sábado, 17 de junho de 2006

Retorno a Salvador

Renato, gentil, ontem à noite se prontificara a me buscar na pousada e me levar de carro até a rodoviária. Chega na pousada às 07:15 e enquanto o ônibus não sai ficamos conversando quando então embarco às 07:30 chegando em Salvador às 13:40. O dia lindo, quente, 26ºC. Hospedo-me num albergue, o Laranjeiras, quarto individual, com diária de R$ 70,00 e direito a café da manhã. Fica no Pelourinho, justo no fervo, por isso tão caro prum albergue! O bairro como não podia deixar de ser está todo enfeitado para as festas juninas, com as características bandeirolas verde-amarelo. Entretanto, a capital dos baianos caprichou porque há também camisetas gigantescas da seleção canarinho e balões forrados de chita florida pendurados em varais sobre as ruas do bairro mais turístico da cidade. Um bulício o Pelô. Sou abordada a toda hora por adolescentes e garotas oferecendo as indefectíveis fitinhas coloridas do Senhor do Bonfim e colares de sementes. Recuso, eles insistem, e assim ficamos nesse joguinho até que, vencida, compro mais uma bugiganga pra me ver livre da cantilena. É um assédio só! Também as baianas vestidas com seus lindos vestidos brancos rendados convidam pra posar com elas nas fotos. Pensam que é de graça? Qual o quê! cobram até o sorriso, se o turista desprevenido vacilar! É puro achaque o Pelourinho. Apesar de bem policiado o miolo do bairro, mesmo assim há que se ter cuidado porque os pivetes, se você der bobeira, te tiram a máquina digital ou qualquer outro pertence valioso. À noite, sento-me num restaurante em frente ao albergue com mesas na calçada. Chama-se Matusalém e peço umas trouxinhas de taioba com crocante que vem a ser um cozido de galinha desfiada com folhas de taioba. Nada de excepcional o tal de prato. Pra acompanhar uísque com água de côco, tudo a ver com Salvador, justifico eu cá com meus botões. A água de côco, com certeza, mas o uísque tenho lá minhas dúvidas, hehehe. Um cantor se acompanha ao violão entoando um bom repertório de MPB. Aliás, em tudo quanto é bar e restaurante do bairro rola música ao vivo, numa variedade de ritmos que satisfaz praticamente quaisquer gostos: forró pé-de-serra, reggae, axé, baião, bossa nova e outros mais, sem deixar faltar, é claro, o bom e velho samba de raiz (afinal, o samba nasceu na Bahia, não é mesmo?). Numa rua paralela, ouço uma batucada, apuro o ouvido e vou até lá: são umas meninas do Olodum em breve apresentação. Às 4 da manhã, sou despertada por uma voz feminina ainda cantando num bar das redondezas. Realmente, Salvador é uma festa só pra quem gosta desse tipo de agito! 

De nada adianta eu ter acordado cedo hoje, dia 17 de junho, porque o dia além de nublado e chuvoso apresenta rajadas fortes de vento embora sejam rápidas. Resignada, permaneço deitada lendo até às 09:00, porque sem chance de ir à praia. Dou uma banda pelas ruelas do Pelô, tenho ainda bastante tempo, meu avião só sai à tarde. Caminhando pelas ruas daquele tão incensado bairro, chego à conclusão de que não gosto muito desse conjunto arquitetônico histórico: tudo tão mal cuidado, pobre e de aparência suja. A Igreja da Ordem Terceira de São Francisco dá pena, os lindos azulejos que recobrem suas paredes estão desbotados, apresentando falhas lastimáveis! O interior da capela mostra igual descuido com o lindo trabalho de entalhe dourado em seus altares. Não é só o Pelô, a cidade é mal cuidada, a maresia castiga os prédios produzindo aquele encardido de mofo, causando má impressão aos olhos. Se não fossem a alegria e simpatia do povo baiano e o lindo cenário natural que a circunda, Salvador seria apenas uma pobre e feia cidade. Claro está que disso tudo excetua-se a orla marítima com seus bons hotéis fazendo de conta que estamos no 1º mundo. Enfim, enquanto faço estas breves reflexões andando pelo centro turístico, deixo-me convencer por uma baiana - simpática como todas o são, aliás - a fazer dread locks em meus cabelos. Hábil, ela faz trancinhas em todo o couro cabeludo e amarra-as, a meu pedido, com lã...adivinhem de que cor?! Verde e amarelo! Fico uma graça, gente, viro a própria branca maluca! Meu retorno pra casa será sensacional com esse penteado, podem crer!

