sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

A Vibrante Dakar

Quinta-feira bem cedinho, o táxi que Raul contratara no dia anterior nos conduz de Bissau até São Domingo, distante 125 km. Se é que se pode chamar de rodovia, a péssima condição da via nem asfalto tem em certos trechos, o que leva o motora a reclamar com justa razão. A paisagem de savana exibe pântanos aqui e acolá. Faz frio quando chegamos a São Domingo, cidade guinense fronteiriça ao Senegal. Fazemos os trâmites de imigração em ambas as aduanas e pegamos um toca-toca pra Ziguinchor onde fica o porto. Embarcamos no navio Aline Sitoé Diatta, heroína senegalesa morta aos 24 anos, em luta contra os franceses. Estamos acomodados numa cabine para 4 pessoas: nós 2 mais uma peruana, já coroa, naturalizada em Benin, e seu jovem e belo marido senegalês de cuja cabeça pendem pesadas tranças rastafari. O navio tem 3 decks. Inicialmente, navega-se, em torno de 3 horas, ao longo do Rio Casamanse com uma parada em Karabaque para embarque e desembarque de passageiros. A partir daí, o barco singra as águas do Atlântico. Além do restaurante que abre apenas para as refeições, há um bar funcionando permanentemente no 2° deck. Música africana toca o tempo todo. Há muçulmanos rezando compenetradamente suas orações à tardinha tanto no lado externo quanto interno do navio. Chegamos a Dakar às 7 da manhã de sexta e fico impressionada quão grande e populosa a capital do Senegal é, com centenas, sei lá, milhares de arranha-céus e rodovias de pistas duplas, embora nem toda a modernidade tenha - graças a deus! - eliminado os vestígios da velha África com seus vendedores de comidas nas calçadas e aquela  boa bagunça típica de países de 3º mundo. O clima parece mais fresco que em Bissau. Pegamos um táxi até cité Djily Mbaye onde alugamos um quarto numa casa cujos moradores são muçulmano, como aliás o são 85% da população senegalesa. O bairro é moderno com boas residências apesar de as ruas serem em sua maioria de chão batido. Duma mesquita próxima, escuta-se o pregão  do muezin conclamando os fieis à oração matutina. Deixamos as bagagens no nosso amplo quarto com banheiro e vamos à cidade passear. Leva-se quase uma hora num percurso de 8 km porque o tráfego, pesadíssimo, com horrores de carros, é tipo arranca e pára, uma chateação. Em frente ao museu das Civilizações Negras, numa feliz coincidência, encontramos Antonia!! Infelizmente o museu está fechado e só abrirá após o feriado de ano novo. Almoçamos os 3 num restaurante frequentado por nativos de Dakar cujo prato do dia, tipicamente senegalês, chama-se chep (porção grande de arroz, galinha ensopada, cenoura, aipim, repolho e outros 2 legumes desconhecidos que não descubro quais são porque no Senegal falam francês). O ambiente, bem simples, mais parece quintal de casa. A convite de Antonia vamos  ao Museu Senghor. Não gosto do tal museu, na verdade a antiga residência do famoso escritor e político, que tanto ajudou a difundir a cultura africana. Terminada a chata visitação, pegamos outro táxi (não rola andar a pé porque as distâncias são longas) e nos tocamos até o monumento ao Renascimento da África, esse sim, vale a pena conhecer!! São 3 estátuas gigantescas representando uma família em que a criança pousada no musculoso braço do pai aponta pro norte. É impressionante! Sábado, vamos de táxi ao centro onde mulheres sentadas às calçadas oferecem deliciosos petiscos regionais, além da famosa manteiga de karité, vendida a preço de banana. Agora a pé, passamos pelo Palácio Presidencial, onde 1 soldado belamente fardado monta guarda diante dos portões da enorme residência pintada de branco. Sempre caminhando, entramos no interessantíssimo museu de Artes Africanas (IFAN), onde estão expostas diversas manifestações artísticas da África Ocidental, como a maravilhosa coleção de máscaras funerárias além do tam-tam ou bombolong, o instrumento musical usado para comunicação entre as tribos. Dali continuamos numa longa pernada pela Corniche até Almadie, entrando no mercado onde há dezenas de bancas vendendo artesanato senegalês. Tudo lindo e colorido. Não resisto a tanta belezura e compro um leque arredondado. O trânsito à noite é tão pesado quanto durante o dia, tanto que levamos quase 1 hora pra vencer meros 6 km do restaurante Bazoff ao nosso hotel. No domingo, vamos a Goreé, distante 2,5 km da costa, embarcados numa chalupa cuja navegação não dura mais que 20 minutos. Percebo conforme nos aproximamos da ilha que sua ponta leste é plana enquanto a ocidental exibe um penhasco projetado sobre o mar. Paga-se 1 taxa de cessão de serviços municipais de 500 francos para visitá-la. Rodeada pelo mar cristalinamente azul-esverdeado, a pequena vila, ora com casarios em estilo provençal, ora em estilo ibérico com balcões de madeira, exibe profusão de azaleas e buganvílias colorindo as ruas de variadas cores. As torres de telefonia móvel, pra passarem despercebidas, são disfarçadas de palmeiras! Lembra-me