quinta-feira, 31 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: 1º Dia de Travessia nos Lençóis Maranhenses

Às 3 em ponto da madrugada de quinta-feira, Nonato vem na pousada me buscar de quadriciclo. Vamos até o Canto do Atins onde seu sogro, Antonio, pega a direção do veículo dirigindo por mais 5 km quando nos deixa à beira mar donde tem início a pernada. A lua cheia brilha e ilumina a praia deserta, tanto que nem precisamos de lanternas. Após 1 hora e tanto de caminhada, a tonalidade violácea do amanhecer começa a se insinuar não tardando muito até que a claridade diurna se instale. Centenas de pássaros voam em direção ao mar, destacando-se as esbeltas gaivotas que pousam amiúde à beira d’água. Caminhamos um bom trecho ao longo da praia quando avisto uma palhoça feita de caules e folhas de buritis. É a barraca do Bonzinho onde pescadores da região pernoitam quando estão pescando. Se alguém estiver de passagem, é convidado pra comer um cozido. Mais adiante, outra barraca onde um homem se encontra sentado à porta. Abano de longe e dou bom dia. Nonato pergunta se quero ir até lá. Claro que sim!! Quando chegamos sou apresentada a seu Codó, pescador desde menino, como se apresenta o tranquilo homem. Magro e alto, guarda traços ainda atraentes do alto de seus 70 e muitos anos. Deve ter arrasado alguns corações quando jovem! Gentil, traz 2 pedaços de isopor pra servir de banco pra mim e Nonato. No braseiro, um peixe chamado pema grelha e seu Codó nos convida para comê-lo, fazendo jus à tradicional hospitalidade caiçara de compartilhar as refeições. Traz um prato com farinha amarela, daquela bem granulada. O desjejum dos caiçaras vem a ser essa mistura das melhores, em termos de proteína e carboidrato: peixe com farinha! O delicioso pema é de lamber os dedos o que faço porque, sem talheres, uso as mãos. Continuamos a caminhada se internando continente adentro, deixando pra trás o mar cujo bramido se escuta durante certo tempo. A pernada é um incessante sobe-desce dunas, contornando lagunas cristalinas cuja coloração azul esverdeada cintila entre a brancura da finíssima areia. Via de regra, as lagoas são rasas salvo a das Caiçaras cuja profundidade na época das chuvas bate nos 6 metros de profundidade. Numa das lagoas ao invés de evitá-la, mergulhamos até a cintura em suas límpidas águas porque se assim não o fizéssemos teríamos de dar uma baita volta. E foi ótimo porque apesar do céu nublado sinto muito calor. Não só pela caminhada como porque carrego minha mochila. Vá lá não é assim tão pesada mas pra mim tá sendo ardidão! O bom de fazer a travessia no final do inverno ao contrário de no verão quando a areia fofa dificulta a andança é encontrar o terreno compactado pela ação das chuvas, facilitando por demais a caminhada nas dunas. Tanto que caminho sem qualquer tipo de proteção, de pé descalços. As gaivotas estão enlouquecidas com nossa presença. Isso tudo porque os ninhos onde os ovinhos jazem são escavados na areia. Putas da cara circulam rentes às nossas cabeças. Nem ouso levantar a minha com medo de que alguma delas me bique. Permanecem uns 20 minutos nos seguindo, as danadas enquanto trinam freneticamente!! Nonato chama minha atenção pra 2 pontos escuros ao longe: são Baixa Grande e Queimada dos Britos, povoados localizados em oásis ou ilhas como os nativos denominam esse verdor no meio do areal. Veículos automotores com turistas são proibidos de transitar sobre as dunas, sendo, contudo, permitido seu tráfego ao longo da praia onde os carros são deixados, partindo dali os turistas em caminhada até os oásis. Nonato dá pra eu provar puçá, fruta de cor alaranjada, pequena e gostosa cuja árvore é uma das que compõem a vegetação existente nos oásis dos Lençois. Após 18 km de pernada, chegamos a Baixa Grande onde iremos nos instalar por hoje. Aqui vivem 5 famílias que, a par da pescaria, tem no turismo outra fonte de subsistência. A propriedade escolhida foi a de Dete e Moacir. A maioria da filharada do casal mora ou em Santo Amaro ou em Barreirinhas trabalhando ou estudando. Circundada por árvores e arbustos de murta e murici-mirim, todas as casas são feitas com folhas e caules de buriti, exceto uma de alvenaria, reservada pra ser a cozinha e o quarto do casal. A dos hóspedes é espaçosa com várias redes penduradas lado a lado e toscas prateleiras pra acomodar mochilas e outros equipos. Divido o recinto com dois grupos cujas integrantes são todas cariocas. Num há 4 mulheres e noutro 2. Todas jovens, sem terem ainda avançado nos quarenta. Descolada, a mulherada não é marinheira de primeira viagem neste tipo de aventura. São rodadas as gurias. Convivem no amplo pátio cachorros, porcos, galinhas e cabritos, sendo que o galo não pára de cantar seja dia seja noite. Há 2 banheiros e 2 chuveiros ao ar livre. A palhoça ao lado do refeitório tem uma mesa de sinuca mas não é isso que me enternece e sim a existência do gerador, movido a diesel, que fornece eletricidade a partir das 18 horas, permitindo, assim - aleluia! - que se carreguem celulares e outros dispositivos eletrônicos. De almoço, tem robalo fresquinho, pescado por Moacir cedinho na manhã. Mas se o turista quiser Dete prepara galinha ensopada, morta na hora. Moacir e Dete vem a ser outro casal que vive de falar mal um do outro. Ele se lamuria do casamento, se indigna porque ela o faz trabalhar – hahahaha -, ela, por sua vez, se queixa de que ele só pressionado faz as coisas. E assim eles vão levando a vida há mais de 30 anos, sempre juntos como joanete no osso do dedão do pé. Durmo após o almoço pesadamente tão cansada estou. Aliás todo mundo arriou nas redes curtindo aquela soneca. Lá pelas 4 da tarde, saímos pra ver o pôr do sol nas dunas. A meio do caminho, tomo um refrescante banho numa das muitas lagoas existentes ao redor do oásis. A água morna e um ventinho gostoso vindo do mar - se encontra tão-somente a 15 km – fazem com que a lombeira da sesta se dissipe. Escalamos uma alta duna até seu topo donde podemos ver o pôr do sol, um escândalo de lindo. Agora 18 e 30 o bom odor vindo da cozinha onde Dete prepara a janta aguça meu apetite. Vai ter peixe novamente, eba! Após a janta, uma fogueira é acesa no pátio e somos, as gurias turistas, convidadas pra nos sentar ao redor. O que posso desejar mais da vida do que a fulgurante lua cheia no céu e, na terra, a tremeluzente fogueira? Sem deixar de lado, é claro, o bom conversê com as colegas de pernada. Realmente, estou no paraíso e não morri!!