quinta-feira, 15 de junho de 2006

Um rolê no Poço Encantado, Mucugê e Igatu

Melhor dia impossível pra passear: é Corpus Christi e o dia perfeito: quente e com um lindo céu azul. No desjejum, delicioso, há mis guloseimas me espreitando; difícil ser sóbria com todas essas tentações postas na mesa. Como não pretendo almoçar, tenho uma justa causa a estimular minha gula. Às 08:30, Renato, o guia, me pega na pousada. Dou bons dias pros sorridentes Felipe e Mari que já se encontram no carro. Nosso primeiro destino é o Poço Encantado, pois o melhor horário de observação dos raios de sol, penetrando pela fenda da rocha, é entre 10 e 12 horas. Para alcançá-lo, desce-se uma escadaria de pedra, num desnível de 80 metros, que conduz até a boca da gruta. Outra descida, dessa feita com mais cuidado, já que a escuridão, mesmo amenizada por alguns lampiões, dá o tom no local. De uma beleza ímpar, o fundo do lago de águas límpidas, com seus 60 metros de profundidade, mostra-se visível, preferencialmente, nos meses de junho e julho quando fachos de luz, atravessando o pórtico da gruta, incidem em sua superfície com mais intensidade e revelam a tonalidade intensamente azulada de suas águas. Um espetáculo deslumbrante! O nosso próximo destino é Mucugê, cidadezinha menor que Lençóis mas ainda maior que Capão, deveras linda, bem conservada e limpa, onde o São João é comemorado com esmero. Também enfeitada de bandeirolas verde-amarelo, tendinhas de barro, cobertas de sapé, já estão sendo armadas no meio das ruas ao redor da praça, onde serão vendidos quitutes e bebidas. Renato conta que, nos dias de festa, as casas, caprichosamente engalanadas, oferecem aos visitantes doces, salgados e licores: basta entrar, tomar assento e se servir. Na praça, há um pitoresco carrinho, em forma de ataúde, usado pra carregar os bebuns cujos dizeres advertem: "Queria ser como você não ter razão pra beber. Bêbado aqui é cuidado cada um é dono do seu e é respeitado. Não durmo desmaio". Isso é que é ser civilizado! Não dá pra ir a Mucugê sem conhecer o cemitério “bizantino” (oficialmente chama-se Cemitério Santa Izabel), assim chamado porque os túmulos apresentam formas rebuscadas que lembram um pouco o estilo mouro. O cemitério apresenta todos os jazigos pintados dum branco imaculado. Como foi construído diretamente sobre as rochas, seu piso apresenta-se com altos e baixos acompanhando a irregularidade do terreno. Lá se encontram os restos mortais de duas famílias poderosas da região: os Medrado e os Paraguassu, tanto que a atual prefeita chama-se Ana Olímpia Hora Medrado. Antes de prosseguirmos a viagem, já quase saindo da cidade, Renato faz uma breve parada em frente à Igreja de Santo Antonio para que a visitemos. Branca, com as portas pintadas de azul, a simpática igreja está sendo preparada para as cerimônias comemorativos das festas juninas. Nos diversos níveis do altar principal, duas mulheres enchem com flores brancas os vasos ali dispostos. Além do grupo de mulheres que enfeitam e limpam a igreja, uma moça num teclado ensaia um bando de crianças que dançam animadamente ao longo do corredor central da nave. Num dos bancos, encontram-se pandeiros, chocalhos e um tambor. Imagino como não soará alegre quando todos os instrumentos se fizerem ouvir nas novenas que se prolongam durante junho! Embarco no carro com pesar, gostaria de ter ficado mais um pouco curtindo aquele ensaio! Saímos do asfalto e entramos numa estradinha de terra cheia de buracos, sacolejando vale abaixo, quando vejo então a Machu Pichu baiana: Igatu! Esta cidade supera em muito minhas expectativas! Pequena vila com 350 moradores já foi habitada, nos áureos tempos do garimpo, por mais de 2.000 almas. Suas casas feitas na rocha parecem moradias de duendes. As pessoas, simpaticíssimas. Escolho-a, sem hesitações, como a minha preferida de todas as cidades conhecidas até agora na Chapada. Um sonho este lugar! Visitamos o ateliê de Marco, soteropolitano, responsável pela reconstrução de uma casa de pedra onde estão expostas obras de arte de vários artistas plásticos baianos, incluídas também as dele. Na casa, super estilosa, um belo jardim com mesinhas e cadeiras protegidas por guarda-sóis onde se pode merendar. Marco, ainda, construiu um pequeno museu a céu aberto onde são exibidos diversos objetos relativos ao garimpo. Antes de retornarmos a Lençóis, já noite, entramos em Andaraí pra provarmos, na sorveteria Apolo, suas delícias que, segundo Renato, são os melhores do cerrado. Tanto o de côco com goiaba quanto o de rapadura e batata doce que provei são, de fato, gostosíssimos!! Sem maiores atrativos, não considero a cidade digna de muita atenção, a não ser por algumas interessantes pinturas feitas nas paredes da prefeitura, retratando vários lugares da região, entre os quais os Alagados de Marimbus, considerado o pantanal baiano. Chegamos em Lençóis às 21 horas e embora cansados, decidimos festejar a nossa despedida da Chapada pois amanhã cada um segue seu rumo de volta pra casa. E assim fazemos, comendo e bebendo num dos vários barzinhos que há no largo em frente ao mercado da cidade. A benção, São Antonio, São João e São Pedro!! Eparrei!!

quarta-feira, 14 de junho de 2006

Trilha Capão-Lençóis

Parto de Caeté às 09:30 com Alexandre, o guia, um rapaz de 19 anos, gente finíssima. É voluntário na brigada antiincêndio da Vila, combatendo o fogo que volta e meia se alastra e destrói bons trechos do cerrado. Vamos de moto até a comunidade alternativa Campinas onde ele vive com sua família. Esta comunidade desenvolve um trabalho de recuperação da região, muito degradada, cultivando agricultura orgânica e apicultura. Depois de ele me mostrar o herbanário, apresenta-me a sua mãe com quem converso um pouco. Pomos o pé na estrada e o caminho vai-se revelando belíssimo. Dentre as variedades de flores chama-me a atenção uma de coloração roxa: é o candombá, um arbusto que produz uma resina muito inflamável usada para acender o lume nos fogões, bem como o responsável, infelizmente, por muitas queimadas no cerrado. Confunde-se para os leigos com a canela de ema, se bem que esta tem o caule espinhento. Orquídeas, bromélias e cactus crescem entre a infinidade de rochas sedimentares estratificadas. A paisagem é deveras linda. Embora longa, a trilha é fácil, sem grandes subidas ou descidas, uma barbada. Chegamos em Lençóis às 15:40, desvairados de fome. Não é que os boca-abertas aqui haviam esquecido de levar lanche?! Convido Alexandre pra comer algo e paramos então numa lanchonete antes de eu ir pra pousada do Alcino onde ficaria hospedada durante minha estadia na cidade. Se comparada com a Vila, Lençóis é uma “cidade grande”, bonita com seus casarios antigos, dividida em dois setores pelo rio Lençóis, unindo-os uma ponte de pedra. As ruas estreitas são calçadas de pedras irregulares. O rio escorre pelos lajedos de cor avermelhada onde lavadeiras costumam lavar trouxas de roupa em suas águas. Como todas as cidades do nordeste, nessa época do ano, Lençóis apresenta-se embandeirada nas cores verde e amarelo pra comemorar, não só as festas juninas que estão prestes a acontecer, como também a Copa do Mundo. Pela primeira vez na Chapada não uso agasalho à noite, faz um calorzinho legal que dispensa o uso de jaqueta. Dou uma banda na cidade e encontro Felipe e Mariane comendo acarajés em frente a uma carrocinha localizada numa rua transversal. Peço um também e ficamos batendo papo. Combinamos, então, fazer o passeio de amanhã juntos. Despeço-me do simpático casal e retorno à pousada. Trata-se de um antigo casarão, em estilo colonial português, pintado de amarelo com quatro janelões pintados em cor azulada; a entrada, lateral, é através de um patiozinho. Um jardim lateral resguardado por um belo portão de ferro trabalhado, também em coloração azulada, exibe um gramado verde super bem tratado onde crescem muitas folhagens e várias árvores, entre elas uma bela palmeira com suas folhas que lembram leques gigantescos. Nos fundos da casa, um belo alpendre onde sofás, poltronas e redes convidam o hóspede a se afundar, preguiçosamante, desfrutando tais conforto. Além do alpendre, encontra-se o ateliê de Alcino onde são fabricados azulejos decorados com lindos desenhos pintados a mão. É um aconchego só esta pousada!

