quarta-feira, 31 de dezembro de 2014

Reveillon en Bella Vista

Deixamos Ballena por volta de ½ dia porque, conforme meus cálculos, seriam apenas 27 km, previsão esta que se mostrou totalmente equivocada. Pedalamos o dobro porque mais uma vez ficamos “no mato sem cachorro”, indo e voltando à-toa, em razão de informações errôneas prestadas pela merda do hotel! Bueno, inicialmente, pedalamos 14 km na Interbalneária onde, no km 108 (a conselho do belo Arcangel), dobramos à esquerda, retornando à tranquilidade da Ruta 10 que retoma sua vocação de rodovia acostada ao litoral, sofrendo em Solis, entretanto, nova interrupção. E uma agradabilíssima surpresa nos aguarda: Horacio e Chicho estão nos aguardando com bebidas geladas e frutas. É aquele festerê! Pois não é que os fofos se tocaram de Minas, a 60 km de Piriapólis, só pra dar um alô pra gente?! Meu bom deus, quem tem amigos não morre pagão, never!! Sinto-me abençoada! Durante boa parte da tarde, nos acompanham de carro, tirando fotos e fazendo vídeos com nossas máquinas. Esta parte da costa uruguaia, cuja posse passa a ser do rio de La Plata, exibe-se engalanada por rochas à beira d’água e por dunas de areia branca que tornam muito atraentes os diversos balneários em seu entorno, como Punta Negra, Punta Fria, Punta Colorada, Piriapolis, Playa Verde, Bella Vista e outros. Alguns morros destacam-se dentre eles o inconfundível Pan de Azucar. O dia que começara lindo, com sol deslumbrante, vai nublando aos poucos, até que no meio da tarde o céu se torna escuro. Ventos fortíssimos fazem com que sejamos obrigadas a nos refugiar num restaurante ao lado duma marina. Aproveitamos a tormenta eu e Fátima para almoçar. Terminada a refeição, o sol pra nossa alegria, volta a brilhar e o céu exibe um azul impecável. Passando por Piriapólis, Josmara nos chama do interior dum restaurante onde se encontra o grupo do Rota Sul. Mais festerê com esses amigos! Mas não dá pra demorar muito porque nós temos ainda estrada pela frente enquanto eles permanecerão em Piriapólis pra curtir a virada de ano. Segundo as informações fornecidas pela Booking.com, a tal pousada localiza-se em Jaureguiberry. Ataco um cidadão pra obter infos. Muito gentil, o rapaz nos orienta a pegar a IB, passar pelo pedágio e, após cruzarmos o arroyo Solis Grande, entrarmos na primeira estrada à esquerda. E lá vamos nós no maior calor pra merda da IB, atravessando as 2 pistas com o cu na mão porque o movimento nesta rodovia é pesado. E aqui tem início a discórdia entre mim e Fátima acerca da localização do hotel. Buscando novas infos com um imbecil, dono dum restaurante, quase vou às vias de fato com o sujeito. Fátima, por sua vez, obtém informação completamente diversa da minha com dois sinhozinhos nativos que atravessavam a rodovia a cavalo. Informa que devemos retornar à Ruta 10 onde fica o Km 87, endereço da maldita pousada. Mantenho firme convicção de que devemos continuar pela IB porque a pousada fica em Jaureguiberry. Jo e Angelica não sabem bem a quem apoiar. Olham pra mim, olham pra Fatima e não dizem nem sim tampouco não. Na dúvida, pensam elas, fiquemos de camarote  em cima do muro, hahaha. Depois de muito bate-boca, a Monster ameaça que vai largar a gente de mão. Surge pedalando uma moça que, indagada, diz conhecer a dita pousada, o que é reforçado por um transeunte a quem as gurias, por sua vez, atacam. E a enxerida guria, ainda, se prontifica a nos guiar até o lugar. Daí não tenho outra alternativa a não ser segui-las porque até as vacilantes Jo e Angelica dão ouvidos à criatura uruguaia. Maldosamente, entretanto, torço