quarta-feira, 30 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Lençóis Maranhenses - Atins

Bruno, que tem assuntos a tratar em São Luís, pega carona comigo e lá vamos nós saindo de Carolina às 6, porque quero na passagem conhecer o Portal da Chapada, situado à beira da BR 230. O Portal vem a ser uma big pedra furada localizada no topo duma pequena colina. Dali vejo o sol dando as caras na banda oriental de modo a iluminar com sua cor dourada os chapadões e serras ao redor, destacando-se, como sempre, o onipresente Morro do Chapéu além dos Portais da Chapada, dois monolitos gigantescos que ladeiam ambos os lados da rodovia como se fossem sentinelas avançadas do cerrado. Depois do momento turístico, seguimos pela BR 010 quando na altura de Campestre do Maranhão vejo o primeiro piquete dos caminhoneiros grevistas. E assim foi ao longo de todo o percurso até São Luís com barreiras situadas, estrategicamente, nas entradas das cidades. Em duas delas, pneus queimando, em outras, faixas pedindo a volta dos militares. Contudo, não somos parados, tampouco sofremos qualquer tipo de hostilidade. Percorremos um belo trecho sinuoso uma vez que parte da rodovia foi construída em encosta de serra. Até certo ponto a BR mostra-se boa mas a partir de Santa Inês a pavimentação vai de mal a pior, com o asfalto carcomido por uma buraqueira sem fim. Como a agulha do mostrador de combustível indica apenas ¼ de tanque, paro num posto e completo com etanol já que gasolina está em falta devido à greve dos caminhoneiros. Chego exausta na capital maranhense, por volta das 10 da noite, e depois de deixar Bruno na casa dum primo me mando pro hotel. As filas ao redor dos poucos postos de combustíveis abertos são quilométricas o que me deixa impressionada com a força do movimento paredista. Minha passagem por São Luís é tão vertiginosa quanto os borrões de paisagens revelados através da janela pelo deslocamento dum trem-bala. Essa é minha impressão quando cruzo a ponte sobre o rio Anil e tangencio a cidade histórica mal vislumbrando seus casarios da época colonial. Assim, eis-me no sábado, rumo ao Parque Nacional dos Lençois Maranhenses. O famoso atrativo turístico está inserido no bioma cerrado formado por áreas de restinga, campos de dunas e costa oceânica. Em sua área de 155 mil hectares, 90 mil são constituídos de dunas e lagoas interdunares, abrangendo três municípios maranhenses: Barreirinhas, Santo Amaro e Primeira Cruz. Escolho entrar por Barreirinhas. Ao longo dos 260 km que levam à cidade só encontro combustível no único posto que ainda tem gasolina. Isso depois de rodar 140 km e me deparar com todos os postos ao longo da rodovia fechados por falta de combustível. É....a greve não é de brincadeira, não!! Como não pretendo ficar em Barreirinhas a não ser esta noite, durmo numa pousada furreca por 80 reais cujo dono Assis chama o enteado de menino, ralhando sem parar com o coitado. De feições lombrosianas e magro, o sessentão Assis é bem prestativo, enquanto sua submissa e jovem mulher deixa escapar fugidios sinais de desconforto com o jeito ranzinza dele. Sua pele é tão sedosa que resisto à tentação de tocá-la. Após deixar o carro e a bici na pousada, parto domingo cedinho de Barreirinhas, sem saudades, numa voadeira repleta de turistas navegando ao longo do rio Preguiça. Paramos em Vassouras, depois em Mandacaru e por fim em Caburé onde almoçamos. Tanto Vassouras quanto Caburé se localizam na margem direita do Preguiça e pertencem aos Pequenos Lencóis, já Mandacaru se encontra no outro lado do rio. Provo a excelente caipirinha de Barroso cuja barraquinha feita de folhas de buriti oferece além dos drinques o conforto de redes estendidas sobre as águas do rio. Enfim, chego a Atins (significa gaivota) no meio da tarde onde pretendo ficar nos próximos dias. Acquamarina, minha pousada, exibe o tal estilo rústico charmoso. Três gatos, 2 brancos, adultos, e uma pequena, tigradinha, chamada Lulu mais o dogue de nome Xangô passeiam, dormem e se espreguiçam entre os móveis da sala. O dono, um alemão, não se encontra no Brasil, está em seu país. Quem toma conta é Sulivan, nativo de Atins, cujos olhos de lindíssima coloração azulada são rodeados por fartos cílios escuros. Sua má dicção dificulta entendê-lo facilmente. Carlitos, meu guia, é outro que tem também péssima dicção. Segunda-feira pela manhã, dou um rolê daqueles de se perder pela vila. Assim fico sabendo que Atins e Santo Inacio são lugarejos distintos separados por um dos igarapés do rio Preguiça. Segundo informações dadas por um nativo com quem bato papo, o agito, quando acontece, é nesta vila. Já Atins é puro sossego com 2 igrejas evangélicas. Um encanto as 2 vilas que, ainda não conspurcadas pelo turismo massivo, guardam – graças a deus – características marcantes de povoados de pescadores. Suas ruas sem exceção são todas de areia branquinha com abundante vegetação, predominando coqueiros carregadinhos de frutos. Muitas vielas alagadas parecem aos desavisados pequenos lagos já que no litoral nordestino mal se está saindo do inverno cujos chuvarais se estendem de dezembro a maio, via de regra. Almoço no restaurante Céu Aberto o carnudo croaçu, ensopado com batatas, cebola e leite de côco. Nada demais a refeição. O peixe grelhado do Rico ontem à noite estava bem melhor. À tardinha, atravesso o rio Preguiças na canoa de Carlitos e vamos até uma ilha onde do alto das dunas avistamos Caburé e Mandacaru. Tudo pra ver o voo dos guarás. Os maruins, mosquitos semelhantes às pulgas, cuja gana de sangue bate ao cair da tarde, estão picando pra valer tanto que voltamos rapidinho pra canoa. Aos poucos, bandos de guarás riscam o céu retornando aos galhos das árvores onde pernoitam. De longe, os pássaros assemelham-se a flores vermelhas! A lua cheia está a mil no céu e o calor tropical, úmido e quente, pra mim é uma benção!! Na terça-feira, guiada por Carlitos faço um bate e volta de 15 km até o Canto do Atins onde tem início o paraíso de dunas entremeadas de lagoas formadas pelas águas das chuvas. A caminhada inicialmente se dá à margem esquerda do rio Preguiça e depois sobre altas dunas. A uns 2 km do centro da vila, no encontro do Preguiça com o mar, em se prestando atenção, dá pra perceber a diferente coloração das águas doce e salgada coexistindo na foz do rio. Atravessam-se pequenas dunas, cobertas por capões verdejantes, paralelas ao rio até se alcançar uma pradaria formada por vegetação de restinga que se estende até o sopé das dunas. No terreno, brilham pequenas lagoas de águas rasas cor de caramelo enquanto as das dunas são ora verdes ora azuladas, sempre transparentes. Escutam-se amiúde os pios agudos dos mendanhas, pássaros lindíssimos de formato aerodinâmico, além do trinar característico dos quero-queros super ciosos de seus ninhos feitos na areia fofa e branca do chão. Nosso destino, o restaurante do Sr. Antonio (assim anuncia a placa na entrada do estabelecimento) fica num pequeno oásis. Tem redário pra se descansar após as refeições e quartos pra quem quiser lá pousar. O camarão grelhado, regado com molho cuja receita é guardada a sete chaves, é dos deuses. À noite, curto o espetáculo da lua cheia, um escândalo rosa-alaranjado do alto das dunas onde se encontra o bar e restaurante Zero Stress, cujos proprietários Lu e Paulo adotaram como bichos de estimação um casal de cabras. Se perfeição existe, seu nome é Atins! Dia seguinte, vamos eu e Fernando, outro hóspede que chegou na pousada ontem, até Caburé no barco de Carlitos. O objetivo é provar as deliciosas batidas preparadas por Domingos, o que não rola - uma pena - porque ele lá não se encontra. Pouca demora, navegamos até Mandacaru onde almoçamos, não sem antes subir os 165 degraus até o topo do Farol Preguiças donde se tem uma vista privilegiada do rio e mais além do mar. Em Mandacaru, não tem como não provar as batidas feitas por outro bruxo dos drinques, bem como os deliciosos sorvetes e picolés de frutas do cerrado vendidos na sorveteria Lençois Maranheses. O sempre risonho e solícito Carlitos cujo mantra quando se pede algo é “na hora”, hoje se mantém pouco falante depois do sermão que ontem lhe pespeguei sugerindo que maneirasse no falatório. No retorno a Atins, passamos pela vila Bar da Hora, assim chamada porque alguns anos atrás quando o turismo ainda não chegara à região, o proprietário, Chico da Fia, atendia os pescadores que lá atracavam a qualquer hora do dia ou da noite, pouco importando se fossem 2 da tarde ou da manhã! À tardinha, tomo um belo banho no rio Preguiças cujas águas cálidas são tudo de bom! Retorno à pousada onde peço uma caipira pra Sulivan por mim apelidado Suli. Falando alto, meio injuriada com seu computador, chega Lindinha amiga de Suli com 2 cevas. Assim tem início a happy, reforçada pela chegada de Fernando, Carol e seu namorado. Ela é DJ em Sampa, se apresentando também no exterior. Vamos jantar os 4 no Filhos do Vento. Terminada a refeição, os 3 tomam o rumo do Zero Stress. Já eu regresso à pousada pois tenho de acordar às 2:30 já que Nonato, meu guia, vai me pegar às 3 pra começarmos a travessia de 3 dias entre as dunas do parque que finda em Santo Amaro...uhuuuu!!

