terça-feira, 28 de maio de 2019

Abraçasso no Brasil 2019: Sob a proteção do Xamã Sideral

Diferentemente do ano passado, minha nova incursão Brasil adentro parte da catarinense Ponta do Papagaio, na praia da Pinheira, onde a família de Pedro Emílio, meu parceiro de trip, tem uma casa de veraneio. Permanecemos 2 dias pedalando além de uma deliciosa caminhada no vale da Utopia, na serra do Tabuleiro. O dia, mais bonito impossível: céu azul, poucas nuvens, temperatura amena. À noite, enquanto Pedro Emilio assa gorda tainha, cozinho batatas. Os assíduos leitores, curiosos, provavelmente, estão se perguntando “quem é esse tal de Pedro Emilio”? Tá tá, já tô abrindo parêntesis – bem grande, viram?! - pra explicar que conheço Pedruska há pouco tempo, remando numa guarderia, situada na vila Conceição em POA. À maliciosa pergunta duma amiga “teu love, Bia?” respondo que, no momento, dividimos apenas mesa, o futuro só a nós pertence. Bueno, voltando a Pedro Emilio: ele é o que meu filho chama de Biriri (maluco beleza) e regula de idade comigo. Repentista, faz versos poéticos quando vai com a cara da criatura. É um faz tudo por excelência, situação vantajosíssima, gente assim não se aperta em qualquer lugar do planeta pra ganhar o pão nosso de cada dia. Viver de bico exige culhão, inerente dos aventureiros raiz porque permite liberdade de movimento. Embora não tenha frequentado faculdade tem diplomas em diversos cursos, entre os quais estética automotiva, martelinho de ouro e permacultura. Até hoje, contudo, ainda não teve oportunidade de exercer tais ofícios. Mas tá na batalha. E quase esquecia o mais importante de todos os canudos: os 3 meses de sobrevivência na selva que, com justa razão, Pedroka, orgulhosamente, ostenta! Legal e sem frescuras, curte vida ao ar livre além de estar sempre pronto pra pedalar e remar comigo. Na quinta, 30 de maio, nos mandamos BR 376 afora, pernoitando na paranaense Marialva, num hotel bem legalzinho à beira da rodovia. Dia seguinte, percorremos breve trecho em São Paulo, logo adentrando Mato Grosso do Sul, com pernoite em Bandeirantes, pequena cidade à beira da BR 163, onde aproveitamos pra pedalar um pouco assim que chegamos. O bom em viajar de carro é que se pode levar bikes e caiaques pra se exercitar ao longo da viagem. Após 5 dias de estrada, chegamos em Cuiabá, no meio da tarde. O querido Oswaldinho, filho da amigona Osnilde, nos espera com sua sorridente cordialidade. Permanecemos na capital mato-grossense 3 dias, pedalando caminhando no parque Mãe Bonifácio e assistindo filmes no Netflix, convivência esta entremeada de muito conversê e risadas com nosso bem humorado anfitrião. Seguindo sugestão de Taci, namorado de Tiago, o caçula de Osnilde, vamos conhecer Tangará da Serra distante 240 km a noroeste de Cuiabá. A cidade com pouco mais de 100 mil habitantes é considerada a 5ª mais populosa do estado. Da. Maria, dona do hotel California, onde nos hospedamos, conta que quando lá se estabeleceu, há 44 anos, a luz era de gerador, sendo desligada às 22 horas. Casas de madeira e ruas sem calçamento. Não havia ainda plantações de soja ou de milho. Segundo os paus rodados (forasteiros), os cuiabanos não são de muito trabalho, se contentando com pouco, motivo por que foram os de PR, SC, RS e SP que introduziram, após correção do solo, as plantações em larga escala de soja e de milho, dando início ao agronegócio. As viagens eram demoradas em razão de as estradas chão batido, na época da chuva, virarem traiçoeiros atoleiros. Pra alongar as pernas, pegamos as bicis e pedalamos pela cidade conhecendo o bosque municipal, pequena área verde de mata de cerrado onde cotias circulam entre a vegetação. Dia seguinte, conferimos os Saltos Maciel e das Nuvens banhados pelo rio Sepotuba. Ao contrário do primeiro que não possui nenhuma infraestrutura, o