de certa maneira a uruguaia Colônia del Sacramento. No mercado de artesanato Le Castel, a oferta de roupas coloridíssimas e peças em madeira e palha é um colírio pros olhos. Tem de regatear porque senão as vendedoras põem os preços nas alturas. Muito pitoresco o modo como as mulheres limpam os dentes: ao invés de fio dental usam uns pedaços finos de pau que ficam esfregando sobre e entre os dentes. A partir de uma feitoria fundada pelos portugueses em Goreé, a ilha foi, entre os séculos XV e XIX, um dos maiores entrepostos de comércio de escravos, levados do continente africano aos 4 cantos das Américas. Como não podia deixar de ser, entramos na Casa dos Escravos que abrigou 20 milhões de escravos durante 350 anos, oriundos em geral da Nigéria e Benin. Na casa, que comportava em média de 100 a 200 africanos, homens, mulheres, crianças e adolescentes eram amontoados em celas coletivas, divididos conforme gênero e idade. Nos homens eram colocados grilhões e bolas de ferro. Era permitido ir 1 vez por dia ao banheiro, excetuadas as adolescentes já que em suas celas 1 buraco servia a tal fim. Na cela dos recalcitrantes, pequeno e estreito cubículo, eram jogados os rebeldes. Nelson Mandela quando lá esteve saiu em lágrimas do lugar. Dia 31, pela manhã, caminhamos na praia, onde donos de cavalos e cabras levam seus animais para serem banhados nas águas do Atlântico. À tarde, almoçamos no Caesar’s, restaurante cujo cardápio atraente oferece gostosa comida senegalesa, com preços razoáveis. Sua internet é boa e da varanda onde estamos acomodados vemos o movimento no boulevard La Republique. Terminado o almoço, dou umas bandas pelos arredores enquanto Raul tatua no atelier dum francês um baobá na panturrilha da perna direita. Paro diante da banca dum vendedor de bebidas e compro ataya, chá amargoso e doce. Ainda prefiro o tuba, o maravilhoso café com especiarias, que vem a ser mutatis mutandis 1 chay que usa café ao invés de chá. Resolvemos então encarar a tarefa de ir à rodoviária pra saber como se vai pra Gâmbia. Tranquilizados já que não é necessário comprar passagens com antecedência, basta apenas chegar e escolher o veículo disponível no momento, voltamos pra casa, antes passando no super onde compramos comida pra fazer à noite. Afinal, hoje é véspera de ano novo!! Preparo na espaçosa cozinha, onde um casal da Mauritânia também prepara sua ceia, um fricassê pra mim e Raul. Brindamos com bordeaux rosé o novel 2019 que se aproxima, enquanto lá fora espoucam centenas de brilhantes e coloridos fogos de artifício!! Jere jef, Dakar!!

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Guiné Bissau, sua linda!

Não há voo direto do Brasil a Guiné Bissau. Necessário conexões em Marrocos, Cabo Verde ou Lisboa. Escolho a última não demorando mais que 4 horas no aeroporto português. No voo Lisboa-Bissau, sentada ao lado dum homem cuja cor retinta de tão preta, como dizia minha vó, revela sua inequívoca origem africana, trato de puxar assunto. Conversa-vai, conversa-vem, quando pergunto se a mãe dos filhos mora em Bissau, o simpático guineense declara não sem uma ponta de malícia que está desbloqueado (?!) hahahaha. Inquieta, com câimbras nas pernas, trato de passear no avião, terminando a caminhada na fila do toalete, bom lugar pra se bater um papo. A mulher, que lá se encontra, comenta que vem de 2 costelas, lançando mão dessa imagem pra explicar sua ascendência guineense-cabo verdiana. Falante, esclarece com autoridade que “os homens são uns malandretes, uns safados.” Um rapaz, também aguardando sua vez de ir ao toalete, confirma, sorridente, a observação. Mas o que fazes, senhorinha, metida num avião a caminho da quase desconhecida Guiné Bissau, hein? Indo ao encontro de Raul que vive e trabalha em Bissau, capital do país! O que não se faz por um filho, não é mesmo? Nunca em meus planos ou sonhos cogitei visitar a África. O foco sempre foram as altas montanhas, motivo por que considerava até então os Andes na América do Sul e o Himalaia na Ásia suficientes pra me proporcionar toda a dose de aventura desejada. Só terminada a viagem, já no Brasil, foi que senti às ganhas a importância de ter conhecido uma parte do continente africano....valeu, Raul Luar!! No pequeno aeroporto de Bissau, Raul me espera juntamente com Frederico e Carlos, vice-cônsul brasileiro. Tenho apenas vislumbres de ruas ora escuras ora iluminadas enquanto sou conduzida até o apartamento onde ficarei hospedada, gentilmente, cedido por outro amigo de Raul, o Jorge, português que trabalha como optmetrista numa ótica 6 meses por ano. Nesta noite, conversamos deitados lado a lado na cama de casal, eu e Raul até quase amanhecer: o filho, animadíssimo, cheio de assuntos, tem muito a me contar. Não consigo ainda atinar porque Raul preferiu vir pra Guiné Bissau, onde 2/3 da população vive abaixo da linha da pobreza. Pouco maior que Alagoas, sua população não supera 1 milhão e oitocentas mil pessoas. Situado na costa ocidental