quinta-feira, 24 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Maranhão - Chapada das Mesas - Da Vereda Bonita ao Morro do Buda

Vamos eu, Bruno e sua amiga Vitoria ao Recanto das Famílias depois da partida de Douglas. E Bruno tem razão quando ontem nos convidara pra vir curar a ressaca no balneário. A temperatura fresca das águas cor de caramelo é um bálsamo pra qualquer mal estar. E finalmente, na quarta-feira - aleluia! - começo a conhecer a verdadeira Chapada das Mesas que tanto desejei! Que me perdoem os farofeiros, mas Itapecuru e Lagoa Azul não fazem meu estilo. Graças então a Aline, sou apresentada à Valeria que com seu marido Marcelo são donos da estância ecológica Vereda Bonita. Combino um programa de dia inteiro pra conhecer o lugar e pra lá nos tocamos, Bruno mais eu pela BR 230, enveredando após 35 km numa estradinha de chão batido até chegarmos à sede da estância. Banhado pelo rio Pedra Caída, um dos afluentes do Tocantins, o sítio alia empreendimento turístico à recuperação e preservação do cerrado, visando ainda à autossustentabilidade. Na passeio, guiado por Alaô, um bruxo que sabe tudo sobre vegetação do cerrado, ele vai dando uma aula master sobre o assunto enquanto percorremos porções de cerrado, mata ciliar de transição entre cerrado e floresta amazônica e campo. Durante toda a pernada, nos acompanha a linda pastora alemã capa preta de pêlo longo Hanna. Na paisagem pontuada por morros, tipo testemunhos, destacam-se o do Olho, um dos mais altos da região, e o morro do Navio. De estaturas não muito elevadas e pouco extensas, distinguem-se ainda as serras do Gado, Magra e a da Pirâmide da Pedra Caída. Uma pequena parte do tour é feita no rio Pedra Caída, numa canoa movida à vara conduzida por Elisafan, caseiro do sítio. Da água emergem troncos de árvores cuja aparência espectral contrasta com o visual lindamente azulado do céu manchado aqui e acolá por fiapos de nuvens. No curso do córrego Veredinha há inúmeras cascatinhas e piscinas naturais onde numa delas encontro uma cesta com frutas e água mineral. Não acredito no que vejo: merendinha em plena manhã!! Que gesto delicado o de Valeria! Paro pra me banhar em vários pontos do Veredinha cujas águas amareladas são clarinhas, clarinhas. Realmente é um paraíso das águas este lugar. Terminado o passeio nos espera um baita almoço preparado por Rita, mulher de Elisafan, cozinheira de mão cheia. Da refeição fazem parte bifes acebolados com tomate, arroz, farofa, feijão mais salada de alface, cenoura e beterraba plantadas na horta; de sobremesa, doce de banana com gengibre. Empanturrada depois de comer e repetir, não resisto ao apelo da rede e me jogo nela pra fazer a digestão acabando por pegar no sono. No meio da tarde, com a temperatura mais amena, saímos de caiaque remando no rio Pedra Caída, numa gostosura de navegação sem correnteza forte com Hanna nos seguindo água adentro. Na volta, Alaô dá carona pra cadela que, cansada de tanto nadar, se acomoda bem quieta na proa do caiaque. À tardinha, com o sol já se pondo, pegamos a estrada retornando à cidade. Embora cansados eu e Bruno nos sentimos revigorados daquela imersão na natureza. No último dia de minha estada em Carolina, quinta-feira, me mando com Alaô pra conhecer a cachoeira do Talho e o morro do Buda. A rodovia é a mesma BR 230 bem como é a mesma a estrada de chão batido que nos levou ontem à Vereda Bonita. Em vez de seguir em frente, dobramos à esquerda enveredando numa estreita estradinha que é puro arenal. A do morro do Chapéu foi fichinha, essa sim é prova de fogo!! Alaô graças a deus não me atormenta como Douglas o fizera. Aliás, ele nem fala nada, um alívio. Dirijo me sentindo um tantinho nervosa mesmo estando com o carro traçado 2 vezes!! Embora sejam só 4 km até a cachoeira do Talho a distância me parece, sei lá, interminável! Em chegando lá, atravessamos o estreito leito do rio Talho onde foram escavadas pequenas bacias resultantes da ação erosiva da água na rocha. Desce-se um barranco até o final do pequeno brete donde a cachoeira jorra expressivo caudal espumoso. Os raios de sol filtrados pelas folhas das árvores semelham labaredas líquidas quando incidem num tronco caído n’água. O lugar é maravilhoso rodeado por farta e verdejante mata. Dali seguimos até o morro do Buda, pertinho da estradinha arenosa, de onde se tem um visual panorâmico da região. Várias serras e chapadões até onde a vista alcança, bem como o encontro dos rios Tocantins e Pedra Caída. Tudo muito verde porque se está recém saindo da época das chuvas. O morro do Olho bem pertinho me lança sua indiferente mirada pétrea. No topo do morro, esplêndido conjunto de pedras esculturais sobressai, entre elas as expressivas Buda e Disco Voador. No meio da colina, um círculo de rochas forma como que um anfiteatro. Putz, baita esse lugar pra acampar ou dar uma festa. Na tarde linda, quente, besouros dão rasantes a um palmo de minhas orelhas como se fossem aviões supersônicos. Eis que o silêncio da tardinha é rompido pela enérgica intervenção musical de Chico Preto, ave que imita o gorjeio de vários pássaros, trinando, dessa feita, seu próprio canto em alto e bom som. Ufa....custou mas enfim encontrei tudo o que imaginava fosse a Chapada das Mesas, podicre!!

