segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Réveillon na Colina da Serra

Fazendo as honras da casa, me coloquei no papel de guia de Claudia e Val. Como é véspera da virada de ano, decidem as gurias que não é bom fazer nenhuma trilha pesada. Querem se guardar pra meia-noite, tais quais cinderelas já um pouco passadas, entretanto. Solamente um passeiozinho leve. Então proponho conhecermos uma cachoeira, a Magia das Águas, localizada no parque da pousada de mesmo nome. E lá vamos nós! O lugar fora atingido pela enchente de março e apresentava-se diferente da última vez em que lá estivera. Um estrago só a terrível enxurrada fez em Praia Grande, no início do ano, desfigurando em muito a paisagem. O sol a mil, e as gurias, nem aí, aproveitam com gana as reentrância das rochas, deixando-se massegear pela correnteza do rio. Bom demais, gritam elas! De repente, o céu tolda-se de muitas nuvens. Pegamos as mochilas e batemos em retirada. Quando estamos quase alcançando a estrada principal, a chuva despenca com força total. Buscamos refúgio em um abrigo de ônibus e lá ficamos sentadas esperando a chuva amainar. Resolvo pedir carona prum fiatezinho que passa sem pressa. O motorista nos dá carona até o supermercado Magagnin de onde podíamos telefonar e pedir que alguém da pousada viesse nos buscar. Não demorou muito, João Paulo veio nos resgatar e lá subimos nós a serra do Faxinal em direção à Colina da Serra. Coisa boa o verão, passada meia hora o sol volta a reinar num céu limpo e sereno. Dentre as muitas pousadas em Praia Grande – e conheço várias -, essa é a bambambam! Talvez porque tenham se criado ao longo dos anos que venho me hospedando aqui, laços de amizade entre mim e seus donos, Maria e Paulo. Maria é um caso à parte: dona de um senso de humor afiado me diverte com suas observações irônicas. Além do mais suas comidinhas caseiras são muiiiitooo apetitosas, destacando-se o bolinho de arroz que, invariavelmente, requisito quando chego. Já Paulo, o Pauleca, “o nosso marido”, como brinco com Maria, é uma pata choca com os filhos, trata Mariana, de 17 e João Paulo, de 25, como se ainda fossem bebezinhos. Adoro ficar na cozinha, fumando um cigarrinho e bebericando as cachacinhas preparadas com frutas variadas. A de amorinha está louca de especial e me sirvo de outro copinho enquanto tagarelamos alegremente. Quase não vejo Maria parada, quando não está preparando comidas para os hóspedes, está ajeitando as cabanas – em número de seis – ou então lavando roupa. Não pára essa mulher, que máquina, incrível sua disposição!! E hoje então a azáfama é intensa pois os preparativos da ceia estão a milhão. Sua simpática sobrinha, Mara, veio de Sombrio pra ajudá-la e prepara, conforme indicações precisas de Mariazinha, uma mousse de morango dentre as muitas sobremesas do cardápio. O lombinho exala um odor picante de bons temperos e a tradicional lentilha borbulha cheirosa sobre o fogão a lenha. Me sinto em casa, bem à vontade e adio o quanto posso minha ida à cabana. Mas, enfim, crio coragem e deixo aquele aconchego todo. É necessário tomar banho e me enfeitar para a festa. A ceia é servida às 22:30 horas e na mesa comprida os hóspedes sentam-se depois de se servirem fartamente dos quitutes colocados sobre o bufê. Quando a meia-noite junta os ponteiros no relógio, rumamos pra colina: dali dá pra se enxergar os fogos de artifício que espocam em Torres, praia gaúcha situada a pouco mais de 40 km de Praia Grande. Os lindos desenhos coloridos arrancam exclamações de alegria de todos nós. E graças a deus, ninguém fica se abraçando, beijando e desejando feliz ano novo. Suspiro de alívio...ufaaaa....ainda bem!!! Isso talvez se deva porque a maioria das pessoas são hóspedes e mal se conhecem. O céu estrelado prenuncia bom tempo para o dia seguinte. Fico feliz já que farei canionismo com Caloca no Rapel do Café. Oxalá permaneça bom o clima! Já estou sentindo aquele friozinho na barriga só em pensar que amanhã, ou melhor, hoje, afinal já é uma da madrugada, vou estar descendo doze cachoeiras!!! Coisa boa tudo isso!!!

domingo, 30 de dezembro de 2007

Trilha do Poço Malacara

No domingo, o sol aparece no início da manhã mas breve sua presença porque sem muita demora  Praia Grande fica coberta por espessa camada de nuvens. Vamos eu mais Caloca mostrar um trecho do Malacara, considerado um dos canions mais lindos do planeta, pra Valeria e Claudia, minhas amigas que vieram do Rio de Janeiro e Brasília conhecer a região. Nos acompanham Mariana, Luiz Antonio e Gustavo, parentes de Mariazinha, dona da Pousada Colina da Serra onde estamos hospedadas. Porque gostamos de caminhar rápido, eu e Val tomamos a dianteira e chegamos à frente dos outros no bolicho do Toninho Schimidt aninhado às margens do rio Malacara.
Cai uma chuva fininha. Toninho, uma figura pra lá de querida, me recebe de braços abertos, e, de imediato, me serve, uma cachacinha. Figura pitoresca diz que encabula quando fica sem falar. “Não sei por que mas envergonho quando calado”....pode? Esse é o Toninho!! Cunhou um bordão que nunca canso de escutar a cada vez que o visito. “Diz Toninho, diz”. Daí ele estufa o peito e com o olhar perdido no horizonte, atende ao meu pedido empostando a voz: “chove lá fora, pinga aqui dentro". Esse Toninho é uma figuraça!! Emérito contador de saborosos “causos” dentre eles se destaca o da cobra que o picou. Conta ele que tinha lá seus sete anos quando roçava com seu pai um pedaço de terra. Tropeça numa pedra e se estatela no chão quando sente uma fisgada na barriga supondo que fosse a ponta duma pedra. Qual o quê! caíra sobre as presas duma jararaca. Levado pro hospital, apodrecia, quando foi resgatado de volta à vida pelas mãos do Dr. João. “Graças a ele estou aqui vivinho”, exclama enquanto aponta a feia cicatriz em seu abdômen. Casado com Eni, ainda apaixonada e ciumenta, embora viva com ele há mais de 20 anos, Toninho não se intimida e galanteia as turistas que o visitam. A chuva, entretanto, não veio pra se instalar e quando o resto do pessoal nos alcança, dela só restam terra e grama umedecidas. Nos tocamos, então, pro poço do Malaca caminhando sobre o leito do rio. O canion que já havia sido castigado pela presença fulminante do tufão Catarina, em 2004, teve suas feições desfiguradas quando a avassaladora enchente de março transformou sua encantadora embocadura recheada de poços e cascatinhas em uma árida planície de pedras. Completamente mudado o Malaca! Como diz Caloca, só outra enchente vai dar nova feição a essa parte inicial do canyon. À medida que nos aproximamos, as paredes vão se tornando visíveis e maiores: já dá pra se avistar as Gêmeas, duas lindas cachoeiras situadas além do poço, ponto final da trilha permitida pelo IBAMA para se passear. Tudo tão mudado desde a última vez que aqui vim! Mesmo assim me atiro com prazer nas águas escuras do pequeno lago e nado até as pedras do outro lado da margem. Da pequena cascata jorra uma água espumenta formando mansos redemoinhos em sua superfície. Tiramos nossos lanches das mochilas e comemos nozes, amêndoas, avelãs e um bolo de banana delicioso feito pela mãe de Caloca. Sobre nossas cabeças, um gavião-tesoura mergulha no cinza do céu em um elegante vôo. Esta bela ave preta e branca, oriunda do Canadá, está fugindo do inverno rigoroso daquelas plagas em busca de terras mais quentes, provavelmente, porque seja época de procriação. Retornamos por uma trilha lateral ao leito do rio, caminhando dentro de uma mata cerrada pontuada aqui e acolá pelo vermelho vivo das helicônias. Quando chegamos à barraca de Toninho, este mais alegre do que nunca entretém seus amigos com um animado conversê. Famintos - afinal, nosso lanchinho de frutas secas fora pra lá de frugal -, logo surgem das mochilas bandejas de cerejas, pedaços de queijos, pacotes de biscoitos e o restante das frutas secas, logo colocadas sobre a rústica mesa de madeira que há no alpendre. Ninguém se faz de rogado e os petiscos são rapidamente devorados. Resolvo inovar e misturo cereja com queijo: é uma delícia..... aconselho! Na mesa de sinuca, sempre há moradores da Vila Rosa jogando: no momento, dois amigos de Toninho disputam com seriedade uma partida. Gustavo espadana alegremente no rio aproveitando o fim de tarde caliente observado por seu pai. Caloca e Claudia sentados mais além conversam animadamente. Próximas ao balcão, Val e Mariana descansam da caminhada, sentaditas em mochinhos. Eu filmo as pessoas e curto, curto demais o ambiente, a paisagem. Pouco importa se inverno ou verão, se sem sol ou com chuva: bom demais estar de volta à Praia Grande!!