segundo, conta com restaurante e pousada mais passarela para bem desfrutar a bela e larga queda d’água. Enquanto rodávamos pela boa estradinha de chão batido até o Salto das Nuvens, Pedro Emilio, rebatizado por mim Xamã Sideral devido ao temperamento avoado e estilo de vida alternativo, comenta “olha as vaquinhas ali, olha o olhar delas, que sutileza”...hahaha. O bom nesta parte do país é que se come peixe de rio pra caramba, tanto que no almoço pedimos ventrecha (costela) de pacu, delícia de pescado. Feita a digestão, nos tocamos pela igualmente boa estrada de chão batido até a cachoeira do rio Formoso. O passeio é uma roubada: 25 pilas pra ver uma queda d’água medíocre, em nada se comparando em beleza às anteriores. Minha pouca experiência com índios me leva a crer que eles não são lá muito simpáticos, sempre transparecendo leve desdém pelos brancos. Queriam nos cobrar 170 reais pelo camping!! Eu hein!! Claro está que nos mandamos da aldeia, preferindo dormir em Campo Novo do Parecis. Pra tanto enfrentamos desde Barra dos Bugres até início da MT 358 uma péssima rodovia cheia de buracos, um pesadelo. Em Itanorte, sou obrigada a comprar na beira da estrada, num restaurante, 11 litros de gasol por 70 pilas dum aproveitador, porque em 150 km de rodovia entre Tangará da Serra e Campo Novo do Parecis inexiste unzinho posto de combustível. Adoro hotel fuleiro à margem de rodovia. Assim, não dá outra, nos hospedamos num à margem da BR 364 em Campo Novo de Parecis. Na 5ª feira, 6 de junho, desistimos de conhecer Vila Bela da Santíssima Trindade, situada a sudoeste, trocando Campo Novo do Parecis por Nobres. Se Pedro Emilio já se embasbacara com as lavouras no Mato Grosso do Sul, ficou mais siderado ainda com as extensas lavouras, em ambos os lados da MT 010, de cana, soja, girassol, algodão e milho que tornam o Brasil uma grande potência do agronegócio. Pedro Emilio tanto se extasia com as plantações a perder de vista e seus silos gigantescos como com a beleza do cerrado nessa época do ano bem verdinho. Calor gostoso de 28º C e céu azul fazem com que eu me sinta muiiitooo contente! Chegamos a Nobres e encontramos, à beira do rio Nobres, um acampamento ideal, primeiro dos tantos que ainda teremos pela frente. À tardinha os banhos no rio são os melhores porque a água aquecida pela insolação diária apresenta-se com temperatura calidamente ideal. Sempre bom estar alerta, não em estado de pânico, pois aqui sucuris e onças podem dar pinta, portanto olho vivo. Esta parte do Brasil não perdoa desavisados, estamos na Disneylândia, não. Exceto o caseiro e sua família, só dá nós no sítio....ebaa!!! Depois de dias dormindo em camas, fazendo comida no conforto duma cozinha ou comendo em restaurantes, bom demais da conta fazer fogo de chão pra cozinhar e dormir em rede. A pequena Nobres é uma agradável cidadezinha, com larga avenida cortada por um canteiro central e casas confortáveis. Muita gente andando de bicicleta. Ligado por uma agradável estradinha de chão batido, o camping, onde estamos dista 5 km do centro da cidade, apelidado pelo povo do centro-oeste e norte "rua". Certa manhã, retornando ao camping, avistamos desengonçado animal de forma indefinida se arrastando em direção à estrada, prontamente identificado por Pedro Emilio como um tamanduá bandeira. Eita bicho deselegante! Com o passar dos dias, a família do caseiro revela-se muito pedinchona. Ora o homem pede que eu o leve de carro até a "rua" para comprar cerveja, ora a mulher querendo refri quando saímos à tardinha até o centro. Mas o guri, um dos 3 filhos do caseiro, é o campeão: tudo que vê quer, seja banana, bolacha ou o que mais tenha na nossa caixa de mantimentos pra onde espicha seus gulosos olhinhos. Lembra uma mosquinha varejeira rondando a gente, o pentelho. Na sexta, 07 de junho, passeio de bici ao