para que ela, e consequentemente, a Monster estejam erradas. Com todas essas rateadas chegamos ao Bungallow Bella Vista, localizado não em Jaureguiberry e sim em Bella Vista, às 20 horas com o sol já quase se pondo no rio de La Plata. A recepção da pousada, curiosamente, fechada, sem vivalma pra nos recepcionar. Apenas um bilhete preso no vidro da porta-janela, avisando à sra Beatriz que o bangalô 10 está aberto e indicando 2 números de celular para contatar a sra. Virginia, caso necessário. Até aí até que estávamos tranqüilas. Mas quando entramos no bangalô, a indignação toma conta do grupo. Um cheiro de mofo horrível, um muquifo o lugar. A porta da geladeira, presa com um arame, é qualquer coisa de precária. Como nossa pousada fica ao lado de outra, vamos na recepção da pousada vizinha pedir pra telefonar porque nenhuma de nós habilitara celular pro exterior. Os funcionários muito amáveis fazem questão de frisar que não tem nada a ver com a nossa pousada embora no prospecto do Booking.com conste anúncio de que as piscinas são compartilhadas. Jô, por ser a mais calma, é escolhida pra telefonar pra tal Virginia e fazer as devidas reclamações. Enquanto isso eu e Fátima vamos a um mercado comprar bebidas e alguma comida pra nossa ceia porque a pousada - agora percebo - só aluga as casas e o resto que se virem os clientes. Quando voltamos, as gurias tinham conseguido novo bangalô bem mais apresentável, ulalalá. Fátima consegue convencer o parrillero do hotel vizinho a nos vender carne e salada. Cansadas que estamos, sem essa de ir a Piriapólis procurar restaurante pra comemorar a virada de ano. A parrilla muito sem graça - sem sal algum - está quase crua. E lá vão Jo e Ange devolvê-la para ser melhor assada. O que salva a festa são os vinhos - medio medio e um branco -, além, é claro, do maravilhoso espetáculo de fogos de artifício que ilumina toda a costa. O céu torna-se feericamente colorido de vermelho, prata, dourado e azul durante 30 minutos! Bem vindo 2015!!

terça-feira, 30 de dezembro de 2014

Mar de lagunas

Juan, nosso hospedeiro, abre uma exceção e serve, a meu pedido, desaiuno às 6:30. O crocante minipão francês é tudo de bom. Trato de comer 3 porque hoje o pedal vai ser o mais puxado de todos, em torno de 100 km. Despedidas feitas, pegamos a estrada. O céu meio enevoado e o frescor da manhã dão tanta energia que os 14 km ao longo da Ruta 10 até o entroncamento com a Ruta 15 se fazem num piscar de olhos.  A partir dali, a 10 torna-se de chão batido até a casa de Olga, barqueira responsável pela travessia da barra. Decorridos 4 km, já se avista a imensidão da laguna de Rocha, considerada reserva da biosfera pela UNESCO. Na piscosa lagoa, diversas espécies de aves fazem dela ponto de arribada em sua rota migratória. Previdentemente, ontem, eu havia feito contato telefônico com Olga e acertado pras 8 horas nosso embarque. Com essa manobra, se evita contornar a lagoa pela Ruta 9, o que aumentaria o pedal em mais 30 km. O motivo da brusca interrupção sofrida na Ruta 10 tem como causa a invasão periódica da maré alta no estreito cordão de areia que separa a laguna do mar. Daí já viu, né, o risco  de atravessá-lo com bicicletas, mesmo não sendo muito profunda a passagem. Quem ocupa o leme do barco a motor não é a solícita Olga, e sim seu irmão, o igualmente simpático Pepe. Com o acréscimo de Neivid e Claudia (abro um parênteses pra falar nele porque o fofo, embora tenha nascido na Irlanda, faz questão de frisar que é brasileiro pois está em terras brasileiras há quase 30 anos) que encontramos