sábado, 29 de dezembro de 2007

Canions Itaimbezinho e Fortaleza

Descobri Praia Grande, localizada em Santa Catarina, meio ao acaso em 2002. Estava procurando um lugar maneiro pra comemorar meus 50 anos quando, ao ler numa revista de turismo sobre aquela pequena cidade cujo principal atrativo são os canyons em seu entorno, não vacilei e me toquei pra lá. Curiosa, peguei um ônibus em Porto Alegre e me fui BR 101 afora. No trecho da rodovia onde há a vila São João, um pouco antes de Torres, o ônibus dobra à esquerda e envereda por uma estradinha vicinal, de chão batido, num trajeto pra lá de sacolejante. Gastam-se 4 horas pra percorrer 230 km. Mas fazer o quê se não sei ainda dirigir, né? Desde então não parei mais de ir a Praia Grande. Visitei vários e diversos canyons ou peraus como são chamados na região estes magníficos acidentes geológicos. De todos os tamanhos e formatos, os canyons são estupendos, de perder o fôlego. Conheço o Josafaz, o maior deles com mais de 16 km de extensão, o Faxinalzinho, o Itaimbezinho, o Molha Côco, o Índios Coroados, o Malacara, o Churriado, o da Pedra, Macuco ou das Bonecas e o Fortaleza, sendo que estes dois últimos estão no município de Jacinto Machado, distante de Praia Grande cerca de 60 km. Atualmente, já dominando um pouco o medo de altura, faço canionismo, tendo rapelado o canyon da Pedra e a garganta do Café. O Malacara desci por uma trilha aberta na encosta de sua parede sul. À época, ainda não me animava a rapelar suas cachoeiras. Entretanto, acampei e passei uma noite naquele magnífico grotão. Foi aí que conheci Kaloca, o meu mestre em canionismo. Portanto, nada melhor que passar a virada de ano neste lugar que tanto amo!! Assim, lá me vou com duas amigas escolhendo um roteiro light já que elas não são tão aprofundadas assim em esportes radicais. Por óbvio, iniciamos nosso roteiro com uma caminhada de borda ao redor dos clássicos canyons Itaimbezinho e Fortaleza cuja parte superior situa-se no Rio Grande do Sul e a inferior em Santa Catarina. Embora o dia esteja meio nublado, graças a deus, não apresenta viração ou nevoeiro. Este fenômeno é causado pela diferença de temperatura e pressão entre o litoral e a serra resultando numa espessa formação de nuvens no interior dos canyons dificultando, assim, a visão dessas profundas e extensas gargantas. O canyon do Itaimbezinho faz parte do Parque Nacional dos Aparados da Serra e seu acesso se dá pela estrada da serra do Faxinal que une Praia Grande a Cambará, cidade esta já localizada em terras gaúchas. O canyon com pouco mais de 5 km de extensão é o único na região que não se apresenta verticalizado, ou seja, em degraus. Há duas trilhas na parte superior: a do Cotovelo de onde se avista lá embaixo o rio do Boi serpenteando serelepe em meio às rochas que recobrem seu leito. Do mirante tem-se uma visão dos impressionantes paredões rochosos cuja altura média fica em torno de 700 metros. Chamam a atenção os pinheiros nativos e o campo de turfas por onde os pés descuidados podem se afundar até o tornozelo depois de uma temporada chuvosa. Já da segunda trilha, alcunhada de Vértice, vislumbram-se as cachoeiras das Andorinhas e a do Véu de Noiva. As belíssimas quedas d'água apresentam-se volumosas para encantamento dos turistas. Há uma boa infraestrutura no parque com lanchonete e mesas ao ar livre pra quem quiser fazer um piquenique. Deixamos o parque pra trás e continuamos a subir a serra chegando então a Cambará de onde uma estradinha com pouco mais de 20 km nos conduz ao canyon Fortaleza, com quase 8 km de extensão, situado no Parque Nacional da Serra Geral. A trilha, bem demarcada, permite admirar o esplêndido canyon e uma de suas cachoeiras, a Fortaleza, que despenca de seu paredão sul numa vertiginosa e volumosa queda d’água. Caso o tempo permita, consegue-se até avistar o litoral, distante pouco mais de 40 km. Entretanto, tal visão nos é furtada porque a visibilidade não é lá das melhores. O céu continua nublado, rapidamente a massa cinzenta transforma-se em pesadas e baixas nuvens pretas, raios ao longe riscam o céu de prateado. Trovões metralham o silêncio da tarde. Nuvens velozes saem do interior do canyon formando um cenário de filme americano, gênero catástrofe. Eu, embasbacada diante de tal espetáculo, saco ávida minha câmera do bolso da bermuda e passo a filmar antes que a chuva finalmente caia em pingos grossos e cortantes. O vento me empurra pra frente, eu me vejo entre assustada e deslumbrada com tal manifestação selvagem da natureza. Molhada até os ossos sinto na pele a chuva me vergastar avidamente. Nem dou bola. Estou como o diabo gosta, hahahahaha!!! Passados 15 minutos, a chuva cessa abruptamente e o sol aparece meio tímido. Aproveitamos a estiagem e enveredamos então até a trilha que dá na cachoeira do Tigre Preto, situada numa garganta lateral do Fortaleza. Pra se ver a cachoeira de frente tem de se atravessar o arroio Segredo. Pra isso, passa-se bem junto à borda da cachoeira. Parece assustador, contudo, ela forma um largo platô, quinze metros abaixo de onde, então, despenca por mais 180 metros até atingir o fundo da garganta. Continuando a caminhada, contorna-se a borda do canyon e chega-se afinal na Pedra do Segredo, um monolito de rocha basáltica de 5 metros de altura apoiado numa área de apenas 50 centímetros quadrados, dando a impressão que a qualquer instante irá despencar canyon abaixo! No final da tarde, retornamos à Praia Grande. Se o tempo houvesse nos brindado com um sol radioso, o passeio não teria sido tão bom. Afinal, uma pequena tempestade de verão faz o sangue correr mais rápido e o coração bater acelerado, não é mesmo?

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Inté Brasília!

Parto de Alto Paraíso no ônibus das 7 da matina e chego às 10:30 em Brasília. Claudia me espera na rodoferroviária. Vamos pra sua casa onde vou pousar porque amanhã embarco de volta pra Porto. Ela no caminho me mostra alguns cartões postais da capital federal, como o Parque da Cidade, rebatizado Parque Ana Lídia, em homenagem ao brutal assassinato de uma menina, nos idos de 1970. Tal crime, infelizmente, até hoje permanece sem solução. Estou começando a gostar muito de Brasília. Quando aqui estive na década de 70 a cidade não era tão ricamente arborizada: tinha pouco mais de 10 anos. Canteiros decorados com variadas espécies de flores e flamboyants orgulhosamente floridos de vermelho enfeitam as ruas e amplas avenidas. Almoçamos no jardim de um restaurante de comida natural no setor sul, comida deliciosa, onde numa mesa comunitária pode-se trocar idéias com quem está ao lado. Converso um pouco com uma mineira casada com um goiano. Nesta cidade, a gente encontra pessoas de toda parte do Brasil e ainda de outros países do planeta. Trilegal! Claudia, seu pai e sua mãe, dois goianos encantadores! levam-me pra conhecer o Memorial Juscelino Kubitschek, uma construção em concreto branco, onde estão depositados os restos mortais do mineiro, simplesmente, conhecido como JK. Fico chocada quando subo ao primeiro piso e encontro um ambiente escuro, em cujo centro há uma construção em pedra, também, preta onde jaz o esquife, mais uma vez o preto, gente!! contendo os restos mortais do presidente. Meu deus, pobre JK! não merecia esse ambiente lúgubre, homem solar que era, amante da boa música (o fundo musical lá dentro deveria ser ou de um alegre samba ou de uma macia bossa nova, uai!!), da risada fácil e dos amplos espaços - afinal não foi à toa que escolheu o planalto central pra construir a nova capital dos brasileiros -, hoje confinado a esse mausoléu soturno, de arrrepiar os pelinhos dos braços. Será uma vingança da viúva, magoada por suas sucessivas escapadas?! Saio de lá contente por estar novamente a céu aberto. Reflito com meus botões que, se existe mesmo vida após a morte, o pobre Juscelino não deve estar lá muito satisfeito de se ver encerrado naquele ambiente tão solene quanto fúnebre. Que homenagem.....ou será castigo? Meu périplo continua e seguimos em direção ao Lago Paranoá. Seu Alfredo me pergunta se conheço o Palácio da Alvorada. “Só de fotos e filmes”, respondo ao bom goiano.
Residência oficial dos presidentes da república, este edifício foi o primeiro prédio construído em alvenaria por Niemayer e inaugurado em 1958, dois anos antes, portanto, da inauguração do Distrito Federal. Descemos e seu Alfredo pergunta se eu não vou fotografar o palácio. Pra ser gentil, faço-lhe a vontade, mas não tenho lá muitas ganas de. Enfim, não me custa nada. Faço um clique apenas e não é que a foto até que sai boa? Circundamos o lago pra conhecer a Ermida Dom Bosco, situada na margem posterior à do Palácio. Excepto por nós e um casal de namorados sentados num banco em frente ao lago, não há mais ninguém no local. Tranqüilo, tranqüilo. Os raios do sol poente refletidos na superfície das águas colorem-na de prata. O silêncio da tardinha é quebrado pelo rumorejar macio das pequenas marolas quando batem na areia. Nuvens pesadas se fazem presentes no céu. As luzes ao longe já evidenciam os preparativos da cidade para a noite prestes a cair. Deixamos os pais de Claudia em casa e vamos jantar num dos muitos restaurantes bacaninhas que abundam na cidade. Tão agradáveis, a maioria com mesas no exterior aproveitando o clima quente da região. Adoro estar ao ar livre, começo a desgostar cada vez mais de ficar presa entre quatro paredes, basta de ares gelados, afinal quem gosta de frio é pingüim! Quero morar aqui!! Brasília me aguarde! Au revoir!!