segunda-feira, 21 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Maranhão - Chapada das Mesas - Carolina e adjacências

Na quinta, bem descansados, eu e Douglas, agora cada um em seus respectivos carros, pegamos a BR 226, rumo a Carolina, no Maranhão. Como Douglas quer voltar pra Venezuela pelo Amapá, precisa ir a Belém pra então embarcar seu carro na balsa que o levará na travessia marítimo-fluvial de 36 horas a Macapá. Em sendo assim, aceita o convite que lhe faço e vai comigo a Carolina pois a cidade fica na rota de Belém. Viagem tranquila, asfalto bom e movimento nada intimidante de caminhões. Em Araguaína deixa-se a BR 226 pra trafegar na TO 222. À medida que vamos nos aproximando do Maranhão, as chapadas vão surgindo, descortinando a beleza de paisagem que o cerrado nos reserva pela frente. Chegamos a Filadélfia, situada na margem esquerda do rio Tocantins, aguardando a balsa que nos conduzirá às terras maranhenses. Do outro lado do rio, o dominante morro do Chapéu já é um aviso do motivo de a região ser chamada Chapada das Mesas! Em 15 minutos arribamos em Carolina, delícia de cidade, situada na margem direita do Tocantins. Douglas propõe que aluguemos uma casa ao invés de acamparmos. Desconfio que ele deseja o conforto que acampamentos não proporcionam. Sendo nós uma parceria, cedo à sua sugestão com certa reticência. Contudo, rapidamente, me dou conta de que é uma boa idéia, pois se acampados em algum local ermo não terei oportunidade de socializar com os carolinenses. Só paisagens lindas não bastam pra alimentar o espírito. Depois de certa procura pelas ruas da cidade, encontramos a casa anunciada no Booking. O senhorio chama-se Bruno, é jovem, 27 anos, alto, magro, de olhos esverdeados e super bem informado. Sua conversa é fluente, discutindo qualquer assunto e não se deixando acanhar pelos 2 escolados coroas. Quando questionado por Douglas sobre a possibilidade de dengue na cidade, responde tranquilão “todo mundo aqui já teve dengue”.... hahahaha. Nos dá dicas de restaurantes e nos orienta sobre locais turísticos que pretendemos visitar. A casa tem um pátio na frente onde se podem estacionar os carros. Com 2 quartos espaçosos e ampla sala, além de banheiro e cozinha, tem o que considero mais importante: wifi uhuuu!! Vamos então eu mais Douglas a pé – chega de carro! - pelas pacatas ruas da cidade jantar no Chega Mais recomendação de Bruno. Diante do rio, é aprazível o lugar exceto o som muito alto dum show protagonizado por uma dupla de sertanejos bregas que passa na tv. Música regional que é bom, nem pensar em exibir tsktsktsk. Pedimos um saboroso tambaqui, servido com os costumeiros acompanhamentos de farofa, arroz e vinagrete. Como vinho bom não existe nestas bandas, peço uma caipirinha que nem chega aos pés da que eu faço e Douglas,  cerveja. Ali ficamos um par de horas, bebendo, comendo e conversando. A vida é boa e tenho uma bicicleta amarela uhuuuu!! Sexta-feira, a boa do dia é conhecer certos badalados atrativos turísticos, presentes em todas as buscas na internete sobre a Chapada das Mesas. Mais tarde descobrimos que a boa nem foi tão boa assim, contudo vou deixar pra explicar no final do passeio. Bueno, o primeiro lugar a ser visitado é Itapecuru, situado na vila de São João das Cachoeiras, distante 33 km de Carolina. A relevância do balneário, com restaurante e banheiros, reside nas 2 cachoeiras que jorram uma ao lado da outra rodeadas por generosa sombra. Um prédio desativado aponta a existência da primeira hidroelétrica do Amazonas, fundada em 1939 no leito do rio Itapecuruzinho. Não esquentamos muito assento, de comum acordo, quase ao mesmo tempo decidimos conhecer o próximo destino, situado no município de Riachão, percorrendo para tanto mais 100 km. Quando lá chegamos levo um susto ao perceber que o lugar se chama pomposamente Complexo Eco Turístico Poço Azul. Cobra ingresso de R$ 50,00, valor este reduzido à metade porque somos de 1/2 idade....menos mal. O tal complexo tá cheio de gente embora não seja ainda nem alta temporada tampouco fim de semana. Vamos então visitar primeiro o canyon do rio Cocalzinho onde nos banhamos em suas águas tranquilas e límpidas. Depois um vistaço na cachoeira Santa Paula. Subimos nas interessantes formações rochosas Pedra do Cálice e da Mesa apesar da precariedade das escadas de madeiras (e o caro ingresso pago está sendo aplicado onde hein? Nas escadas que não!). Por isso, reclamo, é claro, veementemente na portaria sobre o estado periclitante das escadarias!! De onde estamos já dá pra ver lá embaixo a bela poça azul que é o atrativo mais “in” do lugar. Pra lá chegar, tem de se descer escadaria de madeira (em boas condições, graças a deus) seguida de outra cavada nas rochas. A água é morna como anunciado nos folhetos e sua cor azulada transparente é massa. Mas cheio de gente, por óbvio! Douglas destemidamente mergulha de ponta cabeça duma alta pedra e eu filmo a façanha. Por fim, vamos até a cachoeira Santa Bárbara, expressiva queda d’água de 70 metros confinada num estreito e escuro brete. Desistimos, depois daquela muvucagem de criaturas no Poço Azul, de ir até o tal de Encanto Azul um pouco mais adiante. Definitivamente, tais sítios não me agradam mesmo. Tô um pouco decepcionado com a Chapada das Mesas... será só isso? Balneários abarrotados de pessoas, tudo assim muito civilizado?!! Quero a selvageria da mata virgem do cerrado e não só mata de galeria sombreando balneários bonitinhos! Dia seguinte, o calor já mostra suas garras mesmo de manhã cedo. Aproveito que ainda não está escaldante pra dar uma banda de bici pela cidade. Carolina tem ruas com canteiros no meio onde foram plantadas árvores fornecendo abençoada sombra. Na pequena pedalada, descubro a avenida Getulio Vargas com largo canteiro central onde ao redor há casarões antigos que dão o belo ar de sua graça colonial. Ao fundo da avenida, pintada de amarelo vibrante a Catedral de São Pedro de Alcântara, padroeiro de cidade. Quando vejo um grupo de pessoas, sentadas à sombra das árvores no passadiço central que também faz de praça, paro e pergunto onde fica a Torre da Lua, agência turística que aluga caiaques. Tô pensando em dar uma remada no Tocantins. Um senhor, aparentemente o revoltado da cidade, começa a praguejar contra seu torrão natal. Quando sabe que sou do sul, de Porto Alegre, dispara “aquilo sim é terra civilizada, aqui é uma merda, gente peçonhenta que só quer falar mal uns dos outros”. As mulheres que o acompanham nem se abalam com tal diatribe. Bruno, posteriormente, ao ser inteirado por mim do acontecido, identifica o sujeito como Ribamar, se deliciando com a estória. Volto pra casa e passo o resto da tarde lá. Douglas completamente acovardado pelo calor tropical nem botou o nariz pra fora de casa. À tardinha, um pouco mais fresco, numa tentativa de subir o morro do Chapéu, vamos até as suas imediações mas desistimos porque já se faz tarde e não vale a pena o risco de caminhar no escuro ainda mais que nem lanternas levamos, os previdentes aventureiros. Pra chegar ao sopé do morro, tem de se dirigir nuns arenales horríveis (estamos em meu carro) mas Douglas me incentiva dizendo “não pares” energicamente. Faceira porque venci as balofas areias, alerto meus botões que já posso dirigir até no Jalapão sem precisar apelar pra caronas alheias hehe. Aí sim no domingão, conseguimos ascender ao cume do morro do Chapéu situado a 500 metros acima do nível do mar. Douglas dispensa a contratação de guia porque quem melhor que ele, guia há 30 anos, pra nos levar lá em cima, né? Nem tento dissuadi-lo gastando meu blábláblá. Seria inutil argumentar que podemos nos perder