quinta-feira, 18 de dezembro de 2003

Retornando à casa

Embarco para Buenos Aires, lá arribando no início da tarde. Acomodada num hotel perto da Avenida Corrientes, resolvo ir até São Telmo, bairro pitoresco onde aos domingos acontece uma feira de antigüidades na plaza Dorrego. Embora seja dia de semana, me toco pra lá. Será legal curti-lo exatamente por isso: sem aquele mundaréu de gente que entope suas calles no fim de semana. O fim de tarde está ensolarado e a plaza com suas mesas e guarda-sóis apresenta-se convidativa. Sento-me, um pouco mais adiante, um saxofonista sopra uma música agradável. Escolho uma taça de espumante e um quiche de queijo. Entretanto, as desagradáveis pombas, sem nenhuma cerimônia, pousam às mesas. Sem hesitações, brando a mão, emitindo xôs de repúdio ao nojento bicho. Graças a deus, elas ainda guardam um certo temor reverencial aos humanos, sabe-se lá até quando, é o que me questiono, continuando a enxotá-las sob olhares de censura dos vizinhos de mesa. Nem me abalo, odeio este animal, pensem o que quiserem, não vejo beleza e nem graça nestas aves, ainda mais as urbanas: gordas, balofas, obesas pombas, que nojo! A noite cai e resolvo voltar para o hotel comportadamente, dando por encerrado o dia (embarcarei cedo para Porto), quando ao passar por um restaurante, na calle Defensa, escuto uma mulher entoando nada mais nada menos que Buenos Aires Hora Cero. Nem hesito, me acomodo a uma mesa, e lá fico até o último cliente (juro que não fui eu!), voltando não só embriagada de música como de trago. Termino com fecho de ouro minha magnífica viagem, não é mesmo?

quarta-feira, 17 de dezembro de 2003

Almoço campeiro

Em meu último dia em Calafate, decido cavalgar numa das estâncias da região, num passeio que inclui uma vista do lago Argentino. Saio de manhã cedo do hotel e lá vou pela mesma rodovia que me conduzira aos glaciares Upsala e Perito Moreno até um certo trecho quando então se dobra à esquerda, e entra-se numa estrada de terra. Rodamos mais um tanto e paramos num galpão de madeira pertencente à propriedade. O grupo é formado por umas 30 pessoas, de várias nacionalidades: casais em lua de mel, outros nem tanto, solitários como eu, turma de amigos excursionando juntos, enfim....O jovem que nos acompanha, um argentino alto, cabelos louros, guapo, muy guapo, dá-nos algumas instruções sobre o que poderemos e não deveremos fazer e lá vou em direção a tal colina de onde se avistará o lago Argentino de uma perspectiva panorâmica. Monto em meu manso criollo, e sigo cautelosamente a passo pela trilha quando avisto ao longe o cume nevado de um dos cerros que circunda a região. Um pouco temerosa (não poderia deixar de ser, não é mesmo?) de que o vento, fortíssimo, me derrube do lombo do cavalo, desta vez resisto e não peço socorro ao guia, até porque me dar a mão seria incabível, restando o quê? Carregar-me na garupa de seu cavalo? tk,tsk,tsk....até parece! Se bem que não deixa de ser atraente a idéia....ir agarrada àquele guapo homem. Duas horas de cavalgada depois, chegamos à colina, apeamos e ficamos a admirar as verdes águas do lago rodeado de cerros. Aqui e ali exsurgem blocos de gelo da tranqüila superfície aquosa. Lá longe o sol incide em cheio no cume nevado de uma montanha dourando o seu vértice irregular. E o vento véio zune, açoitando e envergando a vegetação estépica enquanto se levanta uma bela polvadeira ao redor, o que provoca um pequeno acidente. Conto: apertada pra urinar vou em busca de uma rocha que me resguarde dos olhos alheios quando, então, o danado do vento, em saracoteios zuretas, borrifa urina por toda a barra de minhas pantalonas mais a parte de cima dos tênis....fazer o quê? Bueno, reuno-me ao grupo porque já é hora de retornar ao galpão onde nos será servida uma refeição ligeira. Na volta, ouso, inclusive, dar uma ligeira galopada, acreditam? Apesar da simplicidade do cardápio, o almoço ao ar livre é delicioso. Rápidamente, os peões instalam uma enorme frigideira de ferro sobre um fogo de chão, fritando ali pedaços de carne e cebolas em rodelas. Pão, salada de tomate mais vinho tinto acompanham o repasto. Sento num pedaço de tronco, pego meu prato e, entre suspiros de prazer, como sem remorsos até me fartar. Retorno a Calafate, cochilando um soninho pra lá de gostoso, afinal, mereço ou não uma siesta, caros leitores?

