domingo, 30 de agosto de 2015

Cemitérios à Beira Mar

Domingo de céu nem tão aberto assim quando saímos de Mundaú às 7 da manhã rumo a Icaraí de Amontada, Johny, o mesmo barqueiro da navegação que fizéramos ontem à tardinha no rio Mundaú, nos atravessa pro outro lado da península. Se assim não fosse, teríamos que adentrar o continente, pegar 2 rodovias, a 163 e a 168, pra voltar a pedalar na praia. Colocadas as bicis no barco, não dá 15 minutos e já estamos no outro lado da península, poupando precioso tempo. Próximo a Mundaú, ainda se vê vegetação de mangue, devido à presença do rio. Tô começando a apreciar esse vento, a um porque ele é favorável, e a dois porque evita que eu sue como uma condenada. A primeira praia pela qual passamos é Baleia seguida de Apiques. Contudo, a ordem de Comandante Alencar é seguir em frente, sem paradinhas e assim aproveitarmos a larga faixa de areia deixada pela maré baixa. Caso sejamos pegas pela preamar, teremos de pedalar, ou melhor, empurrar as bicis ao longo de 3 km de arrecifes, próximos às dunas. Conforme ensinamento de Nara, o bom é sair quando a maré cheia está nos seus últimos suspiros, num movimento de recuo, iniciando a expor, assim, maior extensão de terra. Ao contrário do dia anterior, algumas nuvens de coloração acinzentada fogem da usual brancura que costumam exibir. Será que choverá, pergunto aos meus botões? Ao longo da costa, as folhas dos coqueiros farfalham ao vento. Paro duas vezes pra fotografar dois pequenos cemitérios pousados sobre dunas. Com seus túmulos branquinhos, caiados de cal, singelas cruzes de madeira escura assinalam sua origem cristã. Desde Lagoinha, as indefectíveis estações eólicas têm dado o ar da graça, exibindo a bizarrice moderna de seus moinhos de vento. Urubus repartem entre si o enorme corpo morto duma tartaruga. É o ciclo natural da cadeia alimentar: atiram ao mar os pescadores suas redes em busca do peixe-sustento, ao passo que os urubus se atiram às carniças. Uma extensão grande de recifes, cujos afloramentos estão bem visíveis em razão de a maré ainda estar vazando, forma piscinas naturais cheias de água transparente tão clarinha é. Muita gente pesca nos atóis, aproveitando a maré baixa. Ultrapassado enfim o tal pedrario, Comandante Alencar permite que paremos em Caetanos de Cima. Eu louca que estou pra bebericar tanto água de côco quanto ypioca, fico desapontada quando a encarregada do Bar e Restaurante das Mulheres avisa que está sem água de côco, tampouco vende cachaça. A explicação de não vender o destilado tem origem no tanto que botam boneco (tradução do cearês: badernaço de bebum) os homens ao beberem a danada. Pra minha alegria, mal pedalados 2 km, eis Caetanos de Baixo, com mais opções de barzinhos que o de Cima, e, graças a deus, sem as rígidas regras do estabelecimento anterior. Capitaneado pela falante Claudia, entramos no Estrela do Mar, fresca tenda coberta por folhas de coqueiro, que serve não só água de côco como ypioca. Tento avisar Comandante Alencar e Menina Brandão mas fico em dúvida se entenderam meu gestual sinalizando nossa paradinha porque as duas queridas estão 200 metros além. Felizes da vida que nem pinto no lixo, eu e Cris nos lavamos na água de côco, além de cerveja – ela -, e esta senhorinha de ½ idade, na branquinha. Claudia gentilmente nos dá pra provar 2 espetinhos camarão ao alho e óleo. Oxente, boa demais essa vida! Percebemos eu e Amotinada Tavares que Comandante Alencar se equivocou em relação à localização da temida faixa de pedras, porque é aqui, próxima a Icaraizinho, que a dita cuja se aninha. Na beira d’água, os primitivos currais de peixes feitos com escuras varetas fincadas no mar, à semelhança dum labirinto, atraem os peixes pelas sombras que lançam à água. E dale a atravessar pequenas barras formadas por riachinhos. Delícia tudo isso! Já em Icaraí de Amontada, praia, atualmente, eleita a queridinha dos fortalenses, apelidada carinhosamente de Icaraizinho, tem um ar de paraíso perdido, segundo os nativos, semelhante à Jericoacoara de 20 anos atrás. Pousadas charmosas com boa infra atraem os turistas de maior poder aquisitivo. Porque açoitada essa parte do litoral durante alguns meses do ano pelos fortes ventos alísios, a prática do kite surf vem cada vez mais se difundido, o que seduz a galera jovem e descolada da capital. E após pedalarmos 41 km em 4 horas e 45 minutos, chegamos à pousada Villa Mango, onde celebraremos com um baita almoço o memorável pedal. Sorridentes, faceiras, inesperadamente, uma cachoeira de água geladésima cai sobre nós na forma de nova reprimenda aplicada por Comandante Alencar! Tudo por causa de nossa breve parada no Estrela do Mar. Além de nos penalizar com frio tratamento, decreta nosso banimento sumário de futuros pedais a serem organizados por ela. Valha-me deus, Comandante Alencar, dessa feita não lhe dou razão alguma, não! E acredite se quiser, a meiga cearense foi emburrada até Fortaleza!!