da África, banhado pelo oceano Atlântico, seu relevo, predominantemente plano, revela savanas no interior, ao passo que o litoral, formado por planícies pantanosas, é constituído por cordões de ilhas denominadas Bijagós. O clima tropical exibe duas estações: a chuvosa e a seca. Estamos agora no período da seca, com dezembro e janeiro sendo os meses mais frescos. Mesmo assim, as temperaturas se mantêm elevadas devido aos ventos quentes vindos do deserto do Sahara que enchem a atmosfera de poeira. Meu primeiro dia em Bissau é impactante!! Grave problema detecto de cara na cidade: sem lixeiras e aterro sanitário, o lixo é jogado ao léu nas ruas e ali mesmo queimado! Tal desleixo, gravíssimo, mais do que o feio impacto estético causado, envolve riscos à saúde pública. Apesar disso abstraio (fazer o quê, né?) e deixo a cidade e seu ritmo alegre me envolver enquanto caminho ao longo das ruas de chão batido, poucas com calçamento. Embora localizada no estuário do rio Geba, impraticável banhar-se em suas águas pois é zona de mangue...uma pena! Não canso de admirar a coloração de pele dos guineenses: tal qual pérola negra (licença, viu, Luiz Melodia?), brilha, sedosa, sem mescla alguma. Movimentada, a zona central da cidade, chamada praça, é ocupada por dezenas de vendedoras de comida envoltas em seus trajes coloridos que, sentadas às calçadas, apregoam em voz alta seus produtos: mariscos, polvos, lulas, camarões, peixes, carnes, galinhas vivas, fatias de côco, bananas, laranjas já descascadas, mamões, abacaxis em rodelas, ovos cozidos, castanhas de caju, amendoim. Homens, escarrapachados em cadeiras, trocam euro por franco CFA a um preço um pouco melhor do que nos estabelecimentos bancários. Compro uma banana e uma fatia de abacaxi que vem a ser meu café da manhã. Mulheres passam por mim carregando comida em bacias de plástico aninhadas sobre as cabeças. Como vim a descobrir mais tarde, foram elas que utilizando este expediente astucioso conseguiram repassar armamento e munição aos soldados guineenses que lutaram na guerra contra os portugueses no século passado. Guiné Bissau, como entidade soberana, é um bebê ainda: apenas, em 1973, logrou declarar sua independência de Portugal! A população pode ser dividida nos seguintes grupos étnicos: fulas (por serem nômades se espalharam por toda África) e os povos de língua mandinga, que compõem a maior parte da população; há ainda os mandjacos e balantas (2 primeiras etnias guineenses a estudarem no exterior), mancanhas, saracules, pepel e bijagós. As crenças tradicionais africanas convivem bem com o islamismo professado por metade da população. A economia do país depende principalmente da piscicultura e da agricultura, destacando-se as culturas da castanha de caju e amendoim, principais produtos de exportação. Almoço nos dias em que permaneço em Bissau no restaurante Bayana, lugar aprazível, com caramanchão feito de vegetação artificial e mesas de pneus. O menu com pratos típicos é bem gostoso, destacando-se mancara com citi (galinha com creme de amendoim). Provo os sucos de veludo e cabaceira e os acho meio sem graças. Bueno, o plano é passar o natal em Bubaque, uma das 20 ilhas habitadas das 88 pertencentes a Bijagós, não ultrapassando a população insular 33 mil pessoas. Devido à sua biodiversidade, desde 1996, Bijagós foi declarada pela UNESCO Reserva Ecológica da Biosfera. Há 2 parques nacionais espalhados pelo arquipélago: o de Orango e o Marinho de João Vieira e Poilão. Pousadas apenas em Bubaque, Rubane, João Vieira, Orango e Kere. Embora o estilo musical predominante em Guiné Bissau seja o gumbé, em Bijagós reina o kundere. Na ilha de Orango, o sistema matriarcal faz com que as mulheres escolham seus homens. Pra tanto, preparam um prato à base de peixe, deixando-o à porta das tabancas onde eles vivem. Se for comido, significa que o cara aceitou. Então, dia 21, nos mandamos pra Bubaque num barco que, além de comportar nos 2 deques pessoas e suas bagagens, carrega cachorros, galinhas, porcos e carneiros!! Até todos se acomodarem a bagunça é grande mas quando o apito soa indicando que o barco está prestes a zarpar todos sentam-se em seus lugares. Um pequeno bar, no deque inferior, vende batatas fritas de saquinho, a apreciadíssima sande (sanduíche) recheada com fígado ensopado, refris e cerveja. Há passageiros, contudo, que levam viandas, geralmente com peixe e arroz, pra comer durante a travessia. Pouquíssimos turistas, além de mim e Raul. Normalmente, os 73 km de Bissau a Bubaque é feito em 4 horas, entretanto devido à avaria em um dos motores, a viagem arrastou-se durante 6 horas!! Ao longo da travessia, na vastidão do Atlântico, enxergo 2 ilhas, a grandota das Galinhas e outra bem pequena em que pontões rochosos afloram à beira d’água. Ao entardecer, dois espetáculos: a oeste, o pôr do sol torna o céu deliciosamente incandescente, ao passo que, a leste, a lua cheia brilha no céu sem qualquer respingo de nuvem. Chegamos à noite, no porto