sábado, 31 de dezembro de 2011

No reino de Joia!

Choveu a noite inteira e ainda chove agora de manhã motivo por que todos continuam em suas “camas” até 10 horas! Ah.....dia chuvoso rima com preguiçoso, pois favorece demais a indolência. Como a pernada do dia é de pouca monta, continuamos deitados um bom tempo mesmo após acordar. Próxima de Carol e André - meu saco de dormir está colado à barraca do casal – tagarelo ora com um ora com outro. Sou irritantemente animada desde que acordo. De Dmitri, com a cabeça coberta inteiramente pelo saco de dormir, Marcelo e Vini não se ouve um pio sequer. Tem importância, não! Falo pelos três, sem esforço algum. Fazer as despesas da conversa é comigo mesma, hehe. O mingau de aveia, no desjejum, é tudo de bom ainda mais quando acompanhado com salada de frutas, mel, canela e granola. É uma bomba energética que enche a pancinha por horas e horas!! Sem pressa, todos arrumam suas mochilas, sabedores de que o dia vai ser light. Depois duma última olhada pra ver se nada foi esquecido, nos despedimos da toca e seguimos em frente porque atrás vem gente. Gente que nem se percebe, por supuesto! Assim, um séquito curioso de seres pertencentes a outras dimensões nos seguem. Duendes....gnomos....quem sabe? O que os olhos não vêem, o coração sente, não é mesmo? O leito do Guariba espuma e transborda de tão cheio, tomando conta, por completo, das margens suas turbulentas águas. Sem uma nesga de terra seca pra se caminhar, tendo de lidar com uma puta duma correnteza, mais a temível possibilidade do surgimento duma tromba d’água que, com certeza, nos levaria de roldão rio abaixo, a travessura do dia – adentrar as entranhas do Guariba - resta abortada. Fico chateada, é claro, mas me consolo por ter conhecido sua magnífica embocadura, que se prolonga ao longo da estreita e escura garganta, sinalizada pelos grandiosos paredões rochosos. Pensando bem, presenciar as forças indomáveis da natureza, materializadas no chuvaral que transformou o leito pacífico do Guariba nesse caudal frenético, não tem preço! E deixo correr solta, através da minha imaginação, a descrição feita por Dmitri do interior desse pequeno e charmoso canyon. De como se alarga, depois de 3 horas de caminhada leito acima, revelando um cachoeirão que despenca pelo seu paredão direito, retomando, novamente, sua vocação estreita. É....vou ter de regressar!! Quero checar com meus próprios olhos o cenário descrito por Dmitri. Reunidos à beira do Guariba, traçamos uma estratégia pra atravessar um curto trecho do rio onde não há outro jeito senão o de entrar em suas águas e peitar a turbulenta correnteza. Assim, necessário se faz contornar o gigantesco pilar esquerdo, um dos dois guardiões da boca do Guariba, a fim de alcançar a trilha que nos conduzirá, então, à pousada onde iremos pernoitar. Ultrapassado o crux do dia, molhados que nem peixes, penetramos na exuberante mata de galeria, úmida e sombria, percorrendo o carreiro aberto desde tempos imemoriais, quiçá, por bandeirantes e escravos fujões. Pontuada por arroios e pequenas cascatinhas, com pedras cobertas de limo cuja textura aveludada agrada tanto ao tato, a trilha revela insetos coloridos e joaninhas pousadas nas folhas dos arbustos. Não dá outra, paro para clicá-los. Sem maiores complicações, exceto alguns vara-matos que surgem pra embaraçar o caminho – cá entre nós, um perrenguinho até que é bom, hein? - a trilha é tri fácil, exigindo nem esforço físico sequer muita atenção. A coloração do Pati, em certos trechos, é despudoradamente linda! A tonalidade de topázio amarelo-avermelhado de suas águas cria um contraste espetacular com o verde da vegetação. Perto de nosso destino, visualizo com nitidez, à esquerda de quem sobe o Pati, os paredões das serras da Cotiguiba e do Sobradinho, fazendo-lhes frente a muralha rochosa da serra do Ramalho. Ali foi escavada a ladeira do Império, única via de acesso à Andaraí. Acalorados, resolvemos nos refrescar num dos inúmeros e encantadores poços que o Pati tem a oferecer. Claro está que aproveitamos a pausa e dale a mastigar qualquer coisa. Nem que sejam barras de cereais, hehe. Ao que me consta, ninguém tem vocação pra virar faquir! Às 4 da tarde, aportamos no terreiro da casa de seu Jóia, proprietário da pousada do Império, nossa querência durante 2 dias. Infelizmente, a figura mais o filho foram curtir o réveillon em Andaraí, deixando Dª Edileuza como única anfitriã. E a esposa de seu Jóia, uma magrinha de cara enfezada, tá com aqueles beiços!! Também pudera, né?! Conheço, enfim, a tão falada Sara, sempre na ponta da língua de Dmitri. A soteropolitana, dona de olhos verdes e fala mansa, veio ao encontro de seu namorado pra com ele festejar o ano novo. Dmitri não cabe em si de contente ao rever sua bem-amada. Nossa pousada é uma singela casa de alvenaria com 5 ou 6 quartos e dois banheiros. Luz elétrica? Faz-me rir!! Na casa de seu Joia, o acesso ao fogão a lenha é liberado aos guias. Assim, ali, podem eles cozinhar as refeições de seus clientes trocando ideias com os donos da casa. Dmitri some de nossas vistas e Sara informa que ele está preparando nossa ceia. Com jeito, já que Dª Edileuza continua de cara amarrada, assunto se não tem ela, por ventura, em algum cantinho de sua casa, uma pinguinha dando sopa. Ela some dentro de casa e me entrega ½ garrafa de Abaíra. Eita mulher de fé!! Com limões colhidos diretos dos galhos de um dos vários limoeiros plantados ao redor da pousada, faço aquela caipirinha, drinque em que, modéstia, à parte, sou especialista. E bem na hora do ângelus, abrimos os trabalhos, brindando, solenemente, ao último tragoléu de 2011. Sentada no terreiro, olho pro céu, constato que sua cor permanece inalterável: cinzenta desde que acordei. Pousam, vez por outra numa mangueira, saíras de diversas colorações, respingando de azul, vermelho, amarelo e verde os galhos da árvore. Depois da janta, uma suculenta lasanha à bolonhesa, ficamos bebericando um Concha y Toro ao ar livre. Que virada de ano! Fogos de artifício pra quê, se miríades de pirilampos passam aos borbotões, de lá pra cá, iluminando o breu da noite! E que venga 2012!! Estou prontita, hahaha!!