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Vadiando em Alto Paraíso

Hoje, segunda-feira, só vou ficar na vadiagem em Alto Paraíso. Nada de trekking, apenas dar uma banda pela cidade sem pressa, filmando e fotografando. Como com prazer, devagarinho, meu delicioso desjejum (que alívio poder mastigar sem pressa, sem ter de ficar olhando o relógio de 10 em 10 segundos!) enquanto Lucia conversa comigo. Dona de meu tempo, saio sem rumo. As ruas ainda apresentam-se molhadas da chuvarada que caiu durante a madrugada, e lá vou eu bem satisfeita explorando dessa vez as ruas laterais – basta da avenida principal! Fico até um pouco envergonhada de tantos pontos de exclamação, mas fazer o quê? Eu gosto desta cidade! O sol se mantém até 10 da manhã. Aproveito pra filmar um pouco enquanto caminho. Do pátio de um colégio escuto o rumor de vozes de crianças brincando durante o recreio, mulheres com sombrinhas se protegem do sol e um cavaleiro, a trote largo, aponta no fundo da rua, apressado; o colorido prédio da prefeitura, e os terrenos baldios exibindo enormes cupinzeiros de altura chamam minha atenção. Que astral o desta cidade! Tomo o rumo da avenida já que preciso descarregar o cartão da máquina. Entro numa das duas lan house existentes na cidade, quando então começa uma chuva fraca pra logo depois virar pancadão. Diminui um pouco, aperta, e quando a gente pensa que vai estiar, fica naquele chuvisco enjoado estendendo-se até quase 2 da tarde. Fico ilhada na lan house quando adentra o estabelecimento Mina. Com sua voz metálica e grossa, característica de todo fumante inveterado, pede “tou com fome, o que tem pra comer?”. Saímos pra rua e nos sentamos a uma das mesinhas dispostas na varanda. Ficamos de bate papo até que ela, descontente com a coxinha de galinha que comera, me convida pra almoçar no restaurante do Hotel Central situado justo ao lado. Freqüentado por uma galera que não tem muito tempo ou não gosta de cozinhar, serve bufet de comida caseira sem grandes pretensões, preço modesto. Pra mim, é um luxo ficar ali, com tempo de sobra, na varanda, apreciando o movimento do meio dia na avenida Ari Valadão Filho. Depois do almoço, atravessamos a rua e entramos no Telinus Scotch Bar, logo em frente. É um bar ao estilo pé sujo com dois recintos: um pequeno com algumas mesas e cadeiras de latão onde há um balcão e a indefectível televisão sempre ligada; já no outro, amplo, mesas de sinuca onde nos findis rola um dancerê de forró regional, animadíssimo. Pachequinho está ali bebericando sua cerveja junto com uns amigos. Sento e peço uma dose de conhaque. Como não tem Domecq, me resigno e bebo o que há: Presidente....trinco os dentes e engulo, fazer o quê?! Fico na boa batendo um papinho até perceber que a chuva deveras estiou. Dou tchau pro pessoal e vou visitar Marcela que costuma almoçar em casa. Conversamos um pouco e vamos pro jardim onde um pé de jabuticabeira carregado de frutas implora que as provemos. Como até fartar a frutinha, está doce, docinha, uma delícia! Saímos juntas, Marcela de volta pro trabalho, eu retomando minha andança pela cidade. Passo por lojas cujo comércio de venda de quartzo me chama a atenção. As pedras sejam elas preciosas, semipreciosas ou simplesmente pedras me fascinam! Não resisto e compro uma bem grandona, de quartzo amarelo. Um barulhinho bom se faz ouvir produzido por sinos de vento feitos de quartzo polido. Tudo tão sossegado! Sinto fome e entro no Empório Paraíso dos Pândavas, uma lanchonete com menu de comidinhas integrais e orgânicas super apetitosas. O wrap escolhido, de berinjela e tomates grelhados, muzarela de búfalo e cream cheese, acompanhado por uma salada de folhas verdes, não só é de bom tamanho como me deixa pra lá de satisfeita. A massa, de panqueca, finíssima e com bordas crocantes, é muito bem feita! Encontro, quando estou saindo, com a italiana com quem viajara, no ônibus, vindo de Brasília pra cá. Abraça-me efusivamente. Trocamos algumas palavrinhas e volto pra rua. Os arcos de pedra construídos na entrada da cidade clamam pra serem filmados. Como toda pequena cidade brasileira, é de saltar aos olhos a quantidade de gente andando de bicicleta. Homens, mulheres, crianças, todos pedalam aqui! Típico de povo pobre. Mas não é só em Alto Paraíso, viu? Na China também; já na Holanda - reflito com meus botões - deve ser puro charme, pois o país não é nada pobrinho, não! Desço a avenida e resolvo ir até o estádio de futebol. É uma surpresa e das boas! A paisagem é linnnnndaaaa!! Avista-se o Morrão e as serras onde se situam as cachoeiras do Cristal e da Água Fria. Um belo cartão postal da cidade!! Pena que descobri no último dia!! É bom demais ficar ali apreciando o fim de tarde. Jovens atletas treinam correndo ao redor do campo. Tô na boa, melhor impossível. À noite, pizza na Ocalila com Marcela e Misael. Um bom vinho, pizza excelente, bem fininha e crocante. As estórias, de prender o fôlego, contadas por Misa fazem as horas passar voando. A da chegada de Jesus patrocinada por um grupo de estrangeiros, dentre os quais se destaca, além de Ringo Star, um sobrinho da Margareth Tatcher, é qualquer coisa de boa! Eu escuto, num misto de incredulidade e encantamento, a bem contada narrativa de Misa sobre aquele grupo de milionários que, numa noite de 1987, bate à porta de sua casa e contratam-no para construir um anfiteatro. O objetivo? A descida (ou a subida) à Terra de Jesus ET. “Eram uns seis ou sete carros, todos caminhonetões poderosos, um deles com placa da embaixada da Inglaterra”, conta Misa. O templo, segundo as instruções recebidas, deveria ter 5 metros de pé direito e tamanho suficiente para abrigar 3 mil pessoas. O chão seria coberto de quartzo branco da melhor qualidade. Pagaram a ele, à época, o equivalente a 20 mil reais pra iniciar o trabalho. Foi construído um acampamento onde o tal grupo ficou por 30 dias ajudando Misa, sendo que um deles era o baterista dos Beatles.
Foram embora com promessas de voltar em breve. Passado dois meses, um dos chefes retorna dizendo que a obra acabara porque o ET Jesus, desgostoso com a briga pelo poder entre os membros do grupo, achara por bem interromper o projeto de construção do templo. “Além do mais”, acrescenta o homem, “Alto Paraíso está carregada de energias negativas”. Misa finaliza a estória acrescentando que essa teria sido a quinta tentativa de construírem o tal templo!! Mas pensam vocês que a coisa pára por aqui? Só não!! Como estou, deveras, me alongando, só vou dar uma palhinha: Misa estava trabalhando nos arredores da cidade quando viu - essa é pra pasmar mesmo!! - pousando no cocoruto de um morro em pleno meia dia!! dois discos, um maior, outro menor, ambos de cor branca e achatados! Pra quem não crê em estórias de carochinha, comecem a acreditar, sim! homens de pouca fé: há VI-DAS em outros planetas!!

domingo, 25 de novembro de 2007

Atravessando o Portal do Sertão Zen

Da outra vez em que aqui estivera, Marcela me falara a respeito do Sertão Zen, mas como eu resolvera terminar minhas férias permanecendo em Macaquinho, deixei pra lá. Desta vez encaro o passeio, até porque o trekking é bom demais, são mais ou menos 22 km. Tudo do que preciso: esticar as pernas numa boa caminhada! E lá vamos eu mais Pacheco rumo ao famoso Sertão Zen. Saímos da cidade como se fossemos em direção a Loquinhas, contudo, nos esquivamos, pra leste, entrando em uma estradinha rumo a uma das tantas encostas da Serra Geral do Paranã, localmente denominada Serra da Baliza. Após um desnível nada difícil, em torno de 200 metros, alcançamos o Morrão, belo mirante, situado a mais de 1.400 metros de altitude de onde se tem uma visão panorâmica não só de Alto Paraíso como das serras da Baleia, do Buracão, da Almécega, da Conceição, da Boa Vista e do Morro do Papagaio. Trato de me proteger do sol colocando protetor, pena que dure pouco o bom tempo, porque não tarda muito, ecoam trovoadas ao longe. Nuvens escuras ao norte e outras mais claras ao sul deixam entrever algumas nesgas de céu azul. Atravesso um campo rupestre cheio de bonsais de mimosas. Sou apresentada à famosa arniquinha com a qual se faz a gostosa cachaça da região. As canelas de ema floridas exibem suas flores roxas. Arnicões já engalanados de flores rosa-claro, chapéus de couro e muricis pontuam o solo de amarelo e vermelho. As mimosas dão o ar de sua graça com seus pompons rosados. Margaridas e estrelas colorem de branco o pasto. Os trovões continuam se ouvindo, agora mais fortes, das bandas da região da serra de Santa Rita. Chegamos ao famoso Portal, assim chamado porque descortina uma outra paisagem, conforme informa Pacheco. Como não consigo perceber grandes diferenças, pergunto pra ele. Pacheco então explica que se eu olhar pra trás nada mais consigo enxergar: nem Alto Paraíso tampouco as serras da Baleia, do Buracão, Conceição, Boa Vista, Almécegas e Morro do Papagaio que até então vínhamos admirando. Muito observadora eu, hein?! Um pouco mais adiante, Pacheco indica, escondida numa mata de galeria mais a frente, a cabeceira do córrego Ferreirinha, nascente do rio Macacão. De fato, ingressa-se em outro mundo. Agora o que predominam são os campos de altitude. Lembram as savanas africanas com seu alto capim amarelado que só conheço de fotografias e filmes. Ali e acolá despontam árvores repletas de folhas verdes. A chuva, fraquinha, começa a pingar, e logo aperta. Escuto algo semelhante a latidos de cães. Intrigada, questiono Pacheco. Ele responde que o tal ruído vem a ser o coaxar do sapo-cachorro. Mas não é que parece mesmo um au-au?!! Coisa mais gozada, hehehehe!!! A chuva mantém-se miudinha quando então reingressamos de novo nos campos rupestres com suas formações pedregosas e dou de cara com o córrego Ferreirinha e suas sucessivas cascatas. Piro de alegria! É claro que me ponho a clicar a paisagem. Apesar da chuva, estou nem aí se a máquina estragar. Sinto fome, sei lá que horas são, estou sem relógio, sem lenço e sem documento, hehehehe. Paramos próximos a uma cascatinha onde aproveito pra encher minha garrafa com a água do córrego. Cada um retira de suas mochilas seus lanches passando, então, a compartilhá-los fraternalmente. Daqui pra frente a paisagem é deslumbrante!! Sobre um extenso lajedo escorre o Ferreirinha em cujas margens avultam formações rochosas impressionantes formando um longo corredor de pedras cujo término situa-se abaixo da cachoeira do Sertão Zen. Pacheco aponta outra cascata, denominada, por um amigo, de Banho Inca. Regularmente dispostas umas sobre as outras, as pedras, de fato, assemelham-se àquelas construções encontradas nas ruínas de Tambomachay. A chuva reinicia forte. Sem condições de continuar filmando, me resigno e guardo a máquina na mochila. Droga!!! Andamos mais um pouco e as pedras que ladeiam o córrego Ferreirinha aumentam de tamanho lembrando totens gigantescos. A paisagem é puro delírio, estou deslumbrada! É lindo demais, está sendo o mais lindo passeio dentre os muitos que fiz aqui na Chapada dos Veadeiros. Sem sombra de dúvida! Quando chegamos em cima da cachoeira do Sertão Zen, a chuva não dá trégua. Avisto o vale do Macacão lá embaixo. É de perder o fôlego. Suspiro sem parar. É tudo muiiiiitoooo lindoooo!! Pacheco conta que já acampou várias vezes aqui. Fico apavorada pois, de onde estamos, a distância até a queda d'água do Sertão Zen, com 175 metros de altura, é de apenas 20 metros. Apesar da chuva, continuamos nosso passeio atravessando o Ferreirinha pra alcançarmos um mirante de onde poderemos ver a cachoeira de frente. É uma visão impactante, nem tanto pela altura, eu diria, mas por todo o conjunto de pedras gigantescas que a circundam. Amo de paixão este lugar e não barganho elogios e exclamações de encantamento. Deixo a timidez de lado e fico de boca aberta, bem deslumbrada admirando tão assombrosa paisagem! Adoraria ficar aqui mais tempo, poder acampar e explorar melhor seus inúmeros recantos mas, infelizmente, temos de voltar. No caminho de volta, Pacheco me diverte desfiando estórias hilárias sobre figuras que deram com os costados em Alto Paraíso. Rio sem parar, às gargalhadas, com seu jeito sério de contá-las. Esse cara é muito engraçado mesmo! Sorte nossa que a chuva estia em definitivo, assim nosso retorno se faz sob bom tempo. Andreza telefona pra Pacheco e nos pega de carro num ponto da estrada que conduz à trilha do Morrão. Pra comemorar o lindo dia, convido-os pra beber algo e lá vamos nós pra pizzaria Joshua tomar um drink. Quer coisa melhor do que uma boa taça de vinho tinto depois dessa caminhada?

