acampamento. E o frio tá pegando, prenunciando uma noite daquelas. Meio entediada de estar na barraca, vou até o refeitório. O seu interior, aquecido pelos fogareiros, está bem quentinho, deveras agradável. Sento num caixote e fico de papo com os cozinheiros e arrieros enquanto espero a hora da janta. E, assim, surge a brilhante idéia de encher com água quente uma garrafa de plástico de 500 ml pra aquecer meus pés quando for me deitar. É o que me salva da gélida noite, ao ressuscitar as antigas botijas usadas por minhas tias-avós há 50 anos atrás. Graças a essa enjambração, consigo adormecer com relativo conforto. P.S.: Sou obrigada a fazer um mea culpa em relação ao meu guia Richardi. Vejamos por quê: trocando informações via email com um dos bascos do grupo dos 8 - Juan - fui informada de que, na verdade, Richardi, e não Octavio, tinha razão quando afirmara que o nevado que eu vira desde que saíra da quebrada Huatiaqa até o ponto onde paramos pra almoçar era mesmo o Diablo Mudo. Putz grila, meu puxão de orelha no guri foi desnessário. Perdóname, muchacho!

quarta-feira, 8 de julho de 2009

Pueblo de Huayllapa

E o cachorro ladrou a noite toda por causa duma raposa.....aiaiaiai! Cerros e pampa amanhecem cobertos de neve. No céu, cinzentas e espessas nuvens aumentam a baixa sensação térmica. Está um frio de renguear cusco. Eu, que pendurara, numa corda do lado de fora da barraca, meias e calcinha, dou de cara com as peças de roupas absolutamente congeladas. E não é que minhas roupas viram atração e são fotografadas por alguns membros do grupo dos 8? Ameaço cobrar direitos autorais. À princípio, desconsertam-se, logo, porém, percebem que é brincadeira e riem divertidos. Quando as barracas são desmontadas, surgem, no lugar onde estavam instaladas, claros de grama em meio à brancura do terreno. Bueno, estamos desapontados porque não poderemos ir pelo Paso San Antonio devido ao mau tempo. Ainda que os guias acedessem aos nossos apelos, de que adiantaria seguir por essa rota se a cerração, que paira sobre o paso, não nos permitiria ver nenhum nevado? Assim sendo, continuaremos pela trilha de Huanac Patay. Percebo que em direção ao oeste, pra onde rumamos, brotam rasgos azuis no céu, prenunciando bom tempo. Já é um consolo! Partimos às 8:15, seguindo o rio Huayllapa cuja nascente tem lugar na laguna Jurau, encravada aos pés do nevado de mesmo nome. O rio, de corredeiras, forma ao longo de seu curso pequenas quedas d’água. O tempo desanuvia por completo e o sol aparece, radiante, inundando de luz a paisagem. Nem parece que, 2 km atrás, o solo se encontrava todo branco. Aqui, no terreno seco e verdejante, nenhum vestígio de precipitação de neve. Após 3 horas de caminhada, ultrapassada uma curva da estradinha, surgem, abruptamente, os nevados Huaqshash (5.644 m) e o Pariaucro (5.571 m). Embora meio encobertos por nuvens, dá pra perceber sua grandiosidade. Ao longo da trilha, inúmeros currais circulares de pedra evidenciam a forte vocação pecuarista da região e uma ocupação humana mais acentuada que nos caminhos percorridos anteriormente. O cerro San Antonio cede espaço ao cerro Santa Madalena. Em ambos os lados da estreita trilha, arbustos floridos colorem de amarelo e roxo os campos. Ovelhas pastam, balindo vez por outra. Paramos prum lanche rápido, e percebo, cada vez mais diminuto, o nevado Cuyoc. Durante o trajeto, os cozinheiros Julio e Antonio passam por mim a cavalo, e, gentis, perguntam se não quero montar. Declino do convite e lá vão eles em trote acelerado estrada afora. Ouço um tropel de mulas perseguidas por alguns arrieros que as invectivam a seguir em frente. Que fôlego esses homens têm! No fim da quebrada, uma espécie de mirador permite ver, à esquerda, no final do vale, alguns telhados de zinco dos casarios de Huayllapa; à direita, um rio espumante desce célere por entre as rochas de seu leito. O rio Huayllapa, até então, deslizando tranqüilo por entre mansas corredeiras, desemboca, abruptamente, nesse outro rio, cavando formidáveis degraus cuja queda d’água mede bem uns 200 m de altura. O desnível até Huayllapa, onde acamparemos, perfaz 900 m. Assim, a trilha que conduz ao vale, num ziguezague constante, é uma pendente áspera pra caramba. Durante a abrupta descida, começa a chover forte. Aliás, essa é a primeira chuva na trilha e tiro minha jaqueta Lowe Alpine da mochila. Não demora muito, entretanto, o chuvaral. Coisa boa, porque descer ladeira molhada exige bem mais cuidado. Testemunho uma cena tocante: jaz, caído numa ribanceira, situada mais abaixo da