domingo, 15 de abril de 2018

Abraçasso no Brasil 2018: Região Centro-Oeste

Quando resolvi viajar de carro por algumas regiões do Brasil bem que eu gostaria de ter saído sem lenço e sem documento como canta Caetano em Alegria Alegria, mas não rola, né?! Então levo lenços umedecidos, bem úteis em certas circunstâncias. Há muito tempo eu vinha planejando essa trip pra conhecer certos lugares ícones do Brasil, guardando-os contudo pra quando me aposentasse. Foi assim que sem afobação deixei em banho-maria Jalapão, Chapada das Mesas, Lençóis Maranhenses e Serra da Capivara. E quando a tão aguardada aposentadoria estava iminente comecei a traçar qual seria meu itinerário, se iria pelo litoral ou se pelo centro-oeste. Decidi pela segunda alternativa, passando a chamar a trip de Abraçasso no Brasil. Pra minha satisfação, Osnilde, amiga desde os 11 anos quando nos conhecemos no 1º ano do ginásio (assim chamado o 6º ano do ensino fundamental) no Colégio Municipal Pelotense, resolve me acompanhar já que eu iria passar por Cuiabá e me hospedar na casa de seu filho Oswaldinho. Decido então partir de Pelotas, não só porque ali mora a amiga, como tenho no sábado um baita casamento, o de minha prima Thaís. Domingo - melhor dia pra viajar impossível -, eu e Osnilde, com uma caixa abarrotada de docinhos do casório, pegamos a estrada passando por Canguçu, Caçapava do Sul, Santa Maria, Cruz Alta, Palmeira das Missões, parando pra dormir em Iraí. O pit stop, no pacato balneário termal, super arborizado, cujo atrativo são piscinas de águas termais, vem bem a calhar depois de eu ter dirigido 610 km. Tudo de bom relaxar nas cálidas águas da piscina do simpático hotel onde nos hospedamos. Dia seguinte após percorrer a curta extensão oeste de Santa Catarina cujas estradas cortam sinuosas e verdejantes serranias, entramos na paisagem aberta dos campos gerais paranaenses e dormimos em Mundo Novo no Mato Grosso do Sul, num hotelzinho bem legal de beira de estrada. O pôr do sol no rio Paraná, divisor natural entre os estados do Paraná e Mato Grosso do Sul, foi qualquer coisa de espetacular. A região oeste do Mato Grosso do Sul exibe boas rodovias e seu relevo plano, pontilhado por suaves ondulações, lembra um pouco os campos de cima da serra gaúchos. Não à toa, a gauchada foi pra lá plantar milho e soja! Na entrada das cidades, gigantescas estátuas homenageiam a fauna local. Somente quando se está chegando em Bonito, desponta na paisagem uma linha de serranias. A badalada cidade, um dos principais pontos turísticos brasileiros, tem uma rua central com lojas e restaurantes e uma praça ostentando dentro dum lago duas baitas estátuas representando dourados, peixe de carne saborosíssima, abundantes nos rios da região. Durante os 2 dias que permanecemos em Bonito, fazemos flutuação nas águas absolutamente transparentes do rio Sucuri onde se visualizam nitidamente peixes como piraputangas, piracanjuba e corimba. Conhecemos também a caverna da Gruta Azul cuja escadaria com 320 degraus leva a salas donde pendem impressionantes estalactites. Vemos apenas duas espécies de aves: seriemas, típicas da região do cerrado, e uma família de mutuns de penacho. Consigo até praticar atividades esportivas durante a breve estadia na cidade: no balneário da Figueira, remo tanto num caiaque como numa prancha de stand up e pedalo um pouco na ciclovia que liga a cidade ao balneário municipal. Claro está que não deixamos de provar, no restaurante da Juanita, o regionalíssimo pacu na brasa acompanhado por batatinhas, brócolis, pirão, arroz e farofa de banana da terra. De lamber os beiços. Durante o almoço, Germano, um virtuose da harpa paraguaia, toca desde guarânias a rock'n roll. No nosso entendimento, meu e de Osnilde, Bonito não foi toda aquela maravilha que cantam em prosa e verso as reportagens sobre turismo porém nos brindou com belos pores do sol, de fazer eu parar o carro pra apreciá-los! Bueno, de Bonito a Cuiabá o “mardito” GPS do carro me deu um balão e fiz desnecessariamente 300 km a mais percorrendo 1.100 km. Até por estrada de chão batido rodamos eu e Osnilde!! Após 15 horas de viagem, beirando as 22 horas, chegamos na capital do Mato Grosso....ufa!! Com população em torno de 600 mil habitantes, Cuiabá impressiona pela imponência de seus altíssimos arranha-céus e largas avenidas. O parque Mãe Bonifácio tem 77 ha exibindo vegetação e fauna típicas do cerrado com várias trilhas para prática de atividades esportivas. Osnilde que viveu em Cuiabá 30 anos me leva sábado pra passear na orla do porto do rio Cuiabá onde há reproduções dos antigos casarios que ali existiram no início do século XX. Domingo, seu filho mais