perdidões perto da casa de Olga, um barco menor é atrelado ao maior onde vamos nós 6 e o tralharedo. Jô, Ange e suas bicis vão assim rebocadas durante os 20 minutos de travessia. O céu, graças a deus, se encontra nublado! Ao término da navegação, retomamos o pedal ao longo da Ruta 10 que se mantém de chão batido até a laguna de Garzon, limite entre os departamentos de Rocha e Maldonado cujo balneário mais emblemático é Punta del Este. A estrada plana, de areia clara, estende-se a perder de vista exibindo tímidos aclives que nem exigem troca de marcha. A pesada e baixa nuvem negra ao sul não passa, decorrido um tempo, de falso rebate de chuva. Pena, teria sido bem vinda uma manta d’água pra refrescar porque o calor tá começando a pegar. Encontramos Jo e Ange nos esperando para o costumeiro descanso coletivo. Como elas pedalam muito forte, galos cinzas que são, facinho se distanciam de nós em torno duns 3 km. Embora neguem energicamente, tenho cá com meus botões que ambas estão competindo uma com a outra, na fina. Por causa disso, tenho um baita insight e tomo então a sábia decisão de comunicar a elas que "por favor, gurias não se constranjam, tomem a dianteira, nada de ficar esperando por mim e Fatima a cada 20 km como a gente tinha combinado, ok?". Como elas têm o roteiro com os endereços das pousadas nada mais adequado que ir na frente e lá nos aguardar. "De preferência com uma garrafa de vinhote, viram?", acrescento eu, com ar maroto. Tal arranjo revela-se salutar. Se nossa convivência era até então ouro sobre prata, passa a ser ouro sobre ouro incrustado com diamantes, hehehe! Por causa duma informação errada dada por um sujeito a quem ataco pra perguntar os horários da balsa de Garzon, começa aquela correria pra alcançar a embarcação cujo último horário matutino é às 12, reiniciando a travessia somente a partir das 14! Revela-se inútil, entretanto, a desenfreada pedalada porque no verão tem balsa a cada 10 minutos, hahaha!! Fatima devido a uma distensão na panturrilha, veste, hoje, ao invés de calça comprida, bermuda curta e meias elásticas até o joelho. Assim fardada, a Monster lembra aqueles estudantes de colégio inglês. Atravessada a laguna de Garzón onde são figurinhas fáceis as velas coloridas das pranchas dos praticantes de kitesurf, paramos numa bodega bem xinfrim pra descansar e beber algo porque de comida já temos as empanadas que compramos ontem em La Pedrera. Merecido descanso, afinal foram 53 km sendo que 39 de puro chão batido! Aproveito pra carregar o garmim porque esta bosta de relógio tem autonomia muito curta. Não dura mais que 8 horas. E hoje o dia será longo, considerando que só fizemos metade do caminho até agora. O dono do lugar avisa que sua mãe está pondo no forno empanadas de marisco. Não dá outra, desisto de comer as empanadas que trouxera e trato de esperar as que estão sendo assadas. E, olha, vale a pena a espera! Quentinha, suculenta, de massa folhada, peço bis! Os 2 sucos de pêssego, feitos na hora, são grossinhos na medida certa. E a tartelete de morango ainda morninha está dos deuses. Embora não tenha sido nada barato foi o melhor lanche do pedal. Imbatível! A Ruta 10 nesta região encontra-se tão próxima do oceano que dá pra avistar a 200 metros o azulado de suas águas. Cômoros de areia são o divisor natural entre a praia e a estrada. Uma belezura tudo isso. E o sol volta a aparecer com força total. A falta de acostamento segue somente até Jose Ignácio onde tem início as bem vindas banquinas, aleluia! Passamos pela movimentada Manantiales e após a fervida Barra, percorremos a