sábado, 29 de agosto de 2015

Arribação em Mundaú

Embora, hoje, sábado, não tenha pedal,  Nara dá toque de alvorada às 7 da matina. Só falta a corneta pra gente se sentir num quartel. A guria cearense é linha dura, oxente, motivo por que começo a chamá-la de Comandante Alencar. E lá vamos nós, após o desjejum, caminhar ao longo da praia. Nuvens encobrem vez por outra o astro-rei, motivo por que nem me preocupo em cobrir minha alva barriga. É um desastre a coloração deste meu corpitcho: somente rosto, braços e pernas – estas um pouco acima dos joelhos - bronzeados. O resto, duma brancura europeia, graças aos antepassados maternos, oriundos do norte da Itália. Quando estamos voltando pra casa, Nara, com sua fala mansa, em tom sempre baixo, começa a me dar um pito por causa do que rolou ontem. Afe maria, e eu até então crente que não resultaria maiores consequências da nossa irrefletida decisão. Triste engano, o meu! Deixem estar que vou revelar tudinho o que se passou. E deus que nem me perdoe se não é a pura verdade o que passo então a contar. Pois tudo iniciou quando, ontem, ao pararmos em Flecheiras, Nara, cuja bici não é das mais adequada às areias praianas, comunicou que iria pedalar na rodovia. Deixou, contudo, nós três livres pra continuarmos o pedal pela praia. Parceria é parceria, disse eu, e assim ficou decidido que iríamos juntas as quatro asfalto afora. A Comandante e Menina Brandão largaram na frente, ficando eu e Cristina pra trás, tudo tudo porque a paisagem pedia pra ser filmada. Nesse ínterim, Nara e Alu já se haviam se distanciado de modo que as perdemos de vista. Bueno, percorridos cerca duns 5 km, Cris se queixou de que tava foda pedalar na estrada pois o calor emanado do asfalto era demais pra bola dela. Convidou-me então pra voltarmos a pedalar à beira mar. Sem muito pensar, aceitei a proposta, e embicamos em direção à praia. Quando chegamos a Mundaú, Comandante e Menina não estavam em casa. Iva, que ali já se encontrava há horas porque fora de auto, diz que Nara, preocupada, pegara o carro pra averiguar o que nos acontecera. Baaah, pensei na hora: fudeu!! No retorno, Nara indaga por onde viéramos. Cris e eu damos uma enrolada, não abrindo totalmente o jogo. Explico que, um pouco antes de chegarmos a Mundaú, decidimos abandonar a estrada e vir pela praia pra curtir o visual. Porém a perspicaz Nara, como boa psicanalista que é, sacou a real mas deixou quieta nossa ½ verdade. E guardou a ralhação pro dia seguinte, nos fazendo crer que estaríamos livres de qualquer questionamento. Nem cogito em me defender. Aceito a reprimenda e, como boa cristão cheia de culpa, peço perdão pra ganhar a absolvição e, assim, me sentir aliviada. Feitas as pazes, voltamos novamente a ser amiguinhas. Ainda pela manhã, vamos, Menina Brandão, Comandante Alencar e eu, a Amotinada Azevedo (como passei a me autointitular após o imbroglio), até as dunas que circundam o rio Mundaú, onde está plantado outro parque eólico. De dentro d’água, curto, fascinada, o girar incessante das gigantescas pás metálicas desses modernos moinhos de vento. No almoço, encanto Iva, exibindo minhas habilidades de barwoman, ao preparar caipirinhas de limão com uísque ao invés de cachaça. Jamais passou pela loira cabeça de Iva, minha irmã de tragoleu, ser possível o uso de tal destilado neste famoso coquetel brasileiro. Como a beberagem foi forte, o corpo pede um descanso. Assim, sesteamos até as 16 e 30 quando então saímos prum passeio de barco. A pequena embarcação a motor, pilotada pelo jovem e simpático Johny, percorre um trecho do rio Mundaú cujas margens exibem cerrado manguezal. Um labirinto só esses mangues formados por tramas de retorcidas e intrincadas raízes expostas ao ar livre. Na vazante, os pescadores pegam, com as mãos despidas, os caranguejos que se escondem em tocas, cavadas rentes às lamacentas margens. Quando retornamos ao cais, o fenômeno da super lua cheia, que a torna maior e mais brilhante que o normal, arranca exclamações de admiração da Amotinada Tavares. Por ter se aventurado num belo tragoleu antes, durante e pós almoço, a sempre contida Cristina, que mede cada palavra dita, tá sem trava na língua. E como toda bebum, seu conversê limita-se àquela cantilena efusiva e repetitiva tipo “olhem, coisa mais linda, bota lindo nisso, olhem!!”, pontuando tudo com alegres risadinhas. E atrás das dunas, a lua, à medida que vai subindo, perde sua coloração alaranjada para assumir de vez sua usual brancura.