há muita gente esperando parentes e amigos. Apesar de todo mundo ansioso pra desembarcar, por o pé em terra firme, há bem pouco empurra-empurra. Vamos direto à pousada Cruz Pontes onde ficamos hospedados durante os 5 dias de nossa permanência em Bubaque. Simples, os quartos têm banheiro e ventiladores. Os com ar condicionado custam mais caro. O café da manhã é básico: pão, margarina, geléia, nescafé, chá, leite em pó e água quente numa térmica. O dono, Seu Paulino, embora de poucas falas, sempre sorri quando o cumprimento. Algumas ruas em Bubaque são ladrilhadas com conchinhas de modo a evitar a erosão. No mercado, diante do porto, mulheres vendem coquinhos de dendê, mariscos, mexilhões e outros frutos do mar. Agitação intensa enquanto cargas são transferidas do cais ao interior das pirogas. Aos desavisados parece que as pessoas vão brigar, contudo é o jeito de ser dos guineenses falando alto, de forma enérgica, cuidando pra que seus pertences sejam acomodados em segurança. Quando partem, a calmaria se instala no porto restando apenas o bailado leve das gaivotas voando sobre a água esverdeada do canal que separa Bubaque de Rubane. O ar refresca um pouco à noite, já durante o dia é deliciosamente cálido. Dia seguinte, vamos eu, Raul e Antonia, uma brasileira, naturalizada alemã, que conhecemos durante a viagem de barco, pedalando até Bruce, linda praia, localizada na ponta sul da ilha. São 15 km de estrada plana, chão batido, cercada por densa vegetação. Dentre as variedades de árvores, destaca-se a palmeira do dendê, donde além do óleo é extraído vinho. Esta bebida, conhecida como vinho de palma, pode tanto ser consumida fresca quanto fermentada, adquirindo assim certo teor alcoólico. Ao longo do caminho, em ambos os lados da estrada, despontam aldeias, chamadas tabancas, com suas moradias de adobe e teto de palha. Em Bubaque há 7 tabancas, cada uma com 2 mil pessoas, sendo, portanto, a ilha mais populosa do arquipélago. Crianças saem correndo das casas gritando “branco, branco” quando nos vêem passar. São encantadoras e não se negam em ser fotografadas ao contrário de suas mães que fazem gestos negativos quando percebem que estou apontando a câmera em suas direções. Homens em bicicletas carregam nos guidões galinhas vivas e varas com peixes. Ao chegar a Bruce, o mar verde, calmo, levemente morno, convida a prolongados mergulhos em suas águas onde balouçam barcos coloridos ancorados a 100 metros da praia. Almoçamos no restaurante de Mana Fatu 1 garoupa inteira com batatas fritas e salada, regada a refeição a Cacho Fresco, um branco português bem geladinho. No terreiro da propriedade, desenvolvem-se os preparativos pra inauguração da pousada de Manu Fatu. Ao ar livre, sobre trempes, onde abaixo a lenha, já em brasas, arde, enormes tachos contendo arroz com carne, dobradinha e chep jhed (molho feito com pedaços de cebola, pimenta, cenoura e pimentão) cozinham. Vez por outra mulheres com compridas varas de madeira remexem o interior dos panelões donde saem fumarolas e bons odores. Como temos horário pra entregar as bicis alugadas, não podemos ficar pra festa que terá apresentação de música e dança kundere!! Mas o que é do homem o bicho não come hehehe!!! Na véspera de natal, eu, Raul, Antonia mais 2 dinamarqueses vamos de lancha a Rubane onde, no resort Ponta Anchaca, almoçamos e assistimos ao cair da noite sabem ao quê? Show de kundere!!! Durante a dança, os dançarinos carregam chocalhos feitos com tampinha de refrigerantes que ecoam agradável som metálico em contraponto à batida seca dos tambores executados pelos percussionistas. Costurados às vestimentas das dançarinas objetos de metal e vidro mais pulseiras de madeira atadas aos tornozelos complementam a percussão. Emocionante reconhecer a origem do samba no batuque dos tambores e nos passos de dança!! Entretanto, a complexidade e variedade dos movimentos corporais dos dançarinos de Kundere, em especial dos pés, superam em muito os de nossos sambistas, exigindo extraordinário vigor e preparo físico. Claro está que retornei a Bubaque em estado de graça!! Dia de natal, Melchior, dono da Saldomar, rústica e charmosa pousada, prepara lauto almoço para hóspedes e não-hóspedes. O catalão adora contar a bruta e complicada relação com o pai, terminando a narrativa com a dramática revelação de que seu viejo, um homem duro que nunca chorara, desmanchou-se em lágrimas, pouco antes de morrer, pedindo perdão por ter estigmatizado a homossexualidade do filho. Finaliza dizendo em alto e bom som “tengo cojones” enquanto bate no peito, pra provar ao interlocutor que embora homossexual é macho pra caramba. Escutei 3 vezes essa estória sem que houvesse qualquer floreio a mais ou a menos, até os socos no peito foram 3! Manhã seguinte, retornamos a Bissau, alugando uma lancha que vence em 1 hora e 20 minutos o que demoráramos 6 horas na viagem de vinda!! Temos pressa, amanhã bem cedinho estamos indo pra Dakar passar o ano novo! Albarabake, Bissau!!