terça-feira, 16 de dezembro de 2003

Bosque Petrificado La Leona

De manhã cedo, a van me busca no hotel, ingressando na Rota 40 - a mesma que eu percorrera quando fora a El Chaltén - para visitar o bosque petrificado La Leona. É um grupo pequeno eu e uma família de argentinos (pais e dois filhos) que há muitos anos mora na Espanha (tremendo o número de argentinos que buscam esse país em busca de melhores oportunidades de trabalho). Passamos pelo paradouro La Leona e entramos na estância onde se localiza o bosque (é propriedade particular tendo sido aberto à visitação há pouco tempo). No caminho, vejo pela primeira vez os guanacos, animais semelhantes às lhamas, correndo livremente pela desolada estepe. O veículo para e iniciamos a caminhada através daquela desértica paisagem, deparando-me - para minha surpresa e encantamento - com um pequeno cactus em cujo centro desponta uma delicadíssima flor amarela. E o vento zune sem tréguas, levantando nuvens de poeira que fustigam nossos rostos. O sol, de resto, brilha num quase perfeito céu de brigadeiro, salvo por algumas nuvenzinhas a manchar de branco aquele azulão infinito. Caminha-se bastante, subindo e descendo morros: um deserto de pedras e areião a perder de vista, sem se observar qualquer tipo de vegetação. Pra variar, apelo ao guia pra me auxiliar em certos trechos cuja dificuldade me faz insegura (santo cristo, como sou medrosa!). Este rapaz não é lá tão simpático quanto os outros foram, mesmo assim me dá a mão com uma certa má vontade, pode? Afinal, depois de muito sobe e desce chegamos ao sítio onde se encontram restos de ossos de animais e troncos de árvore, algumas de avantajado porte, tudo em absoluto estado de petrificação, conservando com minúcia suas formas exteriores. Muitos destes objetos, em especial, os pedaços de madeira, apresentam-se calcinados, assemelhando-se a carvão: provavelmente em decorrência do efeito das lavas e cinzas lançadas dos vulcões cujas explosões ocorreram há milhões de anos atrás. Mesmo sabedora que é uma pedra fossilizada, não resisto e passo o dedo em sua superfície para me certificar se meu dedo sairia fuliginoso ou arranhado pelas farpas salientes da madeira. Claro está que o dedo permanece tão limpo e são quanto antes. Acomodamo-nos para lanchar protegidos do vento numa reentrância rochosa, após havermos vagado mais um tanto entre vestígios de uma jurássica Patagônia. E dale sanduíche com poeira, e dale goladas de água para fazer descer aquela interessante gororoba. Enfim....são cavacos d’ofício duma aventureira, não é mesmo, Bea? cochicho eu para meus botões enquanto retorno a Calafate, no final da tarde.

segunda-feira, 15 de dezembro de 2003

Bombons e Uísque no Perito Moreno


No terceiro dia, parto cedinho (adeus Upsala Hotel! mudara-me na noite anterior para o Michelangelo, luxuosíssimo se comparado àquelas acomodações cinza-muquifentas) rumo ao glaciar Perito Moreno, distante de Calafate mais de 80 km. Após uma hora de viagem pela Ruta 11, entra-se no Parque Nacional Los Glaciares, descendo-se do ônibus no cais Bajo de la Sombra, para embarcar num pequeno catamarã que faz a travessia no Braço Rico do lago Argentino, alcançando assim a margem oposta da península de Magallanes. Caminha-se, então, um trecho de 2 km ao longo da costa lacustre quando, então, o solo escuro e pedregoso denuncia o início da margem sul do glaciar. Embora o sol tenha se mantido durante o trek, a temperatura sempre decai ao se adentrar um glaciar, motivo pelo qual havia me prevenido e levado minha indefectível jaqueta corta-vento. Calço meus crampones e lá vou eu. Meio receosa a princípio, um tanto quanto ressabiada do meu fracasso anterior, começo a caminhar despacito, sempre estimulada pelo guia (já havia, é claro, chorado pra ele minha malograda trajetória no glaciar Torre) que se mantém perto de mim, amparando-me algumas vezes em certos trechos. Dessa vez o passeio flui e caminhamos durante duas horas subindo e descendo pequenas colinas de gelo, desviando de fendas profuuundas (ai que medo! Neste trek, todavia, a fobia não me vence, não! vitóóória!). Vislumbres aqui e acolá de cintilações azuis colorindo aquela brancura de doer os olhos. Um mundaréu branco interminável (275 km² de superfície, pasmem vocês!), os glaciares são, de fato, rios congelados. Uma língua enorme, enorme de gelo que desemboca no lago Argentino, putz, é o que eu tenha aos meus pés. Quase ao término do passeio, ainda no glaciar, os guias nos levam a um local onde há uma mesa. E o quê sobre ela? Tchan, tchan, tchan, tchan: uísque (o gelo, pra quem quer on the rock, é pinçado do chão, hahahaha) mais bombons! Tudo para recompor nossas forças, porque, gente, apesar do frio, sua-se muito na caminhada sobre o gelo, podicre! E, eu, ali, bebericando uísque, sinto-me la aventurera. Retorna-se por um sendero diverso do da ida, belíssimo, atravessando bosques de lengas e ñires - lástima que tão curtinho - até alcançarmos o refúgio, uma acolhedora construção de madeira, onde se pode sempre comer algo, ainda mais depois da uíscada sobre o Perito Moreno. Nova travessia sobre o Braço Rico de modo a que o glaciar seja apreciado de frente. Passarelas de madeira e uma longa escadaria descem quase próximas àquele gélido monumento onde me é dada a graça de escutar sons tonitruantes de trovões, embora o sol se mantenha brilhante. Descubro que não são trovões coisa nenhuma, e sim o ruído dos enormes blocos de gelo se despreendendo do paredão frontal da geleira de 30 metros de altura e caindo nas águas do lago Argentino. Dá vontade de aplaudir, é qualquer coisa de lindo, lindo, lindo! A paisagem ao redor com seus bosques verdes, o colorido das flores e o céu bem azul me fazem tão feliz como há muito não sabia ser. Tão bom estar viva que nem lamento a falta de sorte em não ter a oportunidade de presenciar o fenômeno de ruptura que acontece de tempos em tempos no glaciar. Basta-me por ora vê-lo em sua integridade, comento com meus botões de maneira consoladora, durante a viagem de volta a Calafate.