sexta-feira, 28 de agosto de 2015

Luminosidade litorânea

Há coisa dum mês recebo um telefonema com prefixo 85 e logo me questiono “donde do Brasil, oxente?” Era Nara Alencar, direto de Fortaleza, a quem conhecera faz 3 anos durante um baita pedal em Urubici. Claro está que não ficamos todo esse tempo sem nos ver, porque coisa dum ano depois, ela me convidou pra pedalar na capital cearense e adjacências. Aceitei no ato e me toquei de mala, mas sem cuia! Dessa feita, a guria me convida pra passar um fim de semana de modo a participar do pedal 4 Mulheres e um Destino. E agora, eis euzinha, esta senhorinha de ½ idade que vos escreve, uma vez mais, retornando à terra de José de Alencar. Serão por acaso tais sobrenomes? O de minha amiga e do grande escritor? Preciso indagar Nara sobre. Do aeroporto, após os festejos de praxe, sou levada pelas cearenses Narita e Alu Brandão  prum restaurante de massas. Intimamente, troco uma ideia com meus botões e faço aquela cara de desgosto que expressa “comer massa? aqui, no Ceará?” Pois não é que tive de dar o braço a torcer?! O restaurante Pasta e Pizzas tem em seu menu não só as tradicionais massas, apelidadas de forno e especiais de fogão, como ainda as assim denominadas massas de fogão, que vêm a ser aquelas com frutos do frutos do mar, abundantes no litoral cearense. De lamber os beiços a comilança. Difícil resistir e não pedir bis, tris e sair rolando tão boas as pastas são. Um arraso o fettucini Maria Izabel, com carne de sol refogada com cebola, molho de tomate e creme de leite. Além do ponto de cozimento perfeito, bem al dente, os temperos e os ingredientes fazem a delícia de meu paladar. Além de mim, Nara (a idealizadora espiritual do pedal) e Alu (embora debochada, é amiga leal, ciclista de ocasião e entusiasta das aventuras na natureza), também se encontra à mesa Cristina Tavares (única conhecedora de rudimentos básicos de mecânica de bici, a maranhense, dona dum humor peculiar, trata todo mundo de colega)E pra coroar tão lauto jantar, aquele toquezinho sulista na refeição: espumante gaúcho, bem geladinho pra brindar o tão aguardado pedal. De pancinha cheia, adormeço tal qual um anjo. Acordo na sexta- feira, passado um pouco das 5 da manhã, e vislumbro através da janela uma baita claridade! Devido ao dia amanhecer cedo nesta parte do país, e também por causa do calor, às 6 e 30, quando saímos de Fortaleza – não de bici ainda e sim de carro - bastante gente já está correndo no calçadão à beira mar. Ivanara, irmão de Nara cujo nome de batismo é Ianara, nos deixa em Lagoinha, distante 100 km da capital, donde o pedal iniciará. Esta praia, pouco explorada pela turistada, exibe um visual lindo formado por dunas, coqueiros e falésias avermelhadas, que se situam a 100 metros do mar, se tanto. Pequenos percalços com as bicis de Nara e Cristina nos obrigam a parar. A da primeira, um freio reticente enquanto a da segunda, o guidão foi montado ao contrário. E não é que a criatura ainda pedalou uns 500 metros com a bici assim? Na primeira praia após Lagoinha, a sossegado Guajiru, fazemos um bem vindo pit stop. Peço uma água de côco de modo a hidratar o organismo pro que vem depois: a