estradinha, o cadáver duma mula, velada, ao que tudo indica, por sua companheira ou companheiro. Até nem quis fotografar ou filmar em respeito ao luto do animal viúvo. Encontro meu grupo (sempre sou a última a chegar) já reunido em frente ao rio, almoçando um arroz à grega com bolachas cream cracker (o motivo de servirem bolachas no almoço será pra substituir o pão que se esfarela facilmente? Só pode). Me dou conta, então, do motivo da pressa dos cozinheiros: chegar antes de nós pra servir o almoço. Coisa mais querida e atenciosa esses dois guris! Tenho de comentar algo que venho observando durante os meus treks. Os montanhistas, em sua maioria, gostam de caminhar em passo acelerado. Até entendo os que carregam mochilas cargueira: querem mais é chegar rápido ao seu destino. Mas os que levam mochilas de ataque, sei não. Mais parece que estão em uma corrida de aventura, todos têm pressa de chegar aos acampamentos. Mas pra quê, pergunto, se estamos em férias? E hoje, então, quem menos corre, voa, porque entram numa que vai, novamente, chover (o que não acontece). Pergunto pros meus botões de que valem as roupas impermeáveis de boa qualidade e as sofisticadas botas de Goretex? Tsk...tsk....tsk. Escolho ficar atrás, de propósito. Assim, posso curtir a paisagem e fotografar sem que ninguém atrapalhe minha visão. Bueno, retornando ao ameno tema paisagem, observo que, ao contrário da sua larga parte superior, a quebrada, aqui em baixo, confina-se entre as altas montanhas que a delimitam. Mais uma hora e meia de descida, dessa feita suave, percorrendo uma estradinha cercada por muros de pedra em que abundam variedades de flores, algumas, inclusive, tricheirosas. Cultivadas em terraços, nas encostas das montanhas, destacam-se plantações de abas (ajudam a eliminar o colesterol), leguminosas cujas flores brancas lembram um pouco o gladíolo. De fato, a paisagem de hoje difere da água pro vinho da dos dias anteriores, repletas de nevados e de amplos pampas. Nem por isso é menos bela! Um pouco antes de Huayllapa, crianças pedem “caramelo, caramelo”. Tiro fotos de dois irmãos que retornam do colégio pra casa. Ele faz pose, fingindo que lê um livro de matemática. Gabam-se que já sabem ler e contar até 20. Mais adiante, outros pequenos pedem “caramelo, caramelo”. Só diferem das nossas crianças de rua porque estas pedem dinheiro. Digo que não tenho, pedem então que eu as fotografe. Tão sujinhas elas. Suas bochechas, queimadas de sol, exibem rosetas vermelhas. Mais adiante, mulheres lavam roupa num córrego. Homens conduzem mulas carregadas de sacos repletos de okas. Quando chego ao acampamento - montado num campo de futebol - às 14 horas, chove forte durante uns 20 minutos. Não demora muito, grupos curiosos de adolescentes e crianças vêm nos espiar. Algumas mulas pastam perto do muro que circunda o lugar. Uns guris batem pênaltis em frente a uma das goleiras. O futebol é uma paixão nacional e os jovens peruanos levam a sério tal esporte. No fundo do campo, estudantes treinam salto, preparando-se para um torneio de jogos olímpicos que acontecerá no fim de semana. Dou uma banda no povoado e encontro meu grupo, bebericando cerveja numa bodega, chamada Ojitos de Huayhuash, cuja proprietária, Dona Daria, solícita, não se nega a posar pra fotos. O vilarejo é pobre e muy pequeno. Ruas de chão batido, casas de pedra ou de adobe, poucas rebocadas, algumas com telhados de capim, outras cobertas com folhas de zinco. Uma pequena pracinha e uma escola, além do já mencionado campo de futebol. Em vinte minutos, dou por terminado o tour pelo lugarejo onde mulas e galinhas perambulam tranqüilas. A janta, geralmente, servida às 19 horas transcorre como sempre em alegre confraternização. Sopa de quínua, macarrão com molho de carne e, de sobremesa, pêssego em calda. Após a ceia, acompanho Vivi até o posto telefônico, já que a meiga guia tem medo de ir sozinha pelas vielas escuras. Entramos no recinto e enquanto Vivi faz sua ligação telefônica, converso com um professor de Geografia que confirma serem as cordilheiras Blanca e Huayhuash, como eu acertadamente supusera, ramificações da dos Andes. Entra na conversa, ainda, um arriero, morador do lugar. Aliás, esses homens, exatamente porque trilham há anos a cordilheira Huayhuash, sabem melhor que ninguém os nomes de nevados, rios e quebradas. Mais seguro, às vezes, se informar com eles do que com os guias. A noite está trilegal e o frio é tão civilizado que dispenso luvas e gorro pra dormir. E a lua cheia brilha no céu imaculado de nuvens. Tão bom estar aqui!