sábado, 24 de maio de 2008

Rapel na Pedra Branca

Retorno à Pedra Branca. Afinal, quero experimentar o rapel naqueles colossais paredões. Rafael, médico, cujo hobby são saltos de base jump ("pra poder agüentar a dor e a miséria humanas"), hospedado na casa de Kaloca, vai conosco. Veio do Paraná pra saltar do topo da Pedra. E ainda a Camile e o Gabriel, hóspedes, como eu, da Colina da Serra, que animados pela descrição de minhas aventuras, querem também fazer rapel. Ele, arquiteto, ela, dentista. No início, não dei nada por eles, depois me surpreenderam: não se acovardaram diante do abismo. Embarcamos no confortável LTD Galáxy dirigido pelo tranqüilo Rafael. Estamos todos animadísimos, afinal, vamos fazer molecadas, não é mesmo? Damos risadas das várias estorinhas que Kaloca desfia durante a viagem. O dia está lindo embora um tanto ventoso. Iniciamos a subida. Dessa feita, sinto menos cansaço porque caminho mais devagar. Ademais, eu e Rafael, os últimos da fila, vamos conversando o tempo todo. Quando chegamos ao topo da Pedra Branca, o vento está fortíssimo, coisa de 60km/h. Mal dá pra bater papo, impedidos que somos pelo barulhão da ventania. Contemplo o vale situado 600 metros abaixo e o rio Mampituba que serpenteia serelepe entre as encostas das serras. Rafael desiste de seu pulo (o vento em rajadas não dá moleza, é uma atrás da outra, sem tréguas) e após comermos chocolate e nozes pecãs, descemos até o ponto de onde iniciaremos os procedimentos de rapel. Coisa mais estranha o bicho homem. Pois não é que Rafa está com medo de rapelar conosco apenas 70 metros embora se lance de alturas 10 vezes maiores que esta? Kaloca pede que eu vá primeiro já que sou a mais experiente dos três. Me ponho em posição de rapel e lá vou eu descendo os 45 metros do paredão (pra mim, o mais difícil embora as paredes sejam secas) até atingir um pequeno platô com uns 2 m de comprimento por 1 metro de largura. Me dou conta de que o piso é formado apenas por galhos secos e nada mais, possivelmente, um ninho de urubus. Sinto vários e diversos arrepios só de pensar que, se uma jararaca aparecer, estarei entre a cruz e a caldeirinha. Saltar é impossível: espreita-me um abismo com mais de 500 m de altura, e subir só se eu fosse uma lagartixa. Nem tenho muito tempo pra ficar ruminando essa bad trip porque Gabriel, que desce, está com medo (é seu segundo rapel). Suas pernas demonstram isso: bem encolhidas. Oriento-o e busco animá-lo. Quando atinge o solo, continua nervoso, temendo que sua mulher, Camile, entre em pânico na descida. Mas qual o quê! Ela desce tranqüilita. Parece uma veterana, a guria. Logo depois Kaloca nos alcança, deslizando pela parede como se fosse uma salamandra tal sua destreza. Meu deus, noutra encarnação quero ser que nem ele! (no rapel, bem entendido). Morro de inveja e admiração desse cara! Rafael preferiu ficar lá em cima. Virá com Kaloca depois que terminarmos nossos rapéis. Bueno, pra atingirmos o ponto de onde deveremos iniciar a segunda descida, Kaloca improvisa um corrimão com cordas porque o local da aproximação é bem complicado. Exige uma pequena escalada horizontal. Fico meio nervosa, Kaloca com seu jeito brincalhão me infunde segurança e eu venço o obstáculo. A descida – 25 metros - é rápida, mesmo assim tenho tempo de admirar gigantescas bromélias e cactus pendurados nos paredões da rocha. Confesso: sempre rola um medinho cada vez que rapelo, entretanto a adrenalina que este esporte me provoca acaba fazendo com que eu queira mais e mais. Percorremos uma trilhazinha bem estreita situada na base da parede (estamos ainda a uns 400 m do chão) e alcançamos, ufa!, em segurança a trilha principal. Kaloca sobe o morro, vai preparar Rafael, que se decidiu a experimentar o rapel. Nós preferimos esperá-los lá embaixo e continuamos a descer a trilha que requer cuidado porque é íngreme pra caramba. Quando estamos próximos ao rio, uma bergamoteira chama nossa atenção, e Gabriel se prontifica a subir na árvore e colher as frutas. Estão uma delícia, bem docinhas. Estamos ali conversando e chupando as bergas quando escutamos o animado grito de guerra de Kaloca, descendo a encosta junto com Rafa. Não dá nem 5 minutos e os dois se juntam a nós. A tarde já está findando e atrás dum morro os últimos raios de sol tingem o horizonte dum vermelho pálido. Entramos no carro e retornamos à pousada, radiantes. Nosso espírito aventureiro está, temporariamente, saciado. Resta saber até quando...