deliciosa cachacinha cearense. Nem bem pedalados 7 km, nova parada em Flecheiras, no bar duma bela pousada, em frente à imensidão verde do mar. Amiúde, despontam, na faixa de areia, piscinas naturais resultantes da ação da maré alta. Peço uma dose de Ypioca ao passo que as gurias vão de cerveja. Como sei que o povo de outros estados adora quando os gaúchos falam à moda gaudéria, solto o famoso “baaah tche, barbaridade de boa essa Ypioca!” Elas adoram escutar eu falando "bah".... hahaha!! Embora não seja de rajadas, o vento é constante. Sorte nossa que sopra numa direção predominantemente SE-NO. Não à-toa, Narita, espertamente, bolou o percurso rumo ao norte. Em diversos momentos não se faz necessário pedalar: o vento se encarrega de empurrar a bici como se ela fosse um veleiro. Nas praias próximas às vilas de pescadores, coloridas velas de kite surf enfunadas se erguem em rápidos vôos rentes ao mar. Céu de brigadeiro sem nuvem alguma embaçando o sol. A lisura da praia só é interrompida por pequenas covas causadas pelo refluxo da maré. Várias barras formadas por riachos em cujas margens formam-se degraus. Contudo não de molde a obstaculizar a travessia das bicis. Ao longo da costa que conduz a Mundaú, perpendiculares ao mar, parques eólicos, formados por esguias torres e hélices metálicas de coloração branca, exibem design estilizado de moinhos de vento dantanho. O odômetro registra 38 km pedalados ao longo de 5 horas e 15 minutos quando em Mundaú freamos em definitivo as bicis. Aqui pernoitaremos, até domingo, na residência das irmãs Alencar cujo privilegiado quintal fica diante do rio Mundaú! Esta praia, nos dias que correm, já é bem conhecida no circuito litorâneo do estado. Encantador, o balneário, além das elevadas dunas e das lagoas, exibe piscinas naturais à beira mar. O pequeno vilarejo conta com vários mercadinhos bem sortidos. Num deles descubro o sorvete Pardal, famosa fábrica de sorvete cearense, que prestigia os sabores regionais de graviola, cajá, castanha e milho. Me atraco num de graviola, uma delícia! Ao longo da rua da Praia, uma deliciosa sonoridade amadeirada de tac tac tac se faz ouvir. É o som produzido pelas rendeiras ao manejar aos pares os bilros. O resultado do artesanato, herança portuguesa, zelosamente transmitida de mães pras filhas, desde quando estas são meninas, é pendurado em cabides, nas janelas das casas: vestidos, toalhas e blusas feitas de renda de bilro ou birro. No almoço feito por Ivanara, macarronada com lagosta e porco a pururuca acompanhado por arroz. De bebida, aceito a caipirinha de cajá preparada por Iva. As demais colegas mantêm-se firmes na cervejinha. Depois da séstia, Iva faz deliciosas tapiocas recheadas com banana caramelada. Pouca demora, saímos de casa pra aproveitar o que resta de pôr do sol. Na praça de piso alajotado, construída justo no ponto de encontro das águas do Mundaú com as águas do Atlântico, ambas igualmente verdes, descortina-se do lado de lá do rio outra estação eólica, plantada entre dunas. Já entardecendo, a paisagem adquire uma tonalidade rosada, resultado dos últimos raios do sol poente. Tô no paraíso, oxente! Tenho ou não razão de estar prosa?

