terça-feira, 11 de setembro de 2007

Partindo do Reino Encantado

Pego a trilha que vai até a Cachoeira das 3 Marias e lá tomo meu último banho no córrego Macaquinho. Coisa boa aquela água geladinha que despenca das rochas e massageia minhas costas. Como de hábito, desde que lá cheguei, na quinta-feira, tiro a roupa e entro na água nua. Após um mergulho, saio e me estiro na pedra quente e lisa, deixando o sol secar meu corpo. Sem pressa alguma, estou na paz. O silêncio só é quebrado pelo barulhinho bom da água que redemoinha espumenta no poço. Embalada pela cantoria duns pássaros pretos, pousados nos galhos duma árvore, tiro uma soneca na rede antes do almoço, já com o corpo amolecido após a dose de arnica que acabara de bebericar.Fausto me chama pra almoçar sua comida simples porém nutritiva: salada de repolho roxo e tomate, feijão e arroz. E muita fruta de sobremesa, banana, bergamota, maçã e manga. Conversamos um pouco, quando chega Gudu com sua Belina velha, mas que dá conta do recado, pra me conduzir de volta a Alto Paraíso. Me despeço de Fausto com um aperto no coração. Passara dias encantadores aqui, tal qual uma Alice no País das Maravilhas. Aprendi e desaprendi, chorei e ri, dormi em barraca com a cabeça pra fora da tenda olhando as estrelas até o olho cansar de tanta luminosidade. Foi um fartum de natureza, completamente desligada de tudo. Foi bom demais, além das minhas melhores expectativas. Como Gudu deixara o carro um pouco distante da entrada da fazenda, subimos a pé uma colina com um sol de 34ºC, o coitado carregando literalmente minha mala nas costas. E lá vamos nós pela estradinha cruzando com seriemas, perdizes e veados campeiros. Carcarás planam no céu azul. E as lindas calhandras já estão florindo de vermelho o cerrado goiano.
Tudo de bom esta Chapada dos Veadeiros! Quando chego em Alto Paraíso, visito Marcela acometida por uma crise de labirintite. Deitada na cama, a coitada, não pode se levantar sem ajuda, pois se assim o fizer se estabaca no chão. Ao seu lado, Misael, cuida dela com carinho e preocupação: “se eu pudesse passar esse desconforto que minha linda tem pra mim...”, comenta ele ao me levar ao portão com aquele jeito manso que o goiano tem no falar. Na terça-feira, pego o ônibus do Expresso Santo Antonio que vindo de São Jorge já está atrasado há mais de uma hora. Só as 11 aponta na rodoviária. Entro nele ao som de Manga Rosa, cantada por Alceu Valença que vem da lojinha em frente. Pois não é que o veículo, pra meu espanto, permite a entrada de cachorros?! Foi o que constatei quando ao fazermos nossa primeira parada (o ônibus não tem banheiro) num misto de armazém e restaurante, vejo um casal de hippies brincando com um filhote. Compro um pão de queijo, meio maçudo, e sento na frente do estabelecimento curtindo os dois casais de hippies que moram em São Jorge e estão indo pra Brasília no mesmo ônibus. O dono do tal cachorrinho fica catando piolhos na cabeça da namorada, uma mocinha magra de grandes olhos meigos que se sujeita pacificamente a tal prática.
Ele explica pro outro casal que, muitas vezes enquanto passa a mão no seu cabelo, vem ela cheia de lêndeas. Me enojo e espero eles entrarem no ônibus pra não ter perigo de eles se encostarem em mim e me passarem esses nojentos bicharocos! Em Planaltina do Distrito Federal, quando o ônibus pára na rodoviária, entra um vendedor carregando um tabuleiro com sacos de pipoca doce e salgada. Em Sobradinho, novamente entra outro vendedor, dessa vez, vendendo sorvete de copinho. Lembra-me o Peru com suas vendedoras de comida. Coisas de países pobres, mas eu gosto assim...desse jeito mesmo. Chego em Brasília às 15:40 e me toco paro o belo aeroporto JK entrevendo ao longe a praça dos Três Poderes. Embarco pra Porto às 18:50 e só chego em casa lá pela uma da manhã. Nada abala meu coração, ele tá quieto!