segunda-feira, 15 de outubro de 2018

Los Macho...Cados

Bueno, lá vou eu junto com Fernando no carro de Raul, amigo do guia, rumo à Bolívia. Após rodarmos 60 km deixamos pra trás a província de Salta, penetrando na província de Jujuy. A partir de Volcán, a paisagem começa a mudar porque já se pode perceber melhor a quebrada de Humahuaca, um vale profundo e estreito por onde corre o rio Grande, nesta época do ano apenas um fio de água. Paramos na estrada pra curtir o belíssimo cerro de Los 7 Colores situado em frente a Purmamarca, vilarejo fincado a 2.130 metros. Como não podia deixar de ser, entramos na pitoresca e turística vila cujas casas, algumas de arenito rosado, dão um toque caliente às ruelas. Aproveito, enquanto os demais amigos de Fernando não chegam, pra dar um rolê pelo pueblito. Lojas, cafeterias e restaurantes, além de dezenas de bancas, onde as índias expõem seus artesanatos, circundam a praça. No canto leste, cercada por um muro branco, a igrejinha de Santa Rosa de Lima, igualmente caiada de branco, registra em sua frontaria a data da construção: 1648. Subo ao mirador El Porito donde se avistam de perto os multicoloridos cerros e a vila abaixo. Encontro então no restaurante onde iremos almoçar os homens que irão também subir o Licancabur. Pertencentes à conservadora sociedade saltenha, economicamente muito bem de vida, todos são sessentões salvo um, de 40 anos, chamado Manoel, que se revela o engraçadinho do grupo. Chega falando em voz alta, tratando os amigos "carinhosamente" de pelotudos e disparando no me rompan los huevos quando contrariado. Consciente de que falar mal das mulheres arrancará riso fácil, em especial se for da sua, é o que faz assim que senta à mesa, garantindo dessa forma a atenção geral. Autodenomina-se un pentejo gracioso, quando na verdade não passa dum tipo vulgar. A partir de Purmamarca, seguimos pela ziguezagueante e empinada Cuesta de Lipán onde do alto de seu mirador, a 4.170 metros, posso admirar a linda e sinuosa RN 52 que liga a quebrada de Humahuaca a puna de Jujuy. A caminho de Alfarcito, a paisagem econômica, composta por gramíneas espinhentas, comíveis apenas por lhamas e vicunhas, é abruptamente interrompida pela brancura da planície de Salinas Grandes, um deserto de sal explorado por particulares. Situada no altiplano, a 3.600 metros, Alfarcito de la Puna ou San Francisco de Alfarcito, embora não conte com mais que 150 almas espalhadas em casas de pedra, palha e barro, tem - eba! - wifi coletivo, pousada e restaurante. Venta pra caramba o que não me impede de subir ao mirador de La Cruz donde avisto a laguna Guayatayoc em cujas margens as aves saciam a sede, em especial, após as chuvas intensas que caem no verão, amenizando assim o teor de salinidade de suas águas salobras. Domingo, rumo a Paso de Jama, entramos brevemente em Susques, pueblo maior que Alfarcito, em cuja arborizada avenida destaca-se, além do busto dum general, a simpática igrejinha com telhado de palha. Mulheres aproximam-se do templo para assistir à missa matutina. Os demais homens do grupo, em número de 3, vão na camionete pertencente a Manoel. Decorridos 106 km, rodando ainda pela RN 52, alcançamos os 4.200 metros do Paso de Jama, fronteira da Argentina com Chile. Muito rápido os trâmites burocráticos de saída da Argentina e de entrada no Chile porque tanto aduana quanto imigração são compartilhadas, localizando-se no mesmo prédio, em guichês contíguos. Andamos mais 120 km até Hito de Cajon, outro passo da cordilheira dos Andes, que divide dessa feita Chile da Bolívia. A obsoleta Bolívia não adota o compartilhamento de fronteiras, motivo pelo qual, após carimbarmos nossa saída do Chile, temos de rodar alguns kms até o posto boliviano, finalizando – ufa! - nossa entrada na Bolívia. Na aduana, em frente ao refúgio Laguna Verde, se paga 25 dólares a título de entrada na Reserva Nacional de Fauna Andina Eduardo Avaroa onde se situam vários vulcões, destacando-se Sairecabur e Putana a oeste, já do Licancabur, que iremos subir amanhã, só se vê seu cume escondido pelo flanco norte do Juriques. De alguns vulcões inativos, como Suzana, é possível a extração de enxofre. O refúgio Laguna Verde, situado a não desprezíveis 4.450 metros de altitude, em realidade, se queda diante da laguna Blanca, separada por estreita faixa de terra da laguna Verde, mais ao sul. Às suas margens, flamingos e outras aves aquáticas dão o ar de sua graça. No meio da tarde, o vento começa a se fortificar e a poeira levantada tal qual uma echarpe bege esvoaça pelo ar. O espetacular pôr do sol, colorindo a paisagem dum rosa metálico, me consola um pouco do ataque que sofrera de