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Portais do Guariba

Comentam meus companheiros enquanto tomamos café que a chuva se manteve firme e forte durante toda a noite. Andre por exemplo, não pregou olho, observando o nível da água do rio Pati, enquanto Carolita, coitada, se cagou de medo observando os poderosos relâmpagos rasgarem de branco a escuridão noturna. Deve ter sido um espetáculo. E eu não ouvi e nem vi nada....merda!!! Dormi que nem uma pedra. Tri de bom o café da manhã feito por nosso mestre-cuca Dmitri: mingau de aveia, salada de frutas, mel, queijo, bolo, granola, capucino e chá de abacaxi. Ala putcha, vou acabar saindo com uns quilos a mais dessa pernada. Conversando com o caçulo do grupo, Vini, saco, inobstante sua tenra idade – apenas 25 aninhos – uma genuína preocupação com seu crescimento espiritual. Tranqüilo, percebo só agora, conversando com ele, que seus olhos são azuis. Nuvens encobrem o paredão oeste deste que, decididamente, é um canyon – modesto – pero canyon do Pati. O rio, com águas tranqüilas até ontem, hoje se apresenta agitado, escorrendo nervosamente por entre as pedras que recobrem seu leito. Tanto assim que o poço, diante da toca do Paredão, exibe não mais sua habitual coloração escura e sim uma espuma branca, resultado de tanta turbulência. Após uma caminhada pela margem direita do Pati, coisa duma hora e 30 minutos, lutando contra os detestáveis tamboris, arbustos que se embaraçam no cabelo e nas cordinhas das mochilas, fazemos uma parada porque não dá pra resistir a um refrescante tchimbum. E nos jogamos felizes da vida num poço onde jorram as águas duma minicascatinha. Espuma amarelada flutua na superfície d'água à semelhança de merengue caramelado. Dois enormes blocos de rocha caídos dentro do rio represam a água que escorre com força pelo brete rochoso. Calhandras brancas dão um toque alvo entre as pedras escurecidas pelo limo. O dia amanheceu e permanece nublado salvo por alguns claros azulados no céu que, infelizmente, duram pouco. Ao longo das margens, espessa vegetação, característica de mata ciliar. Em certos trechos, os altos paredões do canyon se estreitam de modo a transmitir certa sensação de confinamento. É tudo tão grandioso que meu coração bate acelerado de alegria e gratidão por eu poder apreciar tanta beleza!! Percebo que o largo sorriso de Marcelo, meu carregador, já não é tão radioso. Pergunto se está cansado. Ele assente com uma careta. Coitado, não é fácil carregar mochila cargueira pesando 25 kg nos costados! Sinto pena, mas fazer o quê, né? Alguém tem de fazer o trabalho duro! O Castelo se faz mais perceptível no fundo do vale, conforme subimos mais e mais o Pati. Por questões logísticas, somos obrigados a cruzar pra margem esquerda do Pati, enfrentando, assim, grandes blocos de pedra nesta travessia. Deu certa mão de obra, podem crer, porque eu, cujas pernuchas são curtas, não consigo dar pulos muito ousados quando a distância entre uma pedra e outra é larga! Meus companheiros, todos altos, pularam que nem cabritos, mesmo aqueles que carregavam mochilas pesadas. Ala putcha, até fiquei com inveja de tanta destreza. Durante um bom tempo, andamos dentro da mata de modo a evitar caminhar dentro d’água cuja margem, atravancada por altos rochedos, sem sombra de dúvida, é enrosco certo! De qualquer forma, temos de enfrentar algumas pequenas pirambas que exigem escalaminhadas e desescalaminhadas. O cheiro de terra úmida é uma delícia, melhor que qualquer perfume francês, com certeza!! Adoro tudo isso!! Quando voltamos a caminhar rente à margem do Pati, somos espectadores dum pequeno drama. Uma irara adulta, arrastando seu longo rabo peludo, está no meio do rio, tentando cruzá-lo. A coitada falha ao pular duma pedra pra outra. Recua e pula pra outra – parece jogo de amarelinha, por deus! – onde se queda observando por um tempo os obstáculos, até que, enfim, com um ágil pulo o animal finalmente consegue completar sua travessia. Ufa!! Começa a chover bem miudinho no meio da tarde, o que demanda mais cuidado em pular as pedras porque se tornam bem resvaladiças. Dmitri, ao encontrar uma pequena jararaca toda enrodilhadinha, chama nossa atenção. Nós todos paramos pra observar a serpente que, ao perceber aquele bando falando excitado, se escafede veloz sob um vão de rocha. O casal de escaladores comenta que não imaginava fosse tão dura a travessia. Estão sentindo a pernada porque uma coisa é trepar em pedras e outra caminhar sobre leito de rio e enfrentar vara-mato! Eu que o diga, afinal, durante três anos fiz canionismo em Praia Grande, sul de Santa Catarina, e sei muito bem o que penei naqueles grandiosos canyones! Dmitri quando percebe que o cansaço já está tomando conta do grupo, propõe que se acampe numa prainha. O veredito, apesar do cansaço, é unânime: preferimos dormir na toca do Guariba e fim de papo! Após uma caminhada de uma hora que dá a impressão de durar o dobro, alcançamos, aleluia, o ponto em que as águas do Guariba desembocam nas do Pati. Fico pasma quando me deparo com duas colossais e altas muralhas postadas uma em cada margem do rio. Olha, qualquer coisa de impressionante, grandioso e imponente é este pórtico rochoso que marca a entrada no Guariba! Surreal!! Pra alcançar a toca, temos de realizar duas travessias, uma no Pati e outra no Guariba, travessias estas feitas com um quezinho de tensão já que os dois rios estão bombaduchos. Adoro tal tipo de perrengue, curto sentir frio na barriga. Tô começando a achar que viciei nesta tal de adrenalina, tá ligado? Enfim, já em segurança na toca onde vamos pernoitar, o relógio marca exatas 19 horas. É....foi um longo dia, realmente! A toca, localizada na margem esquerda do Guariba, na beira duma cerrada mata atlântica, pequena e úmida, é muito inferior em conforto à do Paredão. Mas tudo na vida tem suas compensações, ulálá!! Não é que os guris dão com uma garrafa de cachaça? E das boas, hahaha. Nada mais nada menos que a famosa Abaíra. Provavelmente deixada por algum caçador ou garimpeiro que costuma pernoitar em suas andanças pela região. Nos controlamos pra não secar a garrafa e concordamos em deixar um tantinho da pinga pro próximo morador da toca. Vini, Andre e Carolita preferem armar suas barracas, ao passo que eu, Marcelo e Dmitri, bem básicos, estendemos os isolantes e nos enfiamos em nossos sacos de dormir. Graças ao bivaque, posso curtir antes de dormir pirilampos fazendo footing diante de meus olhos e um céu estrelado brilhando por entre a espessa copa das árvores. Vidinha mais ou menos, né? Hahahaha!!!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

