segunda-feira, 28 de dezembro de 2009

Canyon Churriado

Acordo, na sexta-feira, dia seguinte à ceia de Natal, com um pouco de dor de cabeça. Também pudera, começara a festejar o nascimento de Cristo à tarde, bebericando dois bons espumantes gaúchos com minha comadre, após termos finalizado o preparo dos pratos a serem servidos à noite pra família. Tomo, então, um bom banho, lavo a cabeça, almoço um resto do bacalhau que meu primo trouxera, uma rabanada e um pouco de ambrosia. Pra afugentar, em definitivo qualquer ranço de ressaca, nada como beber um copázio de Coca-Cola bem gelada. Assim, refeita dos excessos, deixo Porto Alegre pra trás justo no badalar das 14 horas. Nem hesito em continuar pela BR 101; estrada do Mar, nessa época do ano, nem pensar, porque os veranistas já estão enlouquecidos trafegando ao longo dela. Em Três Cachoeiras, enveredo pela RS 494, fugindo, espertamente, do tráfego pesado dos caminhões na 101. Chego em Praia Grande às 17 e 30 e como estou acalorada demais (o termômetro deve rondar a casa dos 30º C), paro na casa de Kaloca pra me refrescar no Mampituba que corre a 50 metros de sua casa. Um luxo ter amigos com um rio no quintal de casa, não é mesmo? Enquanto nos banhamos, combinamos alguns dos passeios que faremos nos 10 dias em que aqui permanecerei. Quando chego na pousada Colina da Serra, Mariola, como sempre, está na cozinha, auxiliada, dessa feita, por Rosana, sua cunhada, mulher de Zaqueu. Este irmão da gringola é uma figuraça. Irônico e perspicaz, desfia pérolas de sabedoria popular. Dentre elas, adoro a que define mulheres com “tara” de limpeza, quando se refere à irmã e à esposa na questão das lides domésticas (e de outras trocentas que há no planeta): “elas têm pesar de não poder limpar o leite, Bia”, fulmina ele com um muxoxo aborrecido, pitando seu indefectível vermelhinho, apelido que dá à marca dos seus cigarros Hollywood. Prefere, dependendo do vivente, a companhia de porcos, bois, cachorros e cavalos. Cai como uma luva em Zaqueu os versos duma canção de Pescuma, Henrique e Claudinho, cantores matogrossenses, cujo estribilho louva que “cada cidade tem seus tipos, Praia Grande também os têm, porque uma cidade sem eles vive cheia de ninguém”. Descontraída, a conversa rola solta com este homem de pequenos olhos azuis e nariz adunco. Na frente de sua casa, enquanto sorvemos um mate amargo, enfeita nossa visão a imponente presença do canyon Malacara. No dia seguinte, lá pelas 10 da matina, vamos eu e Kaloca pra garganta do Café, por uma via diferente da que costumamos trilhar. A primeira cachu não se mostra tão fácil assim de desescalar sem cordas motivo pelo qual ele faz a ancoragem numa árvore pra facilitar a descida. Nas outras duas, ele inicia os procedimentos de grampeação. Claro está que me limito apenas em olhar e filmar meu guia colocando as seguranças fixas nas cachus. A primeira, cuja altura não excede 20 m, é uma queda vertical positiva, muito gostosa de rapelar. A pedra basáltica, de coloração acinzentada, é lisa, revestida em certos trechos por espessa camada de musgo. Com pouquíssima água, é uma tetéia. A segunda, de 60 m, Kaloca resolve fazê-la em 2 cordadas. Pra tanto coloca um grampo P, em sua borda, e outro, 15 m mais abaixo. Cada procedimento de grampeação demora em torno de 40 minutos (ele não usa furadeira, tão-somente um parafuso e um formão, é no muque mesmo!). Assim eu desço os 45 m restantes, cujo desnível apresenta dois bons degraus, aproveitando pra curtir e filmar, descansadamente, em cada parada. Depois mais 6 cachus até o pastinho. O dia está ganho. Embora o domingão amanheça com céu descoberto, aproveito pra descansar. Combino durante o café da manhã, com outro hóspede, Marcos, um gaúcho, radicado no Rio de Janeiro, fazermos à tardinha uma caminhada até o poço do Malacara. Como é fim de ano, os filhos de Maria e Paulo, Mariana e João Paulo, que estudam e trabalham em outras cidades, estão de férias em Praia Grande. Passo uma boa parte da tarde, implicando com Mariana, cuja natureza é até mais abusada que a de sua mãe. É.....a fruta não cai muito longe da árvore, hehehe.
