domingo, 10 de junho de 2012

Pedalando com JC

Corpus Christi chegando - ebaaa - e lá vamos eu mais Gringolinda direto e reto a Bento Gonçalves nos reunir com uma galera pra pedalar durante os 4 dias desse feriadão!! O tour ciclístico percorrerá o Vale dos Vinhedos e cada dia de pedal finaliza com degustações nas vinícolas da região. Boas cristãs que somos, eu e Gringolinda vamos celebrar a santa data, tratando de obedecer com fervor ao pedido de Jesus na Última Ceia: "Este é o meu corpo... isto é o meu sangue... fazei isto em memória de mim". Mas bah, tche Cristo, o que tu não me pede chorando que eu não faço sorrindo, hein? Quando chegamos a Bento, o grupo já lá se encontra. Durante o almoço, no hotel bacanudo onde estamos hospedadas (difícil de acreditar, eu sei, mas acabamos por nem usufruir da piscina térmica, sauna e outros confortos oferecidos!), vou conhecendo as pessoas com quem conviverei. Haja memória pra gravar 18 nomes!! Pois não é que o grupo composto por tanta gente, só tem 2 representantes da ala masculina?! Hahahaha!! Ou vai ser muito bom ou uma merda total. Se der zebra de o mulherio todo ficar na TPM, sai da frente. Nem sessão de exorcismo com junta de 5 padres resolverá!! Mas as gurias, todas circulando entre os 30 e os 40 aninhos, se mostram agradabilíssima companhia. Gozando de bom equilíbrio mental (muita psicóloga no grupo, viu?), não fazem feio também no equilíbrio físico, pedalando com garra nas estradas de chão batido, subindo e descendo empinadas ladeiras, além de enfrentar baixas temperaturas, dignas dum inverno gaúcho, a ponto de travar mandíbulas, tão frias estão sendo as manhãs. Com exceção de mim e de Gringolinda, o resto do pessoal, desacostumado aos rigores invernais, já que oriundo de Sampa, Brasília, Rio de Janeiro e Ceará, suporta em alguns momentos frio de renguear cusco. E, nós, os gaúchos, que adoramos nos balaquear nessa questão climática, alardeávamos todos prosas: “9º C? Bah! Faça-me o favor, que frio que nada!” O primeiro dia foi light, pois pedalamos apenas durante a tarde. Infelizmente, não pra Angélica que, ao descer os Caminhos de Pedra, atualmente asfaltado, caiu de mau jeito e fraturou uma clavícula. O pedal terminou ali pra pobre criatura e ela retornou antes do planejado pra casa. Os três guris donos do Caminhos do Sertão, agência especializada em cicloturismo, localizada em Floripa, inteligentemente, deixaram a degustação de vinhos por último. Assim, das vinícolas saíamos direto pro interior duma van, nos esperando sempre a postos ao final de cada dia. Com exceção da Miolo, onde a degustação foi minimalista (eita vinícola sovina!!), sendo servida uma gota em cada cálice, nas demais, Dom Giovanni, Valmarino e Marco Luigi, as taças eram generosamente renovadas à la vonté!! Deixávamos as adegas, naquela euforia, típica das libações alcoólicas, mas em perfeita segurança. No segundo dia, um pedal tranqüilo pela parte da manhã, percorrendo o vale Aurora, com parada pra lanche na propriedade da família Tasca. O ponto forte da refeição são fumegantes pães embrulhados em palha de milho, recém assados em forno de tijolos, complementado por todo aquele kit característico dos cafés coloniais: biscoitinhos, cucas, nata, paio, queijo e geléias caseiras, além de muito suco de uva artesanal. Fartamente alimentados, reiniciamos a pedalada até alcançarmos o paredão Eulália, um aclive que perfaz mais ou menos 5 km de distância. Eu mais Menina Polly largamos as bicis e vamos a pé enquanto a maior parte da galera sobe na van. Angélica, maratonista, intercala corrida com caminhada, enquanto, Antonio, seu namorado, pedala lentamente ao seu lado. Pra quem retomou o pedal após 2 meses de molho devido a uma luxação na clavícula, 21 km, intercalando asfalto e caminhos de terra, até que tem rendido. À noite, no hotel, um show nos aguarda. Artistas amadores encenam quadros que representam a vida dos imigrantes italianos no início de sua chegada ao Brasil. Entre várias canções típicas, a indefectível La Bella Polenta. Embora seja descendente de italianos, esse tipo de manifestação não me comove. Muito pelo contrário, me entedia profundamente já que são de execução deveras canhestra. O terceiro dia nos reserva uma distância de 28 km com altimetria tão acentuada quanta a do dia anterior. A essa altura, os galos cinzas do pedal já se revelaram - por óbvio, não incluídos nessa conta, os donos do Caminhos do Sertão, cujo dever profissional os obriga a pedalar bem –, destacando-se Sara, a única estrangeira do grupo, dona duns pernões poderosíssimos, adquiridos