sábado, 8 de setembro de 2007

Na Parede

Ontem à noite o pessoal de Brasília que também está acampado aqui, em Macaquinho, fez uma janta muito gostosa. São três casais: Marcelo, Fernanda e seu filho de 4 anos, o Mateus, um amor de criança, inteligentíssimo, muito atento a tudo o que rola, Mara e Alessandro, Paulinha e Raul, vulgo Ratinho. Estes dois casais praticam escalada, inclusive Mara e Alessandro já foram donos de uma escola pra ensino e prática deste esporte. Paulinha e Raul foram, no início do ano, pra Europa escalar algus picos na Espanha e Suiça. Ficamos batendo um papo gostoso sobre as diversas modalidades do esporte enquanto cozinham um rangão legal na cozinha de Fausto: arroz com cenoura, purê de batatas e estrogonofe de atum. Marcelo, de todos eles, é o que mais curte cozinhar e sua comida é, deveras, saborosa. Dá pra perceber que ele gosta e entende do riscado. Em conversê com Paulinha após a janta, descubro que é brasiliense, filha de mineiros. A garota de 21 anos, muito falante e simpática, me aponta as diferenças entre baianos, goianos e mineiros. “Baiano te conhece na praia e já te convida pra ficar na casa dele. Se você ficar um ano, ele tá nem aí. Em troca, caso ele vá lhe visitar, fica o tempo que achar necessário, na boa.” Dá uma pausa, toma um gole de vinho e continua “já o mineiro te observa, te analisa, tem uma intuição fodida pra sacar, de cara, quem presta ou não. Ao perceber que você é gente boa, entrega as chaves da casa e se torna um amigo pra vida toda.” Mateus nos interrompe querendo brincar. Paula faz-lhe a vontade. Retorna ao papo, um pouco depois, do ponto em que havia parado “o goiano também é legal, se parece um pouco com o mineiro, contudo é mais turrão e menos flexível”, dispara ela. Fazemos uma fogueira e sentamos ao redor curtindo e conversando mais um pouco. Hoje, domingão, alto sol, calor pra lá de bom, me toco pra cachoeira das 3 Marias com eles. Vão praticar boulder nas rochas que contornam o rio. Eu, que há horas estou com vontade de entrar nessa de escalar, fico só observando. Mara me convida pra tentar, recuso. A fome aperta, deixo então eles ali e vou almoçar. Corto um tomate em rodelas e almoço o resto de purê que sobrara da véspera. Não demora muito, logo retorno à cachoeira. Eles ainda estão escalando. Dessa vez me animo e quando Mara me convida novamente, esfrego minhas mãos com magnésio e mando ver! Sinto-me tão contente pendurada naquelas pedras, tentando descobrir os pontos certos pra encaixar minhas mãos e pés que nem sinto medo. É bom demaiiiiisss!!!! Escalo três vezes o paredão e ambas me cumprimentam. Estou toda prosa, não preciso de mais nada hoje!!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Santuário das Pedras