Saltando de pedra em pedra

Na manhã ensolarada que paira sobre a pitoresca Igatu, junto-me ao grupo com que vou conviver durante 4 dias. Assim conheço o casal Andre e Carol, paranaenses, que deram um pit stop em suas atividades profissionais pra se aventurar numa climb trip. Daí o motivo de há 4 meses estarem carcando a sapatilha em alguns points clássicos de vias esportivas e de boulders, encontradas em São Paulo, Minas e agora Chapada Diamantina. O quarto membro do grupo, Vinicius, o mais jovem dentre nós, um descolado paulista, dono dum hostal em Sampa, é adepto de práticas espirituais alternativas, dentre elas o xamanismo. Além de Dmitri, nosso guia, faz parte do staff, Marcelo. Quieto, este paulista, radicado na Bahia desde tenra idade, está quebrando um galho pra Dmitri de quem é amigo, servindo de "mula" pra mim. Saímos de Igatu às 9 e 30, contemplando um céu azul onde pairam aqui e acolá nuvens cuja aparência remete a gigantescas bolas de algodão. Chego a assobiar tão contente estou!! Também pudera, esta pernada me fará conhecer certos trechos da parte oriental da serra do Sincorá por onde desfila o sinuoso rio Pati. Ainda próximo a Igatu, Dmitri aponta tocas de diferentes tamanhos, resultado da ação de diversos agentes erosivos nos ásperos e escuros paredões rochosos espalhados ao longo do caminho. Usadas como moradias pelos garimpeiros durante a época áurea da extração de diamantes, ocorrida no século XIX, ainda hoje são usadas por ene motivos. E Dmitri não se fez de rogado quando, certa feita, passando por um período de vacas magras, tomou como residência uma dessas tocas. Aleluia àqueles que gozam de criatividade, são descolados e não temem ousar. Esses jamais se apertam, hehe!! Dentre as várias tocas, destaca-se a do Badega, circundada por um pequeno pomar plantado por este garimpeiro. Bromélias de linda coloração amarelada e paus de mocó, cujas flores brancas com miolo amarelo encantam pela perfeição de seu desenho, dão pinta na trilha. Claro que paro pra fotografá-las e, faceira, disparo cliques diantes delas. Nem me importo em ser deixada para trás pelo grupo que, com passo apurado, dispara sendero adiante. Ultrapassada a lapa do Angico ou do Lapão, graças às excelentes condições de visibilidade, é possível enxergar no fundão do vale do Pati, à esquerda, a imponente formação rochosa do Castelo. O rio Paraguaçu, devido à distância, mais parece um escuro risco tão estreito se revela. Muito tri esse fenômeno da perspectiva. Cria maravilhosas ilusões de óticas, distorcendo abusiva e despudoradamente os objetos observados. Tenho assim uma excelente panorâmica desta serpenteante língua líquida rumo ao seu inexorável deságüe na baía de Todos os Santos. A vocação diamantífera da região resta comprovada quando, ao percorrermos um trecho de mato, exsurgem do solo milhares de pedacinhos de quartzo branco brilhando à luz do sol. Uma subida atravessando campos rupestres nos deixa no topo da rampa do Caim. É o momento cascudo do dia, segundo Dmitri. Cuida-se duma descida duns 3 km. Baixamos sem pressa, parando algumas vezes pra fotografar e curtir o visu do rio Paraguaçu e adjacências, motivo por que demoramos quase 2 horas pra percorrê-la. A trilha, atravancada de arbustos, capinzal, bromélias e pedras, que formam altos desníveis, exige algumas desescalaminhadas. Necessária certa cautela de modo a não se escorregar ladeira abaixo. A rampa do Caim finda na margem direita do rio Paraguaçu onde chegamos às 14 e 30. Todos se jogam na água com entusiasmo. Afinal, quem resiste, depois desse baita esforço físico sob um sol inclemente, em limpar o sal e o suor que deixa melado todo o corpo, não é mesmo? Devidamente refrescados, devoramos os super sandus de queijo, salame, alface, cenoura e azeitona. Pra beber, sucos de caju e cajá. Após um descanso de quase 2 horas, reiniciamos a pernada. Confinados que estamos no leito do rio Paraguaçu, o cenário agora é outro: a trilha, percorrendo uma das margens do rio, a da direita, é despida de vegetação, onde predominam largos e claros lajedos de rocha sedimentar. Aderente ao calçado, a chance de escorregar neste tipo de pedra é mínima, o que facilita a beça o pula-pula entre elas quando cruzamos até a outra margem. Uma caminhada curta e eis a nossa frente o enrosco do Paraguaçu com o Pati. Damos um baibai pro Paragua, já que nossa meta é subir seu afluente. Crivado de pedras - algumas verdadeiros matacões - o leito estreito do Pati, delimitado por paredões cuja altura calculo em torno de 400 m, escava uma garganta por onde desfilam, serelepes, suas limpídas águas apesar da enganosa coloração escura. Em ambas margens, cresce espessa vegetação em que se destacam arbustos e árvores de médio porte. Uma caminhada duma hora e meia finda numa toca, situada na sua margem direita, o que nos obriga a atravessar o rio novamente. Clara e espaçosa, a toca do Paredão, como é conhecida, debruça-se sobre um grande poço onde mergulhamos pra nos refrescar após a agitada caminhada. A tarde já exibe um céu bem nublado, indicativo seguro de chuva na região. Todos são unânimes em bivacar porque a toca, suficientemente larga, nos abrigará folgadamente caso os prognósticos de chuvaral se confirmem no decorrer do período. Simplesmente, estendo meu saco de dormir sobre a pedra, escapando – ebaaa!! - da aborrecida tarefa de ter de armar barraca. Dmitri revela-se excelente cozinheiro e serve uma ceia supimpa!! Nada mais nada menos que estrogonofe de frango, batata palha, arroz e salada de alface, cenoura e beterraba raladas, tudo coroado por lustrosas e verdes azeitonas. De sobremesa, chocolate e cocada preta mole. Vidinha mais ou menos essa hein?!! Nem a chuva miúda que começou a cair no início da noite serviu pra abalar os ânimos. Fui dormir feliz da vida. Adoro bivaque quando estou num clima quente!! É tudo de bom! Muito melhor que ficar encerrada dentro duma barraca sem poder ver a luz das estrelas.

quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Uma barbada o Morro do Barbado

Bueno, às 8 e 15, após o café da manhã, encetamos uma subida constante pela estrada Real. Em certos sítios, largos degraus de pedras amareladas facilitam o acentuado ascenso. À esquerda, o paredão sul do morro do Barbado e à direita o do Elefante, cujo apelido assenta à perfeição! Nunca tinha visto tromba e orelhas de abano tão perfeitas, hehe! Atravessamos um trecho de mata, ensombrecido por densa vegetação, antes de alcançarmos o lugar conhecido como Forquilha da Serra, que como o nome indica trata-se dum vão entre os dois morros, por onde a estrada Real segue adiante. Mas nós dobramos numa trilha à esquerda. Um pouco de escalaminhada – ebaaa – cujo término – merdaaa – dá num pequeno vara-mato. Depois só alegria subindo um costão de largas lajes de pedra cuja aclividade suave termina no topo do Barbado....uma barbada, diga-se de passagem, a ascenção a este pico! Nas cercanias do cume, pobre em vegetação, destacam-se pequenos arbustos. De flores, interessantes mesmo, a xoxotinha de freira, maracujá de cobra cuja flor vermelha quebra a hegemônica brancura da outra espécie da fruta, um que outro ramalhete de begônias e, tremelicando ao vento, uma solitária orquídea oncidium. Já do topo, avisto nas bandas meridionais os picos do Itobira em sua faceta mais comum, a pontuda, assim como o das Almas, mais a sudoeste. A leste, o Morro do Elefante e um pouco mais adiante a serra do Cobre, bem como algumas elevações do Parque Nacional da Chapada Diamantina, que, entretanto, eu e Ed não conseguimos identificar. Um pequeno ajuntamento de casas no vale indica a presença de Catolés de Baixo, construída justamente aos pés da serra da Tromba. Embora seja o mais alto dos picos baianos, com seus 2.033 m, o Barbado foi o mais fácil de todos os três que subi! A pernada de 5 km até o cume não dura nem 3 horas. Quando chegamos na casa de seu Merquido, nos é oferecido um almoço com galinha, arroz e feijão. Com pena de partir, sem poder me despedir de Dª Maria, que fora a Catolés de Baixo comprar mantimentos na feira que se realiza, semanalmente, naquela localidade, eis ela e sua filha, carregadinhas de sacolas, descendo da carroceria dum caminhão. Após tirar várias fotos da família, que dócil e faceira, pousa pra mim, nos despedimos dessas pessoas encantadoras, deixando Catolés de Cima no meio da tarde. Durante o breve trajeto até Catolés de Baixo, impõe-se o tempo todo o imponente paredão oeste da serra da Tromba. Uma breve parada na vila, bem maior que Catolés de Cima, pra comprar esfihas no Ponto da Esfiha, cujo proprietário, seu Etelvino, também é o responsável pelos famosos quitutes árabes. Incrível como tem homem fazendo ranguinho nestas bandas da Chapada: Toinho dos Bolos, em Rio de Contas, seu Valdemar, no Quilombola da Barra com suas cocadas e agora o catolense! A serra da Tromba é um espetáculo! A extensa elevação arrasta-se por uns bons duns 5 km. Tanto que, em Ouro Verde, se avista sua estupenda muralha frontal, sucedida pelo paredão leste, coroado por sucessões de saliências que lembram a gigantesca cauda dum dinossauro. Após atravessarmos Ouro Verde, uma vila cujo único atrativo advém de estar situada aos pés da serra da Tromba, fazemos uma rápida parada em Abaíra onde compro uma garrafa da famosa cachaça de mesmo nome. Embora sede do município, a cidade é bem sem graça, com uma praça cujos atrativos são duas cafonas e gigantescas estátuas: uma garrafa de cachaça e um tonel de pinga. Já a próxima vila, João Correa, lembra Catolés de Baixo, com ruas arborizadas, igrejinha branca e azul e pessoas sentadas nas soleiras das portas. Discretamente charmosa. Ainda pertencente ao município de Abaíra, atravessamos uma biboca que faz jus ao nome, Brejo de Cima. Deixamos pra trás as subidas e descidas das estradas serranas e ingressamos numa estrada plana de terra avermelhada que corta os Campos Gerais até pegar asfalto que nos conduz a Mucugê. Nem paramos na encantadora cidade porque já são quase 9 da noite! Durante a longa viagem, o carro de Ed, uma Rural Willis 1968, motor Opala 1992, parou uma vez pra troca de botijão (simmm, o combustível não é GNV, não, e sim gás de botijão de 13 kg, hehe). No bagageiro do previdente Ed, afora 2 botijões de reserva, há um catatau de peças pra trocar caso ocorra alguma pane. O pachorrento guia não ultrapassa os 30 km/h quando roda no chão batido. Acelera um pouco mais no asfalto, não ultrapassando, porém, quase nunca os 60 km/h. Privilegia a segurança à velocidade, até porque se andar rápido demais o carro pifa, hehe. Conto isso pra explicar porque tendo a gente saído às 15 de Catolés de Cima, num percurso que não atinge 200 km, chegamos só às 21 e 45 em Igatu. Em chegando à encantadora vila, começa a peregrinação atrás de Dmitri, aquele que será meu guia a partir de amanhã, na travessia ao longo do rio Pati. Como o celular do jovem não atende, caindo sempre na caixa postal, tenho eu de ficar perguntando de casa em casa, como nos velhos tempos dantanho. Indaga dali, furunga acolá, descobrimos, finalmente, sua residência pero o guri deu uma saída. Deixo recado e nos tocamos, Ed e eu – estamos esfomeados - pruma pizaria cheia de estilo, situada na rua principal. Enquanto devoramos uma pizza super gostosa e bebericamos uma taça de vinho branco, eis que irrompe no recinto meu novo guia, uma figuraça de pessoa! Alto, magro e com cabelos até a cintura trançados em dread locks, gosto dele de cara! Carismático, fala abundantemente. Meu trekking no Pati promete....ebaaa!!