sábado, 24 de novembro de 2007

Retorno ao cerrado goiano na época das chuvas

Pois não é que acabo retornando a Alto Paraíso por conta de um curso em Brasília?!! Como ainda tinha créditos de horas no serviço, aproveito pra dar uma esticada e me toco pra lá com intenção de fazer outros passeios. Esperam-me na rodoviária Marcela e Misael. Abraços e beijos são trocados.Tão bom a alegria do reencontro! Vamos pra Pousada Jardim do Eden largar minha mala onde Lucia me aguarda com aquela sua delicadeza encantadora. Dessa vez, reserva-me o quarto Mil Folhas (da outra vez fora o Verbena); explica que a cada vez que eu lá retornar vou sempre ficar num quarto com nome diferente, "pra provar de todas as ervas", acrescenta alegre. Vamos eu, Marcela e Misa pro Alquimia. Com três ambientes, este bar apresenta uma parte interna envidraçada com balcão e banquinhos ao redor mais um estrado, ao fundo, servindo de palco onde na sexta e sábado rola som ao vivo. No alpendre, mesinhas e cadeiras de plástico brancas, afora uma reluzente mesa de sinuca. Nas traseiras, uma danceteria cuja função só acontece nos findis. Chego na pousada e basta deitar a cabeça no travesseiro que logo adormeço. Hoje, sábado, levanto animada, vou conhecer a cachoeira do Cristal. Ah, Lucia e seu desjejum!! Coisa mais boa voltar a provar seus quitutes preparados com todo capricho. Pergunta se eu quero uma panqueca quando chega Eduardo, seu marido, músico, tranqüilo que nem ela. Batemos um papo legal sobre energias positivas e crescimento espiritual, mas infelizmente é tempo de partir. Vou até a casa de Marcela que já estava atrás de mim. Me convida pra ir com ela de carro até Cristal, declino do convite, prefiro ir a pé com Pacheco, o guia da vez nesses dois dias de trek na região. Aliás, tenho de registrar que esse paulista radicado há quase 20 anos em Alto Paraíso foi considerado o melhor guia de ecoturismo do ano de 2006! E tenho ele só pra mim, hehe....oba!!! O dia está legal embora nuvens grossas prenunciem chuva, pois a temporada da seca já era. Daqui pra frente até abril, chuviscos, chuvas e pancadões, podendo durar horas ou até dias. Na saída da cidade, pergunto o quem vem a ser um muro de taipa rodeando uma propriedade. Pacheco explica que é a ONG Oca Brasil cuja finalidade é o ensino de técnicas de preservação ambiental do cerrado. Me convida pra conhecer. Acrescenta que Andreza, sua mulher, uma catarinense meiga, dona de belos olhos castanhos rodeados de fartos cílios, trabalha ali. Aceito o convite e me encanto com o que vejo: tucanos voando pra lá e pra cá, tudo muito bem cuidado, os prédios embora rústicos, feitos de pedras da região, são confortáveis, sala de cinema e refeitório. A comida servida é toda integral utilizando produtos plantados sem agrotóxicos. Reencontro, agradável surpresa!, uma velha conhecida, a Mina, gaúcha como eu, que conhecera por ocasião de umas férias na Guarda do Embaú. Foi aquela alegria, ficamos recordando aquele verão de 99 em que ela arrendara um barzinho, localizado às margens do rio Da Madre, que explorou junto com o marido, levando a reboque três de seus filhos. Mas, infelizmente, não dá pra ficar mais tempo, Marcela nos espera no Cristal. E lá vamos nós estrada afora, inclusive Andreza que já terminara seu expediente. A caminhada é curta, coisa de uma hora, avistando-se durante o trajeto as serras que fazem parte do complexo da Serra Geral do Paranã, limite leste da Chapada dos Veadeiros. Eu pasmo diante da mudança na paisagem, ao contrário de setembro, quando as árvores se apresentaram pardacentas e despidas de folhas e o campo crestado pela ação inclemente do fogo das queimadas. Tudo isso agora se transformara como num passe de mágica. Parece outro lugar, entretanto é o mesmo: bastam algumas chuvas e o solo cobre-se de grama! As árvores exibem seus brotinhos verdes. No meio do caminho, começa um chuvisco. Ainda chove um pouco quando chegamos ao Cristal, pequeno balneário com restaurante, quiosques e camping, aproveitando as diversas quedas d'água e os poços formados pelo rio de mesmo nome. Lugar aprazível é muito freqüentado pelos moradores da cidade e turistas já que oferece uma boa infraestrutura pra receber visitantes, explorado pelo simpático Fernando, cujo apelido Tatu deve-se à sua parecença com o personagem Tatoo, o anãozinho da Ilha da Fantasia, do famoso seriado do final da década de 70 e início da de 80, lembram? Confesso que nem achei ele tão parecido assim com o tal artista, afinal nem muito baixo é!! Mas enfim... O fato é que sou super bem recebida, como uma galinhada trigostosa preparada por Mara, mulher dele, outra queridésima também. Peço uma dose de conhaque já que não sou lá muito chegada em cerveja e assim bem hidratada – hehehehe - vou com Pacheco até a cachoeira da Água Fria. No caminho ele vai me mostrando algumas plantas como a orelha de carneiro, macia, macia ao toque. Quando chegamos no alto da cachoeira, Pacheco me aponta uma linda queda d´água situada em frente conhecida como cachoeira dos Órfãos com 175 metros de altura. A paisagem lá de cima é esplêndida, dá pra avistar o vale do Moinho, que abriga uma pequena comunidade com pouco mais de 40 casas e as escarpas leste da serra do Pouso Alto. Continuamos o passeio até a ravina que conduz à Água Fria, esta já menor, com apenas 135 metros de altura. Essa trilha já requer mais cuidado: trata-se de uma descida até o poço formado pelas águas do rio da Água Fria. Atravessa-se o rio umas três vezes e isso me lembra por demais os meus queridos canyons de Praia Grande! Muito incrível a semelhança! Pacheco mostra-se um guia interessantíssimo, contando "causos" divertidérrimos de suas aventuras na região. Rio muito messsmooo!! Ficamos por lá um pouco apreciando a imponente cachoeira cujas águas caem em volutas caprichosas pelo ar. Quando retornamos, vejo o quê?!! Um arco-íris!! Poxa, muito bacana isso, é o segundo que me aparece este ano, o outro foi nas Torres del Paine em abril. Saco a máquina do bolso da bermuda e filmo bem doidinha, torcendo pra que saiam boas imagens. Sei lá se vou conseguir, desconfio que a luz do final de tarde e a câmera ruinzinha não vão colaborar muito.
Quando chegamos no quiosque já está rolando o maior churras patrocinado por Fernando em agradecimento à ajuda que Misa e seus empregados estão lhe dando. Foi assim: o camping do balneário foi queimado na época da seca, então, Misa pediu a seus empregados pra dar uma força pro Fernando cedendo dois sábados de descanso deles pra fazer um mutirão e reconstruir o alpendre. O ambiente, alegre, a peonada de Misa toda feliz bebendo cerveja, comida à farta (o feijão mexido com ovo duro é de lamber os beiços!), carne bem assada, suculenta e macia (olha, não é só gaúcho que faz bem churrasco, não!), todos alegríssimos. Beleza pura!! Marcela animadíssima com minha presença. Eu mais ainda....poxa, coisa boa a gente ser querida! A noite já se anuncia, mais uma vez não aceito a carona de carro da Marcela. Retorno eu, Pacheco mais Andreza a pé. A noite é de lua cheia e eu, com certeza, não deixaria por nada desse mundo de passear sob a luz do luar!! O campo iluminado tá clarinho, clarinho. Vez por outra nuvens abafam o brilho da lua, mas Pacheco usa sua lanterna e avançamos tranqüilos escuridão a dentro. O coaxar dos sapos, vez por outra o pio de uma ave apressada em direção ao seu ninho, quebram o silêncio da noite. Ao longe as luzes de Alto Paraíso apontam. Eis-nos de volta à civilização....peninha. Eu por mim passava a noite toda caminhando!!