porque o homem é deveras confiante. Oxalá não entremos em nenhuma roubada. Nem tão cedo começamos a pernada porque já são 10 e 30! Mas enfim, é melhor que a tentativa de ontem iniciada às 17 horas! O desnível a ser vencido é de apenas 300 metros, entretanto, a forte aclividade com muita pedra solta e o calor cada vez mais intenso torna a subida ardida. Conforme subimos, vão se descortinando lá embaixo outros chapadões, Carolina e o rio Tocantins. Não sei se o pior foi a subida ou se está sendo a descida. Pensando bem, debaixo dum sol a pino de fritar miolos - o relógio marca 13 horas - descer é mais punk. E a sofrência não pára! Depois do baita esforço de se descer a inclinadíssima e escorregadia ladeira, a pernada, embora no plano, continua agora sobre terreno de areia fofésima durando 20 intermináveis minutos. Irritada, passo a xingar deus e o mundo durante o resto do caminho até alcançar o carro. Já são 14 horas e pra nosso azar as garrafas d’água deixadas dentro do carro esquentaram de tal forma que pouco aliviam nossa insaciável sede. Estou sem forças e só consigo ligar o carro após um imperativo descanso de 15 minutos. Douglas aparenta estar um pouco melhor provando que é homem bem forte fisicamente. Na volta, paro numa casa onde uma mulher e sua filha sentam-se à sombra das árvores no quintal. Peço água fresca. A moça prontamente arruma 2 cadeiras de macarrão, uma pra mim, outra pra Douglas, e pede à guria que traga a garrafa de água. Verte o líquido geladinho numa caneca metálica brilhando de tão areada e a estende pra mim. Num gole único bebo a água tamanha a sede que estou. Trato de beber mais 2 canecas porque tô que nem radiador de carro antigo, fervendo de tão seca. A doçura da mulher bem como a de sua filha me deixa enternecida, vontade de beijar e abraçá-las um milhão de vezes, de fazer juras de amor. Estou derretida de tanto carinho por esse povo! Já em casa, estamos Douglas e eu sossegadamente bebericando caipirinhas quando chega Bruno e 2 amigos: Orlando e Felipe. Numa verdadeira operação arrastão, os três nos levam pro churras de aniversário da vó de Orlando. Já no caminho a coisa dá mostra de que será profissional porque os rapazes param num armazém pra se abastecer de dezenas de litros de cerveja. Eu e Douglas, os únicos coroas da turma, dale a provar cachaça feita de marijuana como bons pinguços que somos. Na casa, encontra-se uma galera muito gente fina. Entre os que me recordo, destaco Aline, namorada do Orlando e irmã do Bruno, Claudia, Noemia e mais 2 gurias adolescentes. Mas quem brilha na festinha é o elétrico Felipe que volta e meia dispara seu malicioso bordão “fogo na bomba”. “Diz aí Felipe o que é fogo na bomba”, pergunto, já bem tontinha, não sacando o óbvio ululante. “Fogo na bomba, Bea,” explica ele com ar didático, "é quando a gente vai botar uma pressão na figurinha...entendeu? Se não entendeu não tem mais como explicar”, finaliza ele sem mais esclarecimentos. E não é que os maranhenses sabem assar uma carne? Uma farofa deliciosa e o excelente molho de pimenta feito por Orlando são os acompanhamentos da churrascada. E mesmo bêbada consigo ainda filmar um pouco da esbórnia dominical. Tragoleu de entortar o pau da bandeira, tanto que nem lembro direito como fui parar em casa, deus que me perdoe, chegando contudo sã e salva. Tenho mais sorte que juízo, of course, pois quem têm amigos não morre pagã. Douglas, no dia seguinte, conta que além de eu trocar pernas e enrolar a língua...ai que horror, fui ao seu quarto, acendi a luz às 2 da manhã...ai que horror! pra lhe perguntar onde eu estava....ai que horror! Ala putcha, deus que me perdoe mas será assim até o final dos dias? Claro está que acordo na segunda-feira com aquela ressaca e até o início da tarde fico de repouso...ai que desperdício, recuperando as forças. Douglas, aparentemente, mostra-se bem disposto....que inveja! Na terça-feira de manhã, Douglas parte pra Belém. Tudo de bom tê-lo conhecido e desfrutado de sua agradável companhia durante essas 2 semanas. Um cara fácil de lidar o gringo. Mais uma vez encaro então o desafio de pegar a estrada e prosseguir a viagem solita. Será mesmo tão desafiante viajar só?! Não me ponho mais à prova viajando com outras pessoas já que tenho de ceder aqui, acolá em prol da tal de convivência?! E me ver confrontada diante de pontos de vista diferentes do meu não será também um desafio daqueles?! Ah, sei lá, o que sei é que tudo vale a pena quando a alma não é pequena!

sexta-feira, 11 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Região Norte - Jalapão - Sobre Abenita e outras estórias

Em 4 dias de Jalapão, hoje o céu está nublado porém não se mantém cinzento por muito tempo, pouca demora o azul volta a reinar no firmamento jalapenho. A vegetação predominante é campos limpos com veredas de buriti e cerrado ralo, embora haja mata ciliar ao longo dos rios que banham a região. É tudo muito bonito, em especial as flores que crescem nos arbustos em ambas as margens da estrada. Saímos da fazenda Progresso já manhã adiantada e seguimos pela estrada principal que vai dar em Mateiros. Eu por mim teria ficado mais tempo desfrutando da fascinante companhia de Antonio e Milma porém percebo que Douglas não é de esquentar muito assento nos lugares. Paramos na comunidade Rio Novo onde há um bar com mesa de sinuca. Provo picolé de buriti, a deliciosa fruta presente nesta palmeira que abunda no cerrado. O óleo extraído de seu côco é rico em caroteno, daí sua coloração alaranjada. É utilizado pelos povos tradicionais do cerrado como vermífugo, cicatrizante e energético natural. Afora isso, suas folhas se bem trançadas servem de eficiente cobertura nos tetos das casas. Atravessamos a ponte sobre o rio Novo com pedras visíveis em seu leito. Algumas crianças brincam em uma das margens fazendo de trampolim um galho de árvore. Na paisagem, à esquerda, destacam-se as serras da Jalapinha, do Espírito Santo e o morro do Saca-Trapo. O evidente desgaste na encosta oeste dessa serra é o responsável pela formação em seu sopé das dunas famosas não só por sua coloração amarelo-rosada quanto pelo inusitado lugar onde estão localizadas tão longe do oceano. À direita, outros planaltos com o topo achatado, destacando-se o do Cinzeiro tão extenso quanto o do Espírito Santo. O calor está fodasticamente tórrido merecendo o Jalapão a fama de ser considerada uma das mais quentes regiões brasileiras. Nosso plano é conhecer as dunas situadas no Parque Estadual do Jalapão que, entretanto, só abre às 14. Em assim sendo, paramos na Abenita, cujo restaurante se encontra defronte à entrada do parque e distante poucos quilômetros do famoso atrativo turístico. A princípio, a mulata de carnes fartas é reticente, meio desconfiada, não se abre de cara nem faz o estilo simpaticona. Custa a entregar banais informações. Longos silêncios pontuam as frases que saem apertadinhas, com evidente má vontade. Depois que ela te manja e sente firmeza daí se abre, exibindo uma irreverente comunicatividade. Enquanto ela fuma um baseado, escarrapachada na única confortável cadeira de plástico da bodega, eu sentada num banco sem encosto provo e gosto da cachaça feita com um tipo de tubérculo chamado jalapa, daí a origem do nome da região. Abenita agora mais generosa com as informações revela que há as jalapas de cerrado e as de vereda. Mas não me dá mole quanto peço que explique a diferença, como se explicar o óbvio fosse um pé no saco. O almoço preparado por ela no fogão a lenha é simples e saboroso: arroz, feijão e galinha. Pra nossa surpresa, o carro de Douglas estraga bem na hora que estamos saindo pra ver as dunas. Proponho