Resolvida a não passar meus últimos dias de férias em Alto Paraíso, que imaginei estaria lotada de gente em razão do feriado de 7 de setembro (decisão acertadíssima, já que meus prognósticos se confirmaram), combinara com Fausto - na noite da festa da Travessia - acampar em Macaquinho. Pego uma carona com ele aproveitando sua ida à cidade e de lá partimos em sua caminhonete, percorrendo os 47 km de estrada de areião que conduzem à fazenda, situada no km 152 da rodovia Go 118. Os cinco dias em que lá permaneço são de puro idílio com a natureza e comigo mesma. Nunca me senti tão solta e livre de ansiedades durante minha breve e intensa passagem neste lugar tão encantador. Associo sempre músicas aos lugares por onde ando e duas me acompanharam enquanto lá permaneço: Fazenda, de Milton Nascimento e Submission, de Miles Davis. Por motivos óbvios, a primeira não necessita de maiores explicações; já a segunda, escolhi-a como um hino de submissão (no bom sentido, claro) à beleza, ao silêncio do lugar e ao homem por quem me apaixonara. Assim, permiti que fluíssem os bons ruídos emitidos pelos pássaros, pela corrente incessante do córrego Macaquinho cujo leito d’água atravessa a propriedade e pela energia daquele homem. Tudo me seduz, não só a natureza discretamente exuberante do cerrado goiano como a figura de seu dono. Fausto é um atrativo a mais na paisagem. Delicio-me com suas idiossincrasias e seu jeito casmurro. Por trás daquela fachada sisuda, entrevê-se um não sei que leve e brincalhão. Velho e jovem, tosco e sensível. Encantador! Irrequieto, ele vai e vem, atento à chegada dos turistas. Sem falar nada, lança apenas um olhar de soslaio em minha direção. E escapole. "Não estou apaixonado por você", avisa, sincero. Eu nem pisco. Expressivo, demais, Fausto: o lábio inferior levemente projetado pra fora denuncia determinação e teimosia, o rosto é marcado por rugas acentuadas, contudo, a pele do corpo é macia e lisa. Orgulha-se de sua vida cheia de luta e do muito que batalhou pra alcançar o que conquistou Saiu de casa aos 18 anos e trabalhou com artesanato durante muito tempo. Não esquentava lugar. “Minha casa foi a BR por mais de 10 anos”, enfatiza orgulhoso. Levava junto a família. Constrói móveis e enfeites que adornam sua casa. Gosta de usar penas de pássaros, madeira, pedras e cordões que trança livre de pressa. As construções no Macaquinho foram boladas e construídas por ele. Estamos em sua aconchegante cozinha onde, no fogão de barro, o arroz e o ensopado de cará cozinham. Sobre a mesa está um prato de salada: repolho em tirinhas circundados por rodelas de cebolas e de tomates. Tudo no capricho. Provo, está uma delícia, repito com gosto sua comida. Surpreendentemente, para um homem sozinho, ele é muito cuidadoso com o asseio de sua casa. Ranzinza, escuto-o no domingo se queixar do lixo reciclável esquecido na cozinha por alguns turistas, murmurando entredentes “num gosto de lixo, num gosto." Quando começo a rir dele, sorri levemente, mas logo logo se recompõe e fecha a cara.
Retornando de Alto Paraíso, no sábado à noite, pra onde fora comemorar o 1 aninho de sua única neta, traz-me bolo e docinhos. Gentil, o Fausto. Os cabelos claros e lisos são compridos: mesmo assim já denunciam entradas profundas em sua larga testa. O nariz reto, bonito. Olhos de sapo. É o príncipe. Tá bom, assim, Faustooo?