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

Vale da Tromba

Saímos da Lapa das Taquaras às 8 e 45 com leve cerração cobrindo os morros adjacentes. Uma pernada tranqüila, com suaves subidas e descidas, contornando o flanco direito da serra da Mesa. Um pouco mais abaixo, o rio das Taquaras cujas águas de lindíssima coloração amarelada faz com que eu lamente não ter uma máquina fotográfica mais sofisticada. Obteria cada foto! Começamos então a galgar a encosta sul da serra do Corvoão. Ed avisa que a subida é interminável. Qual o quê! Dura tão somente 25 minutos. Dou um desconto pro seu exagero, pois o bom baiano carrega nos costados mochila cujo peso alcança bem uns 20 kg! Já eu, levando uma pequena mochila, subo que nem uma gazela até o topo da serra, hehe. Sempre que obtém sinal em seu celular, Ed se comunica com a mulher, Adriana, que ficou tomando conta da agência de turismo em Rio de Contas. É o que dá ser homem de negócio hehe! Putz grila....tou pegando o tique de Ed que finaliza suas falas com he he....hehe!! Já nos altos do Corvoão, esparramados na paisagem do vale do Guarda Mó, eis a serra da Tromba, onde jaz a nascente do rio de Contas, a vila de Catolés de Baixo e o Pico do Cuscuz. Uns risquinhos brancos, em meio ao verde da paisagem, sinalizam as estradas de chão batido existentes na região. A névoa cedeu lugar a uma ensolarada manhã, embalada por uma leve aragem. Enquanto a subida foi só alegria, a descida do Corvoão só dá trabalho. Cascuda pra caramba, principalmente, na parte final, quando já se está quase chegando no vale do Guarda Mó. Não à-toa, levamos 45 minutos descendo o - bota íngreme nisso - declive. Uma parada prum lanchinho é o que basta pra restaurar as energias gastas. Mas o tempo urge e toca a descer a perrenguenta ladeira crivada de pedras e sulcos profundos. Enfim, uma senhora piramba como há muito não via! Minha ociosa cabeça se põe a imaginar como será o ascenso deste trecho, hehe. A descida termina numa vara-mato até finalmente desembocarmos na estrada que leva a Catolés de Cima. Ed explica que catolé vem a ser um tipo de palmeira bem comum na região, daí o motivo por que as duas vilas receberam tal denominação. Quando passamos por uma casinha de adobe, um senhor à janela nos cumprimenta. É seu Zé do Beraldo, garimpeiro que nos convida insistentemente a entrar em sua casa. Quando pergunto seu nome todo, ele, escarrapachado sobre o couro de zebu que estendeu no chão de terra batida de seu rancho, declara: “José Antonio de Souza (pausa), como no documento”. Generosamente hospitaleiro, oferece de tudo que há em sua despensa. Aceito e não me arrependo porque o almoço, um arrozinho misturado com batata doce, mais feijão e carne assada, é tudo de bom de delicioso. Até sobremesa tem! Uma rapadura supimpa. Pra arrematar a comilança, um café coadinho na hora, moído por sua esposa, Dª Bebé. Seu Zé frisa com orgulho que a bebida é produto do cafezal plantado nas traseiras da humilde casinhola de 2 peças. A plantação "é só pra beber", explica ele quando indagado se a comercializa. Ed tira uma soneca enquanto eu e o simpático catolense conversamos bem animados, ou melhor, ele contando seus causos e eu escutando. Adora rememorar seu tempo no garimpo. Salta aos olhos como está genuinamente contente por ter uma platéia pra escutá-lo. Desapressado, proseia com gosto, pausando as frases, como todo bom contador de estórias que se preze. As 3 horas que ficamos em sua casa passaram voando! Já sentindo saudades, despeço-me do bom homem. Afetuoso, Seu Zé faz questão de nos acompanhar um pedaço, deitando uma falação gostosa, até que cada um segue seu rumo. Ele retornando a sua casa, e nós visitando uma tal de cachoeira do Guarda Mó. A queda d’água, super sem graça, faz com que nem esquentemos assento nas pedras. Tratamos de sair dali rapidinho, continuando nossa caminhada. Arrodeando o Morro do Cuscuz, chegamos a Catolés de Cima, vilarejo com uma comprida rua principal, situado aos pés dos morros do Elefante e do Barbado. O primeiro, graças à rala vegetação que cobre suas encostas, deixa exposta a bela coloração avermelhada da rocha. Já o segundo, assim é chamado por causa dos bugios que habitam suas matas. Chegamos finalmente à casa de seu Melquíades. Construída em frente ao imponente pico das Brenhas, situa-se pertinho da trilha que dá acesso ao pico do Barbado. Seu Merquido como é conhecido, é tio de Adriana, mulher de Ed. Ele e Dª Maria, sua esposa, não permitem que acampemos no terreiro de sua casa caiada de branco, cujas janelas, sem vidro, são protegidas por duas folhas de madeira pintadas de verniz escuro. A afável anfitriã põe a minha disposição um quarto, de modo que troco o saco de dormir pelo conforto duma cama forrada com cheirosos lençóis estampados. Enquanto alongo na sala de visitas, a tevê repete interminavelmente um CD com fotos de jovens amigas dum dos filhos que mora em São Paulo. De férias, o rapaz não sabe bem o que fazer de seu tempo livre, já que o lugarejo é desprovido de grandes atrativos. Depois do sopão de pacote que Ed fez pra nós ontem à noite, um ranguinho de verdade, cozido em fogão a lenha, é muito bem-vindo! O céu estrelado, onde brilha o tímido crescente duma lua que ficará cheia daqui a um par de dias, prenuncia bom tempo amanhã. E já deitada em minha caminha, escuto zumbido algum de mosquito....ebaaa!!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