domingo, 14 de dezembro de 2003

Cuevas de Walichu ao som de Jose Larralde

Como ainda sinto dor em meu calcanhar, agendo para este dia passeios leves que não exijam muito esforço físico: pela manhã, uma cavalgada, e, à tarde, um passeio de carro às Cuevas de Walichu, ambos à beira do Lago Argentino, pertinho de Calafate. Saio do hotel Upsala, deixando pra trás  meu quarto-muquifo pintado de cinza que exibe através da janela um "atraente" muro de cor....cinza! E lá vou em direção à Estância Huyliche, encravada à beira da Ruta 11, a mesma rodovia pela qual passara no dia anterior, a caminho do Glaciar Upsala. Formamos um pequeno grupo de turistas, todos inexperientes em tal tipo de esporte. Atravessamos a estrada para alcançarmos o grande lago Argentino situado em frente à estância. E lá vamos nós a passo em nossos cavalitos crioulos, questionando o guia se são todos mansos, se não há perigo de dispararem e por aí afora. É meio sem graça este passeio, dura pouco mais de duas horas, e a paisagem em nada ajuda - plana e de vegetação pobre - se comparada com o que meus olhinhos, agora bem exigentes, já viram. Mas, porém, todavia, contudo, entretanto, tchan, tchan, tchan, tchan, minha fada madrinha vem em meu socorro e salva a manhã, colocando em meu caminho uma hermosa senhora que me apresenta ao grande guitarrero e cantor Jose Larralde. Explico: ao voltarmos à estância, apeamos e somos convidados a entrar numa pequena construção de madeira, decorada em estilo rústico, onde nos é oferecida uma lingüiça com rodadas de chimarrão. Provo do petisco, sorvo uns goles de chimarrão e saio do galpão já que cintila um robusto sol enfeitando de amarelo aquele azulado céu patagônico.....um belo dia de primavera, pois sim! Sentada à mesa, cabelos louros alvorotados pelo ar ventoso, uma senhora de semblante altaneiro (esta descrição soa como se fosse extraída de romances ingleses do século XVIII, mas foi isso mesmo, gente, eu juro!) escreve a mão o que parece ser uma carta. De dentro da casa rola um som que prende de imediato minha atenção. Indago dela quem é o cantante. Num tom polido, porém seco, retira os óculos, olha-me com severidade e dispara: "Larralde, uno de los principales nombres del folklore argentino". Bah! murcho no ato. A señora consegue me fazer sentir assim de tão pequena. Apaixono-me de cara... por ele, é claro! Além de suas canções possuírem uma melodia pungente, sua voz clara e potente nos faz refletir sobre as injustiças sociais denunciadas. Saio, assim, bem recompensada da pífia cavalgada. À tarde, me toco pras Cuevas de Walichu, um sítio arqueológico, onde se pode apreciar as primeiras pinturas rupestres descobertas na região. Estampadas nas rochas das grutas, vêem-se retratadas figuras humanas e guanacos nas mais diversas situações do cotidiano da era paleolítica. Chama-me atenção uma interessante formação circular de pedras, cuja finalidade, segundo o guia, seria a de servir de cemitério àqueles habitantes. Compro a reprodução de uma seta feita em basalto que trago até hoje em minha carteira. Mais uma pedrinha a adornar minha coleção, dessa vez honradamente adquirida.

sábado, 13 de dezembro de 2003

Passeio ao Canal de los Témpanos

Embarco num catamarã em Puerto Bandera, localidade distante 45 km de Calafate, com o objetivo de navegarmos ao longo do Lago Argentino, o maior do país, e o terceiro da América do Sul. No barco, enorme, quase cheio, uma balbúrdia de idiomas indica turistas de várias nacionalidades. Chama-me atenção um casal de jovens italianos com dois meninos que não param quietos; enquanto a mãe se afadiga atrás deles, o pai, pachorrento, lê, saca fotos ou admira a paisagem. Há um bar onde são vendidos os inevitáveis snacks, medias lunas de presunto e queijo, afora cafés, refris, cervejas etc. Fico um bom tempo na coberta, apreciando aqueles enormes blocos de gelo, os témpanos, incríveis e fantasmagóricas esculturas flutuando sobre a água verde do lago. Que linda a natureza, gente! Enquanto nos aproximávamos do Glaciar Upsala, a temperatura começa a baixar e tenho de me socorrer de minha jaqueta corta-vento, porém, ainda resistindo em retornar ao interior do barco. Dos glaciares da região, o Upsala é o maior, a parede que finda no lago tem uma altura aproximada de 60 metros! Impactante, de tirar o fôlego, ainda mais pra quem, como eu, está vendo pela primeira vez tal tipo de formação geológica! O barco pára a alguma distância (não dá pra se aproximar muito porque se despreendem constantemente pedaços de gelo de sua superfície), permitindo, assim, aos turistas admirá-lo, e, claro, sacarem fotos, o que fazem enlouquecidamente. Então o barco dá a volta e dirige-se ao Glaciar Onelli, único desembarque permitido no lago Argentino. Descemos na baia Onelli, onde há um restaurante bem simpático. O mais incrível é que o garçom que me atende trabalhara alguns anos em Florianópolis. Não perco muito tempo comendo (a nossa permanência é de apenas 2 horas) e, impaciente, saio pra passear pelas redondezas, me internando nestes bosques típicos dos Andes patagônicos, tão lindos e diferentes de tudo que já vira até então; a luz do sol alaranja as rochas dos morros próximos, lembrando-me o lugar um pouco daquelas paisagens do tempo dos dinossauros. Tudo muito deslumbrante na Patagônia, viram? Pra variar meio que me perco quando ouço a guia me chamando. Com uma cara brabona, admoesta-me, explicando que os passeios naquela zona não são permitidos, porque é de preservação ambiental. Finjo-me compungida, desculpo-me, educadamente, mesmo assim dou, mentalmente, de ombros: nada irá abalar meu encantamento com o lugar! Antes de partirmos, vamos a um ponto da baia de onde se pode avistar o glaciar Onelli, outra massa de gelo a colorir de branco aquele surpreendente lago Argentino. No trajeto de volta vemos de relance o glaciar Spegazzini, cuja característica marcante é sua altura entre 80 a 135 metros. Como podem notar tudo é grandioso nesse trecho da Patagônia!