terça-feira, 13 de junho de 2006

Dia de Copa na Vila

Em tempos de Copa, a vila do Capão só pensa no jogo Brasil x Croácia. O dia amanheceu nublado e garoando. O mau tempo que ontem se instalara sobre a região parece que vai permanecer mais um dia. Saio pra dar uma banda e observar como estão os ânimos do povo do lugar, antes de ir à casa de Silvia que, amavelmente, me convidara pra comer uma carne e assistir ao jogo em sua casa. Sento à soleira da porta de uma casa que vende pastéis de jaca e peço um pra provar. Uma delícia tanto que peço outro assim que acabo de comer o primeiro. Continuo por ali terminando meu segundo pastel de jaca com queijo enquanto curto os preparativos dos habitantes para o jogo num vai e vem animado pela rua principal e cruzando a praça pra lá e pra cá. Iuri, o filho mais moço de Silvia, passa por mim e indago se não vai assistir ao jogo na casa de sua mãe. Ele responde com uma negativa, esclarecendo que prefere assistir ao jogo no restaurante Flamboyam, porque segundo parece será colocado um telão (depois fiquei sabendo que o tal telão na verdade era uma tv 29’'). Como a garoa não dá trégua vou até a pousada pegar uma capa e me mando pra casa de Silvia distante da Vila uns dez minutos. Em lá chegando, encontro-a alegremente fritando com uma mão a carne enquanto com a outra segura o neto, Tito, apoiado em sua ilharga. Diz que não tem paciência pra assistir jogo na televisão, prefere ficar na cozinha fazendo comida pra nós. Já se encontram na casa, Maria Clara, nora de Silvia, casada com Tassio, dono da única casa de informática do lugarejo. São os pais de Tito. Batman bem nervoso não sai da frente da tv, falando mal de Parreira. Há também um casal vindo de Salvador, Mayara e Fabio, amigos de Clarinha. Silvia avisa que a comida está pronta: uma bela picanha com farofa e salada de tomate e cebola está servida sobre a mesa da sala de jantar. Cada um faz o seu prato e sem perda de tempo vamos pra frente da tv porque o jogo irá iniciar já já. Escutam-se os acordes finais do hino nacional e assanhados nos sentamos para apreciar a partida cheios de expectativas positivas. Terminado o jogo, danados da vida com a partida medíocre, já numa antevisão da performance pífia do Brasil durante a Copa, vamos pra pousada. Bat me prometera que tocaria violão e cantaria já que no dia seguinte eu estarei indo a Lençóis. Foi boa demais minha despedida! Aparecem Palito, um dos homens mais meigos que já conheci e João, tocador de triângulo, bebedor contumaz de abaíra, a cachaça local. Rola o maior som. Eu e Palito voltamos a dançar forró pra lá de animados na sala da pousada. Supimpa o fandango que se estende até as 23 horas, quando então Silvia avisa que a festa tem de terminar porque amanhã todos precisam acordar cedo. Droga, pra meu pesar terminou o que era doce...snif, snif. Foi bom demais o nosso forró pé-de-serra, só faltaram a zabumba e a sanfona, porque de triângulo e violão estávamos bem servidos com o João e o Bat!
Claro está que nesse dia tomei um tragoléu dos bons! Desperto, entretanto no dia seguinte numa boa, quase sem vestígios de ressaca. Basta pôr o pé na estrada que o leve desconforto se esvai entre as serras que me rodeiam.

segunda-feira, 12 de junho de 2006

Almoço nas Fadas

Acordo cedo demais pra fazer qualquer coisa, inclusive tomar café, então dou um tempo deitada enquanto leio um livro. Aliás, não viajo sem levar algo pra ler, às vezes até dois livros ponho na mochila, é um receio muito antigo esse de ficar sem qualquer leitura de meu apreço. Às 9 horas vou pra sala onde é servido o desjejum e me alimento bem, assim não preciso de almoço. Fico de papo com Silvia por um tempo e então me mando da pousada. Quero, antes de ir ao Riachinho, passar na casa de Maceió que eu conhecera antes de ir pro Paty. Apesar do apelido, é baiano e muito do simpático. Bom de papo é casado com uma francesa e ambos vivem de vender artesanato. Não resisto e compro umas pulseiras pra presentear minhas afilhadas. O casal e dois amigos estão assistindo a um dos jogos da Copa quando chego, fico de conversê um pouco e pego então a estrada rumo ao Riachinho distante uns 4 km. Neste lugar passa um rio onde há uma pequena queda d’água. Como o tempo está nublado, a temperatura não é lá das mais convidativas para que eu me anime a entrar n’água, motivo pelo qual não demoro no lugar. Volto à estrada pretendendo retornar à vila quando chama minha atenção uma placa anunciando um restaurante com o sugestivo nome Fadas. O cardápio afixado no muro indica comida italiana. Nem vacilo, entro, adoro massas. O lugar, de cara, mostra-se super aconchegante. Uma grande sala onde várias mesas cobertas com toalhas brancas estão preparadas para receber os comensais. Num recanto, um sofá macio e almofadas jogadas no chão de madeira estão dispostos em frente à lareira acesa. A tarde já começa a apresentar ares invernais: uma garoa insistente começa a cair e logo baixa um nevoeiro que me impede de continuar a fotografar. O proprietário, um italiano, o Mario, é casado com um pintora paraense, pais de Artemísia, menininha de dois anos, que tenta me enganar mostrando com a mão 5 dedinhos, motivo por que a apelido de Pinóquio. Mario e um casal de amigos entram no salão de refeições pra assistir à partida Itália versus Gana. O menu, embora não apresente grandes variedades de pratos, parece apetitoso. Peço de entrada uma salada de rúcula, alface, berinjela, cogumelos, tomates, ricota e pão que como na frente da lareira bebericando enfim um bom vinho tinto. Dou um tempo curtindo as chamas que, assanhadas, lambem as grandes toras de madeira. Sento, então, à mesa onde almoço um tagliateli com funghi. Panna cota enfeitada com um fio de mel pra adoçar tanto salgado, um bom café seguido de um licor de chocolate são os arremates de minha refeição. Saio de lá antes de o jogo terminar já sabedora que o escore aponta a Itália como provável vencedora da partida. Caminho praticamente todo o trajeto até a pousada no escuro, tanto que sinto um medinho, mas sacudo os ombros e trato de dar um basta na síndrome “estou com medo de seu lobo chegar”. Sinto-me por demais satisfeita com tudo, só não canto pra não estragar o cricricri dos grilos e o coachar dos sapos que são mais afinados que eu. Pra completar tanta harmonia, os pirilampos me dão uma forcinha, acendendo seus holofotes pra clarear um pouco a escuridão. Eu até poderia ter aceito a carona que os amigos de Mario me ofereceram ou chamado um mototáxi (estão pensando que a Vila é o quê? Há, sim, este tipo de transporte no Capão, ora!), mas o meu tesão em caminhar foi maior do que qualquer receio que eu pudesse ter em sair sozinha pela estrada já com a noite se instalando. Fuii!!!