sexta-feira, 23 de maio de 2008

Travessia do Malaca

Embora tenha de acordar às 5 da matina, levanto animadíssima. A pedida é rapelar as noves primeiras cachoeiras do canion Malacara. Às 6 em ponto, Kaloca aponta na pousada, me empoleiro na moto e subimos a serra do Faxinal até o lugar onde amoitamos a motoca. Pulamos a cerca e ficamos filmando e curtindo: dum lado, o belo nascer do sol; do outro, a lua ainda cheia, num céu já principiando a nublar. Merda, será possível que vai chover? Era só o que faltava, poxa!! Chegamos na borda do canion e vamos direto pra segunda cachoeira com 12 m (a primeira é muito banalzinha, apenas 3 m). No início, levei um pouco de receio porque o espaço pra descer é um brete formado pelos paredões do canion distantes um do outro pouco mais de 1,50 m. À medida que vou dando corda percebo que é moleza, a outra parede até me ajuda pois me escora. Não posso dizer o mesmo da temperatura da água: está fria pra caramba. Pra piorar, o céu nublou geral o que intensifica mais a sensação de frialdade, além de deixar o canion com uma aparência nada amistosa. Inda bem que a terceira cachoeira está próxima, 50 metros de distância, se tanto. Também com 12 m, desço facilmente suas paredes cheias de degraus e cobertas de limo. O problema continua a ser a água, está deveras fria.....brrrrr!!! Embora usando roupa de neoprene, a vestimenta não impede que a água entre e resfrie a pele. A desagradável sensação de frio quando caio no poço me faz bater queixo. Começo a dar tapas no corpo numa tentativa de aquecê-lo. Tenho de fazer um parênteses pra falar das luvas fornecidas por Kaloca. Cada qual é de um material diferente: uma, de lã preta, bem justinha, se adapta à minha mão perfeitamente; a outra, de algodão branco, do tipo que se usa pra fazer rapel, é grande demais, sobra pano na ponta dos dedos. Claro está que vira piada. Kaloca diz que é a última sensação em matéria de moda. Eu entro na onda e reforço acrescentando que Chanel, se viva fosse (Kaloca, completamente ignorante em matéria de moda, como a maioria dos homens, nem sabe quem foi a francesa), teria morrido de inveja de tal fashionismo. Voltando ao rapel: Kaloca, sempre rápido, prepara as cordas pra ancoragem da quarta cachoeira, essa sim, grandona, com 45 metros. Ele desce na frente pois quer me filmar lá de baixo. Quando grita, lá me vou deslizando entre as pedras, estas, sim, bem escorregadias, falseio os pés várias vezes (as botas de trekking que uso, por óbvio, são totalmente inadequadas); um rapel negativo, no meio da queda d’água, facilita, graças a deus, a descida até o poço. Já em terra, filmo um pouco a paisagem ao redor, o frio me impede, contudo, de continuar, tremo demais. A distância entre a quarta e a quinta cachoeira é bem curta - uma pena - porque gostaria de caminhar mais pra esquentar o corpo. Estou tiritando e Kaloca, condoído, observa que meus lábios estão roxos. Chegamos na borda da quinta cachoeira - 30 metros - e rapelo-a sem maiores dificuldades. Sei lá por quê, eu supunha o canionismo no Malaca super difícil. Constato que é tranqüilo, sem grandes dificuldades técnicas. Kaloca me filma do alto enquanto desço. Consigo até fazer pose...eu hein?! Já no chão, escuto meu estômago emitindo leves ronquinhos, sinal denunciador de fome, mas nem penso em parar pra comer. Estou com muiiitooo frio. Quero mais é terminar de rapelar as cachoeiras que faltam porque observo que lá em cima - o céu desanuviou-se por completo e o sol brilha firme e forte - deve estar muito bom. E lá vamos nós pra sexta cachoeira, apelidada Do Retorno. Conquanto seja uma rampa bem inclinada, é coberta de musgo verdinho e apresenta inúmeros degraus que favorecem a descida. Kaloca decide que nós não vamos rapelar a sétima cachoeira, uma rampa suave, muito bonita, aliás. Damos um balão nela e entramos numa trilha de mato cerrado, situada no paredão norte, até chegarmos na oitava queda d'água. Com um pouco mais de 20 m, é bem larga, ao contrário das outras, todas vias estreitas. A vinte metros, situa-se a nona, nossa última cachoeira do dia, com 30 metros de altura (mas não a do Malacara, porque o canion ainda tem mais nove). Descemos até o poço e retornamos até a oitava cachoeira onde largáramos nossas mochilas. Enveredamos por uma trilha aberta no paredão sul (na verdade uma pirambeira aberta no meio do mato) e por ela subimos. Kaloca, à frente, indica o caminho. Escalo pedras, me agarro em raízes, cipós e troncos de árvores, o caminho está sendo mais difícil e cansativo que rapelar as 7 cachoeiras. Depois de 1 hora de árdua subida - e põe árdua nisso – saímos do interior do canyon, alcançando os campos de cima da serra. Troco a roupa molhada por uma seca (havíamos escondido nossas roupas num matinho), e relaxo, alongando meus músculos. Só depois de todo esse ritual, tiro da mochila o sanduíche que Mariazinha preparara pra mim e me atraco. Que fome!! Ficamos ali descansando um pouco e lá pelas 15:30 iniciamos o retorno. O dia tornara-se lindo. O céu, bem azul, exibe aqui e ali fiapos de nuvens branquinhas, um calorzinho maneiro aquece o corpo, dá até pra suar, e aquela paz na vastidão da campina, sem sinal algum de outros viventes. Entramos num capão, e dou de cara com uma linda orquídea vermelha pendurada num galho de árvore. As barbas de bode caem abundantemente das árvores, indicativo de ar puríssimo! Aleluia!! O caminho turfado, bastante úmido, exige atenção. Pulo com cuidado por entre os tufos de grama, se assim não for - já viram, né? - posso afundar os pés na lama até os tornozelos. Passamos por um bando de urubus, pousados numas pedras, à espreita de que a carcaça de um boi, morto a poucos metros de distância, apodreça. Só gostam de papa fina: carne faisandé...pode?! Mal chegamos na estrada, o pôr do sol mais parece um incêndio! No horizonte, concentra-se um fuzuê de tonalidades de vermelho. Qualquer coisa de espetacular. E dando o toque final no cenário, um rabisco rosa corta o céu em diagonal, rastro deixado pela passagem dum avião. E eu estou em paz!! Fiz o que há muito desejava: rapelar algumas cachoeiras do mítico Malaca!