Pico do Itobira

Hoje tem início o trek de 3 dias que farei pra conhecer os outros 2 picos mais altos da Bahia. Assim, despeço-me de Ninha e Anfilófio, conhecido como Filó, dono da pousada Rio de Contas. Mais uma vez a valorosa Rural percorre a estrada que leva a Mato Grosso, quebrando, entretanto, à esquerda em direção à Fazendola, vilarejo com meia dúzia de casas de adobe por onde passamos. Em Kaiombola, outra vilazinha cujos moradores pertencem a uma mesma família, Ed deixa o carro com seu irmão que levará o veículo até Catolés de Cima ponto final de nossa caminhada. Aliás Ed é casado com um membro do clã, a jovem Adriana com quem tem uma filha, Sara, um bebê de 6 meses.  Às 10 e 45 tem início a pernada. O dia bem ensolarado permite que já se aviste nitidamente o Pico Itobira. Após uma subida bem áspera – ainda bem que são só 20 minutos - num costão de pura pedra, vislumbra-se o vale do Camburu lá embaixo e a frente o pico surge mostrando uma face arredondada. Nossa direção é norte e nos encontramos a uma altitude de 1.940 m. O dia lindo, calorzão manero, céu azul com fofésimas nuvens brancas espalhadas ao léu, aqui e acolá. Depois da subida cascuda, uma descida duns 15 minutos até um riacho onde paramos brevemente pra recuperar o fôlego. Campos de microliceas rosadas duns 2 metros de altura compensam uma outra subida por uma trilha que conduz até a base da parede. Deixamos nossas mochilas amoitadas. Pra que levar peso se vamos voltar pelo mesmo caminho, não é mesmo? Mais uma subida, of course, porque afinal, vamos conhecer o topo do Itobira. Subida gostosa com algumas pequenas escalaminhadas até o cume cuja vegetação é diferente da do Pico das Almas e muito mais interessante. Muitas plantas que em não sendo flores lembram rosas embora sua coloração seja verde. Microliceas amarelas, calhandras brancas, orquídeas, enfim, uma variedade de flores estupendas. Pra se alcançar o topo, uma rocha que se eleva a 4 m do solo, uma pequena escalada é necessária. Ed me dá uma ajuda e eis eu lá em cima desfrutando aquele cenário com Rio de Contas ao sul, Pico das Almas a oeste e Barbados ao norte, sem contar uma infinidade doutras elevações como o lindo morro do Silvanos que se esparrama diante de meus olhos. Um cercado de pedras com uma forma ovalada evidencia que por aqui os Imutáveis (uma galera que curte esoterismo e sobe os picos vestidos de branco) vêm celebrar seus rituais. Descemos do topo e temos pela frente uma boa duma subida seguida duma descida até um córrego. À medida que vamos rodeando o Itobira vou visualizando suas diversas faces: a redondez da face oeste lembra um panetone, já quem se encontra em Rio de Contas avista-o com uma feição pontuda. A leste, novamente vejo Itobira arredondado mas não como um bloco único pero fracionado em duas elevações; por fim, a cara nordeste mostra um super paredão dominando a paisagem. Lindo demais esse ângulo do Itobira! Os indefectíveis pepalantos pontuam de branco a trilha. Não sou partidária de escutar música enquanto caminho, prefiro mil vezes ter como trilha sonora o gorgeio de pássaros e o barulhinho bom da água dos riachos escorrendo por seus pedregosos leitos. Ah, e claro o zumbido dos famigerados pernilongos que zunem ao redor de meu corpo. Num córrego onde paramos pra encher os cantis, Ed me avisa que tem uma jararaca atrás de mim. E a danada tá mirando minha bunda, uai. Subidas e descidas em terreno pedregoso se sucedem alternadamente. Pra finalizar pernada tão gostosa, após o último aclive do dia, bem curto, eis a Lapa das Mutucas ou das Taquaras, lugar onde pernoitaremos. Ainda é dia claro porque nem 18 horas são. Até que caminhamos bem, considerando que a distância percorrida é de mais ou menos 15 km. Resolvemos nem armar as barracas, estendendo sobre a palha que se encontra no chão da gruta nossos sacos de dormir. Ed acende fogo num improvisado fogão de pedra já existente, feito provavelmente pelos Imutáveis, onde aquece uma sopa de pacote cujo acompanhamento são bolachas salgadas porque o querido guia se esqueceu de trazer pão. “Luxuosíssima” ceia, hehe!! À noite, o tac tac dos besouros batendo suas asas e as estrelas brilhando na boca da lapa embalam meu sono. Um mocó passa perto donde estamos deitados quebrando o silêncio da gruta. Apesar de Ed ter ligado a lanterna não consegue dar um flagra no bicho...que pena!