velho, Oswaldinho, meu afilhado espiritual, nos leva pra almoçar em Bom Sucesso, comunidade ribeirinha do rio Cuiabá. O almoço, supimpa, é recheado de comida regional como ventrecha de pacu (costela do peixe), mujica de pintado (tipo de moqueca com aipim), salada temperada com coentro (delícia), arroz e farofa de banana da terra. De sobremesa, Oswaldinho compra cocadas moles dum senhorzinho que vende os doces de mesa em mesa. São deliciosas. Fico de sexta a terça em Cuiabá quando então retomo a viagem agora sozinha. Osnilde fica mais alguns dias desfrutando da companhia de seus filhos (tem 4, todos homens), retornando de avião pra Pelotas. Resolvo rever a Chapada dos Guimarães, onde estive em 2005. Foi minha primeira visão do cerrado brasileiro e aqui começou um sério caso de amor por essa exuberante vegetação. A visão dos colossais paredões de arenito avermelhado quando se está indo pra Chapada é impactante. Distante 60 km de Cuiabá, a pequena e charmosa cidade, exibe a linda igreja de Nossa Senhora de Sant'Ana do Santíssimo Sacramento, datada do século XVIII, localizada na praça central onde em seu entorno há barzinhos, restaurantes e lojinhas de artesanato vendendo produtos indígenas. A tranquilidade da Chapada dos Guimarães e seu clima agradável faz da cidade um ponto muito procurado pelos acalorados cuiabenses. Provo dos deliciosos picolés da Delícias do Cerrado feitos com frutas do cerrado como bocaiúva, pequi, gabiroba, jatobá, araticum entre outras. Dia seguinte, cedinho pedalo na ciclovia até o mirante geodésico e depois de carro vou até o Parque Nacional da Chapada dos Guimarães onde faço um pequeno trek até as cachus Cachoeirinha, dos Namorados e Véu de Noiva. Terminado o curto passeio pego a estrada. Entre Primavera do Leste e Barra do Garças, há dezenas e dezenas de placas sinalizando a entrada e saída de aldeias indígenas. Não é conveniente parar por qualquer motivo nessa região porque os índios são dados a assaltar os desavisados. Almoço rapidinho de tapioca com carne seca e creme de pequi comido à beira da BR 070. Barra do Garças onde pernoito situa-se aos pés da serra Azul, banhada pelo rio Araguaia e conta com piscinas de águas quentes. As plantações de milho pontuam ambos os lados das rodovias desde o Mato Grosso do Sul até Goiás arrasando porção substancial do cerrado. Concordo, claro, que o povo tem de comer mas não à custa dum bioma precioso como esse! Já em Goiás, observo que a paisagem goiana pontilhada de serras é bem diferente da do MS e MT. De Goiânia, só vejo o perfil dos milhares de arranha-céus riscando o céu do cerrado e chego em Brasília sob forte chuvaral às 21 horas. Não tenho conseguido evitar de chegar à noite nas cidades, o que não gosto muito: a um, porque a visão noturna te prega peças e, a dois, porque por cautela procuro não correr muito. Estou contentíssima de estar mais uma vez na capital federal. Curto demais seu ar cosmopolita. A babel de idiomas que se ouve aqui e acolá, os grandes espaços ajardinados, as largas avenidas e ruas ligadas por rotatórias dispensando quase que inteiramente semáforos mais a prática disposição do setor comercial diante dos blocos residenciais faz de Brasília fodástica. Minha decisão de incluir a capital federal em meu roteiro deve-se a um desejo de resgatar uma parte da família paterna que meu pai apreciava demais: o casal de primos Jorge Otávio e Sonia a quem não via há muitos e muitos anos. Os dois fofos velhinhos, na casa dos oitenta e tantos anos, abriram a porta de sua casa com a gentileza que bem caracteriza a família Armando. Não cheguei à conclusão se Jorge Otavio é um rabujento light ou se finge sê-lo. Mesmo se assim for, lhe assenta bem esse viés ranzinza porque levissímamente leve; ela, uma pequena e delicada mulher, exibe curtos cabelos brancos emoldurando o rosto onde brilham discretos olhos azuis. Embora tenham sido breves os dias que lá fiquei, saio renovada da convivência, devido à alta energia recebida em forma de carinho e cuidados que ambos me dispensaram. Revejo ainda Marcia Veronica com quem pedalara há muitos anos no vale dos vinhedos na região da serra gaúcha. Tomamos um café da manhã na cafeteria Franz repleta de delícias engordantes. Após o encontro, me mando pra Chapada dos Veadeiros, parando à beira da GO 118 pra comprar outras gostosuras calóricas como curau, empadão goiano, pamonha de queijo com pequi e cocada preta mole. Quando passo por São Gabriel de Goiás, dou carona pruma moça e seu filhinho de colo. Ela uma morena bonita, com o contorno dos olhos pintados de escuro, é de poucas falas porém educada. Deduzo que se mostra um pouco intimidada, por que não sei. Afinal, sou