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Ponte de Pedra

Para alcançar a Ponte de Pedra, sobe-se em meio a uma mata de galeria forrada de folhas secas. Há que se tomar cuidado na volta, ao descer, porque as folhas tornam o caminho pra lá de escorregadio, perigando se levar um belo dum tombo. Entretanto, no meio de tanta beleza, as queimadas não pouparam também este belo recanto do cerrado: no chão fofo de cinzas, fumegando aqui e ali, diversos troncos de árvores, ainda em brasa, são as cicatrizes deixadas pela ação deletéria do fogo. Após a subida, me deparo com um platô adornado por belas formações rochosas de cor escura em contraste com o solo de areia branca pontilhado de quartzito. Após uma curta descida surge a Ponte: um ma-ra-vi-lho-so arco de pedra de 30 metros de altura sobre o rio São Domingos. Um trabalho de erosão fluvial construído ao longo de milhões de ano e que deverá tomar outra forma daqui a tantos outros. Reflito com meus botões que a natureza é uma escultora sem pressa alguma pra terminar seus temas. Pensando bem, ela nunca os dá por encerrados. Mergulho no poço situado abaixo deste magnífico monumento banhando-me em suas águas claras e refrescantes. Descansados, Jair e eu subimos, novamente, atravessando um corredor de rochas irregulares que conduz ao alto da Ponte. Venta muito, lembro de Porto Alegre e da Patagônia argentina. Lá de cima, posso admirar as belas escarpas da serra de Santana e também do vão do Paranã. A extensa língua de fumaça denuncia a queimada mais além. Porra, gente, merda nojenta esse fogo, não dá trégua nunca! Abaixo, o rio São Domingos atravessa uma garganta que se estende em direção ao Parque. Na margem oposta à que nos encontramos, há uma cachoeira formando dois grandes degraus e um poço em cada um deles. A primeira queda, calculo, deve ser de 30 metros, a segunda talvez ultrapasse os 50 metros de altura. Aiaiaiai....que vontade de fazer um rappel nelas!! No retorno a Cavalcante, Jair, a meu pedido, põe um cd de Nelson Nascimento que se autointitula o “Rei da Pizadinha”. Trata-se de um novo jeito de dançar o forró com letras contendo duplos sentidos pra lá de maliciosas. Mais uma vez paramos no bar da Helia pra tomarmos nossa já tradicional pinga. Batizo este momento de "happy hour cavalcantense". Como chego cedo na pousada, ainda nem são 4 da tarde, vou explorar a trilha que leva à cachoeira do Rio São Bartolomeu e enveredo pela mais longa (há outra mais curta de apenas 30 minutos) chamada trilha do ouro com duração de uma hora e trinta minutos. As araras passam em par confirmando sua vocação de mútua fidelidade. O silêncio, vez por outra, é interrompido pelo grasnar barulhento das aves. Alcanço o belo Poço do Buriti, que antecede à queda d’água, assim chamado porque em uma de suas margens destaca-se, solitário, este belo exemplar de palmeira. Tomo mais um banho, o enésimo do dia, coisa boa! Apesar de ser meu último dia em Cavalcante, me consolo: retorno - graças a deus - não pra casa, mas a Alto Paraíso onde vou ficar mais uns dias. Coisa boa estão saindo estas minhas férias!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

As flores do cerrado na Trilha do Rio Prata

No trajeto até às cachoeiras do Rio Prata, me encanto com as sucupiras carregadas de flores roxas e com os ipês amarelos pincelando de cor a paisagem. Observo que muitas sucupiras brancas, após a florada, exibem sementes ovaladas cuja tonalidade amarelo-claro adornam de dourado seus galhos já despidos de folhas. Algumas espécies de árvores, como a copaíba, exibem folhas, nesta época do ano, dum lindo tom avermelhado. Posteriormente, adquirem tonalidade esverdeada. Num folhudo pé de pequi, ainda se vêem vestígios de suas lindas flores amarelas. Esbeltas sempre-vivas destacam-se contra o azul do céu. O rio Prata é um complexo de lindas quedas d’água, não muito altas, formando poços de límpidas águas cor de mel onde são visíveis os lambarizinhos nadando no fundo de seu leito. Vejo planando sobre o rio muitos urubus, gaviões e carcarás. Nuvens fofas maculam de branco o azul claro do céu. Chama a atenção a quantidade de cupinzeiros espalhados pelos campos. Jair explica que isso se deve ao fato de da pobreza do solo causado pelas incessantes queimadas. Damos novamente carona, desta feita para um jovem casal de kalungas, carregando a moça um bebezinho que dorme tranqüilo em seu regaço. Também eles perguntam quanto custa o frete quando descem em Cavalcante!! Meu deus, se os nossos políticos agissem com a dignidade e honestidade dessa gente, o país seria bem menos pobre! Novamente sentamos no bar em frente à pracinha cuja dona, a simpática Helia, é boa de prosa. Diverte-se com as bobageiras ditas por mim, enquanto verte num copo uma dose caprichada de Seleta. Há uma sinuca no salão e  alguns homens disputam alegremente uma partida. A linda arara, do lado de fora, é um chamariz. Pousada num muro, passeia pelo estreito espaço emitindo seus ruídos característicos. Helia fala que se eu quiser tirar fotos posso pegá-la pois é mansa. Não me arrisco, acho a ave meio nervosa, não pára de emitir aqueles irritantes grasnidos. Jair, gentil, segura-a, enquanto filmo. Pois não é que a bicha lhe bica o dedo? Tadinho, levou a bicada que me estaria reservada, caso eu houvesse seguido o conselho da Helia. Ah, essa Helia....que marota!! Na pracinha em frente, meninos jogam bola enquanto num caminhão que passa os indefectíveis vendedores paraibanos, através do alto-falante, anunciam redes e colchas por preços convidativos. Ao lado do bar, um vendedor de caldo de cana extrai o suco naquelas engenhocas próprias para tal mister. Estou na boa, na santa paz de um lindo fim de tarde, curtindo este belo país, o meu Brasil! Quero outra vida, não, ô sô!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Um oásis em meio à aridez do cerrado