domingo, 25 de dezembro de 2011

Travessia no Mocotó

Coalhado de gordas e esparsas nuvens brancas, assim se mostra o céu na Chapada Diamantina quase todos os dias nesta época do ano. Vez por outra nubla geral, o que é uma benção porque o calor não é de brincadeira durante o verão. O tempo hoje não se mostra diferente e lá vou euzinha conhecer um tal de rio Mocotó, situado adiante da comunidade de Mato Grosso. Pra tanto circulamos pela terceira vez ao longo da já manjada estradinha poeirenta que leva à pacata vila. Encontro seus moradores assando galinhas à beira da calçada já que passa em muito das 10 da matina. Um cheiro bom de comida paira no ar. Mais 7 km sacolejando na boa e velha Rural quando então iniciamos a pernada. Vão conosco, de carona, uma família de paulistas. O casal e dois filhos, uma guria de 9 anos e um guri duns 16. Uma caminhada tranqüila, coisa de 40 minutos, em terreno, praticamente, plano nos leva até o leito do rio Mocotó. Revestido por belas lajes avermelhadas apresenta duas belas quedas d’água. Enquanto a primeira consiste numa espalhada corredeira, a segunda é uma cascata onde a água despenca 7 m abaixo formando um bonito poço redondo cujas águas, apesar da coloração escura, são límpidas de dar gosto. Encho o cantil e tomo um bom gole. A caminhada me deixou sedenta. Embora convidada, a família recusa o convite pra conhecer a cachu da Lavra Velha, situada a 1 hora de caminhada. Até então fácil, a pernada começa a complicar, exigindo escalaminhadas e desescalaminhadas em vários matacões que obstruem as margens e o leito do rio. Adoro tudo isso. Segue-se então aquele pula pedras pra evitar molhar o pé, o que me faz lembrar a amarelinha, jogo que entreteve tanto minha infância. Diversas pequenas corredeiras e muito poço legal pra tomar banho. Torço pra que o sol inclemente seja toldado por alguma nuvem que navega sem rumo no céu. Entretanto, meu apelo não é atendido. A travessia prossegue leito abaixo e chego à conclusão que estou fazendo um canionismo sem rapéis, visto que as cachus não exigem corda pra serem descidas devido às suas modestas alturas. Quando faltam uns 30 minutos pra atingirmos a Lavra Velha falo pro Ed que quero voltar. Com uma dor já há alguns dias incomodando meu quadril direito, quero me poupar. Afinal, ainda tenho pela frente mais 8 dias de caminhada! Não será menos uma cachoeira em meu currículo que tornará ele menos rico, hehe. Alcançada a segunda cachu, estamos nós tomando aquele banhão, quando escutamos gritos. É a tal família que se perdera ao tentar voltar pro carro deles. Encontram-se no mesmo lugar onde o deixáramos os patetas. Ansiosíssimos, temiam que nós voltássemos por outro caminho, fantasiando toda sorte de desventuras, como dormir ao relento e serem atacados por índios...pode? Quem mencionou tal asneira foi a tal guriazinha que se revelou uma boa duma pentelha, dona duma voz irritantíssima. Um povo muito estressado e sem noção alguma de vida ao ar livre. Pra culminar, não se coçaram pra dar sequer uma gorjeta pro bom do Ed e, tampouco – pasmem! -, sequer um singelo agradecimento ao meu guia que os conduziu de graça! Na passada por Mato Grosso, paramos no restaurante cujos proprietários vêm a ser o genro e a filha de Dª Gerolinda. Além das coxinhas, provo, ainda, uma farofa com carne seca. Delícia de quitutes, ainda mais quando vêm acompanhados com suco de açaí! Com as pancinhas ocupadas em digerir tamanho rega-bofe, retornamos felizes da vida, eu e Ed pra Rio de Contas. Depois do meu tradicional alongamento, duma relaxante ducha mais um dedo de prosa com Josenilda, vou, é claro, bater ponto na cafeteria de Moi. Encomendado, de véspera, lá me aguarda a kenga, um prato típico da região. Assim, quando chego pra jantar, encontro, posta na calçada, a mesa, lindamente coberta com uma toalha branca rendada. E numa cumbuquinha jazem delicados pedaços de galinha caipira acompanhados com creme de milho verde! Devoro tudinho, estalando os beiços alegremente. Ai de mim, se minha avozinha ainda fosse viva. Admoestar-me-ia severamente pela falta de modos, hehe. Mas não tem como manter a pose diante dessa comidinha tão cheia de sustança. Fecho minha conta (sim, até caderninho abri com Moi!) e despeço-me dela já que hoje é meu último dia na cidade. Esperta sem ser malandra, a querida soube me cativar de tal modo que acabei jantando todas as noites em seu pequeno estabelecimento! Tudo de bom esta cidade!