quarta-feira, 17 de junho de 2015

Sobre Todas as Coisas

Interessante que se eu comparar o cicloturismo feito em março na Patagônia argentina com o pedalado recentemente nos campos de cima da serra, na região de Ausentes, guardo melhores recuerdos deste último. Refletindo sobre tal sentimento chego à conclusão de que o cicloturismo de 6 dias na chamada região dos 7 lagos, compreendida entre San Martin de los Andes e Bariloche, embora inegávelmente bela seja a paisagem, não faz muito meu estilo. Por quê? A principal razão foi que os deslocamentos entre as cidades praticamente se deram em asfalto, enfrentando a super movimentada Ruta 40, cujo tráfego intenso de caminhões e carros exigia bastante atenção. Em segundo lugar, tais points, de óbvio apelo turístico (à semelhança de nossa Gramado), não me atraem muito. Sou mais a fim dos menos civilizados. Claro está que curto lugares charmosos e confortáveis, pero se me é dado escolher, sempre aponto o dedo no globo terrestre para aqueles pouco freqüentados, tanto pelos locais quanto por viajantes. Como não poderia deixar de ser, as villas patagônicas por onde andei - San Martin, Traful e La Angostura - exibem aquele visual bonitinho, certinho, com os indefectíveis prédios e interiores estilosos – no caso, o falso rústico, usando e abusando de pedras e madeiras (mais uma vez Gramado me veio a cabeça). Nos dois primeiros dias, ficamos em San Martin, pequena e charmosa cidade, pertencente à província de Neuquén, aninhada à margem do lago Lácar onde pedalei, aí sim, em estradas de chão batido, até o mirador Bandurrias de onde se tem uma visão estupenda do lago Lácar e de alguns cerros adjacentes, dentre eles o Chapelco que mereceu uma visita no segundo dia de pedal. Nos outros 4 dias, conheci vários lagos, como o Villarino, Traful, onde às suas margens localiza-se a pacata vila de mesmo nome, Correntoso, Bailey Willis, Espejo e por fim o infindável Nahuel Huapi em cuja margem desponta a efervescente Bariloche, cidade a meus olhos super desinteressante, exceto pelas lojas especializadas no comércio de chocolate, diga-se de passagem, de excelente qualidade. Chamou atenção na ruta 63, estrada de chão batido que liga vila Traful à ruta 40, vestígios, no chão e nas árvores, das cinzas expelidas pela erupção do vulcão Puyehue, ocorrida em 2011. Se for para escolher do que mais gostei, fico com o bosque de los Arrayanes, de onde se tem uma admirável visão das águas azuladas do lago Nahuel Huapi e da laguna Verde, em Villa La Angostura. Graças a deus, uma semana após meu retorno, já tinha agendado um pedal com uma figuraça que atende pelo nome de Marcos Grandi, um caxiense sempre bem humorado e entusiasta da vida ao ar livre como eu. Assim foi que passei um fim de semana na serra, mais exatamente acampada no mirante Gelain, situado em Flores da Cunha, de onde se descortina uma das trocentas dobras do serpenteante rio das Antas. Pra celebrar o findi e nosso reencontro após um ano, Marcão bolou um pedal maneiro, bem light, de aproximadamente 50 km. Com início em Caxias do Sul, percorremos, inicialmente, a hoje asfaltadíssima Linha 30, conhecida como Caminhos da Colônia até Otávio Rocha, onde almoçamos umas gordices empapadas de gordura que rebatemos