sexta-feira, 12 de dezembro de 2003

Retorno a Calafate

A viagem de retorno demora cerca de 4 horas, e o ônibus pára no meio do caminho, em La Leona, um pitoresco velho hotel encravado solitariamente no meio de uma árida planície, de onde se descortina o rio La Leona, localizado a uns 100 metros de distância do parador. Desço até sua margem pra procurar algumas pedrinhas; se interessantes, as recolho e as trago de lembrança. Sobre o balcão do estabelecimento estão expostos salgados e tortas de fabricação caseira e aparência apetitosa. Peço um café com leite mais um pedaço de torta de chocolate – enooorme -, de sabor excelente, prevenindo meu estômago para mais duas horas dentro do desconfortável velho ônibus que chega em Calafate às 22 horas, ainda com luz do dia. Essa cidade, por certo, é bem maior se comparada à Chaltén, mesmo assim pequena: sua população não ultrapassa 7 mil habitantes. Na rua principal, av. Libertadores, cortada ao meio por um canteiro cheio de arbustos em floração, encontram-se vários restaurantes, bares, cafeterias e lojas, onde circulam os turistas, olhando vitrines, espiando os preços nos menus expostos do lado de fora dos restaurantes, batendo papo na calçada, agitação essa que perdura até mais ou menos meia noite. A partir daí, o pessoal se recolhe porque turista de ecoaventura quer mais é aproveitar a luz do dia. Entro no Pietro’s, uma cafeteria com internet e peço café com leite e bourbon (descobri certas propriedades laxativas bem interessantes nessa mistura). Após escrever alguns emails, me mando pro hotel em razão do passeio no dia seguinte ao Glaciar Upsala. Apesar de ser num barco, durará o dia inteiro, e ficou acertado que passarão as 8 da matina para me buscarem no hotel. Afora isso, o cansaço da viagem naquele sacolejante ônibus já está se fazendo sentir, sem mencionar o meu calcanhar inflamado, pedindo encarecidamente um descanso. Hasta la vista, muchachos!

Despedindo-se de Chaltén

Em meu quinto e último dia no povoado, o sol brilha esplendoroso e como meu ônibus parte às 18 horas, tenho bastante tempo para fazer uma boa caminhada. Opto, entretanto, em descansar, ainda mais que o calcanhar esquerdo havia começado a me incomodar desde o dia anterior ao voltar do Glaciar Torre. Me decido a procurar o posto de saúde e consultar um médico porque eu deixara, para quando retornasse a Calafate, os demais passeios que aquela cidade oferece. Entro no Posto Sanitário (assim são chamado os postos de saúde argentinos), explico o que sinto a uma recepcionista. Não demoro muito a ser atendida por uma jovem médica que diagnostica uma tendinite no calcâneo (é aquele osso pontudo que aflora do calcanhar). Receita, assim, Voltaren, além de me recomendar repouso, ou seja, caminhar o mínimo necessário. Abobadamente, pago a consulta (graças a deus não foi cara), esquecendo de acionar o seguro de viagem, pode? Em sendo assim, vou na única loja que aceita cartão de crédito comprar umas lembrancinhas para parentes e amigos (em Chaltén não há loja de câmbio, e eu já estou com poucos pesos argentinos). Adquiro, ainda, Relatos Nuevos de La Patagonia Vieja , escrito por Andreas Madsen, um dinamarquês maluco que, no ínicio do século XX, se mandou de seu país, fixando-se em definitivo nesta região depois de muitas peripécias e aventuras, narradas no livro de uma forma simples e cativante. Deixo pra lê-lo em Porto Alegre, algo que faço dum fôlego só quando aqui chego! Chaltén se divide em dois barrios: o primeiro, na entrada do povoado, onde se encontram a maioria de seus restaurantes e postos de serviços públicos, conhecido como Chaltén centro ou pueblo; no segundo, apelidado de Chaltén Norte, que se alcança após uma breve caminhada ao longo dum trecho descampado (desse lugar é bárbara a vista do Cerro Fitz Roy), situam-se a maioria dos albergues, pousadas e alguns restaurantes, entre eles o Ruca Mahuida, fundado em 1993. Jantei nele duas vezes nos cinco dias de minha estadia em Chaltén. É pequeno, aconchegante e a salada verde que comi foi, até hoje, a melhor: tomate em cubos, alface, cebola em rodelas, cenoura a juliana, sementes de girassol e um tipo de miniabobrinha, distinta das que têm no Brasil, tudo temperado apenas com um leve toque de pimenta do reino. Já o Estepa, me decepcionou pois não achei lá muito boa a truta com batatas. Na Senyera del Torre, um pub despretensioso, a pedida são as sopas, escolho a de abóbora, muito gostosa acompanhada com torradinhas de pão francês. O interessante nesse pub são os grandes cadernos de capa dura forrados em couro, à disposição dos clientes para que escrevam seus relatos de viagem. Algumas são narrativas divertidíssimas, como a de um brasileiro contando seu trek às lagunas Sucia e de los Tres, que me arranca frouxos de riso. Outro lugar legal de passar algumas horas, principalmente, à tardinha, é o Zafarrancho Bar, de cujo piso superior, todo envidraçado, desfruta-se uma bela visão da paisagem. Não seguindo à risca as recomendações médicas, vou dar um pequeno passeio pelos arredores do vilarejo, parando pra admirar mais uma vez o deslumbrante cerro Solo. Assim, estando bem provida de belas imagens, embarco no busão, retornando a Calafate já suspirando de saudades do lindo povoado deixado para trás.