domingo, 11 de junho de 2006

Domingo de feira na Vila

Hoje, domingo, vou com Silvia pra praça onde rola uma feira. Compro um côco e fico bebericando de sua água sentada à mesa do bar Flamboyam num bate papo com Ivana, que vive de vender comida integral e bijuterias. Muito legal, tranqüila demais, Ivana faz parte de um rescaldo do movimento hippie que invadiu a Bahia nos anos 70 e lá se perpetua até hoje. Apesar de jovens, ainda cultivam os ideais de paz e amor, a vida simples em contato com a natureza, sobrevivendo basicamente de atividades ligadas à produção de artesanato e à plantação de verduras e legumes. À tarde dou uma banda até o poço da Cruzinha, lugar bacana que escolho pra tomar um demorado banho no rio Bombas. Lá me distraio com Micael, um garotinho de uns oito anos muito ativo, cuja diversão é se jogar no rio pulando de um tronco de árvore situado a sua margem. Passa o tempo todo nessa incansável atividade enquanto lá permanece junto com sua mãe (ele me convidou pra pular junto com ele, o queridinho, eu quase fui, mas depois me deu preguiça e desisti). Falo pra ele que parece um macaquinho empoleirado no tronco da árvore e ele responde, todo feliz: “meu apelido é Macacael.” Voltamos juntos os três até um pedaço do caminho quando então eles dobram numa estradinha que conduz até a casa onde moram. Nos despedimos e a mãe de Micael me convida pra ir visitá-los. Fico vendo eles se afastarem e então retomo a caminhada de volta à vila. Passo pelo Circo do Capão e entro. Há umas crianças deitadas num colchão assistindo a um filme projetado num grande telão armado no picadeiro. Fico por ali um pouco curtindo o astral do lugar e o lindo fim de tarde ensolarado. Durante o trajeto encontro no caminho dois homens que seguem a pé atrás de um jegue em cujo lombo estão dispostas duas canastras com víveres. Na pousada quem hoje atende é Batman, marido da Silvia, já que é seu dia de pagar turno de trabalho. Como já estamos no sagrado horário da happy hour peço um conhaque. Eu havia, há não muito tempo, descoberto quão gostoso sabe este destilado, assim o elegi como a “bebida” durante minha permanência na Chapada. Sempre escolho, quando a passeio, uma bebida. Sei lá por quê, dessa vez, foi conhaque, talvez porque não houvesse vinho na pousada, minha bebida preferida. Pois não é que faço escola! Silvia aderiu de bom grado tanto que, quando é ela quem atende na pousada, já traz dois copos, um pra mim, outro pra ela. Batman põe um som maneiro na vitrola, e eu fico olhando o perfil das serras já sendo encobertas pela noite que desce rapidinho sobre a vila enquanto bebo aos golinhos meu conhaquito. Batemos um papinho preguiçoso, como sinto um pouco de fome vou até a praça, onde me sento pela segunda vez no dia a uma mesa do bar Flamboyam onde devoro dois deliciosos bolinhos de queijo. A lua cheia ilumina as ruas da vila e os pirilampos emitem aquela luz esverdeada que vista de longe parece branca. O cricrilar dos grilos é o único ruído gostoso da noite, não quero outra vida....eita mundão bom!

sábado, 10 de junho de 2006

Dançando forró pé de serra

Saímos do Pati às 09:15. Deixo pra trás, já com saudades, a acolhedora família de seu Wilson. Quando alcançamos uma bifurcação, Felipe e Mari despedem-se de nós já que vão pro Cachoeirão, enquanto eu, Marivaldo, Simone, Marcos e Plince seguimos a trilha que dá na rampa do beco, uma subida que, embora dure apenas 35 minutos, se mostra interminável. Íngreme demais, demanda mais esforço que a da Fumaça e a do Castelo. Quando desembocamos nos Gerais do Rio Preto, começa a cair uma chuva miudinha que se mantém durante uma boa parte do trajeto. Apesar do chuvisco, a temperatura mantém-se agradável. Descemos pros Gerais do Vieira pela ravina do Quebra Bundas, uma ladeira calçada de pedras na década de 1920, de modo a permitir a passagem do gado dos Gerais do Rio Preto para os Gerais do Vieira. Graças a deus, parou de chover porque senão o cuidado teria de ser redobrado já que as pedras, se molhadas, se tornariam lisas e escorregadias dificultando em muito a descida. Paramos, então, pra descansar. Logo após chegam, montados em jegues, dois nativos carregando a cabresto um terceiro animal. Juntam-se a nós e, convidados, compartilham nosso lanche. Homens rudes, de poucas falas, contam que estão retornando ao Pati depois de ter passado o dia procurando o animal fugitivo. Ao reiniciarmos a caminhada, uma nuvem envolve e encobre a paisagem. Curto a sensação de me encontrar dentro daquela massa gasosa embora não perceba quase nada ao meu redor. Tenho de fazer um parêntesis pra falar de Plince. Na noite anterior, enquanto eu ainda estava na casa de Seu Wilson, escutei um conversê dele na cozinha fofocando para os donos da casa sobre a amante de seu Eduardo, outro morador do Pati. Contava o moleque sobre os desgostos da esposa de seu Eduardo. Que ela se queixou pra ele da pouca comida que o marido punha em casa depois que começou a se deitar com a tal amante, nem mais dormia com o marido, enojada da vil traição. Tudo isso eu entreouvia deliciada enquanto fazia meus alongamentos após a trilha até a Gruta do Castelo. Plince, enquanto conversava, tratou de sossegar os atentíssimos anfitriões: que não se preocupassem, não, porque nada do que acontecia ali na casa de seu Wilson seria levado para a casa de seu Eduardo, ficassem tranqüilos, ele não era leva e trás, não! Ainda curiosa com a estória entreouvida ontem, questiono Plince. Ele explica que seu Eduardo embora já tenha 70 e poucos anos é danado de arretado e a amante não é mulher jovem, não, deve ter uns 40 e poucos. Seu Eduardo, acrescenta ele, gastou bem uns mil reais montando casa pra ela em Andaraí. Uma figura esse moleque. Chegamos em Bombas às 17:00 e lá está Silvia nos esperando com o Land Rover e um convite pra irmos a Conceição dos Gatos onde rolará um forró pé de serra (no autêntico, são usados como instrumentos apenas o triângulo, pandeiro e sanfona). A festa é pra comemorar, antecipadamente, Santo Antonio já que aqui na Bahia, aliás, em todo o Nordeste, as festas juninas em homenagem aos santos Antonio, João e Pedro são festejadas com fervor não só religioso como pagão. Além das lindas novenas rezadas nas igrejas, o povo diverte-se nas praças e largos dançando e comendo noite adentro. Aceito sem hesitação o convite e lá pelas 23 horas nos tocamos pra Conceição dos Gatos, um vilarejo de duas ruas apenas, distante de Caeté 10 km. E quem eu vejo todo arrumado, nos trinques, curtindo a festa? O Plince!! Todo pimpão faz pose de homem sério sem deixar, entretanto, de espichar o olho de forma disfarçada vez por outra pras meninas que passam em bando pra lá e pra cá. O forró, danado de bom, faz o povo todo dançar animado. Compro um churrasquinho numa das várias barraquinhas que vendem guloseimas e bem alimentada danço com Palito, o dono da licoteria de Capão, até as 2:30 quando então Silvia nos convida pra voltarmos. E lá vamos nós na Land Rover, felizes e cansados, sacolejando pela horrível estradinha cheia de buracos até Capão. Que dia....ufa!