Brava povoada por luxuosos prédios brancos, onde a certa altura o Atlântico se despede cedendo espaço às águas marrons e calmas do rio de La Plata. Novos momentos tensos quando deixamos a Ruta 10 e começamos a pedalar na Ruta Interbalneária. O tráfego pesado e o sol abrasador já estão me irritando um pouco. Desavisada que sou botei apenas protetor no rosto e esqueci de braços e pernas. O resultado foi tomar aquele torrão....merrda! Quando chegamos em Punta Ballena, começo a procurar o tal km 120, em frente ao mirador das baleias, onde se localiza nosso hotel. E nada de achar a tal bosta de hotel! Procura daqui, fuça dali, atravessa a perigosa IB umas 3 vezes, incursão num posto de polícia cuja antipática tira, com ar de sabidona, nos passa uma info falsa, sem deixar de mencionar o mala dum argentino, irritantemente solícito, tentando nos ajudar. Cansada e mal humorada, covardemente, desconto a irritação na pobre Fatima que, justiça seja feita, se mostra bem pacienciosa comigo. Já tô quase dando piti na beira da estrada quando escuto a voz fininha de Jo chamando “gurias, é aqui”. Finalmente, após rodarmos 110 km, chegamos no Hostal Punta Ballena Ocean View. Apesar do nome pomposo e da esplêndida visão que se tem de Punta del Este a Punta Negra, o hotel é meio, como posso dizer, bagunçado. Mais parece uma casa, daquelas desleixadas, que uma pousada. Seus donos, o apolíneo uruguaio Arcangel e a sensual holandesa Juliet revelam-se, contudo, anfitriões encantadores. Nos deixam absolutamente à vontade, como se estivéssemos na casa de amigos. Como o hotel não tem serviço de restaurante, Juliet pede delivery pra nós, compartilhando uma garrafa de vinho tinto comigo. Essa sabe das coisas boas da vida, toost!!

segunda-feira, 29 de dezembro de 2014

Charmosa Punta Rubia

Quando acordo e olho pra fora, dou de cara com um baita dia...ebaaa! Desço a estreita e íngreme escada até o piso inferior onde Willi está pondo pra assar a primeira fornada de croissants. Melhor desaiuno impossível, partilhado com os recentes amigos argentinos à tosca e comprida mesa, colocada ao ar livre, fronteiriça à janela da cozinha. De onde estou vejo Willi lá dentro, indo pra lá e pra cá nos seus trâmites culinários. Ele dá uma espiada através da janela, eu encaro....será? Mas não perco muito tempo em conjecturas sobre ele estar ou não flertando comigo porque pouca demora nos despedimos. Urge pegar o caminhão das 11 horas de modo a não chegar muito tarde em La Pedrera. Conseguimos sair do parque por volta do ½ dia sob um sol de fritar ovo no asfalto. Sem vento, a temperatura é escaldante. Bem que poderia soprar um pouco, não muito, é claro, daquele sudeste de ontem. Paro a cada 15 minutos pra tomar água da caramanhola, a essa altura já totalmente morna....eca. E a merda da Ruta 10 continua sem banquinas como são chamados em espanhol os acostamentos. Merrda!! Embora o movimento de veículos não seja lá muito intenso, tô mesmo assim cabrera. O medo de que algum psicopata do volante atinja eu ou minhas amigas volta e meia aparece pra me assombrar...merrrda! Após 20 km paramos em frente a uma casa para breve descanso, hidratação e mastigar algo. Um atraente muchacho, super gentil, que se identifica como Chocolate, nos serve água gelada. Da guapissima criatura todas pensamos o óbvio: “desse chocolate eu provaria sem culpa alguma a barra inteira, hahaha!” Eu, investida da função de guia do grupo, crente de que nossa pousada fica em La Pedrera, oriento as gurias a entrar na rotatória que leva a este balneário. Como não sei direito sua localização, paro na