quinta-feira, 11 de dezembro de 2003

Fiasco no Glaciar Torre

No quarto dia, o guia me busca, cedinho, 7 horas, na pousada, para irmos ao Glaciar Torre com a perspectiva de escalar paredões de gelo. Há duas trilhas que conduzem ao lugar: uma, a já conhecida senda que dá na laguna Capri e, outra, pelo vale do rio Fitz Roy. Escolho, por supuesto (quando volto de uma viagem ao estrangeiro, incorporo certos estrangeirismos, caro leitor), esta última, pois a outra já estava pra lá de calcorreada. Fácil de trilhar, esta parte do passeio foi barbadésima, além de a paisagem ser incrivelmente linda: de um lado, os já nossos conhecidíssimos bosques de lengas e ñires; do outro, a visão do cerro Solo, que eu amo de paixão, me acompanhou uma boa parte do trajeto. Pelo caminho vou descobrindo várias flores, totalmente distintas das que há no Brasil: miúdas, delicadas (como resistem ao inclemente vento?!) e de cores variegadas, tudo é muito discreto, há que se ter olho pra vislumbrar, escondidinhas no meio de arbustos, sapatinhos de vênus, embora os botões de ouro, nada tímidos, exibam com despudor seu amarelo. Já com o neneo, uma mata espinhosa, há de se ter cuidado. E lá vou eu, bem faceira, atrás do guia, Matias, deslumbrada com a liberdade e silêncio que o vale me proporciona. Chegamos ao acampamento Bridwell para nos juntarmos ao grupo de seis pessoas que também irão ao glaciar Torre. Pra variar, um casal de austríacos percebe meus apuros num trecho pra lá de difícil e me auxilia gentilmente. Saímos do vale e, para atravessar o rio Fitz Roy, temos de fazer uma tirolesa (jamais havia feito esse tipo de esporte), que consiste em uma corda suspensa sobre o rio onde a gente se engancha até atingir a outra margem, proeza que realizo em dois segundos (sou inclusive aplaudidíssima pelos meus companheiros que me acham muito hábil, mal sabendo eles que havia sido a adrelina do medo que me pôs veloz!). Bordeamos a laguna Torre, com características paisagísticas semelhantes às das lagunas Sucia e de Los Tres, diferenciando-se, contudo, por um bosque, em sua margem esquerda, que borda de verde esta paisagem árida. Já dá para se enxergar nitidamente a impressionante língua de gelo do glaciar Torre. Não encontro maiores problemas enquanto o passeio transcorre no bosque, super tranqüilo, tanto que entabulo conversa com a austríaca no meu inglês estropiado. Aqui tenho de abrir um pequeno parêntese para discorrer sobre minha fobia de altura, descoberta quando estava com 40 anos, ao subir uma escada de cinco degraus. Desde então, me preservava o que podia. Até fazer esta viagem, houve ocasiões em que tive de enfrentar lugares altos (tipo pontes de arame e passarelas sobre despenhadeiros com altura máxima de ..... 4 metros), entrando em pânico total, empacando no meio do caminho, e voltando ao ponto de origem, rastejando que nem lagarto em total descontrole. Bueno, retornemos: ao sair do bosque entramos numa trilhazinha pedregosa onde mal cabem meus dois pés e, pra mim, evidententemente, altíssima (deve ter se tanto uns 20 metros de altura). Lá embaixo, na laguna Torre, em suas águas geladíssimas, boiam grandes pedaços de gelo. Começo a suar e sinto o pânico avinagrando até então meu despreocupado estado de espírito. Empaco e declaro ao guia que ele me ajude porque estou louca de medo de escorregar (o resto do grupo nem aí pra altura, caminha, posso dizer, que nem cabritinhos com a maior desenvoltura). Resultado: mobilizo os dois guias. Os rapazes, gentis, me incentivam conversando comigo além de segurarem minha mão até que eu consiga sair daquele trecho infernal (na verdade é bem curtinho porém pra mim foi uma eternidade, acrescido do terrível pensamento de que eu teria de enfrentá-lo na volta). Suspiros de alívio quando atinjo a morena do glaciar Torre onde calço os grampones e recebo instruções dos guias sobre como usá-los. Gente, vocês podem não acreditar, mas a paisagem havia mudado to-tal-men-te!! Eu havia iniciado o passeio com sol tanto que usei manga curta até o acampamento Bridwell, e, agora, faz frio mesmo, o céu completamente cinzento, pesado de nuvens, e aquela brancura azulada inacreditável! Qualquer coisa de lindo e amedrontador, fa-bu-lo-so!! E lá vou eu, agarrada na mão do guia porque há gretas no gelo e o medo de cair dentro delas bate de novo. Brinco com ele dizendo que, embora peça sua mão toda hora, não se assuste, pois casamento não faz mais parte de meus planos; claro está que ele sorri polidamente de minha sem graça piadinha (repito durante o passeio várias e diversas vezes tal malice....tsk, tsk, tsk....atribuo tal atitude ao meu estado nervoso). Bueno, nem bem percorridos 100 metros daquela brancura gelada (confesso a vocês que mal apreciei tal espetáculo tamanho o desgaste emocional que sofri), quando me dou conta de que ainda terei de enfrentar uma escalada sobre uma parede vertical de gelo. E para me equilibrar, usaria além dos grampones apenas um piolet. Desisto diante de tal magnitude!! Comunico ao guia a minha falta de condições para continuar o passeio, ele tenta me dissuadir, mas me mantenho firme. E a volta, gente, a volta é outro inferno, apesar de termos usado um caminho diferente - segundo o guia - mais fácil (só se é pra ele, arre!!). No tal trecho de 20 metros de altura com meio centímetro de largura, só escuto ele me dizendo bem enérgico “de costado, de costado, señora”. Ai, meu Jesus, que meeedoooo!! Finalmente, alcançamos a parte dos bosques e daí tudo volta a ficar azul nos dois sentidos: o mental e o ambiental já que o radioso sol volta a brilhar sobre nós. Descanso um pouco no acampamento Bridwell, como o lanche que havia levado (sanduíche de pernil com tomate e alface acompanhado de todinho). Se mais tempo não fico recuperando minhas forças, atribuo ao enxame atordoante de mosquitos. Volto sozinha pelo mesmo caminho, chegando a Chaltén lá pelas 17 horas. Tomo um relaxante banho de banheira enquanto beberico um uisquinho (sim, sim, meu quarto é equipado com um banheiro trilegal). Assim, bem limpa e perfumada me entrego às mãos de uma hábil massagista, agendada, sabiamente, no dia anterior. As agruras enfrentadas neste dia escorrem mesa de massagem abaixo. Estou eu pronta para outra aventura, pois então!