Para ir ao engenho onde se situam o sítio dos Kalunga e a cachoeira Santa Bárbara, subimos a encosta da serra de Santana, parando no mirante Nova Aurora para admirar o vale onde repousa Cavalcante. Avisto várias queimadas ao longe. Santo Cristo, quando isso vai acabar?! Jair pára mais uma vez para eu conhecer a cachoeira da Ave Maria que se apresenta quase seca. Chegamos no engenho dos Kalungas, um povoado habitado por descendentes de antigos escravos que vieram da Bahia, no século XVIII, fugindo dos maus tratos infligidos pelos senhores de engenho.
Fundado o quilombo há quase 300 anos, viveram os kalungas durante esse tempo todo em quase total isolamento, preservando, dessa forma, o dialeto africano e usos e costumes dantanho. Converso um pouco com um dos que se encontram abrigados do sol a pino sob um alpendre forrado com folhas de indaiá. Interfere na conversa um senhor deitado na rede que se queixa de dor de cabeça. Pergunto se a dor é da cachaça. Ele me informa que “não, dona, num bebo não. Fiquei assim de ajudar a levantar uma mulher muito pesada dia desses, daí machuquei a coluna”. Amarrado à sua testa há um pano cobrindo várias folhas de arnica. "São pra aliviar a dor", explica. Jair e eu tomamos o rumo da trilha que conduz à cachoeira Santa Bárbara. O dia, à semelhança dos outros, continua esplêndido: quente e seco. A claridade do sol ofusca os olhos e sinto seus raios queimando a pele. Após 1:30 caminhando na plana estradinha quase sem sombra, chega-se à primeira queda d’água, uma cascatinha cujas águas jorram num pequeno poço de águas surpreendentemente azuladas, ao contrário da maioria dos outros em que a água sempre verde, só varia de tonalidade, ora apresentando-se mais escura ora mais clara, dependendo do tipo de rocha em seu fundo e da profundidade dos poços.Seguimos por um caminhozinho lateral à cascata, alcançando então a segunda queda. Esta, bem maior, deve ter uns 30 metros. Nesta época do ano, o sol incide nos poços das 12 às 15 horas tornando suas águas azuladas tanto em razão da areia fina e branca quanto do claro substrato rochoso depositados em seu fundo. É um oásis de rara beleza em meio à aridez da região em seu entorno. Apesar da frialdade da água, não poderia passar em brancas nuvens e não mergulhar no poço. O ruim é o primeiro impacto, depois o corpo se acostuma à fria temperatura e começo a curtir demais a limpidez da água distinguindo perfeitamente até os pequenos sinais nas minhas pernas. No retorno à Cavalcante, damos carona pra dois kalungas, o seu Antonio e seu Ambrosio, ambos já de idade, magros e altos. Contrariando minha natureza palradora, fazemos o trajeto de pouco mais de uma hora em agradável silêncio. Ao descer do carro, perguntam quanto custa o frete...pode?!! Coisa mais mimosas eles. Claro está que nada lhes cobramos, bem capaz! Ao passar pela praça da cidade, chama minha atenção um boteco com mesas na calçada - não resisto! - e peço a Jair que pare. Sentamos, bebericando eu uma cachacinha, a gostosa Seleta, ao passo que Jair curte uma cervejinha bem gelada.
Tão gostoso aqui, nem dá vontade de ir embora. Mas a fome tá batendo e voltamos pra pousada tratar de comer a excelente refeição preparada por Carla, mulher de Richard. É uma cozinheira de mão cheia e faz de tudo, desde os pães, bolos e biscoitos do café da manhã assim como as comidas servidas no almoço e janta. Sua comida é trilegal, destacando-se a geléia de pimenta que uso pra besuntar o peito de frango. Cuido logo de comprar um pote. Levarei de presente pro meu querido filho Raul. À noite, as indefectíveis queimadas lambem como rastilhos de pólvora a serra de Santana. Embora seja triste de ver o cerrado incendiando-se, não deixa de ser um espetáculo pirotécnico aquele rastro de fogo colorindo de vermelho a escuridão da noite.