que peçamos carona aos carros que passam na portaria do parque mas ele prefere ficar fuçando no veículo. Consigo que uma caminhonete pilotada por um guia e um casal de turistas paulistanos me leve até lá. São 5 km de puro arenal. Vejo 2 carros atolados embora sejam caminhonetes 4x4, o que confirma a máxima de que não adianta nada ter carro traçado se o motorista não manja como dirigir nesse tipo de terreno. A coloração amarelo-rosada das dunas realçada que está pelo pôr do sol é realmente deslumbrante. Dali de cima dá pra ver toda a serra do Espírito Santo, desde o morro do Sacatrapo ao sul até a última ponta do maciço ao norte. O que tem de gente no cocuruto das dunas me tira o tesão. Difícil fotografar ou filmar tendo bandos de criaturas ou tirando selfies adoidadas ou fotografando uns aos outros. O que menos fazem é curtir o belo espetáculo da caída do sol tingindo de dourado o lugar. Muita falação e pouca contemplação. Acho que tô ficando levemente misantropa, cada vez gosto menos de ajuntamentos humanos. Quando retorno, encontro Douglas embaixo do carro tendo já desmontado o tanque de gasolina, segundo ele o provável causador da pane veicular. Ao redor, alguns curiosos olham o gringo naquela fuçação, sem nada dizer. Pernoitamos, então, na Abenita armando nossas redes entre as árvores no terreiro atrás da casa. Sábado de manhã, o mecânico Elias vem de moto de Mateiros pra tentar consertar o carro do Douglas. Enquanto os dois se entretêm com o carro (homens...homens e seus brinquedinhos!), eu converso com Abenita que, muito bem humorada, enrola um charo de maconha. Desconfio que tá de olho no jovem guarda-parque que mora na frente de sua casa. Quando ele passa por ela, Abenita solta uivos (de loba?!) como se avisasse que está no cio. Conta que as 2 filhas vivem em Mateiros. Uma lhe deu 3 netos, a outra, solteira, mora na casa por ela alugada na cidade. Se gaba do namorado de 27 anos (ela tem 51), um desgosto na vida da filha solteira, o que ela não dá a mínima. “Hoje vou pra rua (cidade) dançar forró porque se deixo o sujeito muito solto, ele se engancha noutra”, declara entre uma baforada e outra do baseado. Moram com Abenita 2 sobrinhos, o Robermario e o Ricardo. No seu entendimento, o 1º é sonso demais, o 2º mulherengo. Pois não é que este guri fica me lançando uns olhares compridos quando passo por ele?! Este Jalapão tá fazendo muito bem pro meu ego, valha-me deus! O céu sem nuvens embora soprem fortes rajadas que levantam polvadeiras de terra avermelhada. E uma quizomba agita o recinto. Tudo porque Robermario não acha seu cartão de memória, desconfiando que tenha sido levado por 2 sujeitos que pararam no bar pra beber cerveja. Roga praga pros 2, desejando que morram antes de chegarem a Ponte Alta. Após procura ali, procura acolá, ele enfim acha (até eu ajudei na busca do tal cartão), e Abenita recomenda-lhe que desfaça a praga, no que ele virtuosamente responde “já retirei”. Mas a diversão é infindável na casa de Abenita. Lá pelas tantas, tia e sobrinhos conversam sobre tamanho de pênis. Desde que eram pequenos, comenta ela, percebeu o bom tamanho das genitálias dos parentes. Ela, Abenita, não curte muito, não, pau grande. Ricardo, o mais quieto, não fala muito sobre o assunto (será recato? pra me olhar de cantinho, até que não!!), já Robermario ensina que tem de tratar com amor, que daí a mulher vai gostar, sim! Que família!! Finalmente, conseguiram o mecânico mais Douglas fazer o carro funcionar. Deixamos Abenita pra trás e pegamos o rumo de Mateiros dando um rolê na cidade onde não há nada interessante a não ser uma rua principal cujas placas indicam que se está perto tanto da divisa da Bahia quanto da do Piauí. O único atrativo da feia cidadela é o Paraíso, a sorveteria onde são vendidos deliciosos picolés feitos com frutos do cerrado. Pernoitamos Na Beira da Mata, pousada e camping a uns 5 km da cidade, preferindo entretanto amarrar as redes nas árvores do grande jardim. Depois de 6 dias sem internet, aleluia, a pousada tem wifi, se bem que não muito bom. Enfim, é o que se tem e consigo postar algumas fotos no Facebook dos dias anteriores. Domingo, saímos de Mateiros após comermos o bom café incluso na diária do camping. Pegamos a estrada pra São Felix distante 80 km. Dobramos à esquerda numa estrada que vai a Mumbuca, vilarejo distante 10 km da estrada principal. O antigo quilombo resume-se a 10 casas de adobe, uma igrejinha branca e azul mais uma casa de artesanato onde são vendidos artefatos feitos com capim dourado. Nada me encanta, tanto que só compro uma tiara, mais pra ajudar a comunidade. Vejo uma sorveteria na frente da praça e vou até lá onde peço um picolé de buriti, uma das minhas frutas preferidas do cerrado. Lá mora Mauricio, compositor e tocador de viola de buriti. Ele dedilha algumas canções no belo som emanado do tosco instrumento. Indago se tem CD e ele traz alguns. Compro um sem hesitar! Dali vamos até a praia do Mumbuca banhada pelo rio Sono, uma delícia de lugar cujo dono é o pastor evangélico Tocha. Como é cedo, nem ½ ainda, tomamos banho e fazemos sandus que comemos à beira do rio. Terminando o frugal almoço, continuamos a trip, entrando noutra estrada que acaba no Encontro das Águas, assim chamado o lugar porque aqui se juntam os rios Sono e Formiga. Há um fervedouro, pequeno poço de águas cristalinas que impedem a criatura de afundar devido à pressão exercida pela água que jorra do lençol freático. Embora límpidas as águas, saio com 250 g de areia nos fundilhos do biquíni. Vamos então tirar a areia onde os rios se encontram a 200 metros dali. O rio Formiga de águas esverdeadas é calmo mas o Sono, contrariando seu nome, mostra-se bem agitadinho. Como ali não tem onde acampar seguimos até o fervedouro do Buritizinho, uma área de camping, contando com espaçoso alpendre e fogão a lenha, ao lado do rio Formiga. Está vazio porque a alta temporada ainda não começou. O fervedouro é muito lindo, uma poça de água azulada rodeada por bananeiras. Gosto muito mais deste do que o anterior porque não tem aquele alvoroço de areia entrando biquíni adentro. No Buritizinho, cabem apenas 6 pessoas por vez, sendo que o tempo de permanência na alta temporada é de 20 minutos, chegando a ter fila de espera....que horror!! De que boa nos livramos vindo nesta época do ano!! Os donos de fervedouros são geralmente negros, pobres até o momento de começarem a explorá-los. Este faz 6 anos que foi aberto ao público e as terras pertencem à família de Artun desde o tempo que os negros fugiram das mãos perversas dos fazendeiros. Sua mulher, Marilene, 38 anos, tem 7 filhos, e no parto da mais moça fez laqueadura. A filha mais velha com 21 anos faz faculdade de Biologia à distância em Mateiros. Fazemos uma comidinha gostosa a quatro mãos eu e Douglas no fogão a lenha: galinha e batata doce assada. As redes são armadas no interior do alpendre o que foi bom porque choveu a noite inteira. A segunda-feira amanhece linda com raras nuvens no céu, e continuamos a viagem até São Felix do Tocantins, distante 50 km. A estrada se comparada às outras é “ótima”. Percebo que esta zona do Jalapão é mais habitada, tanto que há construções à beira da estrada, destacando-se pela singeleza um ranchinho feito de folhas de buriti com 2 redes feitas do mesmo material. Mais adiante, uma casinha de adobe chama minha atenção. Paro e antes de fotografar pergunto ao jovem que está entrando pelo portão se posso. Ele aponta a senhora vestida de preto com um terço branco fazendo de colar. Dirijo-me a ela e peço sua permissão. A velhinha reclama que não há respeito algum porque as fotos são tiradas às escondidas e nenhum