quarta-feira, 10 de dezembro de 2003

Laguna del Desierto

No terceiro dia de minha estada em Chaltén, vou de carro à Lagoa ou Laguna del Desierto, porque não estou lá com muita coragem em ir caminhando sozinha (por ser minha primeira viagem, não era tão destemida quanto sou agora, se bem que em lugares desconhecidos prefira, por segurança, contratar guia). Durante o percurso são freqüentes ahs! e ohs!, já que corre, paralelo à estrada de chão batido, à direita, o Rio de Las Vueltas, exibindo águas claras e espumantes que deslizam velozmente por seu pedregoso leito em desnível, cujas margens hospedam bosques de lengas e ñires; à esquerda, Chorrillo del Salto, uma cascata de 15 metros de altura, cujas abundantes águas se depositam em um lago cristalino. Mais adiante, ainda à esquerda, o belíssimo Cerro Elétrico, cobertíssimo de neve, no meu entender o mais lindo dos cerros da região. Em duas horas alcançamos a ponta sul da laguna, de onde pego um barco que me leva à ponta norte, distando uma da outra 15 km. Durante a travessia, de aproximadamente 30 minutos, feita quase toda na parte externa da embarcação (não estava nem aí para o friozinho), curto a espuma branca que sua proa desenha no verde da laguna, enquanto respingos de água atingem meu rosto. De um lado, na margem leste, os verdejantes bosques, ao passo que, na margem oeste, chama-me a atenção várias cascatas, cujas águas alimentam continuamente a laguna del Desierto. Atrás das colossais paredes de granito que a sombreiam, se escondem os 350 km de extensão do impressionante Campo de Gelo Patagônico Sul, a massa de gelo continental mais importante depois da Antártida, do qual se originam os glaciares que alimentam os lagos da região, sendo os mais famosos Perito Moreno, Upsala e Viedma. Acomodada numa pedra à beira do lago, admirando a deslumbrante paisagem circundada por bosques e cerros atapetados de neve, avisto, para minha surpresa, nada mais nada menos que o já manjadíssimo (blasé eu, hein?!) Fitz Roy, sem saber que é sua parede noroeste (por sorte, apesar de o dia continuar nublado e meio frio, não há nuvens encobrindo esta face), vista, portanto, de um ângulo diferente daquele apreciado no dia anterior, já que a exibida diante das lagunas Sucia e de los Tres foi a sudeste. Dou um pequeno passeio pela margem da laguna, encantada mais uma vez pelo silêncio que, seria absoluto, se não fosse quebrado pelo chap chap regular das águas lambendo suas areias. Na volta, vou bisbilhotar o albergue, uma construção de madeira, composta duma cozinha com todos os utensílios necessários para se fazer um ranguinho, quartos (2 ou 3, não lembro bem) e sanitário, proporcionando, assim, um confortável pernoite àqueles que empreendem a longa caminhada de 37 km desde Chaltén. Enquanto retornávamos ao vilarejo, soube pelo guia que, no outono, embora a temperatura não seja tão amena quanto nesta época do ano, os ventos amainam e os bosques de lengas e ñires assumem uma coloração vermelho-alaranjado espetacular, sugestão guardada de pronto em minha cabecinha. Quem sabe um dia retorno a tempo de ver tal espetáculo, não é mesmo?