quinta-feira, 22 de maio de 2008

No cume da Pedra Branca

Depois do chuvoso feriado de 1º de maio em Praia Grande, cuja única atividade possível de ser praticada foi a do rapel na garganta do Tupy, pego a estrada e me mando novamente pra lá. Dessa feita, as perspectivas pro feriadão de Corpus Christi são animadoras, segundo prevê a meteorologia. Chego na cidade e o dia lindo, quente, anuncia um esplêndido veranico de maio. Como sempre, sou carinhosamente recebida por Mariazinha, a dona da pousada Colina da Serra. Almoço às pressas o ranguinho sempre gostoso feito por ela. Mal temos tempo de trocar umas idéias pois, pouca demora, Kaloca aponta montado em sua “possante”, uma destemida motoca 150 cc. E lá vamos nós, livres, leves e soltos estrada afora em direção à Pedra Branca. Esta formação rochosa, situada no Rio Grande do Sul, eleva-se a 600 metros do nível do mar e constitui a parte final da encosta norte do cânion Josafaz. Seu nome vem da aparência esbranquiçada de suas paredes de basalto causadas não só pela ação da intempérie e dos líquenes como da possível presença de resíduos de sal deixados por um antigo mar que ocupou a região há milhões de anos atrás. Aproveito e faço filmagens enquanto a moto, célere, percorre a péssima estrada de terra que conduz à comunidade de São Roque. Deixamos a "possante" em frente a sede social do lugarejo. Ao invés do turbulento rio que não pudéramos atravessar no feriado do Dia dos Trabalhadores, a correnteza do Mampituba flui mansa e suas águas escorrem sem pressa rumo ao norte. A subida é ár-du-a e o calor tá pegando, algo em torno de 28ºC; paro um monte de vezes pra recuperar o fôlego. Nem ligo pro cansaço, porque sou recompensada pela estupenda visão do vale que se espraia lá embaixo. A minha frente, vislumbro as encostas verdejantes de três canions: ao sul, o Josafaz e o Mampituba, ao norte, o Faxinalzinho. Pesquisando, posteriormente, os canions, no Google Earth, percebo que os três formam um “T” cujos braços da letra representam os canions Josafaz e Faxinalzinho, situado o primeiro à sudeste e o segundo à noroeste, enquanto o canion Mampituba, ou São Gorgonho, é a perninha da letra, também situado à sudeste. De onde estou, distingo o encontro do arroio Josafaz com o rio Mampituba, engrosssado mais adiante pelo rio Faxinalzinho. Chegamos no topo da Pedra Branca e avisto lá longe, a 20 km de distância a quase adivinhada Praia Grande. Nossos planos de rapelar a parede norte da imponente formação rochosa são abortados, infelizmente, já que Kaloca esquecera de trazer sua cadeirinha. Que droga!! Me sinto levemente frustrada. Entretanto, tal sentimento dura pouquíssimo, logo sou distraída pelo vôo de um gavião exibindo uma longa cauda dupla, como se fosse um tesoura levemente aberta. Nesse lugar tão lindo, soturnas cavilações duram menos que um piscar de olhos, aleluia!! Na pousada, a janta, esplêndida, cheia de apetitosas comidinhas (a sobremesa é divina: sagu com vinho tinto além de pudim de leite condensado), me faz comer sem peias. Só não durmo feito um anjo durante a noite porque sou acordada, em plena madrugada, pelo barulhão estrepitoso da veneziana indo de encontro ao batente da porta-janela. Lá fora, a ventania, fortíssima, açoita árvores que farfalham resfolegantes. Dou um peteleco em Morfeu e fico curtindo os sons da irritada natureza até ser rendida pelo sono.