retorno advém disso. Aborrecida acrescenta que há pessoas que fazem mal uso das fotos. Se for pro bem, ressalva ela, não se incomoda. Soube inclusive que uma delas já foi parar em Araguaína, veja só. Depois duns 10 minutos de conversê ela consente que fotografe a residência. Pergunto seu nome, Alzira e, na despedida, peço pra lhe dar um abraço. Contentes as 2, nos despedimos como boas amigas. Pena que não dei conta de fotografá-la também!! São Felix é bem mais ajeitada que Mateiros, contando com uma praça arborizada, bancos, quiosque e uma igreja. Paramos pra almoçar, estacionando o carro em frente ao tal quiosque. E o carro pifa outra vez. Sorte acontecer na cidade e não no meio do mato. Conversa dali conversa daqui com uns homens que estão fazendo churrasco na praça, descubro a existência dum mecânico (banco a tradutora do Douglas porque se seu espanhol com forte acento inglês é difícil de entender pior ainda sua canhestra tentativa de falar português). Um dos homens pega sua moto e vai até casa do mecânico de nome Índio chamá-lo. Exceto pelos homens assando a carne na praça, não há quase movimento nas ruas. A situação de cidade-fantasma se deve ao ponto facultativo decretado pelo precavido prefeito, ciente que os efeitos do tragoléu, tomado no dia anterior, em comemoração ao dia das mães, iriam deixar 80% da cidade de ressaca. São Felix permanece quase vazia até o final da tarde, o que confirma a intensidade da bebedeira. Um sol de rachar e a internete nem pega, um tédio só. Quando vou dar uma caminhada pra me entreter, vejo 4 homens esparramados em colchões, dormindo ao lado da igreja onde há sombra. Estamos há mais de 3 horas parados na praça debaixo dum baita calor com um carro de som aos berros irradiando canções sertanejas cujos versos entoam baboseiras como “menina da aldeia, pegava sua mochila só pra vê-la chorar” ou então “lembro dos dias que éramos crianças pensando que a vida era favo de mel”. Bueno, o conserto do carro durou do ½ dia até às 5 da tarde. O problema continua a ser a tal bomba da gasolina. Índio a trocou pela dum Audi que nas suas palavras vai dar muito bem conta do recado. Cobra uma boa grana de Douglas que paga sem chiar. Índio, sujeito generoso, vai até o armazém em frente e traz 2 cervas pro Douglas e uma guaraná pra mim hahahaha. Vamos até um super e lá compramos algo pra cozinhar, ou melhor, Douglas porque é ele quem se encarrega de fazer almoços, jantas e desjejuns. Eu lavo louça e faço caipirinhas que ele bebe avidamente. Como os gringos gostam desta nossa bebidinha! Acampamos no balneário Alecrim a 2 km da cidade, às margens do rio Sono, nesta zona mais tranquilo. Chove durante a madrugada de terça-feira e temos de sair das redes e montar a barraca. No que terminamos, a chuva para...tsktsktsk. No retorno a Palmas, passamos pela Catedral, um impressionante monolito rochoso, que pertence ao dono do Eco Lodge, um empreendimento não só turístico mas visando à preservação ambiental. Almoçamos lá enquanto conversamos com José Raimundo que trabalha no lugar. As estradas de chão batido no Jalapão são horríveis, salvo a que liga São Felix a Novo Acordo. A partir de Novo Acordo, 100 km de asfalto até Palmas apesar do trecho entre Santa Teresa do Tocantins e a capital esteja horrível, cheio de buracos-crateras. Ficamos 2 dias em Palmas de modo a que Douglas consiga encontrar e comprar a tal bomba do tanque de gasolina. Aproveito a quarta-feira pra dar altos rolês de bici e conheço assim o belo memorial feito por Niemayer em homenagem aos 18 do Forte. Retorno a Luzimangues, atravessando mais uma vez a ponte Fernando Henrique Cardoso sobre o rio Tocantins e provo o melhor pastel da minha vida no food truck estacionado num recanto arborizado ao lado da bela avenida JK. Há até redário pro cliente descansar! E a coisa não pára por aqui não, amanhã seguimos pro Maranhão a fim de conhecer a Chapada das Mesas, um dos sítios que está há muito na minha lista de desejos!!

segunda-feira, 7 de maio de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Região Norte - Jalapão - Num Paraíso de Fazenda

Pra variar chego novamente à noite em Palmas dirigindo desde Alto Paraíso de Goiás. Acontece que gosto de parar pra fotografar e filmar, bater papo com os nativos, comer e, claro, fazer xixi. Estou aprendendo a não ter pressa em chegar. Douglas, sessentão, radicado há anos na Venezuela onde tem uma agência de turismo de aventura, me aguarda num restaurante na esquina do hotel onde está hospedado. Conheci o bem humorado britânico (yo soy britanico, como faz questão de frisar), em São Jorge, acampado no mesmo Canto da Coruja onde eu também ficara. Descobrimos conversa vai, conversa vem, que estivéramos tanto no Nepal quanto no Paquistão e aí então a conversa fluiu mais animada ainda. Ele como eu está viajando de carro pela América do Sul tendo já percorrido 35 mil km. Genuinamente aventureiro, foi dono de escola de inglês em Caracas, enchendo o saco de estar preso entre 4 paredes e começou a fazer guiadas a serviço de agências inglesas em especial pra monte Roraima e Auyantepui. Quando lhe proponho que viajemos juntos em sua caminhonete pro Jalapão e dividamos o combustível, topa sem hesitações. Too nice tratar com gente descolada. Combinamos partir na segunda. Gosto de cara de Palmas, cidade construída à semelhança de Brasília e com população de apenas 300 mil almas!! O tráfego de carros é super calmo porque a cidade não está atulhada de gente! À tarde, lá pelas 16 horas, aproveitando que refrescou um pouco, embora eu adore cidades-fornos, tipo Palmas, aproveito o restante do domingão e dou uma pedalada até Luzimangues cruzando a ponte sobre o Tocantins. Num trecho protegido por redes de arame devido à existência de piranhas, tomo banho nas águas mornas do rio, após o pedal porque fiquei com o rosto cheio de teias de aranhas devido ao matagal que cresce na passarela de pedestres ao longo da ponte. Como o pedal não foi suficiente pra minha sede de atividade física, alugo um caiaque remando nas águas calmas e sem vento do rio, com o sol se pondo num entardecer sedosamente avermelhado....lindão demais! As barcas turísticas com seus tombadilhos iluminados por luzinhas coloridas donde ecoam músicas com uma pegada de carimbó, retornam à praia da Graciosa trazendo uma galera super animada depois dos passeios a outra margem do rio. Numa das barcas, com palmeiras no convés, uma banda toca ao vivo fazendo as pessoas dançarem animadíssimas alegres músicas bregas. Jet skis seguem atrás.....tudo muuiiitooo divertido! Dá vontade de seguir no caiaque dançando também hahaha. Saímos de Palmas às 10 rumo ao Jalapão uhuuu há tempos na minha mira!! Escolhemos entrar por Ponte Alta (pode-se entrar também por Mateiros ou São Felix do Tocantins) onde paramos pra comprar mantimentos no armazém da cidadezinha, passando antes por Santa Teresa de Tocantins. Entre essas duas cidades, em um bom trecho da rodovia, o asfalto quase inexistente expõe enormes buracos exigindo que se dirija prudentemente despacito. A agradável descoberta do pequeno canyon do Sussuapara um pouco depois de Ponte Alta já é um prenúncio dos belos cenários que viremos a conhecer no decorrer dos 9 dias que passaremos no Jalapão. Poderíamos ter chegado na fazenda que pertenceu a Pablo Escobar bem antes das 18 mas Douglas teimou em seguir por uma estradinha que deu em lugar algum, embora eu tenha avisado que a estrada era outra. Homens sempre acham que sabem mais que mulheres em questão de navegação, ainda mais esse que se gaba de ser guia (acho que o ascendente dele é leão hahahaha!). Na propriedade do famoso traficante, foram construídas várias