longo da MT 241 até o encontro dos rios Cuiabazinho e Manso que formam o Cuiabá. Perfeito o céu nublado porque assim não se sofre muito pedalando já que o termômetro deve estar acima dos 30º C. De rango nesses dias só coisinha leve: salada de verdura e legumes misturada com atum além de salada de frutas. Esta ao ser finalizada atrai os filhos do caseiro que a devoram impiedosa e alegremente. À noite, batata doce mais pão tostado com azeite e ervas finas, regando a ceia o tinto português Periquita. E a água do rio emanando seu barulhinho bom a 30 metros da minha rede!! Entre os muitos pássaros, na mata ao redor, há um que se destaca pelo seu trinar semelhante a alarme de carro, tanto que ao ouvi-lo pela primeira vez pensei que fosse o da caminhonete que disparara!! No sábado, o dia lindo, sem nuvens, 34º C, organizamos um piquenique na cachoeira do Bananal, distante do camping 2 km. A trilha ao longo aa bela e verdejante mata se dá ao longo do acidentado rio Nobres cheio de pequenos saltos e jacuzis. À noite, a mulher bêbada, de soluçar, vem bater papinho comigo. Quer me levar até sua casa onde Pedro Emilio já se encontra com seu marido comendo carreteiro. Consigo convencê-la a caro custo que sozinha estou bem, obrigada pelo convite, até amanhã! Domingo, o dia pra variar segue lindo. Resolvemos explorar melhor os arredores de Nobres e acabamos descobrindo o sítio Vale das Águas, na Vila Roda d’Água, distante 40 km da cidade. Os donos, Luciano e Tati, consentem que nós acampemos embora o lugar ainda não esteja aberto a tal atividade. Ele nem quis cobrar mas fizemos questão de pagar a mesma diária de 20 pilas que pagáramos em Nobres. A 500 metros da sede passa o rio Salobra cuja nascente, na Gruta Azul, exibe transparentes águas azul-esverdeadas. Dá pra ver nitidamente piraputangas, piaus e pacus nadando rente ao leito do rio. Lugar paradisíaco. Nem só Bonito possui rios límpidos pra flutuação! Após almoço bem caseiro na Erlanda, encerramos o domingão, fazemos bóia cross no rio Quebó. Embora o percurso seja pequeno - 2 km -, 300 metros se dão no interior duma gruta em absoluta escuridão...sensacional! Claro está que nos dois dias de estadia no Vale das Águas, muito pedal nas estradas de chão batido de coloração avermelhada. As noites frescas exigem saco de dormir. Na terça, 11 de junho, a fim de pegar a barraca que eu esquecera em Porto Alegre e arrumar o som do carro, retornamos a Cuiabá. Pela MT 351 avista-se uma visão como se fosse “das costas” das famosas muralhas avermelhadas da Chapada dos Guimarães, diferente daquela que se tem da tradicional MT 251 que une a capital mato-grossense àquela cidade. Dia seguinte, quarta, ao deixarmos Cuiabá, resolvo fazer uma parada no Parque Nacional da Chapada dos Guimarães pra que Xamã Sideral conheça o lugar embora eu já o tenha visitado em 2007. Pra conhecer o parque todo tem de contratar guia que custa 200 pilas. Como ele não tá a fim de gastar toda essa grana, visitamos, já que não exige guia, as cachus dos Namorados, Cachoeirinha e Véu de Noiva. Terminado o passeio, resolvemos ficar na cidade e escolhemos o camping Paraíso Alternativo cujos donos, Tamara e Juninho mais o bebê Zaion, nos acolhem alegremente. Estendemos nossas redes no quintal e à tarde, vamos eu e Xamã pedalando até o mirante do centro geodésico. Na quinta, pedal urbano na super turística embora encantadora Chapada dos Guimarães quando conheço Leo Rocha, dono de loja de artesanato indígena, saindo do estabelecimento. Ficamos conversando por quase 1 hora sobre cobras, construção de telhados com folhas de palmeiras, plantas e seus usos medicinais e claro sobre Desafio em Dose Dupla em que ele participou. Revela que a Discovery exigia pra bem dramatizar as cenas que eles comessem minhocas pros episódios serem bem realistas. Esse mundo fake....tsk tsk tsk