Quando acordo às 03:45, a primeira coisa que faço é olhar pro céu. Embora a leste o céu permaneça estrelado, há indícios de viração pras bandas do ocidente. E isso não é lá bom augúrio, não! Vá que mele um canionismo por mim há tanto acalentado, pombas! A um, porque o Churriado, junto  com o Malacara e o Fortaleza, faz parte da badalada trindade de cânions do Parque Nacional da Serra Geral. A dois, porque Kaloca me garantiu que é um canyon com pouca água. Suponho, portanto, que será moleza, sopinha no mel sua travessia. Segunda-feira, então, rumamos pro Churriado. Situado a oeste do Malacara, compartilha sua parede sul com a parede norte deste perau. Menor do que o Malaca, com 3,5 km de extensão, revela uma topografia totalmente diversa, embora ambos tenham escavadas em suas paredes gargantas laterais, erodidas por córregos cujas nascentes têm origem nos campos de cima da serra. Contudo, algumas das ravinas resultam dos desmoronamentos de terra causados por enxurradas que deixaram exposto o basalto liso e negro. O canyon tem um desenho peculiar. A partir do vértice, porque escorre um córrego de águas medíocres, impedindo que sua ação erosiva escave largos degraus, inexiste, em quase um terço de sua extensão, entre uma cachoeira e outra, uma superfície plana, como na maioria dos outros que conheço. Seu declive, portanto, é bem acentuado. As paredes, próxima uma da outra, são cobertas por espessa vegetação, impedindo que se as aviste. Como conseqüência, eis, também, barrada a entrada abundante da luz solar, motivo por que, neste trecho, o interior do canyon tem suas pedras completamente forradas por diferentes tipos de musgo. É um show a tapeçaria tramada por tal vegetação sobre as rochas! A pouca altura das cachoeiras, provavelmente, decorre do pouco volume d’água que vaza do tímido córrego perau abaixo. Nada além de quatro singelas cachus obrigam ao rapel (as demais são facilmente desescaladas sem o auxílio de corda), cujas alturas são de 30 m, 8, 20 e 25. Grampeada somente a primeira; nas outras três, as ancoragens são feitas nas árvores. Tudo dentro dum padrão ISO 9000 pra lá de correto hehe! Após percorrida quase metade do canyon, é possível entrever os topos dos paredões, cuja parede norte apresenta, na sua cumeeira, belas formações rochosas em formato de torres arredondadas e agulhas com perfis de cunha. Observo ser mais estreito que o Malaca e os Índios Coroados, com certeza! Depois dum percurso de 1 km, escorrem, pelas gargantas laterais, engrossando o leito do córrego Churriado, filetes d’água, responsáveis pela formação de cascatinhas e poços, distribuídos em abundância no restante do trajeto. Um convite delicioso ao banho que não recuso porque o calorão provocado pela roupa de neoprene me faz suar demais! Daí pra frente, o Churriado torna-se um canyon “molhado”. Somente à tarde, há uma trégua na feição acinzentada da paisagem, entrevendo-se nacos de azul no céu. Raios de sol tornam mais luzidia a vegetação. Beija-flores voam a um palmo do meu nariz. Jararacas e até um pequenino caranguejo de carapaça preta dão pinta na trilha. Begônias, de delicadas flores brancas e miolo amarelo, brotam discretas entre as pedras. Cardumes de girinos circulam, nervosos, pra lá e pra cá nos poços de águas límpidas. Como a natureza é caprichosa, ainda mais em se tratando duma região de microclima como a de Praia Grande. Madrugada ainda, enquanto caminhávamos pelos campos de cima da serra em direção ao canyon, a noite escura, dum breu sem qualquer fulgor, não fornecia pista alguma do que o dia nos reservaria. Contudo, nem bem alvorecera, um céu despejado de nuvens alardeava o prenúncio dum baita dia, colorindo de rosa, laranja e violeta a barra do horizonte. Tsk tsk tsk.....pouco durou tal concerto policromático porque ao chegarmos ao vértice do canyon já a cerração afugentara a paisagem. Triste engano o meu quando supus que o canionismo ia ser barbada! Dolorosamente exaustivo, esgotou tanto as minhas energias que conseguiu me emudecer (!!) ao cabo e ao fim da lonnnnga pernada. Também pudera: foram mais de 10 horas (pouquíssimas paradas pra descanso), calcorreando por entre o inclemente pedrario que reveste o leito do rio. No final eu me arrastava tal qual uma lesma, confesso! Pra vocês terem uma idéia, entramos no Churriado às 5:30 e terminamos a travessia, na comunidade Vista Alegre, às 19 horas. O que me salvou da derrocada (no final da jornada, jurava, entredentes, que nunca mais iria repeti-la) foi a companhia do irmão de Kaloca, Patrício, um cara super zen, alto astral, a quem, às vezes, eu chamava de Patrique, provavelmente baratinada de cansaço e porque ele é louro, lembrando um gringo. Pergunta pra mim se eu volto lá? Claro que simmmm!!!