terça-feira, 11 de setembro de 2007

Partindo do Reino Encantado

Pego a trilha que vai até a Cachoeira das 3 Marias e lá tomo meu último banho no córrego Macaquinho. Coisa boa aquela água geladinha que despenca das rochas e massageia minhas costas. Como de hábito, desde que lá cheguei, na quinta-feira, tiro a roupa e entro na água nua. Após um mergulho, saio e me estiro na pedra quente e lisa, deixando o sol secar meu corpo. Sem pressa alguma, estou na paz. O silêncio só é quebrado pelo barulhinho bom da água que redemoinha espumenta no poço. Embalada pela cantoria duns pássaros pretos, pousados nos galhos duma árvore, tiro uma soneca na rede antes do almoço, já com o corpo amolecido após a dose de arnica que acabara de bebericar.Fausto me chama pra almoçar sua comida simples porém nutritiva: salada de repolho roxo e tomate, feijão e arroz. E muita fruta de sobremesa, banana, bergamota, maçã e manga. Conversamos um pouco, quando chega Gudu com sua Belina velha, mas que dá conta do recado, pra me conduzir de volta a Alto Paraíso. Me despeço de Fausto com um aperto no coração. Passara dias encantadores aqui, tal qual uma Alice no País das Maravilhas. Aprendi e desaprendi, chorei e ri, dormi em barraca com a cabeça pra fora da tenda olhando as estrelas até o olho cansar de tanta luminosidade. Foi um fartum de natureza, completamente desligada de tudo. Foi bom demais, além das minhas melhores expectativas. Como Gudu deixara o carro um pouco distante da entrada da fazenda, subimos a pé uma colina com um sol de 34ºC, o coitado carregando literalmente minha mala nas costas. E lá vamos nós pela estradinha cruzando com seriemas, perdizes e veados campeiros. Carcarás planam no céu azul. E as lindas calhandras já estão florindo de vermelho o cerrado goiano.
Tudo de bom esta Chapada dos Veadeiros! Quando chego em Alto Paraíso, visito Marcela acometida por uma crise de labirintite. Deitada na cama, a coitada, não pode se levantar sem ajuda, pois se assim o fizer se estabaca no chão. Ao seu lado, Misael, cuida dela com carinho e preocupação: “se eu pudesse passar esse desconforto que minha linda tem pra mim...”, comenta ele ao me levar ao portão com aquele jeito manso que o goiano tem no falar. Na terça-feira, pego o ônibus do Expresso Santo Antonio que vindo de São Jorge já está atrasado há mais de uma hora. Só as 11 aponta na rodoviária. Entro nele ao som de Manga Rosa, cantada por Alceu Valença que vem da lojinha em frente. Pois não é que o veículo, pra meu espanto, permite a entrada de cachorros?! Foi o que constatei quando ao fazermos nossa primeira parada (o ônibus não tem banheiro) num misto de armazém e restaurante, vejo um casal de hippies brincando com um filhote. Compro um pão de queijo, meio maçudo, e sento na frente do estabelecimento curtindo os dois casais de hippies que moram em São Jorge e estão indo pra Brasília no mesmo ônibus. O dono do tal cachorrinho fica catando piolhos na cabeça da namorada, uma mocinha magra de grandes olhos meigos que se sujeita pacificamente a tal prática.
Ele explica pro outro casal que, muitas vezes enquanto passa a mão no seu cabelo, vem ela cheia de lêndeas. Me enojo e espero eles entrarem no ônibus pra não ter perigo de eles se encostarem em mim e me passarem esses nojentos bicharocos! Em Planaltina do Distrito Federal, quando o ônibus pára na rodoviária, entra um vendedor carregando um tabuleiro com sacos de pipoca doce e salgada. Em Sobradinho, novamente entra outro vendedor, dessa vez, vendendo sorvete de copinho. Lembra-me o Peru com suas vendedoras de comida. Coisas de países pobres, mas eu gosto assim...desse jeito mesmo. Chego em Brasília às 15:40 e me toco paro o belo aeroporto JK entrevendo ao longe a praça dos Três Poderes. Embarco pra Porto às 18:50 e só chego em casa lá pela uma da manhã. Nada abala meu coração, ele tá quieto!

sábado, 8 de setembro de 2007

Na Parede

Ontem à noite o pessoal de Brasília que também está acampado aqui, em Macaquinho, fez uma janta muito gostosa. São três casais: Marcelo, Fernanda e seu filho de 4 anos, o Mateus, um amor de criança, inteligentíssimo, muito atento a tudo o que rola, Mara e Alessandro, Paulinha e Raul, vulgo Ratinho. Estes dois casais praticam escalada, inclusive Mara e Alessandro já foram donos de uma escola pra ensino e prática deste esporte. Paulinha e Raul foram, no início do ano, pra Europa escalar algus picos na Espanha e Suiça. Ficamos batendo um papo gostoso sobre as diversas modalidades do esporte enquanto cozinham um rangão legal na cozinha de Fausto: arroz com cenoura, purê de batatas e estrogonofe de atum. Marcelo, de todos eles, é o que mais curte cozinhar e sua comida é, deveras, saborosa. Dá pra perceber que ele gosta e entende do riscado. Em conversê com Paulinha após a janta, descubro que é brasiliense, filha de mineiros. A garota de 21 anos, muito falante e simpática, me aponta as diferenças entre baianos, goianos e mineiros. “Baiano te conhece na praia e já te convida pra ficar na casa dele. Se você ficar um ano, ele tá nem aí. Em troca, caso ele vá lhe visitar, fica o tempo que achar necessário, na boa.” Dá uma pausa, toma um gole de vinho e continua “já o mineiro te observa, te analisa, tem uma intuição fodida pra sacar, de cara, quem presta ou não. Ao perceber que você é gente boa, entrega as chaves da casa e se torna um amigo pra vida toda.” Mateus nos interrompe querendo brincar. Paula faz-lhe a vontade. Retorna ao papo, um pouco depois, do ponto em que havia parado “o goiano também é legal, se parece um pouco com o mineiro, contudo é mais turrão e menos flexível”, dispara ela. Fazemos uma fogueira e sentamos ao redor curtindo e conversando mais um pouco. Hoje, domingão, alto sol, calor pra lá de bom, me toco pra cachoeira das 3 Marias com eles. Vão praticar boulder nas rochas que contornam o rio. Eu, que há horas estou com vontade de entrar nessa de escalar, fico só observando. Mara me convida pra tentar, recuso. A fome aperta, deixo então eles ali e vou almoçar. Corto um tomate em rodelas e almoço o resto de purê que sobrara da véspera. Não demora muito, logo retorno à cachoeira. Eles ainda estão escalando. Dessa vez me animo e quando Mara me convida novamente, esfrego minhas mãos com magnésio e mando ver! Sinto-me tão contente pendurada naquelas pedras, tentando descobrir os pontos certos pra encaixar minhas mãos e pés que nem sinto medo. É bom demaiiiiisss!!!! Escalo três vezes o paredão e ambas me cumprimentam. Estou toda prosa, não preciso de mais nada hoje!!

quinta-feira, 6 de setembro de 2007

Santuário das Pedras

Resolvida a não passar meus últimos dias de férias em Alto Paraíso, que imaginei estaria lotada de gente em razão do feriado de 7 de setembro (decisão acertadíssima, já que meus prognósticos se confirmaram), combinara com Fausto - na noite da festa da Travessia - acampar em Macaquinho. Pego uma carona com ele aproveitando sua ida à cidade e de lá partimos em sua caminhonete, percorrendo os 47 km de estrada de areião que conduzem à fazenda, situada no km 152 da rodovia Go 118. Os cinco dias em que lá permaneço são de puro idílio com a natureza e comigo mesma. Nunca me senti tão solta e livre de ansiedades durante minha breve e intensa passagem neste lugar tão encantador. Associo sempre músicas aos lugares por onde ando e duas me acompanharam enquanto lá permaneço: Fazenda, de Milton Nascimento e Submission, de Miles Davis. Por motivos óbvios, a primeira não necessita de maiores explicações; já a segunda, escolhi-a como um hino de submissão (no bom sentido, claro) à beleza, ao silêncio do lugar e ao homem por quem me apaixonara. Assim, permiti que fluíssem os bons ruídos emitidos pelos pássaros, pela corrente incessante do córrego Macaquinho cujo leito d’água atravessa a propriedade e pela energia daquele homem. Tudo me seduz, não só a natureza discretamente exuberante do cerrado goiano como a figura de seu dono. Fausto é um atrativo a mais na paisagem. Delicio-me com suas idiossincrasias e seu jeito casmurro. Por trás daquela fachada sisuda, entrevê-se um não sei que leve e brincalhão. Velho e jovem, tosco e sensível. Encantador! Irrequieto, ele vai e vem, atento à chegada dos turistas. Sem falar nada, lança apenas um olhar de soslaio em minha direção. E escapole. "Não estou apaixonado por você", avisa, sincero. Eu nem pisco. Expressivo, demais, Fausto: o lábio inferior levemente projetado pra fora denuncia determinação e teimosia, o rosto é marcado por rugas acentuadas, contudo, a pele do corpo é macia e lisa. Orgulha-se de sua vida cheia de luta e do muito que batalhou pra alcançar o que conquistou Saiu de casa aos 18 anos e trabalhou com artesanato durante muito tempo. Não esquentava lugar. “Minha casa foi a BR por mais de 10 anos”, enfatiza orgulhoso. Levava junto a família. Constrói móveis e enfeites que adornam sua casa. Gosta de usar penas de pássaros, madeira, pedras e cordões que trança livre de pressa. As construções no Macaquinho foram boladas e construídas por ele. Estamos em sua aconchegante cozinha onde, no fogão de barro, o arroz e o ensopado de cará cozinham. Sobre a mesa está um prato de salada: repolho em tirinhas circundados por rodelas de cebolas e de tomates. Tudo no capricho. Provo, está uma delícia, repito com gosto sua comida. Surpreendentemente, para um homem sozinho, ele é muito cuidadoso com o asseio de sua casa. Ranzinza, escuto-o no domingo se queixar do lixo reciclável esquecido na cozinha por alguns turistas, murmurando entredentes “num gosto de lixo, num gosto." Quando começo a rir dele, sorri levemente, mas logo logo se recompõe e fecha a cara.
Retornando de Alto Paraíso, no sábado à noite, pra onde fora comemorar o 1 aninho de sua única neta, traz-me bolo e docinhos. Gentil, o Fausto. Os cabelos claros e lisos são compridos: mesmo assim já denunciam entradas profundas em sua larga testa. O nariz reto, bonito. Olhos de sapo. É o príncipe. Tá bom, assim, Faustooo?

quarta-feira, 5 de setembro de 2007

Ponte de Pedra

Para alcançar a Ponte de Pedra, sobe-se em meio a uma mata de galeria forrada de folhas secas. Há que se tomar cuidado na volta, ao descer, porque as folhas tornam o caminho pra lá de escorregadio, perigando se levar um belo dum tombo. Entretanto, no meio de tanta beleza, as queimadas não pouparam também este belo recanto do cerrado: no chão fofo de cinzas, fumegando aqui e ali, diversos troncos de árvores, ainda em brasa, são as cicatrizes deixadas pela ação deletéria do fogo. Após a subida, me deparo com um platô adornado por belas formações rochosas de cor escura em contraste com o solo de areia branca pontilhado de quartzito. Após uma curta descida surge a Ponte: um ma-ra-vi-lho-so arco de pedra de 30 metros de altura sobre o rio São Domingos. Um trabalho de erosão fluvial construído ao longo de milhões de ano e que deverá tomar outra forma daqui a tantos outros. Reflito com meus botões que a natureza é uma escultora sem pressa alguma pra terminar seus temas. Pensando bem, ela nunca os dá por encerrados. Mergulho no poço situado abaixo deste magnífico monumento banhando-me em suas águas claras e refrescantes. Descansados, Jair e eu subimos, novamente, atravessando um corredor de rochas irregulares que conduz ao alto da Ponte. Venta muito, lembro de Porto Alegre e da Patagônia argentina. Lá de cima, posso admirar as belas escarpas da serra de Santana e também do vão do Paranã. A extensa língua de fumaça denuncia a queimada mais além. Porra, gente, merda nojenta esse fogo, não dá trégua nunca! Abaixo, o rio São Domingos atravessa uma garganta que se estende em direção ao Parque. Na margem oposta à que nos encontramos, há uma cachoeira formando dois grandes degraus e um poço em cada um deles. A primeira queda, calculo, deve ser de 30 metros, a segunda talvez ultrapasse os 50 metros de altura. Aiaiaiai....que vontade de fazer um rappel nelas!! No retorno a Cavalcante, Jair, a meu pedido, põe um cd de Nelson Nascimento que se autointitula o “Rei da Pizadinha”. Trata-se de um novo jeito de dançar o forró com letras contendo duplos sentidos pra lá de maliciosas. Mais uma vez paramos no bar da Helia pra tomarmos nossa já tradicional pinga. Batizo este momento de "happy hour cavalcantense". Como chego cedo na pousada, ainda nem são 4 da tarde, vou explorar a trilha que leva à cachoeira do Rio São Bartolomeu e enveredo pela mais longa (há outra mais curta de apenas 30 minutos) chamada trilha do ouro com duração de uma hora e trinta minutos. As araras passam em par confirmando sua vocação de mútua fidelidade. O silêncio, vez por outra, é interrompido pelo grasnar barulhento das aves. Alcanço o belo Poço do Buriti, que antecede à queda d’água, assim chamado porque em uma de suas margens destaca-se, solitário, este belo exemplar de palmeira. Tomo mais um banho, o enésimo do dia, coisa boa! Apesar de ser meu último dia em Cavalcante, me consolo: retorno - graças a deus - não pra casa, mas a Alto Paraíso onde vou ficar mais uns dias. Coisa boa estão saindo estas minhas férias!