domingo, 2 de setembro de 2007

A falsa lua em Cavalcante

Meu último dia com o grupo, que pena! Adorei a companhia daquelas pessoas, tão dispostas a fazer da convivência algo leve, alegre e sem encucação. Com certeza, sentirei a falta de todos desde a meiga Mariana, do circunspecto Francisco, do risonho Ricardo, do irônico Pece, de Valéria, uma carioca de fé, de Tika, a reservada, do som macio da voz de Mariane, de Nuria, a caçula da turma, de Isval, um pé de valsa de primeira, do bonitão Bruno e de Claudia, minha irmã de signo. Almoçamos juntos no restaurante Jamba Laya cuja comida - bufet de pratos quentes e saladas – foi de longe a melhor de todas até então. Confraternizamos alegremente enquanto Pece puxa o coro do mantra do Alecrim que entoamos com animado fervor. Após as despedidas, com promessas mis de novos reencontros, vou a Cavalcante, agora sozinha, mais Jair, guia e motorista. Enquanto rodamos pela GO 118 em direção ao norte do estado, Alto Paraíso e sua serra da Baliza ficam pra trás. Durante o trajeto de 90 km, as queimadas, amiúde, denunciam-se pelas trilhas de fumaça que se espalham ao longo das encostas das serras. Jair entra numa estradinha vicinal para que eu conheça a cachoeira do Poço Encantado. De todas as que conheci é a que menos curto. Não pelo pouco volume d'água (afinal, estamos na época das secas), mas porque foi contruído em seu entorno uma estrutura de balneário, retirando-lhe o sabor de "escondida no meio do mato". Civilizada demais....pro meu gosto, evidentemente! O calor é intenso e entro n’água pra me refrescar. Subimos a trilhazinha que leva a um quiosque, e bebo uma água de côco, contente de ainda estar com o pé na estrada. Já em Cavalcante ou Cavalquente, assim apelidada porque suas temperaturas são mais elevadas que as de São Jorge e Alto Paraíso (está a uma altitude menor, de 800 metros), percebo que a cidade não é tão charmosa quanto Alto Paraíso. Circunda-a, entretanto, a bela serra de Santana. Estou, agora, acomodada num dos chalés da Pousada Vale das Araras, distante da cidade 8 km, esperando que Jair venha me buscar pra jantarmos.
Escolhemos a pizzaria Roots, recomendada por Richard, o proprietário da pousada. O lugar é muito legal: aproveitando o terreno pedregoso, seus donos construíram charmosos recantos onde crescem jabuticabeiras, a esta época do ano, carregadas de frutos maduros. Jair e eu colhemos algumas e as saboreamos: constituem-se num gostoso aperitivo antes que a pizza seja servida, aliás, bem gostosa. Uma melodia chama minha atenção e fico sabendo que se trata de Jaildes da Cruz, compositor nascido em Tocantins, dono de um repertório de toadas regionais. Jair, durante a janta, me surpreende com sua safa sabedoria interiorana. Discorrendo sobre as construções feitas com adobe, comuns na região, explica que se fosse morar no Rio de Janeiro, em alguma de suas favelas, onde as balas correm soltas, faria sua casa deste material porque mais denso que o tijolo de cimento. Acrescenta que não os colocaria, contudo, na horizontal, como é hábito, e sim na vertical, de modo a diminuir o impacto dos projetis. Eta, guri esperto esse! De volta da pizzaria, sentada do lado de fora de meu quarto, enquanto beberico uma cachacinha de arnica, aprecio a noite estrelada sem nuvens. Vislumbro, atrás da serra de Santana, um clarão avermelhado, me assanho e murmuro pros meus botões: deve ser a lua ainda banhada pelos raios do sol! Qual o quê! Mais um foco de incêndio castigando o cerrado.....humpf, eu podia passar sem essa, ora!