frente dum mercado pra perguntar. Sentadas num murinho, duas jovens perguntam de onde estamos vindo. Conversa vai conversa vem, descubro que ambas moram em Rio Grande, minha terra natal! Que mundo pequeno, hehe. Muito queridas, as duas estão indo pra Cabo Polônio. Esclarecida onde fica a pousada, dou o grito de alerta: “gurias, voltem, a pousada é em Punta Rubia!” Retornamos então pra Ruta 10 e, após 2 km, enveredamos à direita por uma estradinha de chão batido, encontrando nossa pousada a 150 metros da faixa. No fundo da rua, após 39 km de pedal, aquela recompensa: o mar escancarando sua imensidão azulada se funde com o azulão do céu. A pousada Irsis é um charme com bangalôs de dois pisos, mobiliados com móveis da década de 50. Na parte social, um bar com balcão e, no jardim, espalhados, mesas, cadeiras e sofás fazem do espaço um estiloso lounge. Seus donos, Eneas e Juan, muito amáveis, logo tratam de nos deixar super à vontade. Pedimos o prato do dia, peixe e salada, servido ao ar livre. Sentadas, à sombra duma árvore, achamos tudo super gostoso de tão esfaimadas estamos. Melhor tempero que a fome não há, hehe. Assim que sente o cheiro da refeição, um baby gato se aproxima e encarna na Fatima. A Monster surta com a pentelhação do bichano que só tem olhos, ou melhor, focinho pro prato dela, deixando nós três na boa pra saborear nossas refeições, hahaha. Banho tomado, levo (hahaha) as gurias para passear em La Pedrera e conhecer a charmosa mureta branca que divide a calçada da praia. Fotinhas tiradas, levo-as à Heladeria Popi onde saboreamos cucuruchos. Na panaderia, compramos empanadas pro pedal de amanhã já que durante mais ou menos uns 50 km não haverá lugar algum pra comprar comida. À noitinha, voltamos ao aconhego de nossa pousada. A suave iluminação do jardim convida a que ali se permaneça. Peço então um branco gelado. Pra acompanhar, ceviche de pescado. Infelizmente, o prato fica a dever porque há mais do molho de cebola e tomate que, propriamente, do peixe. Na vitrola, rola uma música em volume adequado que - aleluia - não interfere no conversê. Maria Angélica e Josmara, solidárias, bebem também vinho enquanto Fátima (atualmente numa fase abstêmica), sem sucesso, não consegue a cerveja sem álcool que solicitara. Brindamos ao terceiro dia de pedal que tem sido ouro sobre prata!! Tintim!

domingo, 28 de dezembro de 2014

Pousada Santa Maradona

Quão boba fui ontem quando mal iniciada a jornada cheguei a pensar por um momento que não daria conta do pedal até Montevideo! Tendo como confidente os meus botões, abri o jogo e revelei-lhes meu medo de não poder cumprir o roteiro de 7 dias. Me xinguei de pretensiosa, megalomaníaca e por aí afora, numa descabida crise de baixa autoestima. À medida que pedalava, contudo, meu temor virava pó de traque e mais confiante ficava de que iria conseguir, sim!! Tanto que ao final do dia nem mais lembrava das dúvidas matutinas. Bueno, como a pousada não serve desaiuno, vamos até a bizcocheria Giannin, situada na esquina da calle principal de Punta del Diablo. Biscoitos recheados com doce de leite, empanadas com diversos recheios, medias lunas e postres divinos exibem-se tentadores à vitrine. Não há como não se render à pastelaria uruguaia! O café entretanto não faz jus aos excelentes petiscos. Saímos do balneário e pegamos a Ruta 9, pedalando durante 3 horas os 40 km até Castillos onde fazemos parada de 2 horas no restaurante (também hotel) de nome Mi Gente. A comida, honesta, é razoável. Mas os preços estão salgados. Já se foi o tempo que nosso real comprava muito com pouca