Manoel durante o almoço. Abruptamente, o homem virara-se pra mim e declarara solene Beatriz eres divina (pausa sádica) cuando quedas de boca cerrada. Impactada, a pateta não enfrentou a ofensa, deixando prevalecer, infelizmente, a baixa autoestima inculcada em nós, mulheres pelo depreciativo e velhaco discurso masculino de menos valia desde tempos imemoriais. Confesso que ainda sinto raiva de mim – olha só que loucura! - por ter deixado passar em brancas nuvens a grosseria gratuita daquele boçal que queria se fazer de humorista, a minha custa, pros amigos. À mulher, na perspectiva dos macho...cados, como denomino este tipo de homem, só é permitido abrir a boca pra dizer como o pau deles é gostoso, como são geniais e maravilhosos. Então sim, ella es hermosa hablando. Consigo agora entender às ganhas porque muita mulher apanha e nem consegue denunciar seus agressores. O baixo autoquerer-se, adquirido em séculos de submissão, reforça os laços de aceitação da violência masculina. Pensam que alguém na mesa reagiu? Nem percebi se sorriram ou riram tão atordoada me senti. Todos permaneceram calados, inclusive Fernando. Mas a implicância não parou porque pouco depois, em comentários sobre futebol, o homem observa que o Brasil está liquidado neste esporte. Ele realmente estava a fim de me provocar duma forma sórdida tanto é que o golpe final foi desferido quando ele grita “Bolsonaro, Bolsonaro”, sabedor de minha aversão ao então candidato a presidente do Brasil. Finalmente, esboço uma reação e levantando da mesa, num tom indignado, brado basta, tudo tem limite!, conseguindo enfim calá-lo. Porra, viajara até o país deles pra participar do que imaginara ser uma agradável aventura e estava sendo gratuitamente maltratada, atacada de forma covarde. Foram todos omissos e, portanto, cúmplices desse ataque misógino e, porque não, xenófobo que sofri. Prevalece, mais uma vez, o tal "espírito de corpo", inventado pelos homens de modo a arranjarem álibis fajutos pros seus desmandos. A viagem perdera a graça. Tanto que, dia seguinte, enquanto estou subindo a face norte do Lica, lá pelos 5.100 metros resolvo descer. Não foi por cansaço físico, já que me mantinha sempre à frente de todos, atrás apenas do guia. Acontece que fiquei enojada, farta até os gorgomilhos de conviver com essa gente. Enfatizo, contudo, que o pior de todos foi o Senhor Fernando Santamaria. O papel desempenhado por ele, ou melhor, que não desempenhou como guia, foi desprezível. Explico. Quando decido não mais continuar a subir o vulcão, ele todo pimpão segue com os amigos ao invés de descer comigo, sua cliente! Abraça-me todo emocionado e elogia minha generosidade de permitir que continue a caminhada rumo ao cume (espertamente, ele se antecipou a qualquer reivindicação que porventura eu pudesse fazer, tornando meu silêncio atônito como sinal de consentimento). Mas sua atitude descortês não tem limites. À noite, quando estamos em San Pedro de Atacama me deixa ir jantar sozinha porque prefere acompanhar Seus Amigos! E no dia seguinte, durante o café da manhã, se eu não o tivesse chamado, ele teria se sentado a outra mesa com Seus Amigos!! E eu pagando por isso!! 300 dólares pra que o chupaculos desfrute do convívio dos a-mi-gos, esquecendo-se de que está a trabalhar!! Tô me sentindo a otária. A cara de pau desse senhor é inigualável. Bueno, nada como uma boa noite de sono pra restaurar a autoestima abalada por tanta rejeição. Assim, na terça, no retorno a Salta, até porque seria uma imbecilidade de minha parte deixar que essa gente me impedisse de desfrutar a beleza do cenário durante o trajeto de San Pedro a Paso de Sico, mergulho encantada o olhar na paisagem. São dezenas e dezenas de vulcões, alguns com os cumes nevados, sobressaindo no árido altiplano chileno. Numa curva de estrada, eis que surge o lindo salar de Talar tendo diante de si uma fulgurante laguna de coloração turquesa. Pouco antes de Sico, Las Barrancas, impressionantes paredões rochosos, semelhantes aos muros dum castelo medieval. A partir da Argentina, a paisagem continua exibindo a aridez da puna entremeada aqui e acolá por salares, destacando-se o de Rincon. Em Abra Chorillos, situada a 4.475 metros, começa-se a descer uma fantástica estrada de chão batido com curvas deliciosamente fechadas até a empoeirada San Antonio de los Cobres onde paramos pra almoçar no restaurante Huayra Huasi em cujo cardápio o destaque são empanadas fritas. Chego enfim a Salta e, dia seguinte, quarta-feira, pico a mula de volta pro Brasil. Durante a viagem chego à conclusão que com esse grupo de argentinos pra lá de pelotudos pari uma montanha mais alta que o Licancabur! 