com uma jarra de vinho da colônia. Pra fazer a digestão, uma pegadinha de chão batido até o sítio dos Bernardi onde experimentamos suco de mirtilo e cachacinha de alambique, retornando a Caxias pela Linha 60, novamente socando a bota no asfalto. No domingão, caminhada de 9 km na mata atlântica, percorrendo uma antiga picada aberta por caçadores que parte do Belvedere Sonda até um ponto da margem esquerda do rio das Antas onde fluem as nervosas águas da corredeira Armagedon sucedida pelo despencar furioso do Cachoeirão. No feriado de Tiradentes, mês de abril, resolvi aceitar o convite de Fátima e me mandei pra Telêmaco Borba/PR, onde pedalei por 3 dias, percorrendo basicamente estradas de chão batido cascalhentas (odeio esse tipo de estrada porque quando comprei um terreno me ralei toda) na companhia dum grupo de curitibanos, chamado Klandestinos. Com algumas subidas e descidas pegadas, o pedal transcorreu em meio à sombra dos altos e delgados eucaliptos e pinus, fruto duma ação de reflorestamento de 11 mil hectares realizada pela empresa de celulose Klabin. Em maio, na metade do mês, retornei a Caxias onde acampei mais uma vez na companhia do simpaticíssimo Grandi no mirante Gelain pedalando dessa feita na região de Nova Pádua. Foram 50 km de estradas asfaltadas e de chão batido tendo como cenário vales e serras da região dos vinhedos, conhecendo alguns travessões (nome herdado da divisão administrativa da época imperial onde colônia se dividia em léguas e estas em linhas ou travessões) cujo destaque foi o do travessão Curuzu. Ao longo das estradas, bergamoteiras e laranjeiras, carregadinhas de frutas maduras, eram um convite irresistível a que parássemos e as desfrutássemos. No final de maio, nos mandamos eu, Kelly, Henrique Butina Weyne e Carlos Armando pro sul de Santa Catarina onde, no sábado, pedalamos num bate-e-volta de 40 km entre Praia Grande e Comunidade São Roque com direito a uma escalaminhada até o topo da Pedra Branca. Já no domingão, um pedalito e pernada leves no Parque Nacional Aparados da Serra. Encerrando o primeiro semestre de 2015, a cereja dos pedais, sem sombra de dúvida, foi aquele organizado pela Guenoa e Akatu (empresas de Caxias do Sul), na região dos campos de cima da serra entre Jaquirana e São José dos Ausentes. Foram 3 dias pedalando sobre chão nem tão batido assim, com muiiitas subidas e algumas descidas bem técnicas, crivadas de pedras soltas. No 1º dia, pedal perrenguento que saiu de Jaquirana e terminou em Ausentes, com direito a travessia nas águas geladíssimas do rio Camisas. Tanta dor senti nos pés por causa da baixíssima temperatura da água que, por pouco, não pedi a um dos guris que, por favor, me pegasse no colo e me levasse até a outra margem. Já no 2º dia, a aventura  incluiu uma visita ao canyon Amola Faca, belíssima garganta situada a 15 km do distrito de Silveira. E no 3º e último dia, a indiada pedalícia terminou nas curvas deslumbrantes da serra da Rocinha. Sem sombra de dúvidas, os campos de cima da serra gaúcha além de serem bem mais preservados são muito mais belos do que os campos gerais paranaenses que eu conhecera no pedal de abril. Afora que lá não dão pinta os impressionantes canyons que aqui enriquecem sobremaneira o visual!