moeda! Ange, Jo e Fatima comem assado de tira, eu pescado com salsa de camarão. Nem pensar em comer carne, considerando que se tem ainda mais 25 km de pedal debaixo dum sol causticante! O vinho, em copo, é muito ruim, tanto que só bebo 1/3 de seu conteúdo. Em compensação, a sobremesa, pudim de claras com cobertura de doce de leite é de comer ajoelhada! Terminada a refeição, deixamos a pacata Castillos e entramos na Ruta 16. De pequena extensão, apenas 10 km, a rodovia, sem acostamento, é bem pouco segura porque apresenta pesado tráfego. Diversos carros e motos tiram, sem piedade, fininho de nós. Tô percebendo que não é só no Brasil que há psicopatas do volante! Deveras tenso o pedal. Eu rezando pra que logo alcancemos a Ruta 10, onde a 16 termina, porque tô crente que, nessa, sim, há acostamento. No entanto, triste engano o meu: também sem acostamento, a 10 revela-se, aleluia, bem mais tranqüila devido a pouca circulação de veículos. Ufa, que alívio! Poderíamos ter ido pela Ruta 9 com acostamento até Montevideo, nosso destino final. Acontece, porém, um pequeno e bom detalhe: a Ruta 10 acompanha  o contorno da bela costa uruguaia e daí nem preciso explicar porque esta rodovia foi a escolhida, né? Começa então a soprar o temível vento sudeste que nos obriga a fazer força pra vencê-lo muito embora seja plana a estrada. O esforço despendido é semelhante ao de subir ladeiras. Conquanto tenhamos rodado somente 6 km, pedalar com intensidade de vento, em torno de 20 a 28 km/h, dá a impressão de que se pedala bem mais! Chegamos esbaforidas ao Parque Nacional de Cabo Polônio, mas nem dá pra descansar porque temos de prender as bicis no estacionamento já que não é permitida a entrada delas na vila. Subimos no caminhão que, após 20 minutos de sacolejos sobre a areia fofa, nos deixa no centrinho de Polonio. Carregando os alforges (pesados ai ai ai) andamos sobre as dunas, afundando toda hora na areia fina e fofa. Lá pelas tantas, Jô e Ange, menos hábeis em caminhar nesse tipo de terreno, pedem encarecidamente por um táxi ou carrinho de mão, hahahaha. Na finalera da Playa Sur, eis-nos enfim, na pousada Santa Maradona, cujo nome dispensa explicação quando descobrimos que o dono, Willi, argentino da gema, é torcedor do Boca. Branca, bem rústica, a pousada num desleixo gostoso oferece redes e cadeiras ao ar livre. Seu filho, Nicholas, nos oferece água de poço artesiano enquanto o pai prepara um café – brasileiro, frisa ele – e indica um prato com bolo. Arbustos ao redor da pousada fornecem aprazível sombra. Nosso quarto, no piso superior, tem 3 camas de solteiro e uma de casal.  Sobre caixotes de frutas pintados de cores vibrantes, usados como mesinhas de cabeceira, velas e isqueiros, já que luz elétrica aqui no hay!! Fizemos o seguinte acerto, no início da viagem, nós as 4: quando uma dupla dorme em camas de solteiro, dia seguinte, ou melhor, noite seguinte, dormirá o outro par na de casal. Assim, hoje, eu e Fátima ocupamos camas de solteiro. Aleluiaaa!!! A bem da verdade, não gosto de dividir quarto com outra pessoa, o que dizer então de cama. Estou me superando nesta viagem, podicre!!! O banheiro é qualquer coisa de bizarro!! Há dois vasos sanitários, assim, pipis e cocôs podem ser compartilhados em dupla, hahaha. O chuveiro não passa dum balde bem grande, pendurado no teto, com uma enjambração de ducha, controlada por uma torneira, hahaha.....muito tri!! Como não há eletricidade em Polônio, quem quiser tomar banho de água quente, tem à disposição, sobre uma mesa, um fogãozinho de 2 bocas de modo a esquentar água. Fátima, cheia