sexta-feira, 5 de outubro de 2018

Retorno a Salta, La Linda

Mazaaahhhh guria, de novo pegando a estrada?!! Mal esquento assento em casa e me mando pra Argentina. Por qual fronteira entrar, então, hein senhorinha? Unidunitê, salame, minguê, a escolhida é você, São Borja. Afora 60 km rodados, inicialmente, na BR 386, o restante transcorre na BR 287. Tanto uma rodovia quanto a outra apresentam asfalto deteriorado em largos trechos, exigindo atenção redobrada desta motorista que vos escreve, já que o perigo é constante ao dirigir em estradas tão precárias. Uma vergonha a maneira como nossos impostos NÃO estão sendo bem empregados em infraestruturas básicas como as vias terrestres. E deixo passar o motivo de o sistema ferroviário ter sido impiedosamente desmontado no país! Desculpem o desabafo, sei que este blogue não se presta a tal tipo de reivindicações, mas às vezes sinto muita raiva pelo modo como os governantes tratam mal o Brasil...arghhh!!! Bueno, à medida que me aproximo de São Borja, o relevo pontuado por leves ondulações, exibindo horizontes a perder de vista, indica a presença do pampa. Ocupando inacreditável porção do território gaúcho - 63%!! –, RS é o único estado brasileiro, juntamente com Uruguai e Argentina, em abrigar tal bioma no planeta Terra! A pequena São Borja, com pouco mais de 60 mil habitantes, situa-se à margem do rio Uruguai, sendo considerada o 1º assentamento dos 7 Povos das Missões. Nos dias que correm, vive mais das memórias dos ilustres nativos Getúlio Vargas e Jango Goulart, emblemáticos presidentes brasileiros. Apesar de modesto, o hotel é limpo e tem garagem. Todo cuidado é pouco nestes tempos violentos em que vivemos no Brasil onde os assaltos à mão armada não são mais exceção. Dia seguinte, sábado, após o café da manhã, atravesso a ponte Internacional da Integração sobre o rio Uruguai que liga Brasil à Argentina. O pedágio é caro, 50 reais! Pode-se pagar em reais ou pesos. Resolvo fracionar os 1.800 km até Salta em 3 dias. Ontem foram 585 km de POA até São Borja, hoje será o dia mais longo, 650 km até Pampa del Infierno onde vou dormir. Sigo pela Ruta Nacional 12 até Corrientes, cidade grandota com 320 mil habitantes, vendo de relance ruas arborizadas, muitos edifícios e uma praia cheia de gente à margem do Paraná quando cruzo a ponte sobre o rio. Após Corrientes, a Ruta Nacional passa a ser a 16. Bem boas as rodovias e embora tenham apenas uma pista, a velocidade máxima permitida é 110 km. Bastante controle da gendarmeria, tanto que me param 2 vezes para revistar o carro. Buscam drogas. Pampa del Infierno pertence à província de Chaco e sua alta temperatura justifica porque é assim chamada. Os poucos hotéis são modestos e o escolhido por mim hospeda em sua maioria trabalhadores braçais. Dou um rolê na cidade em busca de algo pra comer já que o hotel não tem restaurante. Uma gracinha Pampa del Infierno com sua calmaria de cidade pequena e ruas arborizadas. Encontro uma panaderia cheia de gostosuras salgadas e doces onde compro algumas delícias engordantes. Retorno ao hotel e na recepção peço um copo. Já no quarto encho pela metade o copo com vinho que trouxera de POA acompanhado pelos petiscos comprados há pouco. Durmo que nem uma angelita! No domingo, saio cedinho de Pampa, às 8, e após Mato Quemado tanto a RN 16 quanto a paisagem mudam. A rodo torna-se esburacada num trecho de 40 km. Já o cenário mostra uma natureza mais áspera com toques de aridez, afinal estamos na região do chaco, constituída por distintos climas e ecossistemas que abrangem além do pampa, florestas e também o semiárido. Cartazes advertem “atese a la vida use cinturón de seguridad”. Paro em Quebrachal e almoço deliciosas empanadas num despretensioso quiosque. Não há viva alma nas ruas, pudera, o calor é de antecâmara de inferno. No final da RN 16 já avisto o perfil de alguns picos da cordilheira dos Andes. Ao dobrar na RN 9 constato com alegria ser uma via duplicada e piso forte no acelerador, chegando em Salta às 15 e 45 depois de 574 km. Pego um hotel perto da Plaza 9 de Julio, centro da cidade, onde há diversos restaurantes com menu turístico cuja comida é bem ruinzinha. Nem o torrontés se salva, tanto que deixo um tanto de vinho na taça. Desapontada volto ao hotel e pouca demora pego no sono tão cansada estou depois de 3 dias viajando. Na segunda-feira, descanso no hotel até umas 11 horas, afinal, o tirão de 3 dias na estrada está cobrando seu preço. Resolvo ir a pé ao cerro San Bernardo cuja distância é ninharia. Resolvo subir até o topo do cerro de teleférico donde desfruto duma visão legal de Salta. A cidade situa-se no vale de Lerma, rodeado pela cordilheira dos Andes cujos picos nesta região não ultrapassam os 4 mil metros. Compro uma salada de frutas deliciosa e desço as escadarias mastigando devagarinho a refrescante iguaria. Durante a descida vejo muita gente subindo. A maioria, caminhando, enquanto um e outro galgam correndo os degraus. Haja fôlego pra tal