sexta-feira, 9 de junho de 2006

Cachoeirão por cima

Às 08:50 saímos da casa de seu Wilson. Reúnem-se a nós os três jovens que eu conhecera ontem na Gruta do Castelo já que também pretendem conhecer o cachoeirão por cima. Eles estão fazendo o caminho inverso: vêm de Andaraí guiados pelo Plince, um moleque de 18 anos. Do pequeno grupo faz parte Simone, uma suíça de 30 anos, bióloga, que juntou dinheiro pra usufruir o que se chama de ano sábatico, aproveitando pra viajar pela América do Sul, mais Marcos, um baiano alto, fortão, sempre na boa, não sei bem se namorado ou amigo da suiça. Uma boa parte do trajeto se passa percorrendo os Gerais do Rio Preto, assim chamados os campos gerais, cuja vegetação não é tão rica quanto a dos campos rupestres, exibindo arbustos de pequeno porte, com um pouco mais de um metro de altura, gramíneas, poucas flores, destacando-se entre elas certos tipos de orquídeas e bromélias. Vêem-se aqui e acolá tufos de sempre vivas em variegadas colorações. Chegamos lá às 11:30. A cachoeira é bem menor do que a da Fumaça, mesmo assim impressiona com seus 200 e tantos metros de altura. Todos nos deitamos na beirada da rocha pra poder espiar aquele olho d’água lá embaixo alimentado na época de chuva por dezenas de cachoeiras. O calor do meio dia faz com que a gente deseje estar na sombra mas nesse tipo de vegetação é difícil encontrar um cantinho protegido quando então nos abrigamos sob umas pedras que formam uma relativa zona de sombra e ali nos sentamos pra saborear um lanche trazido da casa de seu Wilson. Eu e Marivaldo depois de descansarmos, retornamos deixando para trás Plince, Simone e Marcos que preferem continuar por ali curtindo mais um tempo o lugar. Ao chegarmos no Pati, entramos numa trilha que vai dar na Cachoeira da Altina, uma pequena cascata do rio Pati, onde tomo um belo banho. A água, apesar de gelada, me reanima depois da caminhada de 6 horas. Quando estou chegando na casa de seu Wilson, vejo mais um casal armando a barraca no terreiro. Após tomar banho, beberico uma cachacinha de banana pra lá de gostosa enquanto espero a janta. À mesa, além de mim e Marivaldo, sentam-se também não só os nossos três companheiros do trek de hoje como Mariane e Felipe, o casal que havia chegado à tarde enquanto estávamos na trilha, vindos de Capão. Terminada a ceia, Mari, Felipe e eu nos sentamos à soleira da porta e lá ficamos curtindo a lua já cheia. Conversando sobre nossas aventuras, fico sabendo que ambos fizeram o trekking da cachoeira da Fumaça por baixo e depois subindo até a parte superior, num ascenso pra lá de cansativo porque muito íngreme, tipo escalaminhada, tendo de se agarrar em troncos, galhos de árvores e o que mais encontrassem de modo a poder se apoiar com segurança para continuar a subida muito forte. Porém, me garantiram, que valeu todo o esforço porque o visual foi demais, lindo mesmo. Cansados das caminhadas feitas durante o dia, nos despedimos embora ainda não sejam 22 horas. Amanhã teremos de enfrentar longas jornadas, eles indo até o cachoeirão por cima, eu retornando a Capão.

quinta-feira, 8 de junho de 2006

Gruta do Castelo

Hoje é dia de conhecer a gruta do Castelo situada no topo da serra da Lapinha. Equivocadamente chamada de gruta, ela é, na verdade, uma caverna, aliás, considerada uma das maiores de quartzito do Brasil. O dia, como o anterior, está lindo, nuvens esparsas aqui e acolá, insuficientes, porém, para nublar o sol. Eu mais Marivaldo subimos por uma trilha aberta em uma das encostas do morro, bem íngreme, cuja duração foi de mais ou menos 2 horas. Vejo de relance um macaquinho pendurado em uma árvore com uma mancha branca na testa. Marivaldo tenta atraí-lo colocando uma banana num galho da árvore em que ele se encontra; arisco, não se aproxima da fruta, pelo menos enquanto nos encontrávamos no local. Certos trechos me lembraram as pirambeiras que levam aos canyons de Praia Grande-SC devido a pedras enormes que se encontram no caminho. Alcanço o topo e respiro fundo enquanto admiro a bela paisagem que se descortina abaixo de mim. Marivaldo chama minha atenção para a bifurcação existente na caverna, informando que iremos primeiro percorrer a galeria maior e depois a menor. Ajeito a lanterna de testa pois sei que vou precisar dela lá dentro do buracão. Depois de quinze minutos de caminhada, avisto luz indicando o fim do túnel. Avisto então um ângulo do Pati que se situa à leste do Morro do Castelo. Retornamos e entramos na outra galeria de onde posso observar o lado oeste do vale. A vista é belíssima e o sol continua firme e forte. Escalamos então umas rochas até atingir um terraço no topo de uma delas. Enxergo, lá adiante, entre a espessa vegetação, a cachoeira do Calixto. No seu topo percebo um largo e extenso lajedo de onde despenca a queda d’água, formando sucessivos degraus até o fundo do vale. Fico lagarteando e escutando o zumzumzum dos insetos depois de comer um lanchinho. Estou a 1.580 metros do solo, quer coisa melhor que isso? Em frente, o morro Branco, uma linda formação rochosa recoberta de verde em 2/3 de sua superfície, apresenta o topo despido de vegetação, daí o seu apelido. Quando retornamos, encontramos, na entrada da caverna, um grupo de três pessoas que estão chegando. Um garoto, o guia, troca algumas palavras com Marivaldo e logo cada grupo toma seu rumo. Agora estou sentada em frente a casa de Dona Maria que ainda não retornou da Guiné para onde foi com seu Wilson na quarta-feira. Nara está na cozinha preparando a janta. Vai ser servido, entre outros pratos, mamão verde refogado. O fim de tarde está muito legal: o sol incindindo no morro do Castelo ressalta o tom avermelhado de sua rocha sedimentar, os galos com seus cocoricocós ciscam no quintal, a água rumoreja no leito do rio Pati que passa ao largo da casa, ao passo que algumas nuvens ainda livres do reflexo avermelhado do sol poente tingem de branco o azul do céu. Eis que vejo chegando seu Wilson e Dona Maria cada um puxando um jegue com mantimentos comprados em Guiné. Os animais levam em ambos os flancos duas grandes bruacas (bolsas de couro) penduradas num gancho de madeira que sai de uma manta de couro posta em cima de seus lombos. Rapidamente, os dois levam as bruacas pra dentro de casa. Mas o movimento continua, porque entram no terreiro as três pessoas que  encontrara no alto do Morro do Castelo. Dirigem-se as suas barracas montadas no terreiro da casa e voltam de lá em trajes de banho. Querem curtir um mergulho antes da janta no rio Pati. Convidam-me, como a temperatura caiu bastante e já se sente o frescor da noite, recuso. No ar, o único ruído são os ecos da alegre conversa deles andando pelo carreiro que conduz ao rio. E a lua praticamente cheia dá as caras entre as serras do Pati.