casas de alvenaria ainda em bom estado (devem ter sido construídas na década de 80), algumas exibindo requintes como portas francesas e enormes vasos enfeitando seu exterior. O lugar onde armamos nossas redes, uma grande varanda com balcões e pias conduz a um corredor com vários quartos em ambos os lados, todos com banheiro e espera de ar condicionado. O céu sem nuvens, estreladíssimo, um colírio pros olhos quando acordo às 2:30 pra fazer xixi. Embora já minguante a lua ilumina perfeitamente o terreiro em frente à construção onde estamos instalados. Na terça, pedalo da fazenda até à cachoeira da Velha enquanto Douglas segue em sua caminhonete. Recém terminada a época das chuvas, que se iniciou em outubro, rios e cachus estão bombando como a esfuziante cachoeira da Velha. A cachu, espetacular, apresenta 2 saltos e dali pode se fazer raft que nesta época do ano é nível 4 neste trecho do rio Novo. Guilherme, Sara e Rafael que se encontram lá trabalham com turismo no Jalapão e dão boas dicas pra nós. Da Velha se vê a serra do Jalapinha, uma pequena extensão de planalto com o topo achatado que lembra os tepuis venezuelanos. Até hoje salvo os quilombolas, ninguém se arriscou a subir até o cume porque o acesso é difícil devido às veredas de buriti. Há outras serras com formatos similares à do Jalapinha sobressaindo na paisagem do Jalapão onde savanas, matas ciliares e cerrado se alternam. O céu é coalhado por gordas e brancas nuvens que vez por outra lançam sombras aliviando um tantinho o forte calor tropical da região. As estradas de chão batido são verdadeiros testes pros motoristas e carros, que têm de ser 4x4, traçados como são chamados aqui tais veículos. Quando não são esburacadas com enormes valas mostram-se verdadeiros arenales. Imagina só elas na época das chuvas, o lamaçal que não devem ser, atolando carro a 3 por 4! Sorte minha que vim no carro de Douglas porque no meu talvez não tivesse dado conta. Minha habilidade na direção é limitada nesse tipo de terreno. Da Velha vamos até a Prainha onde tomamos um refrescante banho no rio Novo. O calor é maravilhooosoooo.....bafão demais, coisa boa!! Quando saímos dali, Douglas começa a passar mal. Obrigado a parar o carro amiúde pra vomitar, o coitado ainda pede desculpas pelo transtorno! Estou um pouco aflita, proponho inclusive voltarmos pra Palmas mas ele se recusa embora seja evidente que está passando mal. Pra nossa sorte, vemos na estrada uma tabuleta de madeira indicando um camping a 9 km. Embarafustamos na arenosa trilha e assim chegamos no lugar, um verdadeiro paraíso. Os donos não se encontram o que não nos impede de armamos nossas redes. O homem cai que nem um saco de batatas, esgotado de tanto vomitar. Antes de jantar, tomo um banho no rio Novo. Aos 2 dogues que aqui se encontram, mansos e super sociais, dou os ossos da galinha que usei no preparo da canja pro pobre enfermo. Não dá outra, os 2 não me largam mais, dormindo ao lado da rede, como autênticos guarda-costas! Já deitada, escuto um barulho metálico e levanto assustada. Pra minha surpresa, é um dos cachorros tentando furtar da panela a canja! Durmo embalada pelo delicioso rumorejar das pequenas corredeiras do rio Novo que corre a 20 metros donde estou deitada. Aliás é um rio de forte correnteza e não dá pra se arriscar muito além de sua margem. À noite faz uma friaca respeitável tanto que apelo pro meu saco de dormir porque só com a canga que faço de lençol não deu pra aguentar. Na quarta achamos melhor aqui permanecer porque Douglas continua ruinzinho; me conta acabrunhado que vomitara durante a noite. Do outro lado do rio Novo, já terras pertencentes ao Parque Estadual do Jalapão, brilham ao sol as areias douradas de pequenas praias. O trinar dos pássaros é constante. Agora mesmo um beija-flor veio me visitar, me olha enquanto bate suas asas naquele ritmo frenético e depois se vai. Uma preguiça gostosa toma conta de meu corpo. Quando não estou na rede lendo, estou no rio me refrescando e assim o dia vai findando sem eu sentir. À tardinha, chega o casal proprietário da terra, Antonio e Milma. Lá pelas tantas depois das apresentações ele pergunta pro Douglas “já parou com a vomitação?”. O casal é goiano, ela do signo de touro, ele, de aquário. Convidam apenas eu pra jantar. Douglas foi obrigado por Milma a comer mingau de fubá por ela preparado, que o coitado detestou. Escondido, deu pros cachorros a paçoca devorada em 10 segundos hahahaha. Assim, na sala-cozinha-copa- despensa, nós 3 de pratos nas mãos comemos uma delícia de comida caseira, feita por ele já que Milma tem problema no braço em decorrência duma fratura no ombro. Durante a refeição cada um se auto-elogia e tasca a falar mal um do outro. Enquanto ele tece loas às qualidades de seu signo, ela faz sinais para mim denunciando que o marido é dinheirista embora ele alegue que não, tanto que só lê livros sagrados. Indago se é a bíblia, ele diz que são os espíritas, hahahaha. Milma me ensina a ser esperta com os homens. Assegura que traz o seu no cabresto, inclusive com tornozeleira. “Mas ele não sabe disso, né?” pergunto eu. “Nem sonha, sou muito esperta, inteligente, observadora, os olhos bem abertos. Tem de se tratá-los assim com rigor, eles são muito sem-vergonhas. Esse come na minha mão”, revela Milma. Na quinta, Antonio me leva até a palhoça-restaurante com a desculpa de me oferecer uma prova de cachaça com murici. Na verdade, quer me contar que tivera uma namorada antes de casar, a melhor mulher com quem já transara (isso depois de ter sabido que eu como ela sou de escorpião, signo - pobre signo!! - que carrega um estigma de sexualidade insaciável....eu hein!!). Acrescenta, pra ver se eu me enterneço (hahahaha, engraçadinho demais esse senhor!), que Milma não é carinhosa, quando quer sexo se faz de bruta, sem finesse alguma, aponta pra ele e diz na lata, “quero transar”. Mas ele – tsk tsk tsk -  não! é sujeito muito carinhoso, sabe fazer dengos numa mulher (tô me contendo pra não cair na gargalhada diante da cantada do velhote que apesar de seus 77 anos se mantém em boa forma). As feministas que me perdoem mas não consigo ficar indignada. Aceito na boa a canhestra cantada de Antonio, que de certa forma me deixa envaidecida....bom se sentir desejada, não é mesmo? Fico sabendo por Milma depois de ter dormido na rede distante 200 metros da de Douglas (além de estar doente como o homem poderia me acudir se tão longe de mim, né?) que as onças não fazem barulho algum, nem quando andam sobre folhas secas....putz, bem melhor ter passado sem essa...santa protetora é a ignorância! Como é imperioso ter cachorros nessa região porque dão aviso quando se aproximam predadores, Antonio trouxe mais um dogue. O baita animal, de pé, tem meu tamanho: 1.53 m, ao contrário dos outros dois, uns nanicos. Esse sim ombreia com uma onça, sô! Dorme à noite embaixo da minha rede não sem antes fazer aquela folia com os nanicos. É novinho, bruto e afetuoso. Hoje, quinta-feira permanecemos aqui embora Douglas já esteja recuperado de sua intoxicação alimentar. Dou uma banda até a belíssima praia da Carioca também pertencente a Antonio e vejo na areia fofa e branquinha diversas marcas de patas de animais, podendo inclusive que alguma seja de onça. Bah! como gostaria de ver uma onça pintada, estes belíssimos gatões selvagens. Na sexta, quando estamos indo embora, Milma muda o discurso e declara que o marido é o esteio de sua vida, que teme que ele morra antes dela porque sabe que os filhos não vão cuidá-la. Ele, que está escutando, manifesta a mesma preocupação em relação à mulher. O curioso é que na hora do pega pra capar eles se protegem....que dupla!