sábado, 1 de setembro de 2007

Rappel nas Cachoeiras do Rio dos Couros

Acordo entusiasmada já que vamos fazer dois rapéis no Rio dos Couros, distante mais de 50 km de Alto Paraíso. Saímos da rodovia GO 118 e entramos numa estradinha de terra pra lá de esburacada e empoeirada. As árvores mais próximas estão esbranquiçadas do pó levantado pelos veículos que por ali trafegam. Não chove há meses no cerrado. A trilha que conduz ao local do primeiro desnível do rio dos Couros é curta, não mais de 2 km. Lá de cima enxergo uma sucessão de quedas e piscinas por onde o rio serpenteia formando um canyon cujo desnível atinge 300 metros. Inicio a descida do primeiro rappel - 25 metros – e dou uma resvalada na pedra molhada caindo de lado; respiro fundo e trato de me firmar na corda, encaixando os pés corretamente nas pequenas brechas entre as pedras. Consigo descer na boa enquanto Zói me incentiva fazendo a segurança num largo terraço situado mais abaixo. A outra descida, igualmente de 25 metros, entretanto é mais fácil porque desvia da queda d’água. Deslizar pela rocha seca é moleza, o pé não escorrega e me sinto mais segura. Atinjo um estreito patamar sem maiores dificuldades onde Íon faz meu backup até me enganchar na corda que desce até ao poço situado 12 metros abaixo. E lá vou eu deslizando a uma velocidade de aproximadamente 40 km/h quando bato com os pés n’água. Esquecendo de encostar o queixo no peito, levo um forte laçasso no pescoço. É minha primeira tirolesa e não curto muito, não. Prefiro mais rapelar. O pessoal que descera antes de mim estão, alguns deitados sobre os largos lajedos à beira do poço, enquanto outros sentam-se encostados num paredão alto e rochoso mais adiante. Pacheco nos convida pra ir até onde o rio dos Couros despenca num declive maior que os anteriores. Pra isso temos de cruzar a nado um largo e fundo poço até atingir a margem oposta de onde se avista o rio descendo abrupta e verticalmente sobre as rochas, perdendo-se de vista no canyon situado a uns 50 metros abaixo já que uma curva acentuada à direita o engole de vez nos desvãos dos paredões rochosos. Retornando ao lugar onde está estacionada a van, paramos para um último banho numa prainha coberta de areia fina e branca. O sol, já baixo no céu imaculadamente azul, incendeia as rochas acentuando sua coloração ocre em contraste com o verde das árvores. O final de tarde tinge-se de azul, branco, vermelho e verde. Suspiro emocionada, estou apaixonada em definitivo pelo cerrado goiano! Não quero mais ir embora daqui, resmungo com meus botões. Porém o dia cede lugar à noite e estou eu agora em Alto Paraíso, num restaurante onde está rolando a festa oferecida pela Travessia em comemoração aos seus 10 anos de atividade. A música ao vivo faz com que eu levante da cadeira e comece a dançar apesar do cansaço do longo dia de atividades. A batida de maracujá feita pela Marcela está divina. Belisco uma delicada empadinha recheada de palmito e tomate: uma gostosura! E a lua cheia já perdeu um naquinho de sua superfície redonda. Mesmo assim ainda explode branca no escuro da noite.