quarta-feira, 7 de junho de 2006

As casas de Seu Wilson e Dona Raquel

Partimos de Igrejinha de manhã. O trajeto até o lugar onde ficarei hospedada, durante minha permanência no vale do Pati de Cima, não vai além de duas horas. A paisagem é linda e a trilha serpenteia através das encostas das serras que circundam o vale. Chegamos na casa de seu Wilson e Dona Maria. Nara, a filha deles, nos informa que ambos foram a Guiné comprar mantimentos. As acomodações são luxuosas se comparadas às de Igrejinha. São duas as residências: a que tem dormitório e banheiro coletivos, e a da família onde sou acomodada num cômodo só pra mim. Meu quarto dá pro terreiro de onde descortino o Morro do Castelo e a Pedra Branca. Pequeno, só acomoda uma cama de casal, ao lado, num banquinho, há uma caixa de fósforos e uma vela: aqui também não há luz elétrica. Aliás é a única casa do Pati em que há geladeira...a gás, é claro. Foi trazida de Guiné por seu Wilson com a ajuda de parentes e amigos que a carregaram sobre um andor, no muque, numa viagem cuja duração foi de 10 horas! À tarde, vamos visitar Dona Raquel, nora de seu Dô, cuja casa dista 30 minutos da de seu Wilson. Ela embora aparente mais de 60, tem 51 anos. É uma mulher pequena e magrinha. Dos 14 filhos paridos, 12 sobreviveram. Moram com ela dois netos e duas netas, todos em idade escolar, mais um filho, o “caçulo”, já adulto. O marido, depois do derrame, foi viver em Guiné cuidando das filhas que lá estudam. Ela ficou no Pati roçando a terra mas já começa a se aventurar no turismo. Salienta a muita fé que tem em Deus e se orgulha de estar conseguindo sobreviver sem a ajuda do companheiro. Conta sua versão da arca de Noé, concluindo que as serras que rodeiam sua casa são produto das espumas das águas que destruíram o planeta. Fala-me de sua raiva cada vez que “ficava de barriga”. Acrescenta que tomava muito chá tentando abortar, dava murros na barriga mas nada de conseguir pôr pra fora os meninos. Paria com incrível facilidade, ora com ajuda de parteira, ora sozinha, como no parto de Agnaldo. Neste, sonhou que estava parindo, acordando com dores: eis Agnaldo que surge entre suas pernas no meio dos lençóis! Em outro, encontrava-se na roça quando sentiu as contrações, subiu correndo a encosta do morro, e, nem bem conseguira se lavar, o menino já estava saindo perna afora. Explica-me que a raiva de se saber prenhe era não só pela barriga que dificultava o trabalho na roça como pelo fato de ter mais uma boca pra alimentar. Faz questão de esclarecer que isso não a impediu de criar todos com muito amor. Depois que nasciam, ela nem pensava em se desfazer deles, só “magicava” em se livrar das crias enquanto na barriga. Ela nos oferece café colhido de sua roça e me explica todo o processo. O grão é tirado vermelho do pé e posto a secar, depois é pilado pra desgrudar a casca do grão. Coloca-se, após, na peneira, jogando-se ele para cima e para baixo de modo que a casca seja levada pelo vento até que reste apenas o grão limpinho de qualquer resíduo, quando então está pronto pra ser socado no pilão e transformado em pó. Foi este o café que bebi acompanhado por um pão de massinha barrado com margarina. À tardinha, chegam os netos, muito bem educados, distribuindo boas tardes às visitas. Sentam quietinhos na cozinha observando atentamente o que conversamos. Saímos de lá e voltamos pra casa de Seu Wilson onde Nara nos serve um ajantarado: feijão, arroz, salada de tomate, carne assada, abóbora, banana verde frita e godó de banana (cozinha-se a banana verde ralada na água, passa-se na peneira e junta-se a um refogado de cebola, pimenta, pimentão e galinha ou carne, a gosto). Terminada a janta, puxo conversa com Nara e fico sabendo que Seu Wilson é viúvo de uma filha de Seu Dô. Por sua vez Dona Raquel era neta de um irmão de um dos avós de Dona Maria. Estas intrincadas relações familiares demonstram que os laços no Pati não são só de mera vizinhança, há uma forte consangüinidade unindo as 30 famílias que ainda restam na região.