de mimimi, esquenta sua água, resmungando o tempo todo da precariedade do banheiro, hahaha....essa little monster na tpm é azucrinante! Por 30 pesos, um armazém, que conta com gerador de energia, carrega dispositivos eletrônicos. Assim, Ange e eu vamos até lá, deixando ela seu celular, eu, meu relógio Garmim, carregando até amanhã. Aproveitamos e compramos um Pinot Noir Sirah da Dom Pascual pra acompanhar a refeição. Willi prepara a janta, fazendo ele próprio a massa dos ravioles mais um pão. Servida em pratos fundos, a massa recheada com queijo e nozes e coberta por salsa rosada com pancetas é qualquer coisa de boa. O pão levemente adocicado revela-se providencial: ajuda a raspar o resto de molho do prato que se torna luzidio de tão limpinho. Comemos ao ar livre junto com o simpático casal Daniel e Isabel, pais de Tomas, além dos namorados Cassidy e Tomas, todos argentinos exceto Cass, americana, residindo em Buenos Aires onde trabalha ensinando inglês. Uma fogueira a 20 metros estala e suas chamas, além da lua já quase cheia, são a única iluminação na encantadora noite de Polonio!

sábado, 27 de dezembro de 2014

Pedal por Conta

Durante o pedal no litoral do Paraná, a amiga Fátima pediu que eu pensasse numa viagem de final de ano. Como sei que ela não é lá muito afeita às caminhadas, decidi que seria pedal nossa trip. E sem carro de apoio, por conta, como fora em junho, no assim chamado Pedal Tô Fora da Copa! Inicialmente, o plano era pedalar na Mantiqueira, no badalado Caminho da Fé. Contudo tal idéia, depois dum certo tempo, foi posta de lado porque nos demos conta (graças a deus) de que o trajeto, a ser feito no forte do verão, quase sem pontos d'água pra se refrescar, com muitas subidas fortes, seria uma verdadeira via crucis, e nenhuma de nós têm vocação pra mártir. Lembrei então de meu amado Uruguay. De seu litoral cheio de boas praias e dos trajetos sem grandes esforços físicos proporcionados pelo relevo predominantemente plano. Sabedoras de nossas intenções, Maria Angélica e Josmara se convidaram, sendo de imediato agregadas à pequena comitiva. Na manhã do dia 25 de dezembro, partimos de Porto Alegre, eu, Fatima (Little Monster viera de Curitiba celebrar o natal na minha casa), mais o pimpolhão Raulim que, a convite de seu amigo de infância, Felipe, vulgo Dente, passará a virada do ano em Hermenegildo, balneário de Santa Vitória dos Palmares. Ange e Jô se juntarão a nós, dia 26, no Chuí, ponto de partida do pedal, já que a função empezará dia 27, findando em Montevideo após sete dias de estrada. Escolho para chegar ao Chuí, em vez da BR 116, com seus enlouquecidos psicopatas do volante, a tranqüila BR 101, antiga estrada do inferno, rebatizada atualmente de Rota MERCOSUL. Salvo um pequeno trecho que antecede Mostardas, a ex-temível rodovia apresenta boas condições de trafegabilidade. Um pouco antes de chegarmos a Mostardas, peço que Raul pare o carro de modo a que Fátima e eu possamos pedalar até a cidade. Eu que nunca pedalara com alforjes tô com o fiofó apertado. Medo de me desequilibrar e me estatelar no asfalto. Logo percebo que não é pra tanto. A não ser certo cuidado ao subir e descer da bici, os alforjes não atrapalham em nada minha marcha. Com vento a favor, cobrimos os 20 km até Mostardas em 1 hora. Entramos na cidade para visitar Fabiana e filhos, lastimando não poder curtir mais tempo a agradável companhia de amigos tão carinhosos. Porém temos urgência em chegar a São José do Norte, onde pernoitaremos, porque, amanhã, sexta-feira, queremos pegar a primeira balsa que faz a travessia do