domingo, 8 de abril de 2007

Los Cuernos

O domingão amanhece nublado. Bem distinto de ontem, as árvores balançam-se continuamente denunciando a existência de forte vento. Uma garoinha cai de leve lá fora e as torres quase não são mais avistáveis pois uma neblina as vem encobrindo lentamente. Este é o clima patagônico, muda de inopino, igual a humor de mulher volúvel. Acomodo-me a uma mesa do refeitório, em frente à salamandra e ponho pra secar umas peças de roupa lavadas a noite passada. Converso um pouco com Daniel que chega pra saber a que horas pretendo partir. Fica então combinado, já que o trajeto até o albergue Cuernos é barbada - uma trilha plana de 11 km - que sairemos em torno de meio dia. Aproveito a manhã para descansar, lavar cabelo e coisa e tal. Beberico um chá enquanto ponho em dia meu diário e ao meio dia pomos o pé na estrada. No início da tarde, o tempo permanece nublado, contudo, pras bandas da cordilheira Chacabuco apresenta-se ensolarado, assim como o Cerro Balmaceda com suas encostas estriadas de neve. Daniel chama minha atenção para um ponto distante, à oeste: é um pequeno pedaço do campo de gelo sul. Mesmo à distância percebe-se a fosforência branca de sua paisagem. O Cerro Almirante Nieto domina grande parte do trajeto, não mais com sua face sudeste e sim exibindo agora a sudoeste. Praticamente, avisto-o durante esta caminhada quase num ângulo de 360º. O lago Nordenskjöld, que forma o rio Paine, mostra suas águas azul-turquesa encrespadas pelo forte vento que sopra desde a manhã; um lindo arco-íris atravessa-o de leste a oeste. As nuvens suspiram e afastam-se de modo que um lindo condor que sobrevoa o lago tenha destacada sua plumagem preta e branca no azul do céu. Encontro na trilha as minhas já conhecidas frutinhas, o mirtilo e a chaura. Embora frutas de verão, ainda se vêem nos arbustos pencas delas. Colho algumas e as como prazerosamente. Reconheço o neneo - conhecera-o quando estive em Chaltén -, outro arbusto não tão espinhento quanto a matabarrosa, de coloração verde mais intensa e flores vermelhas; arbustos de matanegra já exibem em suas delicadas folhas a coloração amarelada do outono. Cruzamos o rio Del Arriero cujas margens cheias de pedras brancas e negras compõem um cenário pré-histórico. Uma árvore solitária plantada no leito quase seco de seu curso dá um toque verde ao cinza das pedras. Avisto então os Cuernos, magníficas formações rochosas de coloração semelhante à do Nido de Condor. São em número de quatro: o Leste, o Principal (este apresenta esculpido em sua superfície um desenho que lembra as feições de um índio, distinguindo-se perfeitamente a boca, o nariz, um olho e o arco de uma sobrancelha), o Chico e o Norte, entretanto, este, ainda não é avistável, pois se situa à oeste. Mais adiante, ergue-se o majestoso cerro Paine Grande coberto de neve e de glaciares de cor azulada. Entre o Cuerno Leste e o Cerro Almirante Nieto está o vale Bader e entre os Cuernos e o Paine Grande, o vale del Francês. Nos vales Bader e do Silêncio só é permitido andar com guia porque inexistem trilhas demarcadas em razão de ambos os vales apresentarem características de alta montanha. No vale do Silêncio encontra-se o acampamento Japonês onde os escaladores permanecem enquanto esperam uma janela de bom tempo pra poder escalar as Torres e outros cerros adjacentes. O caminho realmente não é difícil, com algumas subidinhas, coisa leve, entretanto. Atravessamos a ponte sobre o rio Bader, apresentando, neste trecho de seu leito, pequenos degraus rochosos que formam saltos de branca água espumosa. Chegamos, às 17:40, no albergue Cuernos, um rústico edifício de madeira, construído há 10 anos. No refeitório, disposto num canto perto da porta, há um fogão pra quem quiser fazer sua comida, o que vale mais a pena porque a refeição fornecida pelo albergue é uma gororoba! Sento-me num banco de madeira perto das largas janelas e fico curtindo a espetacular visão que se tem do exterior: à direita, os Cuernos Principal e Leste, com seus 2.000 metros de altitude, dominam o cenário já que o albergue foi construído aos seus pés. À frente o cerro Paine Grande coberto de neve e glaciares torna a paisagem deste albergue a mais linda de todos os que me alojei, compensando totalmente a precariedade de suas acomodações. Sou alojada num quarto com três beliches triplos e um duplo. Aqui não alugam lençóis, apenas sacos de dormir....tsktsktsk, que saudade dos requintes do albergue Las Torres. Embora haja luz, ela permanece acesa só até as 23 horas, e nos quartos a iluminação é tão fraca quanto à de uma vela. Quando vou tomar banho, falta água. Graças a deus só espero alguns minutos até solucionarem o problema. Após o jantar, um dos empregados pega um dos dois violões pendurados em uma das paredes e se põe a tocar e cantar umas músicas meio chatinhas. Permaneço na sala um pouco conversando com alguns turistas. Como as músicas definitivamente continuam a não me agradar, vou deitar pouco depois. Enquanto me preparo pra dormir, da janela de meu quarto, vejo o céu limpinho exibindo a linda lua cheia rodeada de estrelas. O vento rosna lá fora e sacode as árvores fazendo seus galhos estalarem, sinal promissor de uma manhã com bom tempo. Será?

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