terça-feira, 6 de junho de 2006

Do Bomba à Ruinha

Saio da pousada às 09:50, muito bem acomodada na Land Rover conduzida por Silvia até a vila do Bomba, poupando assim quase 2 horas de caminhada. De Bomba, eu e Marivaldo, subimos até o vale do Capão e o atravessamos no sentido norte-sul por um bom trecho. Nova subida até atingir os Gerais do Vieira, uma extensão de 10 km de colinas, banhadas pelos rios Ancorados e da Lapinha. Escondidos, no meio da vegetação, poços e cachoeirinhas aguardam o caminhante que queira se refrescar em suas águas limpas e tranqüilas depois da árdua pernada. Diante de meus olhos a brisa ondula suavemente um belíssimo capinzal de coloração dourado-avermelhada. O dia está perfeito, a temperatura amena de inverno é ideal pra se caminhar. Começamos a descer para entrar no Vale do Pati e durante o percurso aprecio várias formações rochosas impressionantes como o morro do Castelo que separa o Gerais do Vieira do Pati de Cima. Há também o morro do Mané Vitor e a Serra da Lapinha só pra citar algumas formações rochosas interessantes que se destacam nesta parte do Parque Nacional da Chapada Diamantina. Chegamos em Igrejinha ou Ruinha, antigo vilarejo do Vale, onde agora só resta uma pequena capela, a do Senhor do Bonfim, uma casa, uma vendinha e dois banheiros, comércio explorado por João, homem de seus 38 anos, filho de Seu Gasparino, que atende pelo apelido de Dodô ou Dô. Nos acomodamos na casa, uma construção pra lá de simples: uma peça grande onde num canto há um fogão de tijolos. É lá que Marivaldo prepara nossa janta, uma massa com legumes. Luz elétrica nem pensar, portanto, acendemos algumas velas. Seu Dô com seus passos lentos e gestos econômicos, evidenciando seus bens vividos 80 anos, traz os colchões e alguns cobertores que estendemos no chão de cimento. Após a janta, sento-me à soleira da porta e fico admirando o contorno das serras ao meu redor. Não quero mais nada da vida neste mágico momento, apenas viver e viver, precisa mais, hein?

segunda-feira, 5 de junho de 2006

Cachoeira do Rio Preto

A trilha, fácil e leve, demora uma hora e meia. A pequena cachoeira talvez não ultrapasse 4 metros de altura. Um passeio legalzinho, nada que te deixe em estado alfa de animação mas só o fato de eu estar no meio da natureza escutando os barulhinhos bons que ela irradia me deixa muito contente. Mergulho num dos poços e fico ali encostada numa rocha permitindo que os fortes jatos de água massageiem minhas costas. O geladinho da água no início causa um impacto mas logo logo eu começo a espadanar braços e pernas e paro de sentir frio. Fico boiando, barriga pra cima, sentindo-me em paz, afinal, estou de férias! Observo o vôo de alguns passarinhos traçando revoluteios elegantes pelo ar quando sinto algo atingindo minha bochecha esquerda; meio assustada passo a mão e constato que uma daquelas exibidas aves resolveu zoar com minha cara e lançou um petardo sobre mim. Putz grila, era só o que me faltava nesta vida: metralhada por uma rajada de merda. Entretanto, logo trato de me consolar, pois imagino que se fosse uma águia ou qualquer outro pássaro de porte igualmente avantajado, eu poderia até ter afundado, já pensaram?! Saio da água resmungando com o despudor daquela passarada. Estiro-me ao sol no lajedo e curto as nuvens desfilarem pelo azul do céu embalada pelo barulhinho da água escorrendo entre as pedras. Acordo com a voz de Marivaldo me convidando pra fazer um lanche. Saboreio com prazer o sanduíche enquanto meus olhos apreciam a tonalidade cor de topázio da água do rio. De volta à pousada, faço uma parada no balcão do barzinho que dá pro jardim. Sento em um dos banquinhos de madeira enquanto Iuri prepara um expresso pra mim. Sempre há um som legal rolando e uma conversa amena. Risadas de alguma bobagem dita não sei se por Marivaldo ou por Iuri competem com a voz de Alceu Valença cantando Morena Tropicana. Quando a noite cai, saio pra jantar e escolho entre as duas pizzarias existentes na Vila, a do Thomas, um suíço que, em visita ao Brasil, se apaixonou pelo lugar e aquerenciou-se em definitivo aqui. O restaurante que se situa em frente à praça de São Sebastião tem, além de duas salas, um alpendre no quintal situado nos fundos da casa onde estão dispostas mesas feitas de pedra rosada, tudo bem rústico. A iluminação é indireta criando um clima de aconchego no ambiente. Um forno redondo de barro assa a pizza em poucos minutos. No cardápio reduzidíssimo, há somente dois sabores, um salgado e outro doce, este com cobertura de banana, gergelim, nozes e castanhas. As pizzas são bem feitas e a massa, fininha, é bem crocante. O suco, de maracujá, é feito na hora, extraído da fruta que cresce nas árvores plantadas no quintal. Tudo muito caseiro, descontraído. O atendimento, gentil, é feita por uma moça magra, de traços delicados com aquele jeito de falar manso e sem pressa, tão característico do povo do nordeste. Peço a conta e verifico que o preço, bem razoável, não desafina com a singeleza do lugar. Mesmo cansada, dou uma banda pela vila e sigo por uma rua iluminada por um único poste de luz. Depois, somente o cintilar contínuo dos pirilampos torna-se a única referência visível já que o céu bastante nublado esconde o clarão da lua. Percebo aqui e ali pequenos fachos luminosos que indicam a existência de algumas casas mal e mal percebidas na escuridão. Firmo a vista e distingo enfim as janelas e porta de uma delas. Engraçado como o escuro modifica em muito a percepção dos objetos; exatamente porque mal se os distingue, a gente se assuste tanto com a noite. Como não fujo à regra do comum dos mortais, volto rapidinho pra pousada. Vá que salte do mato um lobisomem ou uma mula sem cabeça .... eu, hein?!