terça-feira, 4 de setembro de 2007

As flores do cerrado na Trilha do Rio Prata

No trajeto até às cachoeiras do Rio Prata, me encanto com as sucupiras carregadas de flores roxas e com os ipês amarelos pincelando de cor a paisagem. Observo que muitas sucupiras brancas, após a florada, exibem sementes ovaladas cuja tonalidade amarelo-claro adornam de dourado seus galhos já despidos de folhas. Algumas espécies de árvores, como a copaíba, exibem folhas, nesta época do ano, dum lindo tom avermelhado. Posteriormente, adquirem tonalidade esverdeada. Num folhudo pé de pequi, ainda se vêem vestígios de suas lindas flores amarelas. Esbeltas sempre-vivas destacam-se contra o azul do céu. O rio Prata é um complexo de lindas quedas d’água, não muito altas, formando poços de límpidas águas cor de mel onde são visíveis os lambarizinhos nadando no fundo de seu leito. Vejo planando sobre o rio muitos urubus, gaviões e carcarás. Nuvens fofas maculam de branco o azul claro do céu. Chama a atenção a quantidade de cupinzeiros espalhados pelos campos. Jair explica que isso se deve ao fato de da pobreza do solo causado pelas incessantes queimadas. Damos novamente carona, desta feita para um jovem casal de kalungas, carregando a moça um bebezinho que dorme tranqüilo em seu regaço. Também eles perguntam quanto custa o frete quando descem em Cavalcante!! Meu deus, se os nossos políticos agissem com a dignidade e honestidade dessa gente, o país seria bem menos pobre! Novamente sentamos no bar em frente à pracinha cuja dona, a simpática Helia, é boa de prosa. Diverte-se com as bobageiras ditas por mim, enquanto verte num copo uma dose caprichada de Seleta. Há uma sinuca no salão e  alguns homens disputam alegremente uma partida. A linda arara, do lado de fora, é um chamariz. Pousada num muro, passeia pelo estreito espaço emitindo seus ruídos característicos. Helia fala que se eu quiser tirar fotos posso pegá-la pois é mansa. Não me arrisco, acho a ave meio nervosa, não pára de emitir aqueles irritantes grasnidos. Jair, gentil, segura-a, enquanto filmo. Pois não é que a bicha lhe bica o dedo? Tadinho, levou a bicada que me estaria reservada, caso eu houvesse seguido o conselho da Helia. Ah, essa Helia....que marota!! Na pracinha em frente, meninos jogam bola enquanto num caminhão que passa os indefectíveis vendedores paraibanos, através do alto-falante, anunciam redes e colchas por preços convidativos. Ao lado do bar, um vendedor de caldo de cana extrai o suco naquelas engenhocas próprias para tal mister. Estou na boa, na santa paz de um lindo fim de tarde, curtindo este belo país, o meu Brasil! Quero outra vida, não, ô sô!

segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Um oásis em meio à aridez do cerrado

Para ir ao engenho onde se situam o sítio dos Kalunga e a cachoeira Santa Bárbara, subimos a encosta da serra de Santana, parando no mirante Nova Aurora para admirar o vale onde repousa Cavalcante. Avisto várias queimadas ao longe. Santo Cristo, quando isso vai acabar?! Jair pára mais uma vez para eu conhecer a cachoeira da Ave Maria que se apresenta quase seca. Chegamos no engenho dos Kalungas, um povoado habitado por descendentes de antigos escravos que vieram da Bahia, no século XVIII, fugindo dos maus tratos infligidos pelos senhores de engenho.
Fundado o quilombo há quase 300 anos, viveram os kalungas durante esse tempo todo em quase total isolamento, preservando, dessa forma, o dialeto africano e usos e costumes dantanho. Converso um pouco com um dos que se encontram abrigados do sol a pino sob um alpendre forrado com folhas de indaiá. Interfere na conversa um senhor deitado na rede que se queixa de dor de cabeça. Pergunto se a dor é da cachaça. Ele me informa que “não, dona, num bebo não. Fiquei assim de ajudar a levantar uma mulher muito pesada dia desses, daí machuquei a coluna”. Amarrado à sua testa há um pano cobrindo várias folhas de arnica. "São pra aliviar a dor", explica. Jair e eu tomamos o rumo da trilha que conduz à cachoeira Santa Bárbara. O dia, à semelhança dos outros, continua esplêndido: quente e seco. A claridade do sol ofusca os olhos e sinto seus raios queimando a pele. Após 1:30 caminhando na plana estradinha quase sem sombra, chega-se à primeira queda d’água, uma cascatinha cujas águas jorram num pequeno poço de águas surpreendentemente azuladas, ao contrário da maioria dos outros em que a água sempre verde, só varia de tonalidade, ora apresentando-se mais escura ora mais clara, dependendo do tipo de rocha em seu fundo e da profundidade dos poços.Seguimos por um caminhozinho lateral à cascata, alcançando então a segunda queda. Esta, bem maior, deve ter uns 30 metros. Nesta época do ano, o sol incide nos poços das 12 às 15 horas tornando suas águas azuladas tanto em razão da areia fina e branca quanto do claro substrato rochoso depositados em seu fundo. É um oásis de rara beleza em meio à aridez da região em seu entorno. Apesar da frialdade da água, não poderia passar em brancas nuvens e não mergulhar no poço. O ruim é o primeiro impacto, depois o corpo se acostuma à fria temperatura e começo a curtir demais a limpidez da água distinguindo perfeitamente até os pequenos sinais nas minhas pernas. No retorno à Cavalcante, damos carona pra dois kalungas, o seu Antonio e seu Ambrosio, ambos já de idade, magros e altos. Contrariando minha natureza palradora, fazemos o trajeto de pouco mais de uma hora em agradável silêncio. Ao descer do carro, perguntam quanto custa o frete...pode?!! Coisa mais mimosas eles. Claro está que nada lhes cobramos, bem capaz! Ao passar pela praça da cidade, chama minha atenção um boteco com mesas na calçada - não resisto! - e peço a Jair que pare. Sentamos, bebericando eu uma cachacinha, a gostosa Seleta, ao passo que Jair curte uma cervejinha bem gelada.
Tão gostoso aqui, nem dá vontade de ir embora. Mas a fome tá batendo e voltamos pra pousada tratar de comer a excelente refeição preparada por Carla, mulher de Richard. É uma cozinheira de mão cheia e faz de tudo, desde os pães, bolos e biscoitos do café da manhã assim como as comidas servidas no almoço e janta. Sua comida é trilegal, destacando-se a geléia de pimenta que uso pra besuntar o peito de frango. Cuido logo de comprar um pote. Levarei de presente pro meu querido filho Raul. À noite, as indefectíveis queimadas lambem como rastilhos de pólvora a serra de Santana. Embora seja triste de ver o cerrado incendiando-se, não deixa de ser um espetáculo pirotécnico aquele rastro de fogo colorindo de vermelho a escuridão da noite.

domingo, 2 de setembro de 2007

A falsa lua em Cavalcante

Meu último dia com o grupo, que pena! Adorei a companhia daquelas pessoas, tão dispostas a fazer da convivência algo leve, alegre e sem encucação. Com certeza, sentirei a falta de todos desde a meiga Mariana, do circunspecto Francisco, do risonho Ricardo, do irônico Pece, de Valéria, uma carioca de fé, de Tika, a reservada, do som macio da voz de Mariane, de Nuria, a caçula da turma, de Isval, um pé de valsa de primeira, do bonitão Bruno e de Claudia, minha irmã de signo. Almoçamos juntos no restaurante Jamba Laya cuja comida - bufet de pratos quentes e saladas – foi de longe a melhor de todas até então. Confraternizamos alegremente enquanto Pece puxa o coro do mantra do Alecrim que entoamos com animado fervor. Após as despedidas, com promessas mis de novos reencontros, vou a Cavalcante, agora sozinha, mais Jair, guia e motorista. Enquanto rodamos pela GO 118 em direção ao norte do estado, Alto Paraíso e sua serra da Baliza ficam pra trás. Durante o trajeto de 90 km, as queimadas, amiúde, denunciam-se pelas trilhas de fumaça que se espalham ao longo das encostas das serras. Jair entra numa estradinha vicinal para que eu conheça a cachoeira do Poço Encantado. De todas as que conheci é a que menos curto. Não pelo pouco volume d'água (afinal, estamos na época das secas), mas porque foi contruído em seu entorno uma estrutura de balneário, retirando-lhe o sabor de "escondida no meio do mato". Civilizada demais....pro meu gosto, evidentemente! O calor é intenso e entro n’água pra me refrescar. Subimos a trilhazinha que leva a um quiosque, e bebo uma água de côco, contente de ainda estar com o pé na estrada. Já em Cavalcante ou Cavalquente, assim apelidada porque suas temperaturas são mais elevadas que as de São Jorge e Alto Paraíso (está a uma altitude menor, de 800 metros), percebo que a cidade não é tão charmosa quanto Alto Paraíso. Circunda-a, entretanto, a bela serra de Santana. Estou, agora, acomodada num dos chalés da Pousada Vale das Araras, distante da cidade 8 km, esperando que Jair venha me buscar pra jantarmos.
Escolhemos a pizzaria Roots, recomendada por Richard, o proprietário da pousada. O lugar é muito legal: aproveitando o terreno pedregoso, seus donos construíram charmosos recantos onde crescem jabuticabeiras, a esta época do ano, carregadas de frutos maduros. Jair e eu colhemos algumas e as saboreamos: constituem-se num gostoso aperitivo antes que a pizza seja servida, aliás, bem gostosa. Uma melodia chama minha atenção e fico sabendo que se trata de Jaildes da Cruz, compositor nascido em Tocantins, dono de um repertório de toadas regionais. Jair, durante a janta, me surpreende com sua safa sabedoria interiorana. Discorrendo sobre as construções feitas com adobe, comuns na região, explica que se fosse morar no Rio de Janeiro, em alguma de suas favelas, onde as balas correm soltas, faria sua casa deste material porque mais denso que o tijolo de cimento. Acrescenta que não os colocaria, contudo, na horizontal, como é hábito, e sim na vertical, de modo a diminuir o impacto dos projetis. Eta, guri esperto esse! De volta da pizzaria, sentada do lado de fora de meu quarto, enquanto beberico uma cachacinha de arnica, aprecio a noite estrelada sem nuvens. Vislumbro, atrás da serra de Santana, um clarão avermelhado, me assanho e murmuro pros meus botões: deve ser a lua ainda banhada pelos raios do sol! Qual o quê! Mais um foco de incêndio castigando o cerrado.....humpf, eu podia passar sem essa, ora!