graças à prática regular do esqui no velho mundo; Erica que, embora miúda e gordinha, mandou super bem nos 3 aclives perrenguentos, e, por fim, Renato, dono de proeminente abdômen, feliz que nem pinto no lixo por estar no meio do mulherio. Não posso deixar de registrar a observação que não quer calar. Como os barrigudos pedalam bem! Euzinha, toda magrinha, não dou conta de certas lombas, ao passo que os faceiros barrigões seguem em frente quebrando cascalho e mandando ver nos íngremes paredões! Que resistência invejável, benza deus! Bueno, seguimos de van até Nova Roma do Sul, pequena cidade situada às margens do rio das Antas, onde tem início o pedal. Um frio de azular beiçolas nos obriga a descolar um lugar pra bebericar um cafezito enquanto os guris do Caminhos do Sertão dão o habitual trato matutino em nossas magrelas. Boa parte do passeio transcorre ao largo do rio. Assim, tem-se como trilha sonora o murmurar delicioso da correnteza fluindo sobre o pedregoso leito, ótimo à prática do rafting. Após 16 km de pedalera, percorrendo uma sombreada estrada de chão batido, paramos pra almoçar junto à imponente ponte de ferro, construída no inicio do século passado, durante o governo de Getulio Vargas. Enquanto o almoço está sendo preparado (um lanchezito no capricho), ficamos lagarteando ao sol, sentados no parapeito da ponte. Compro, então, um dedalzinho de conhaque num quiosque de madeira. Bom pra aquecer os ossos e abrir o apetite. Após o ranguinho, retomamos o pedal até a vinícola Valmarino, onde provo uma graspa de primeiríssima qualidade. Foi dia de entortar o pau da bandeira. Salvo melhor juízo, exceto o motorista, ninguém passaria num teste de teor alcoólico. Além do muito que provamos na vinícola, cujas taças não permaneciam um segundinho vazias, consumimos mais um tanto durante a viagem de retorno a Bento. Renato e Rosaura apresentam mais vinho e espumante, adquiridos justamente com o sadio propósito de fazer frente à viagem de uma hora que temos pela frente. Daí já viu né? Inesita soltou a franga e incorporou La Muchachita, narrando causos hilários de quando era casada. Sara, na manhã seguinte, comenta que eu dava risada durante o sono. Pudera, tomei um valente tragoléu! Tanto que acordo meio indisposta e mal provo os excelentes vinhos servidos durante a degustação na Marco Luigi. Dou apenas leves bicadas num Marselan, uva de sabor desconhecido ao meu paladar. O domingão, contrariando os dias anteriores, todos com sol forte e céu azul, já se mostra casmurro, confirmando a previsão meteorológica de céu encoberto e possibilidade de chuvas no decorrer do período. Estamos nem aí. Hoje até permitimos que São Pedro despeje seu mau humor sobre nós, simples mortais, hehe. Pedalando no interior da vinícola, reflito como devem ficar lindos esses parreirais na primavera e verão! Agora, no outono, são uma desolação só, despidos de folhagem. E novo acidente acontece, dessa feita com Gringolinda! A guria, nascida e criada na serra, adora descer a pau tudo que é declive. Tanto que se entusiasma no asfalto da Rota do Sabor e manda ver soltando os freios. Quer a destemida gringa quebrar seu próprio recorde, alcançado no dia anterior, quando desceu a 46 km/h uma trilha de chão batido. Agora que tá pedalando numa via asfaltada, pensa, com seus botões, que será fácil bater nos 50km/h. Porém surge em seu caminho um maldito quebra-molas justo quando ela atinge 49km/h! Sem chance de frear, Gringolinda ultrapassa o traiçoeiro calombo mas perde o equilíbrio quando a bici aterrissa, rolando que nem bola em gramado após o espetacular tombo. Afora o capacete em frangalhos, uma desorientação passageira, alguns hematomas na coxa, um esfolado no pulso e uma leve contratura na cervical, o acidente não lhe rendeu maiores seqüelas. Graças a deus, porque só assim todos nós aproveitamos de coração leve, inclusive ela, a excelente refeição preparada por Dª Odete, proprietária da Osteria Della Colombina. O almoço caseiro, composto por comidas tipicamente italianas, é duma simplicidade difícil de imitar. Faz com que todo mundo se torne guloso mesmo aqueles comedidos à mesa. Quando se pensa que o festival gastronômico terminou, entram em cena as sobremesas, postas numa mesa à parte. Putz grila, eu que já tava de pancinha cheia, trato de cavar mais um espacinho em meu abarrotado estômago. Pra arrematar, são oferecidas delicadas pascoalinas, pãezinhos salgados em formato de pomba, como lembrancinhas aos convidados. Assim, com fecho de ouro, encerramos esses 80 km de pedal na bacanuda região dos vinhedos gaúchos!