terça-feira, 9 de dezembro de 2003

Fitz Roy

Acordo cedinho e me dirijo à casa de Dom Jose para, conforme o combinado, encontrar Tomás, guia e domador de cavalos, que me irá conduzir no passeio. Ele, um homem moreno, estatura mediana, guapo em seu estilo rude, está encilhando os cavalos – crioulos – quando chego. Iniciamos o passeio por volta das 8 e 1/2 da manhã. Até um certo ponto, refaço o trajeto do dia anterior, passando ao largo da laguna Capri para, em seguida (estávamos a cavalo, não se esqueçam), entrarmos num bosque que desemboca num vale coberto de arbustos que roçam o solado de minhas botas. Até então eu só havia visto o Fitz Roy ao longe, encoberto por nuvens em decorrência de os dois dias de minha estadia terem sido nublados. Vou dar a real pra vocês: dos cinco dias em que permaneci em Chaltén, apenas nos dois últimos fez um radioso sol que me permitiu andar de manga curta, considerando que era verão nesta época do ano! Contudo, dias cinzentos não perturbam em nada meu ânimo. E lá íamos nós, eu mais meu guia (ele quase não falou durante as 8 horas de duração do passeio, sei lá se por timidez, enfado ou se sem assunto mesmo) em meio ao vento impiedoso. Eu, bem abrigada, dentro de minha jaqueta corta-vento, vou atrás dele, tirando fotos de tudo bem entusiasmada (pena ainda não ter uma câmera digital pra poder mostrar pra vocês!). Tanto no caminho da ida como no da volta, passam por nós vários comboios de cavalos carregando cestos com mantimentos e equipamentos pertencentes às expedições de montanhistas que tentam, nesta época do ano, atingir o topo do Fitz Roy. Ao chegarmos ao acampamento-base do rio Blanco, lugar reservado apenas aos escaladores (aos turistas, há o Poincenot, do outro lado do rio Blanco), Tiago aponta-me a trilha que conduz às lagunas Sucia e de los Tres, já que não irá me acompanhar, entendendo eu depois o motivo. Sem saber que enfrentaria um desnível de empinadíssimos 350 metros, começo a caminhar bem rápido (o solo é pedregoso e a vegetação rasteira), quase saltitante de tão feliz; passados 50 metros começo a arfar (ainda não possuía um bom condicionamento físico, já que essa era a minha primeira viagem como trekker) e desconfio de que o trajeto não é lá tão fácil como havia me parecido inicialmente. Olho pra cima e me apavoro porque o resto da trilha é um aclive pra lá de íngreme (na minha imaginação). Subo os demais 300 metros botando os bofes pela boca, louca de medo de escorregar e rolar ladeira abaixo. Praticamente de quatro, me agarro em arbustos e pedras sem me incomodar nem um pouco com as estranhas posições a que meu parco equilíbrio me expõe, tampouco com minhas unhas (iniciei a trilha com elas bem pintadinhas e limpas, dou um doce pra quem adivinhar como ficaram depois do passeio!). Quase no final do sendero, encontro um casal de brasileiros e um israelense que, compadecidos daquela senhora resfolegante, me auxiliam nos trechos – pelo menos pra mim – mais árduos. Um pouco antes de chegar à laguna Sucia vejo pela primeira vez a neve, até então só conhecida por fotos e cinema: branquinha, fofa e geladinha, ela, cumpre registrar, não me causou tanta emoção, viram? Enfim, atinjo o platô onde se situa a laguna Sucia, suspirando de exaustão e prazer porque a paisagem lá de cima é linda; avisto a minha já velha conhecida laguna Capri assim como o rio Blanco, estreitinho e cheio de curvas, só perceptíveis quando se está no alto. A música, ah! a música: apenas o barulho do vento e nada mais!! Aleluia! o fato de não ser obrigada a escutar barulhos de freadas, buzinas e toda aquela cacofonia que inundam os grandes centros urbanos é uma dádiva que os ouvidos agradecem. Sento-me, virada de frente para o imponente Fitz Roy, mal entrevisto devido às nuvens ao seu redor. O vento piora, faz-se até meio assustador, mal dá para escutar o que a brasileira tenta me dizer. Admiro o cenário árido onde está encravada a laguna Sucia, de águas cinzentas, daí seu nome, paisagem semelhante à lunar, despida de qualquer vegetação e colorido. Sem poesia, diriam os amantes do colorismo........que bobagem! Os três novos amigos, amavelmente, me convidam para me juntar a eles na breve caminhada de mais ou menos 50 metros até a laguna de los Três que, surpreendentemente, surge coloridíssima exibindo sua água verde esmeralda, contrastando com o bege do solo. E, eis que surge, não mais que de repente, na expressão dos montanhistas, a tão ardentemente desejada “ janela de bom tempo”, e, eu pude a-vis-tar o Fitz Roy em todo o seu esplendor rosa, porque - sim! - a rocha de que ele é feito apresenta tal tonalidade, restando no topo fiapos de nuvens qual fino véu. Delicioso contraste pra Barbie nenhuma botar defeito. Mas, logo, logo, o tempo fecha, e começo a descida, novamente, com céu encoberto, não sem antes me perder um pouco, com direito a um leve ataque de pânico que me faz suar apesar da temperatura nada amena. Paro, olho pros lados, respiro fundo e consigo achar o caminho de volta. Retorno ao acampamento Blanco e, enquanto faço um lanche, observo curiosa aqueles homens malucos, audazes que esperam o tempo melhorar para tentar escalar aquela montanha tão traiçoeira e difícil. Voltamos, eu e Tomás, bem acomodados sobre nossos cavalitos chegando na vila lá pelas 17 horas. Que dia, gente, que dia!!

segunda-feira, 8 de dezembro de 2003

Em direção ao Fitz Roy

O vento soprando, assanhado, hoje, aqui em Porto Alegre trouxe-me à memória aquele da Patagônia: forte, tão forte nos dois primeiros dias a ponto de me causar dor de cabeça. Nem pensar em sair sem um boné ou chapéu porque senão os cabelos atrapalham a visão além de ficarem secos e embaraçados (caso você os tenha compridos e seja vaidosa). Refleti, cá com meus botões, que o nosso minuano deve ser uma cria desse vento patagônico, suavizado pela longa trajetória quando então alcança estas terras do sul do Brasil. Mas, então, continuando, depois de conhecer as lagunas mencionadas no post anterior, apreciando aquela paisagem tão diferente da que existe em meu país, desço o morro ainda com luz do sol, apesar de ser 21:30, no rumo da pousada, não sem antes passar na casa de Dom Jose para alugar um cavalo que me levasse ao acampamento Rio Blanco, e de lá subir até as lagunas Sucia e De los Tres, situadas na base do cerro Fitz Roy. Contratado o passeio para o dia seguinte, como um sanduíche de salame na única padaria do vilarejo, parando antes para admirar o cerro Solo, a linda montanha com o topo, em forma de rampa, coberto por neve, que se avista, à esquerda, quando se entra em Chaltén