sábado, 1 de setembro de 2007

Rappel nas Cachoeiras do Rio dos Couros

Acordo entusiasmada já que vamos fazer dois rapéis no Rio dos Couros, distante mais de 50 km de Alto Paraíso. Saímos da rodovia GO 118 e entramos numa estradinha de terra pra lá de esburacada e empoeirada. As árvores mais próximas estão esbranquiçadas do pó levantado pelos veículos que por ali trafegam. Não chove há meses no cerrado. A trilha que conduz ao local do primeiro desnível do rio dos Couros é curta, não mais de 2 km. Lá de cima enxergo uma sucessão de quedas e piscinas por onde o rio serpenteia formando um canyon cujo desnível atinge 300 metros. Inicio a descida do primeiro rappel - 25 metros – e dou uma resvalada na pedra molhada caindo de lado; respiro fundo e trato de me firmar na corda, encaixando os pés corretamente nas pequenas brechas entre as pedras. Consigo descer na boa enquanto Zói me incentiva fazendo a segurança num largo terraço situado mais abaixo. A outra descida, igualmente de 25 metros, entretanto é mais fácil porque desvia da queda d’água. Deslizar pela rocha seca é moleza, o pé não escorrega e me sinto mais segura. Atinjo um estreito patamar sem maiores dificuldades onde Íon faz meu backup até me enganchar na corda que desce até ao poço situado 12 metros abaixo. E lá vou eu deslizando a uma velocidade de aproximadamente 40 km/h quando bato com os pés n’água. Esquecendo de encostar o queixo no peito, levo um forte laçasso no pescoço. É minha primeira tirolesa e não curto muito, não. Prefiro mais rapelar. O pessoal que descera antes de mim estão, alguns deitados sobre os largos lajedos à beira do poço, enquanto outros sentam-se encostados num paredão alto e rochoso mais adiante. Pacheco nos convida pra ir até onde o rio dos Couros despenca num declive maior que os anteriores. Pra isso temos de cruzar a nado um largo e fundo poço até atingir a margem oposta de onde se avista o rio descendo abrupta e verticalmente sobre as rochas, perdendo-se de vista no canyon situado a uns 50 metros abaixo já que uma curva acentuada à direita o engole de vez nos desvãos dos paredões rochosos. Retornando ao lugar onde está estacionada a van, paramos para um último banho numa prainha coberta de areia fina e branca. O sol, já baixo no céu imaculadamente azul, incendeia as rochas acentuando sua coloração ocre em contraste com o verde das árvores. O final de tarde tinge-se de azul, branco, vermelho e verde. Suspiro emocionada, estou apaixonada em definitivo pelo cerrado goiano! Não quero mais ir embora daqui, resmungo com meus botões. Porém o dia cede lugar à noite e estou eu agora em Alto Paraíso, num restaurante onde está rolando a festa oferecida pela Travessia em comemoração aos seus 10 anos de atividade. A música ao vivo faz com que eu levante da cadeira e comece a dançar apesar do cansaço do longo dia de atividades. A batida de maracujá feita pela Marcela está divina. Belisco uma delicada empadinha recheada de palmito e tomate: uma gostosura! E a lua cheia já perdeu um naquinho de sua superfície redonda. Mesmo assim ainda explode branca no escuro da noite.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

Fazenda Macaquinho

Hospedada na pousada Jardim do Éden, cuja dona, a meiga Lucia Helena, cultiva um herbanário onde crescem as mais variadas ervas que se possa imaginar, somos, eu, Pece, Francisco e Ricardo mimados como filhos por ela que, entre várias gentilezas, deixa no nosso quarto sobre a cama uma erva cheirosa diferente a cada dia, juntamente com um texto de sua autoria repleto de mensagens otimistas e amorosas. Seu maravilhoso café da manhã cheio de comidinhas integrais de alta qualidade além de super nutritivas são enfeitadas com pétalas de amores perfeitos. Somos sempre recebidos quando voltamos de nossos passeios com um chá de ervas para combater o que ela chama de imperil, que vem a ser um cristal que se aloja no fígado e causa vários males à saúde. O tal de chá aliás torna-se uma sensação e o resto do pessoal que está alojado em outra pousada, vem no dia seguinte bebê-lo para também usufruir de seus efeitos benéficos. Pra variar, Pece, que não perde uma oportunidade pra gozar de tudo e todos que afrontam sua lógica cartesiana, funda a confraria Unidos do Alecrim. Até reza o diacho do homem inventa a partir de um texto da boa Lucinha: “A vida é bela, o mundo é perfeito, obrigado Alecrim!” Somos obrigados por ele volta e meia a repetir tal mantra, estendendo as palmas da mão pra cima e revirando os olhos. Meus deus, nem acredito que entrei nessa...porém entrei! Bueno, bem alimentada após o lauto desjejum, vou então conhecer a fazenda Macaquinho, situada no vale do Macaco. Rebatizada pelo seu proprietário, Fausto Souza Melo, de Santuário das Pedras, esta propriedade é um jardim do éden encravado em pleno cerrado da Chapada dos Veadeiros. Banha-a o ribeirão Macaquinho que forma várias cachoeiras como a do Sereno, Pedra Furada, das Andorinhas, da Caverna, cujo poço adentra uma funda gruta e a do Encontro, assim chamada porque os córregos Macaquinho e do Fundão confluem resultando na linda queda que despenca num poço de água verde-escura. A vegetação é de cerrado rupestre, conforme me explica Pacheco. A trilha, curta - não atinge 2 km - não oferece maiores dificuldades, excepto por um trecho em aclive calçado por troncos de madeira de cor amarela formando degraus encimados por um pórtico enfeitado com diversas mandalas. Bem cuidadoso o tal de dono. No retorno, paramos na cachoeira do Sereno e por lá ficamos um bom tempo tomando banho em suas águas, conversando e lagarteando ao sol deitados nos lajedos que circundam o poço. Saímos de Macaquinho, não sem antes o dono nos oferecer, gentilmente, uma arnica (acho que é a cachaça oficial da região, pois é servida em quase todos os lugares por onde andamos). Ao entardecer, retornando a Alto Paraíso, obrigamos Hugo, o motorista, a parar a van, de modo a apreciar o belo pôr do sol escondendo-se atrás das serras. Todos descem do veículo e as máquinas explodem em flashes ensandecidos. Não basta apenas reter na memória tal instante, a recordação tem de ser digitalizada, ora pombas!

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

Arco-íris no rappel

Sentadas em um banco no jardinzinho da pousada em São Jorge enquanto esperamos pra irmos à Fazenda São Bento, Valéria que, desde ontem se sente mal do estômago, a conselho do massagista com quem na noite anterior havia entregue seu corpitcho sarado para relaxar das trilhas até então feitas, chupa compenetradamente uma laranja, daquelas azedas, usadas pra fazer doce em calda, fazendo horríveis caretas enquanto ouve as prescrições do paramédico- massagista que lhe aconselha entre outras coisas a não beber leite porém “um traguinho tá liberado”. Ora, Pece que vem chegando e se inteira do fato, não crê no que seus olhos estão presenciando. Indigna-se naquele seu jeito gozativo e começa a desancar o pobre homem. Não contente, o demolidor Pece desfaz da credulidade de Valeria a quem chama de tonta! Foi risada geral porque realmente a cena é muito engraçada. A pobre coitada penando pra comer toda a laranja enquanto Pece desfia sua lógica cartesiana de economista tentando convencê-la e a nós também da tremenda esparrela em que Val caíra. Descubro, tardiamente, um bar, quase em frente à pousada, cujo dono, seu Claro, vende uma cachaça de arnica dos deuses! Nem hesito, compro meio litro da pinga e o simpático velhinho deitado na rede armada no interior de seu comércio me avisa que a beberagem “é casadeira, moça”. Respondo que se não conseguir um marido, volto à São Jorge pra casar com ele. Ri deliciado da minha resposta, o seu Claro. Passamos a manhã na Fazenda São Bento rapelando a cachoeira Almécegas 1, uma queda d’água com 45 metros que termina num lindo poço de águas esverdeadas. Quando estou no fim da descida sabe o que me espera? Um arco-íris colorindo o poço! Terminado o rapel vamos pra outra cachoeira, situada um pouco mais adiante, a Almécegas 2, menor que a anterior, onde nos esbaldamos no seu lindo poço de largos lajedos. Por lá ficamos até o meio da tarde, quando então embarcamos na van e vamos conhecer outra propriedade, o Portal da Chapada. Nesta fazenda, foi construída uma trilha de 3.200 metros sendo 2.400 metros sobre uma passarela de madeira que atravessa uma mata galeria por onde flui o rio dos Couros. Pode-se observar durante o percurso uma grande variedade de árvores: copaíbas cuja resina serve pra fins medicinais (a casca que reveste o tronco é fina tal qual uma lâmina, de cor avermelhada), almécegas (sua resina é cheirosa e usada como incenso), angélicas, babaçu, murici cuja flor amarela é miúda, murtinha, peroba, quina branca e muitas outras variedades de vegetação típica do cerrado. Chama-me atenção a semente da peroba branca: fininha e meio amarelada é envolta por uma casca esverdeada com uma tessitura acamurçada. De volta ao aprazível restaurante dividido em dois grandes ambientes abertos e cobertos de folhas de indaiá, compro na lojinha de conveniências um livro super legal intitulado 100 Árvores do Cerrado.
Consternada fiquei quando, ao retornar de Cavalcante, soube que uma queimada incendiara todo os recintos do Portal da Chapada. À tardinha, retornamos a Alto Paraíso e vamos almoçar no restaurante Bom Fass. Pacheco me assopra que o dono é gaúcho. Fico bem contente quando, em viagem, encontro um conterrâneo. Não perco tempo e logo entabulo um conversê com o Atila Damasceno, como ele se chama. Descubro que já vive há 15 anos na cidade. Conta-me que é primo-irmão do André Damasceno, humorista, a quem admiro por sua caracterização de magro do Bonfa, além de imitar várias personalidades famosas, destacando-se a hilariante imitação de Leonel Brizola. Este mundo é bem pequeno, pois não?