façanha! Almoço num restaurante em frente ao convento de San Bernardo cujo wifi é uma boa bosta. Salta com suas ruas arborizadas, lindas igrejas, rodeada por cerros andinos e clima ameno, realmente, faz jus ao apelido La Linda. Retorno ao hotel no meio da tarde onde permaneço o resto do dia vendo televisão e bebendo, agora sim, um torrontés saltenho de boa qualidade, comprado no supermercado. Enquanto beberico o vinho assisto ao programa de variedades apresentado por Moria Casán, setentona, super plastificada, cujas feições envoltas por compridos e lisíssimos cabelos lembram Morticia Adams. Divirto-me a beça com a argentina que encerra a atração convocando as convidadas a que “levanten las patitas”, o que elas fazem erguendo as pernas como se estivessem num show de cancan. Moria, por sua vez, dirige-se até a câmera como se fosse adentrar no dispositivo, despedindo-se com o alegre bordão “estoy ahora salindo de sua casa”.....hahahaha....muito hilário!!! Quando estive em Salta em 2016 fazendo o trek de Las Nubes contratara como guia, Fernando, mendocino, aquerenciado há anos aqui já que é casado e tem um filho com uma saltenha. O argentino me agradara bastante por sua gentileza e conhecimento da região. Quando vi no Face que ele estava organizando uma expedição ao Licancabur, resolvo ir junto também. Por que não subir aquele vulcão, onipresente em todos os pontos onde se esteja em San Pedro de Atacama, cidade que conheci em 2007 escalando o Laskar, não é mesmo? Como estou meio fora de forma, combino com ele, antes de partirmos pra Bolívia, caminhadas pelos morros dos arredores. Então na terça, a primeira pernada é o ascenso ao cerro Elefante (1.910 metros) e desnível de 466 metros com 3,5 km de trilha situado na Quebrada de San Lorenzo. A trilha até o topo percorre a yunga, mata nativa com centenas de variedades de vegetação, destacando-se orquídeas, bromélias e cactus. Dia ensolarado, sem nuvens no céu e temperatura atingindo picos de 34ºC, o que deixa a caminhada bem pesada considerando não só a acentuada aclividade como o terreno coberto com pedrinhas soltas, tipo cascalho. Do alto do cerro se enxerga o centro de Salta e seus diversos bairros constituídos por condomínios públicos e privados. À direita, o cerro San Lorenzo e à frente, abraçando o vale de Lerma, a Cordilheira dos Andes. Lá no fundão, o cerro San Bernardo onde ontem estivera. Na quarta-feira, lá vamos nós, subir o cerro San Lorenzo situado na quebrada de mesmo nome. A temperatura mudou completamente: céu coberto de nuvens e temperatura em torno de 22º C. Com 2.220 metros e desnível de 893 metros, o cerro San Lorenzo tem distância de 10 km. A trilha, paralela ao agora minguado San Lorenzo, rio que somente no verão exibe volume considerável, também percorre a yunga, Contudo, não é tão exposta e íngreme quanto a do cerro Elefante porque se dá praticamente dentro da mata e 60% do percurso se desenrola em terreno de suave aclividade. Apenas perto do cume rola uma subida um pouco mais exigente mas nada que se compare à do dia anterior. Chega-se a um platô donde se avistam os cerros Lajas, Lesser, Medano e Yacones. Após uma subidinha amena de 15 minutos, pronto, eis o cume! Caminhamos até a outra ponta do cerro donde se avista Salta. Ali almoçamos, nos demorando pouco porque começa a esfriar e a ventar o que nos obriga a descer. Terminamos o trek comendo no Kiosco La Quebrada, situado no início da trilha, deliciosas empanadas feitas pelo atencioso dono. A caminhada mais linda inegavelmente é a do canyon do rio Lesser, realizada na quinta-feira, apesar da garoa e do céu totalmente nublado. Uma parte da trilha se dá em terreno plano cruzando potreiros. Na vegetação da yunga, destacam-se os ceibos, árvore nacional da Argentina, cujas flores fazem um contraponto vermelho entre a verdejante e farta copa. Há variedades de pequenas e delicadas flores, cuja coloração ora se mostra branca, ora lilás ou então amarela. E renques de copos de leite!! À medida que se avança, as flores rareiam e já se veem os paredões do canyon. No início, ambas as margens do rio apresentam-se recobertas de pedras miúdas. Bastante musgo nos troncos das árvores e poucas flores quanto mais se penetra no canyon. É necessária uma travessia no rio e logo se entra num bosque cerrado ganhando-se altura. Lá embaixo o rio começa a se estreitar e as pedras vão se tornando matacões. As subidas são suaves debaixo dum dossel formado por luxuriante vegetação. São 4 as travessias até se alcançar a cascata cuja altura não ultrapassa 50 metros com pouca água despencando paredão abaixo porque a estação chuvosa ocorre no verão. E o céu nublado se mantém na sexta durante o curto passeio de 5,5 km a Las Costas. As retamas, arbustos de cheirosa floração, estão a mil, atapetando o chão com suas pétalas amarelas. O terreno plano cede lugar a subidas amenas terminando no topo da colina onde mais uma vez me deparo com a visão, dessa feita, enevoada de Salta, esparramada no vale abaixo.