canal até Rio Grande. Acordamos cedo e conseguimos embarcar na balsa das 9 horas cuja travessia não dura mais de 30 minutos. Atravessamos Rio Grande, minha terra natal, direto e reto até o Chuí onde Raul nos larga em frente ao hotel Internacional, situado na banda uruguaia. À tardinha, chegam as gurias e o animado trelelê sobre a viagem é inesgotável, com Ange perguntando se não está levando muita coisa. Marinheira de primeira viagem nesse tipo de aventura, é claro que a muchacha carrega tralha desnecessária, o que faz com que seja zoada pela debochada da Fátima. Bem humorada, a guria leva na boa, sempre sorridente. Sábado amanhece com sol, sem vento, o que me tranqüiliza, já que receio bastante o vento sul que sopra forte pra caramba aqui no Uruguay. Montamos nas bicis mais felizes que pintos no lixo e nos tocamos pra Punta Del Diablo, balneário localizado no departamento de Rocha, onde pernoitaremos. Uma breve passada pela aduana uruguaia onde um falante funcionário avisa que já bens uns 20 ciclistas passaram por ali rumo às praias. Após 33 km, avistamos Santa Teresa, encarapitada numa colina. Subimos pela estradinha que conduz ao interior da linda fortaleza, construída no século XVIII, inicialmente pelos portugueses  e finalizada pelos espanhóis. Terminada a visita, percorremos o parque perfazendo 10 km ao longo de suas alamedas bem arborizadas. Contando com boa infra-estrutura de camping, cabanas, armazéns e até restaurante, esta área de lazer ainda oferece diversas trilhas além de 4 praias que fazem a delícia dos turistas, a maioria jovens. Da fortaleza a Punta Del Diablo é um abraço, apenasmente 10 km. Nem um pouco difícil achar nossa pousada, maliciosamente apelidada Les Diablettes. Sua dona, a simpática Rossana, percebendo como estamos esbaforidas do esforço físico, abre a frigidaire onde há uma garrafa de água geladinha a nossa espera! A habitação que nos toca é um chalé de alvenaria pintado de branco, ao estilo mediterrâneo, com 2 camas de solteiro no piso inferior e uma de casal no superior. Um terraço com cadeiras preguiçosas oferece uma bela visão da praia. Devidamente recompostas após o banho, rumamos ao centrinho procurando restaurantes onde almoçar já que forráramos os estômagos apenas com empanadas compradas em Santa Teresa. Embora o relógio indique 19 e 30, a maioria dos restaurantes ainda se encontram cerrados,  já que a função noturna inicia a partir das 20:30, motivo por que encontramos certa dificuldade em achar lugar pra comer. Acabamos sentando num tal Lo de Olga por insistência duma brasileira, já meio no tragoleu, que tece loas sobre certo prato de frutos do mar. Segundo ela, embora não conste no cardápio, é dos deuses. Toda a comida se revela uma grande porcaria. Moluscos, camarões e pescados semi crus (e não se tratava de sushi, tá ligado?), mais um purê de batata mais farinha que outra coisa. Sorte da brasileira que se mandou antes que houvéssemos provado a comida. Caso contrário teria o azar de ouvir um discurso (meu, por supuesto) duro, enfático, bem sarcástico sobre culinária. Ela nem sabe do que se salvou! Contudo, nem tudo está perdido em matéria de gastronomia neste balneário tão badalado. Entramos numa heladeria e mandamos ver pois o sorvete uruguaio é muiiito bom!! Contrariando meu arraigado hábito de contenção alimentar, peço um cucurucho com duas bolas de sorvete de modo a preencher meu estômago após a parca ingestão da repelente refeição. Mas nada consegue empanar a inebriante sensação de alegria e liberdade usufruídas no nosso primeiro dia de pedal. Tá bom demais isso tudo!