domingo, 4 de junho de 2006

Cachoeira da Fumaça

Acordo e vou ao refeitório onde me espera um arretado café da manhã cheio de gostosuras: mingau (o de tapioca com côco é uma delícia), mandioca cozida, banana com granola, frutas, sucos, o de goiaba direto da árvore plantada no jardim da pousada, frutas, um pãozinho assado na hora. De tão quentinho, derrete a manteiga, além de mel e queijo. Com tal sustância vai ser moleza encarar a caminhada até a Cachoeira da Fumaça, pois ontem Marivaldo me alertou que se trata de um ascenso íngreme com duração em torno de duas horas. E lá vou eu admirando os campos rupestres que vem a ser a vegetação predominante nas áreas pedregosas das serras, composta basicamente de ervas e arbustos de pequena estatura devido a um solo ácido e pobre em nutrientes orgânicos. A topografia acidentada apresenta grandes blocos de rochas areníticas e conglomerados de pedras calçando o terreno onde cresce a vegetação de forma descontínua. Admiro, enquanto vou subindo, várias espécies de orquídeas quando então chego na famosa cachoeira cuja altura atinge 380 metros. Chamam-na assim os nativos porque o vento dispersa a água que escorre pelos paredões alcantilados espalhando as gotículas em várias direções e tornando o ar meio brumoso. Quem se posiciona a sua frente é inevitavelmente atingido pela aspersão da água. Sabedora desse fato, uma turma de turistas estrangeiros veste coloridas capas de chuva enquanto fica tirando fotos e apreciando a portentosa queda d’água (cheguei à conclusão que essa gente é muito precavida, preferem carregar de tudo um pouco a passar qualquer dessabor). Bueno, na verdade eu já vi tanta cachoeira em minha vida que esta apesar de bem alta não me impressiona lá muito, não. Não é a altura que me chama a atenção nas cachus e sim o modo como as rochas se dispõem umas sobre as outras formando interessantes degraus no relevo. Ficamos um bom tempo lá em cima curtindo os Morros do Camelo e do Pai Inácio. Quando retorno à vila já são 16 horas. Como na pousada só servem café da manhã, me informo com Iuri, filho de Silvia, sobre os lugares legais onde posso comer, escolhendo então o restaurante de Dona Beli, localizado na rua principal. Como a maioria dos estabelecimentos comerciais, trata-se duma casa onde mora a família e em cuja sala da frente servem refeições. A comida tipicamente caseira não apresenta grande variação no cardápio porém é bem feitinha. Janto uma salada de tomates com alface mais pepino, arroz, feijão verde, farofa de cenoura e galinha com açafrão. Dos três dias em que lá comi, a comida servida foi basicamente a mesma. Mais do que da comida gostei foi do astral, porque as pessoas da casa vinham assistir à tv colocada num canto da sala, sentando-se do outro lado da mesa onde eu me encontrava. Se eu não tivesse falado com elas teriam permanecidas quietas assistindo à novela.  Apenas um comentário que outro, em voz sussurrante durante os intervalos, calando-se entretanto quando o programa retorna dos comerciais. Como não gosto de comer sozinha, adorei, aproveitando pra puxar conversa com as filhas de Dona Beli, umas mocinhas encabuladas e gentis.

sábado, 3 de junho de 2006

Chegada na Vila do Capão

Nestas férias, vou conhecer a Chapada Diamantina, localizada na Bahia. São várias as cidades que se situam no entorno do Parque Nacional da Chapada Diamantina: Lençóis, Mucugê, Andaraí, Itaetê, Ibicoara, Igatu e Palmeiras. Escolho, entretanto, um distrito desta última, a Vila de Caeté Açu ou do Capão, situada no Vale do Capão, já dentro do parque, cuja população alcança mais ou menos 2.000 habitantes. Foi durante décadas a Vila do Capão o centro provedor de café, bananas e serviços para os garimpeiros que trabalhavam nas serras próximas, cujo auge da atividade de mineração ocorreu entre os anos 1920 a 1930. A comunicação, na época, se dava principalmente pela trilha calçada de pedras Guiné-Volta da Serra-Sitio Novo-Capão-Lençóis; os tropeiros asseguravam a circulação das mercadorias numa direção Norte-Sul, partindo de Minas Gerais até Juazeiro. Após o apogeu do ciclo do garimpo de diamante, a Vila do Capão entrou em declínio, retomando o crescimento, a partir de 1990, com o incremento turístico da região. Bueno, chego em Salvador numa sexta-feira à noite e, às 07:00 do dia seguinte, embarco no ônibus da empresa Real Expresso, numa viagem cansativa com paradas em rodoviárias de diversas cidades, desembarcando às 14:30 em Palmeiras, localidade feia e sem maiores atrativos. Sou obrigada a fretar um carro pois não há transporte público regular até a Vila do Capão, distante 29 km. Assim embarco na Rural Williams cujo proprietário, o Zé Augusto, embora simpático, não baixa os salgados R$ 40,00 cobrados. E lá vamos nós sacolejando através da lastimável estradinha esburacada jogando conversa fora. Zé, apesar de sua baianice, não sabe bem o motivo de torcer pelo gaúcho Internacional, cujo emblema enfeita o pára-brisa de sua camionete. Eu já havia escolhido pela internete a pousada onde ficaria hospedada e o lugar, chamado sugestivamente Pé no Mato, não me desaponta. Sou muito bem recebida pela dona, a Silvia, uma baiana extrovertida e dinâmica, que logo me deixa super à vontade. A pousada apesar de simples tem um astral muito acolhedor. Sou acomodada num quarto amplo com banheiro privativo, além duma pequena varanda onde está pendurada uma convidativa rede. Há quartos mais simples com diárias mais em conta (a minha custou 50 reais porque fui na baixa temporada e havia pouquíssimos hóspedes) e acomodações com beliches pra 4 pessoas e banheiro coletivo. Neste dia, o da chegada, dou uma breve caminhada pela vila circundada por altos morros cobertos de vegetação. A estrada que vem de Palmeiras torna-se a rua principal, a única revestida com pedras de granito, chamada rua do Folga; as demais são de terra batida. É um lugarejo pequeno com coloridas casas de alvenaria, de meia água. Nos batentes de algumas janelas, são exibidas pencas de bananas, vendidas a quilo ou por unidade. À tardinha, as famílias costumam sentar-se às soleiras de suas portas batendo papo entre si ou com seus vizinhos. O lugar mais importante da cidade é a praça, um quadrilátero fincado no meio da vila, onde acontecem todos eventos de destaque como o semanal mercado domingueiro em que são vendidos frutas, legumes, hortaliças e até roupas, bem como exposição de artesanato de vários artistas locais, shows de forrós e as famosas festas juninas. Em um dos cantos da praça, sobressai o bar Flamboyam (escrito assim mesmo) considerado o point do vilarejo. É um espaçoso lugar com dois ambientes simples revestidos de lajotas: no da frente, um balcão e uma tv pendurada num canto da parede onde em dias de jogos de futebol muitos homens se reúnem pra beber cerveja e assistir às partidas. Na outra sala, a atração são as mesas de sinuca muito procuradas pelos habitantes da vila que gastam seu tempo ocioso em intermináveis e disputadas partidas. Em certas noites de fim de semana esta sala transforma-se em boate e o arrasta-pé rola até altas horas. Mesas e banquinhos de cimento na calçada completam os confortos que o bar oferece a seus clientes. No cardápio, diversos quitutes de aparência tentadora. Provei e aprovei o bolinho de queijo, bem gostosinho. Num recuo da praça, situa-se a igrejinha pintada de um azul anilina meio desbotado pelo tempo. A noite cai sobre a vila e, no céu cintilante de estrelas, uma lua crescente já bem gordinha se destaca. Isso por si só já teria bastado pra me deixar totalmente feliz quando então vislumbro, encantada, miríades de grandotes pirilampos como até então nunca vira, tornando mais iluminada a noite escura. Quando volto de minha breve incursão pelos arredores do vilarejo, sou apresentada ao meu guia, o Marivaldo, uma mistura bem brasileira de português e índio, fala mansa, de pouca conversa. Batemos um breve papo e combinamos então os passeios que farei durante minha permanência na vila.