sábado, 24 de dezembro de 2011

Pico das Almas

Garoou a noite toda pelo visto, porque quando acordo a chuvinha miúda segue caindo sobre a cidade. Tracei como objetivo nesta minha passagem pela Chapada Diamantina conhecer a paisagem vista dos cumes dos três maiores picos baianos: Barbado, Itobira e das Almas. A pedida do dia é subir ao topo deste último, cujo trajeto de carro da cidade até o início da trilha demora uns 40 minutos. Percorre-se, inicialmente, a mesma estrada de chão batido que vai dar na Comunidade de Mato Grosso, quebrando então à esquerda pra atravessar a comunidade de Brumadinho. Se não estivéssemos no tanque que é a Rural de Ed, teríamos ficado pelo meio do caminho, tão ruim, mas tão ruim é a tal estradinha após Brumadinho! Manhã nublada embora o solo florido de microliceas rosadas dê um tom alegre ao austero clima que nos rodeia. Talvez por isso, me sinto meio oprimida quando atravesso o Corredor das Almas, um brete formado naturalmente por um maciço de pedras que desemboca no vale do Queiroz. A pequena planície, delimitada entre duas enfiadas paralelas de serras, exibe um campo rupestre onde afloramentos rochosos desenham bizarras formas esparsas aqui e acolá. Um desbunde de lugar! Despontando ao norte, já se avista a forma arredondada do cume do Pico das Almas. Percorre-se, então, um pequeno segmento do que sobrou duma mata atlântica cujo término acaba numa clareira enclausurada por uma estupenda barreira de rochas que sinaliza a finalera do vale. A moleza de caminhar no plano termina e começam as subidas. Pra aquecer nada como um leve aclive sucedido por outro, este um pouco mais forte, tanto que exige uma breve escalaminhada. Adoro isso! Pra refrescar os músculos das pernas, um terreno plano onde florescem longilíneos pepalantos. Outra subida, dessa feita, percorrendo um terreno bem pedregoso até atingir um largo platô onde nos aguarda aquela surpresa: o belo Portal das Almas ou do Céu. Trata-se duma larga e alta abertura esculpida engenhosamente na rocha pela ação erosiva do vento e da chuva, formando um autêntico pórtico. Mais um aclive, dessa feita, bem cascudo, porque pra enfrentá-lo se atravessa um brete, mais estreito do que o primeiro, formado por altos paredões rochosos cujo terreno super irregular, demanda cautela na pisada. O corredor termina noutra clareira, surgindo, então, à frente uma imponente parede de 200 m de altura, conhecida como paredão das Almas cujo acesso leva ao cume do pico. Tremo nas bases. Entretanto, o que, aparentemente, se mostra inexpugnável, revela-se no decorrer da ascensão uma divertida e lúdica escalaminhada. A rocha, tipo conglomerado, super aderente, com boas agarras, é só alegria. Já próxima ao topo, deleito-me com um adorável jardim onde se destacam calhandras vermelhas, amarílis, orquídeas, bromélias e cactus. Rescende no ar o bom odor das macelas. Eita gostosura! Quando alcanço finalmente o cume do pico das Almas, nada mais que um diminuto platô, atravancado por pedras e arbustos de pequeno porte, sento, cansada, pero feliz da vida, no chão. Tiro da mochila o bolo de côco e arroz, presente de Toinho, e devoro, esfomeada, entre suspiros de prazer, a formidável merenda. Um passarinho cisca o chão sem timidez alguma em busca de restos de alimentos. Perfeitamente visíveis, Livramento, a comunidade de Mato Grosso e os picos do Itobira e do Barbado. Tomo banho no córrego do Queiroz, quando descemos do cume, um remanso de águas frescas e tranqüilas. Na metade da tarde, um vento forte leva embora o nuvaredo, permitindo assim que o sol enfim brilhe ao longo do restante da tarde. Embora cansativo, afinal foram 7 horas de pernada, a conquista da 3ª maior elevação do nordeste com seus 1.958 m de altitude, foi mais fácil do que imaginara. À noite, Moi monta uma mesa na rua, em frente a sua casa e anuncia: “é pra tu!” Provo assim o famoso mingau de milho verde, um licor de jenipapo e duas variedades de pão: um salgado e um doce. Embora singela, adorei a ceia de Natal que Moi improvisou pra mim!