tão mulher quanto ela. Depois de dobrar à esquerda na GO 239 rumo a São Jorge, onde vou ficar alguns dias pra me encontrar com a ala jovem da família Armando, os primos Luciano e Clarissa, que lá já se encontram pra curtir o feriadão de 1º de maio, meu carro pifa. Sem sinal de celular pra chamar o resgate disponibilizado pela seguradora, a sorte é que carrego, num suporte acoplado na traseira da caminhonete, a chinfrim verde amarela, a primeira bicicleta por mim adquirida quando resolvi pedalar há coisa de 7 anos atrás. Abandono assim o carro no acostamento e com ela me toco pra São Jorge. Nunca mais vou viajar sem levar a bici no carro, por deus, é uma mão na roda!! Localizados os primos que estão acampados no Canto da Coruja cujos donos, Kelly, egressa do MST, e Cristian, são completamente voltados pro lance de preservação ambiental, monto minha barraca no terreiro da pousada. Super agradável os 4 dias em que lá me arrancho. No domingo, assisto com Clarissa e seu namorado a aulas de percussão e dança dadas por um pessoal da Guiné Conacri no Centro Cultural Cavaleiro de Jorge, noutro dia Kelly me convida pra ir de Kombi com ela e a família até o Paraíso das Águas, distante 25 km de São Jorge banhado pelo rio São Joaquim. Lá comemos no singelo restaurante cuja dona faz deliciosa refeição: galinha caipira com açafrão e coentro acompanhada por angu de milho, quiabo salteado na manteiga, arroz, feijão e salada. Como estou com meu ciático super dolorido de tanto ficar sentada dirigindo, na terça faço um singelo passeio ao Raizama de bici, uma beleza de canyon cortado pelo rio São Miguel cujas cachus estão super bombadas porque a temporada de chuva recém está acabando. A bela serra de São Miguel pode ser vista durante todo a pedalada. A trilha que leva ao canyon exibe mimosas, sennas e sempre vivas além de milhares de árvores típicas do cerrado. Retorno quarta-feira a Brasília, eu na cabine com o motora do caminhão e bem amarrada na carroceria a caminhonete, sendo ambos conduzidos até a concessionária pra averiguar que defeito tem afinal a Pajero (foram as velas que pifaram, segundo os mecânicos, porque de motor de veículos entendo bulhufas!). Aproveito e vou ao hospital Home levada pelo meu primo Jorge Otavio onde sou super bem atendida, confirmando o ortopedista o que eu já suspeitava: o ciático se ressentiu e voltou a me incomodar às ganhas. Devidamente medicada, posso pegar novamente a estrada o que faço no dia seguinte, aproveitando mais uma vez a amável hospitalidade dos queridos primos Jorge Otavio e Sonia. Passo por Alto Paraíso e já estou a uns 5 km da cidadezinha quando resolvo voltar e procurar Marcela a quem conheci quando aqui estive há 11 anos atrás. Encontro a esfuziante guria saindo de casa. Ela vibra quando me reconhece embora me chame de Estela até que eu a corrija hahahaha. Ao saber que estou de passagem, só pra lhe dar um abraço se indigna e lasca “nem deveria então ter vindo, assim não vale”. Com tal afetuosa pressão não resisto e cedo ao seu apelo passando a noite em sua bela casa de madeira construída por Misael, seu companheiro. O plano é na sexta rumar então pra Terra Ronca. Mas quando sei que rolará uma janta a que Pacheco e Andreza comparecerão (ele foi meu guia nas duas vezes em que estive em Veadeiros, nos idos de 2007), não me faço de besta e me convido pra ficar. Como resistir às iguarias feitas pelo bruxo da culinária que é Misael e ao prazer de reencontrar o casal Pacheco e Andreza de quem guardo boas recordações, sem falar na energética companhia de Marcela?!! Comemos um risoto de funghi delicioso com vagens salteadas e confit de tomate cereja, tudo regado a vinho e caipirinha. Sábado retomo a viagem decidindo entretanto desistir de Terra Ronca porque a estrada de chão batido que dá acesso ao parque está detonadíssima. Temo que os sacolejos piorem o ciático recém começando a melhorar. Vou então direto a Palmas. De um modo geral, as rodovias por onde tenho andado são boas mas quando são ruins são terríveis, com buracos que mais se assemelham a crateras. A paisagem de Alto Paraíso até Teresina de Goiás é deslumbrante com uma serrania verdosa em ambos os lados da GO 118. Uma bela surpresa me aguarda ao atravessar a ponte sobre o rio Paranã: no lado esquerdo, a serra do Kalunga e à direita, a do Arapuá, nomes fornecidos por um simpático senhorzinho sentado diante duma casa a algumas centenas de metros além da ponte. Deixo então o centro-oeste, ingressando no estado do Tocantins. Ao longo da TO 050, gigantescas pedras exsurgem das matas como se fossem os ossos da própria terra. Emocionadíssima em estar na região norte...sozinha...de carro!!