El Chaltén

Chego em Chaltén por volta do meio-dia. Apaixono-me de cara por esta vilazinha com pouco mais de 40 famílias, somando 170 habitantes; já na alta temporada totalizam 300 pessoas, em sua maioria jovens, oriundos de outras províncias argentinas, predominando os buenairenses, tendo em vista o salário mínimo oferecido girar em torno de 700 pesos, mais alojamento e comida. Situada no vale do Rio de las Vueltas e considerada a capital nacional do trek, pertence ao Parque Nacional de Los Glaciares, onde também se localizam os famosos cerros Fitz Roy e Torre, objeto de desejo de 9 entre 10 escaladores deste planeta. Largo minha mochila na pousada e vou fazer um breve reconhecimento das redondezas, ciente de que não há pressa nem ansiedade já que a luz do dia estende-se até as 22 horas. Como já estou informada da existência das lagunas Capri, Nieta, Hija e Madre, indago, na pousada, sobre a senda, como é chamada em espanhol trilha, que conduz a elas. De todas as que andei em Chaltén, esta foi a mais barbada (curta, não mais de 4 horas ida e volta). Não tem como errar, é bem demarcada, há setas indicando-as. Sobe-se um morro (nada íngreme) de onde se tem uma bela visão do vale do rio de Las Vueltas e das casas que formam o povoado de Chaltén. Deste povoado saem inúmeras trilhas percorridas por turistas (maioria jovens) de todas nacionalidades, carregando mochilas enormes como se fossem plumas, alguns deles apoiando-se em bastões durante a caminhada. À noitinha, é bacana de se observar aquela filarada de gente descendo o morro com seus passos rápidos, tais quais formiguinhas diligentes, exibindo expressões radiantes e saudando-se uns aos outros com alegres holas, em direção a suas pousadas e albergues. Ao longo do trajeto, florestas formadas predominantemente por uma espécie de faia, chamadas lengas e ñires, apresentam folhas miúdas, com coloração verde-escuro, além de vários arbustos, sendo mais conhecido o calafate cuja fruta vermelha é muito usada para fazer compota. Reza a lenda que quem come seu fruto se enamora do lugar, sempre retornando, ou quiçá se quedando para sempre. Não foi o meu caso já que consegui quebrar o feitiço e voltar para casa, mas que pretendo retornar, ah, isso com certeza farei!

domingo, 7 de dezembro de 2003

Patagônia Andina

Sempre tive curiosidade em conhecer a Patagônia mas pouco sabia a respeito, apenas que, situada no sul da Argentina, aloja extensos glaciares. Decidi viajar para lá sem me valer de agência de turismo (utilizei-a apenas pra comprar as passagens aéreas) já que podia elaborar meu roteiro obtendo informações via internet. Descobri, contudo, que quando se utiliza desta fonte há um excesso de dicas que mais confundem do que esclarecem. Assim, me foi revelado que a Patagônia apresenta inúmeras rotas e sítios, decidindo centrar meu foco de interesse nas duas Patagônias: a Andina e a Atlântica, o que já facilitava certas decisões, pois como não tinha muito tempo de férias (apenas 15 dias), percebi que não teria condições de conhecer bem as duas regiões nesse curto espaço de tempo. Optei pela andina, até porque não conhecia neve, regiões geladas, e de Oceano Atlântico conheço o bastante já que nasci quase a sua beira. Feito isso, delimitei mais meu campo de viagem e escolhi apenas dois lugares: Calafate e Chaltén. Decidi ir no início de dezembro de 2003, em razão de a temperatura apresentar-se bem amena nessa época do ano (em torno de 20º C) e também porque fugia da alta temporada, cujo início ocorre no fim desse mês estendendo-se até fim de fevereiro. Feito isso, arrumei minha mochila e comprei passagens de avião Porto Alegre-Buenos Aires-Calafate. Chego em Buenos Aires, no começo da tarde, e, a noite, reservo para visitar uma casa de tango, não sem antes ter degustado um bom assado, acompanhado de algumas taças de um encorpado vinho tinto nacional. No dia seguinte, pego o avião até Calafate, no aeroporto Luna Park. Em lá chegando, deixo a mochila na pousada (havia feito reserva pela internet) e busco uma agência de turismo, a Cal Tur, pra saber como poderia ir a Chaltén, distante 220 km de Calafate. Compro um pacote de 5 dias com direito à hospedagem na Hosteria Fitz Roy Inn, incluído café da manhã e passagem de ida e volta de ônibus, embarcando, assim, amanhã, no que parte às 8 horas da manhã.

sábado, 6 de dezembro de 2003

O início de tudo

Meu gosto por viagens nasceu, graças a minha mãe, com a primeira trip séria que fiz: a da saída do útero materno. Foi longa, bem longa, afinal demorei quase dois dias pra sair daquela caverna quente, rosada e úmida. Depois, os fins de semana que desfrutava na casa de minha bisavó (distante, confesso, apenas 2 km da minha, contudo, para uma menininha de 3 anos era o percurso!), onde um quintal enorme me aguardava, tal qual uma floresta encantada! Pequenas aventuras nos quintais dos vizinhos, pulando o muro, vez por outra escalando o gigantesco (naquela época era assim que eu o via) abacateiro que dominava o jardim da casa paterna, sem esquecer as incursões sobre os telhados alheios. Durante os verões escaldantes, idas à praia do Cassino com meus pais, hospedando-nos no Hotel Atlântico. Com 7 anos, já viajava solita (daí, talvez, meu gosto por viajar desacompanhada) e, toda prosa, partia no ônibus que me levava à capital. Passar férias com minha tia-madrinha Janina era tudo de bom. Xiii....como poderia esquecer dele, esse personagem que também me inoculou o gostinho em desvendar as sendas deste mundão, com aquele vezo de se internar pelas estradas que a profissão o obrigava? Inda bem que lembrei a tempo, hein, pai?! Bueno, por um looongo, loongo tempo, as viagens só me foram proporcionadas através do cinema, livros, relatos de parentes e ..... de minha imaginação, quando, então, consegui resgatar novamente a minha vocação andarilha. Dale, dale Beatriz!!