quarta-feira, 29 de agosto de 2007

Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros

Encontra-se o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros no vale do rio Preto delimitado a noroeste pela onipresente serra de Santana que se estende até Cavalcante, distante 100 km. São duas as principais trilhas no Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, com cerca de 6 km cada uma: a que leva aos Canyons 1 e 2 conduz também à cachoeira das Cariocas. Os canyons em época de cheia ficam fechados à visitação porque o rio Preto apresenta grande vazão de água impedindo a sua travessia. A outra segue até as Pedreiras bem como aos Saltos 1 e 2.
Foram estas duas últimas as percorridas por nós. Caminhando em meio a uma diversidade incrível de árvores e arbustos chamam a atenção as onipresentes moedas com suas delicadas e redondas folhas verdes, as mimosas, flores de cor rosa, compostas por pequenas pétalas tipo plumas, além dos buquês de noiva exigindo atenção com seu chamativo rosa pink. Os chuveirinhos e sombreiros dão seguido o ar da graça, alcaçuzes do cerrado com sua coloração azulada competem com o azul do céu e as poaias, lindas, avermelhadas, em forma de pingente, destacam-se em meio ao verde do cerrado. Das árvores, chama a atenção a quina branca com seu tronco recoberto por uma grossa camada de casca que serve de isolante contra as queimadas, a faveira do campo cuja resina, a rutina, cura problemas circulatórios. Os candombás e canelas de ema abundam, entretanto, ainda sem floração. Gudu me explica que, inobstante certas árvores produzirem frutos saborosos, lhes são atribuídos nomes pouco atraentes como marmelada de cachorro e cocô de arara. Ah! Esse imaginário popular! Pacheco pára e chama atenção para os grandes cupinzeiros que tanto são construídos no solo quanto sobre os troncos das árvores. Aponta um buraco na terra e conta que o garimpo iniciou na região no início do século XX e o quartzo extraído foi e é ainda muito usado na indústria eletrônica em razão da grande quantidade de silício em sua composição. O chão coalhado de pequenos pedaços de quartzito, alguns tão transparentes como vidro, faiscam à luz do sol. Chegamos ao Salto 2 ou cachoeira do Rio Preto, queda d’água com 120 metros. Paramos no mirante e alguns de nós sacam seus lanches das mochilas e por ali se ajeitam, tentando encontrar um local com sombra, mas está difícil. A trilha não apresenta maiores dificuldades, há um trechinho um tanto íngreme mas nada que faça a gente desanimar. As folhas estalam de tão secas quando se caminha sobre elas e muitas das árvores com seus galhos marrons e secos, aparentemente mortas porque despidas de folhas, tornam-se verdes quando inicia a temporada de chuva que neste ano está demorando a chegar. O calor se faz sentir com força total e quando chegamos no Salto 1 ou cachoeira do Garimpão, uma bela queda com 80 metros de onde o rio Preto despenca voluptuosamente, vou em busca de um lugar sombreado. Apesar da preguiça em ter de retirar as botas, short e regata, mergulho nas águas frias do rio e nado um pouco até que a fome bate e vou comer meu lanche. Mas ainda tem mais um lugar pra conhecer: as Pedreiras. E lá vamos nós em direção contrária à correnteza do rio, num local situado pouco acima dos Saltos, onde o rio Preto flui preguiçosamente em meio a grandes lajes de pedra formando poços e pequenas corredeiras turbulentas que cumprem seu papel de hidromassagem para gáudio do grupo. O dia não poderia ser mais perfeito, a estradinha de areia branca e fina, céu azul, sol, calor e paz, muita paz! Dispenso a van e volto a pé até a Vila, distante pouco mais de 1 km. Valéria e eu resolvemos explorar as ruazinhas de São Jorge antes de irmos almoçar no restaurante de Dona Nenzinha. À noite, aqueles do grupo que estão hospedados na Pousada da Trilha Violeta (a maioria, aliás) decidem prolongar a noitada e vamos à cata de um bareco pra tomar a saideira.
E lá ficamos entre chistes e muitas risadas, bebendo caipirinha de laranja já que a dona, uma moça já bem grávida, nos informa que não há limão. A lua surge vermelha no céu, ohs e ahs de admiração substituem por minutos o falatório animado. Só faltava o bravo santo guerreiro passar zunindo e nos abençoar...pois é!

terça-feira, 28 de agosto de 2007

Vale da Lua e Encontro das Águas

Louquinha pra conhecer o famoso Vale da Lua, embarco na van com meus companheiros. Na breve trilha que conduz ao local, avisto ao longe a serra do Segredo que se estende à oeste acompanhando o rio São Miguel cuja nascente se encontra na Serra do Buracão, passa pelo vale da Lua e desemboca no Tocantinzinho situado a cerca de 50 km. O vale, com uma extensão de pouco mais de 3 km, é um suceder de rochas acinzentadas, exibindo em sua superfície ondulações suaves cujas formas lembram o suave relevo de dunas. No interior das rochas, encontram-se piscinas de águas transparentes e pequenas cascatas surgem das dobras das pedras espalhando barulhentamente a água fria e branca. Minicavernas apontam em meio aos rochedos revelando-se um esconderijo ideal contra o forte sol da manhã. Raras nuvens aqui e acolá tingem o azul do céu. Besouros zumbem no ar. Quer coisa mais maravilhosa? Vou ao encontro do grupo que brinca, tal qual crianças arteiras, de escorregar num tobogã escavado nas rochas. Peço emprestado de Francisco seu snorkel e mergulho numa pequena piscina explorando as rochas que formam arcos sob a superfície d’água. Volto à tona meio engasgada e peço instruções a Gudu sobre o modo correto de usar o aparelho. Mergulho novamente e nado quase rente às rochas do fundo do laguinho tal qual uma cobra d’água, assim suponho eu. Já cansada de tanta atividade dentro d’água, sento perto do grupinho formado por Claudia, Valéria, Mari e Heidi que conversam sossegadamente como se fossem velhas conhecidas. Trato de prestar atenção e logo logo estou tagarelando bem animada com Valéria. Pacheco nos chama pra irmos embora e lá vamos nós de volta à Vila. Descansamos um pouco na pousada, antes de rumarmos à Fazenda Encontro das Águas, nosso próximo passeio do dia pra conhecer o local onde o rio São Miguel deságua no Tocantinzinho. Excepto o Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros, todos os passeios que fiz em Alto Paraíso, Vila de São Jorge e Cavalcante são em propriedades particulares, cujos ingressos custam em média R$ 7,00. As trilhas bem cuidadas e demarcadas, dispensam, portanto, a presença de guia, se a pessoa assim o preferir. Num certo trecho da trilha, um pouco mais longa que a da manhã, Pacheco chama nossa atenção para o ponto de encontro dos dois rios que se avista do alto da colina onde nos encontramos. Descemos até o rio São Miguel e o atravessamos andando por seus extensos lajedos de rocha. Até então o rio vinha fluindo em uma superfície plana quando então desaba abruptamente por um desnível nas rochas dividindo-se em duas quedas d’águas simétricas e paralelas. Avançamos até o lugar onde se pode admirar a sua confluência com o belo rio Tocantinzinho, assim chamado em Goiás, porque é um tributário do Tocantins cuja foz deságua na baía de Marajó. Suas águas até então mansas, quando entram num desfiladeiro formado por estreitos paredões, iniciam uma descida turbilhonante escorrendo espumosas pelo desnível de seu leito. Passeando por suas margens, leio em uma placa a advertência “siga em frente ----> quenio para banho. Perigoso para quem não sabe nadar”. Dou tratos a bola procurando entender o significado da palavra “quenio” até me dar conta de que é canyon. Às 5 da tarde, voltamos pra sede da fazenda onde nos é servido um almoço feita por Dona Odesia, dona do restaurante situado na propriedade. A comida bem caseira, aliás como quase todas as que nos foram servidas durante os passeios, é farta e saborosa: galinha caipira, carne ensopada, feijão tropeiro, arroz com açafrão, arroz branco, feijão claro, massa, saladas de alface e agrião, cenoura e beterraba, tudo plantado na horta cultivada ao lado da casa. O calor, delicioso, bate ainda nos 30ºC. Pra terminar o dia, estou agora mergulhada numa piscina de águas quentes situada na Fazenda Rio Vermelho, bebendo vinho tinto enquanto Gudu serve uns salgadinhos pra gente. A lua cheia já se avista no céu claro. Quer coisa melhor da vida? Pois teve mais, siiim! Como queria muito ver o Vale da Lua à noite, paguei um extra e fomos pra lá, eu, Hugo, motorista da van, Pacheco e Zói. Havia lido na internet que quando há lua cheia os seus raios incidem no quartzito incrustados nas rochas e tudo se torna fosforescente, irradiando um brilho intenso. Claro, que estava super a fim de ver tal espetáculo. A lua cheia iluminava as rochas com alta nitidez pero nada dos tais brilhos nas suas superfícies. Penso com meus botões que certas coisas que se lê na internete não são lá muito críveis. Mesmo assim está tudo tão lindo que nem me incomodo. Ficamos umas duas horas deitados, cada um na sua, pensando na vida, curtindo a paisagem meio lunar do vale até que tal qual uma Cinderela, vamos embora passada a meia-noite. Vá que o lobisomen chegue, não é mesmo? Ui, que medo! Caminhando pela trilha que leva ao estacionamento, paro pra fazer xixi e sei lá por que resolvo olhar pra baixo e o que vejo me surpreende: pois não é que desenhado na areia urinei o mapa do Brasil? Excitada, chamo Pacheco e Zói pra que testemunhem o estranho fenômeno produzido por mim. Boquiabertos, perplexos e mudos, eles apenas balançam a cabeça. Gente, eu que nunca tive queda pra desenho, ainda assim consegui fazer da minha bexiga um magnífico pincel! Até hoje estou pasma, acreditem!