sexta-feira, 2 de janeiro de 2015

Uhuuuu......conseguimos!!

Dormimos no verão e acordamos no outono, tanto que esfriou de ontem pra hoje. O céu mantém-se quase totalmente nublado durante a manhã. Terminado o desaiuno, gostosinho, deixamos a pousada com instruções da gerente de pedalarmos um trecho de 300 metros na IB e, logo após cruzarmos o arroyo Solis Chico, dobrarmos à direita pra pegar a rambla que contorna o rio de La Plata, o que seguimos ao pé da letra. Tudo pra nos livrar da barulhenta rodovia. Quando vejo a estátua dum sapo à beira do arroyo, peço a Fátima que me fotografe ao lado do animal. No Facebook, registro o encontro pilheriando que finalmente encontrei meu príncipe encantado. Fico sabendo, posteriormente, por Mariângela, que o tal sapo se chama Ranulfo, personagem de estórias infantis apreciadíssimas pelos niños uruguaios.  A sugestão de seguir pela rambla revela-se uma dica preciosa. A estrada ao longo de 12 km atravessa uma zona ocupada por belas dunas e bosques de eucaliptos, percorrendo as praias Parque del Plata, Las Toscas, Pinares, Brava e Mansa, estas duas últimas pertencentes ao balneário de Atlântida. Neste balneário, bem maior que Floresta, fazemos uma breve incursão porque estamos a fim dum lugar onde possamos tomar um expresso. Abro um parênteses pra explicar que a cada lugar que conheço e me apaixono, sinto ganas de comprar casa. Se assim fosse, já teria a essa altura dezenas e dezenas de residências, hehe. Entramos num restaurante não sem antes perguntar se há wifi. Isso porque eu e Fátima, biriris internéticas, não podemos passar muito tempo desconectadas. De Atântida em diante, somos obrigadas a retornar à movimentada Interbalneária cuja única vantagem é contar com um belo dum acostamento. Cruzamos o largo arroio Pando onde, à sua margem direita, diversas pessoas pescam e nadam. O nublado do céu cedendo ao forte vento  começa a se exibir cada vez mais azulado. Isso mesmo o que vocês estão pensando! Continua a não nos dar trégua - desde ontem! - o sudestão! Resolvo, numa manobra pra tentar evitá-lo, não seguir pela IB e dobrar na avenida Giannattasio na ilusão de me livrar dessa porra de ventania. Qual o quê! Ele continua nos castigando com severidade. Paramos em um lugar chamado Pinar pra comer o sanduba que Jô, carinhosamente, preparara pra nós 4 ontem à noite. Dobramos então na avenida Eduardo Marquez Castro percorrendo 2 km, se tanto, até alcançarmos a rambla Costanera. Inicialmente, sem acostamento, tenso é o pedal neste trecho da estrada. Finalmente, respiro, aliviada, quando avisto a placa indicando a playa de Carrasco porque a partir daqui tem início o larguíssimo calçadão que vai até a Ciudad Vieja em Montevideo. Convido Fatima a pedalar nas internas do belo bairro cujas residências suntuosas mostram que ali reside gente abastada. Perto do cassino, paramos pra almoçar no restaurante Garcia, especializado em parrilla. Fátima pede um suculento rack de cordeiro super macio. Eu, nhoques com presunto e queijo. Bebo tanat, já a ex-tragoleu Fátima, 3 cervejas sem álcool. Santa Maradona e Garcia são de longe os melhores momentos gastronômicos da viagem até agora! Bem alimentadas, faceiras, seguimos pela rambla. Fátima, não contente de pedir que a fotografemos (dezenas de vezes durante o dia!), ainda instrui como devemos fotografá-la. No momento em que estou me preparando pra sacar a tal fotografia, uma moça avança em sua direção. Atônita, a Monster pensa, inicialmente, que a jovem está se oferecendo pra tirar a foto dela, diante de minha visível má vontade. Qual o quê, quer sair na foto. E outras 4 saltitantes muchachas, soltando alegres gritinhos de "yo también, yo también" rodeiam Fatima pra aparecer na foto. Essa é boa, Monster tem até fã clube uruguaio, hahaha. Os 18 km restantes de pedal até Punta Carretas, onde fica nosso hotel, é feito com um pé nas costas! Tão feliz estou por ter conseguido chegar a Montevideo que lágrimas afloram aos meus olhos enquanto no Ipod rola um baita tango que me emociona ainda mais! Bienvenida Biazita!

quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

Uma Floresta na Costa Dourada

Nosso bangalô realmente faz jus ao nome Bella Vista: localizado em frente à praia, vislumbra-se a larga e ampla costa do rio de La Plata. Embora haja nuvens, o céu se mostra em sua maior parte limpo. Uma leve brisa balança suavemente os galhos das árvores. Não servindo café da manhã, saímos pedalando sem sequer um abanico à única pousada onde não fomos nada bem tratadas. Ao cabo duns 4 km, encontramos uma fruteira onde paramos pra fazer um ranguinho. Provo alguns pêssegos que, sumarentos  e carnudos, estão deliciosos! Por quase 5 km seguimos pela Ruta 10 até nova interrupção pela mesma Interbalneária onde pedaláramos na manhã do dia anterior. Embora seja feriado, o movimento na autopista é forte. O tempo muda e as nuvens, até então esparsas, se juntam tornando o céu agradavelmente encoberto! O que atrapalha é o vento sudeste, o famoso pampero (creio que equivale ao nosso minuano), que nos açoita impiedosamente durante os 39 km restantes até Floresta, nosso próximo destino. Por diversas vezes o ar deslocado pelos veículos - em especial, os provocados pelos ônibus - quase me derruba da bici. Fodástico no mau sentido pedalar contra esse vento que, se fosse de rajada, vá lá, mas nessa batida contínua é duro de suportar. Pra piorar, algumas subidinhas que aliadas ao super vento tornam mais pesado o pedal.  Já no departamento de Canelones, vejo anunciada numa placa os 10 km que restam até Floresta. Jô e Angélica, dessa feita, não conseguem se distanciar muito por causa da ventania. Só mesmo um sudeste a fudê pra conter as galos cinzas do pedal, hehe. Espero Fátima, pedalando quase 1 km atrás de mim. Ela atualmente não se puxa tanto como há 2 anos quando a conheci. Naquela época, adorava estar na linha de frente. Olho pro relógio e vejo que os ponteiros marcam exatas 15 horas. Floresta, aleluia, é o primeiro lugar durante esses 6 dias de pedal onde conseguimos chegar cedo. Pergunto prum cidadão onde há restaurantes abertos. Esfaimadas como estamos, já nem tendo mais no estômago aquele desaiuno frugal da manhã, só o que queremos, antes de ir pra pousada, é comer algo de sustância. "Están cerrados", responde o senhor, "solamente a la noche estarán abiertos." Que merdaaa! Pero, descobrimos, aleluia, um supermercado aberto onde praticamente todos os veranistas se encontram no momento comprando víveres. Quando chega a minha vez de ser atendida no balcão da fiambreria, peço maionese, um bife a milanesa e um pote de salada de frutas. Claro está que não esqueço de também levar uma garrafa de vinho branco. O vento piora e começa a esfriar, dando uma refrescada geral na temperatura até então elevadíssima. Terminadas as compras, vamos a cata da pousada. Pergunta dali, fuça daqui, (com nova desavença entre mim e Monster, só que dessa vez, eu ganho a parada, hahahaha), encontramos nosso hotel....aleluia! Indicamos pras gurias, que haviam chegado antes de nós, onde é o super e lá se vão as 2 comprar seus mantimentos. A comida está deliciosa e não só porque estou faminta, não!! Tá boa mesmo, tanto que tenho de me controlar pra não devorá-la tamanha minha fome. Construída a beira do Arroyo Solis Chico a 1 km da praia, o Refugio del Solís conta com uma boa estrutura de lazer: piscina tanto ao ar livre quanto térmica, além de jacuzzi e restaurante. Nossa habitação é uma simpática cabana com cozinha, banheiro, sala e 2 quartos. Descansamos um pouco após o almoço, aproveitando pra postar fotos no Face. O que estraga a paz do lugar são uns monstrinhos exibidos, dirigindo uns barulhentos quadriciclos que devem ter ganhado de Natal. Que vontade de afogar esses diabos infantis no arroyo! À tardinha, Fátima me convida pra dar uma banda no balneário. Floresta localiza-se na assim chamada Costa del Oro. Ruas arborizadas, boas casas de veraneio e a panorâmica rambla com miradores tornam o balneário muito procurado pelos uruguaios de classe média. Embora tranqüila e familiar, seu centro é fervido à noite. Pedalando pela rambla mais uma vez, constato que o kitesurf é esporte muito apreciado no país. Pedalamos até a desembocadura do Arroyo Sarandi com o rio de La Plata, retornando então à pousada. Somente Josmara está acordada, Angélica ainda tá tirando aquela soneca pós-ranguinho. Grande parceira a Josmara! Com sua voz calma, a paulista faz um contraponto sereno ao nosso estilo mais enfezado. O que posso dizer de Angelica? É a falsa-tranquila. Ela confirma isso, declarando que, se atingiu um estado de razoável serenidade, foi após anos de intensiva prática de esportes. Com isso conseguiu burilar sua herança genética, caracterizada por extrema inquietude e energia inesgotável. É a parceira-dínamo enquanto Fatima se revela  como a parceira-mimimi e Jo, a parceira-serenidade. Eu? Sou a parceira-biriri, hahaha!! Bueno, o resultado da siesta de Angel foi que ela não conseguiu dormir cedo e saiu a pedalar à noite, não sem antes tentar "abduzir" uma de nós três para lhe fazer companhia. Enquanto ela ficou socando botina até as 2 da manhã, nós preferimos dormir agarradinhas a Morfeu, hehehe