sábado, 28 de novembro de 2009

Chuvosos findis em Praia Grande

Agora que sou motora, tenho viajado sempre que posso a Praia Grande. Neste mês de novembro que está findando, não deu outra. Fui em todos. Comemorei, inclusive meus 57 aninhos lá. Teve festa com arco de balões e letreiros rosados desejando "Feliz Aniversário, Biazinha", feito por uma amiguinha de 10 anos, sobrinha da Mariola, apelidada por mim de Maria Junior.
O jantar contou com a presença dum artista local, o Fofi que nos brindou com um show trilegal. Até ganhei presentes!! O pai de Kaloca, poeta e trovador, recitou um poema em minha homenagem. Quase fui às lágrimas. Bueno, no sábado posterior ao meu niver, fui com Kaloca fazer o morro do Cavalinho. Nublado, o dia não prenunciava nenhuma melhora em sua feição casmurra. Esse tipo de coisa não me abala. Só se estiver chovendo canivete, refugo em pôr os pezitos nas trilhas. Caso contrário, lá vou eu, de mochila e bastão, bem feliz. Ademas, não tem desculpa pra não fazer um trek, porque com o calor que já tá fazendo, embora ainda estejamos na primavera, tudo de bom uma chuvarada durante uma caminhada, não é mesmo? Uma grande parte da subida se fez dentro dum carreiro, utilizado por tropeiros nos tempos de antanho. Atualmente, pouco utilizado, apresenta-se fechado e de difícil trânsito, daí a quantidade de arbustos espinhentos apelidados “unha de gato” ou “rapa canela”. Apesar de vestir calça comprida, minhas pernas ficaram todas lanhadas pela danada da vegetação. Muito cipozinho dando calço caso eu me descuidasse durante a pernada. As águas de um córrego cavaram na terra uma canaleta que se assemelha a um minicanyon. Uma gracinha. Após a travessia pela mata atlântica, chegou-se a um descampado coberto de urtigão, vegetação que data de tempos pré-históricos. Enormes, brotam de suas folhas, na parte interna, pequenos espinhos; na parte terminal do caule, junto ao chão, lindas florações de cor avermelhada. A cerração tornou-se densa, pesada quando atingimos o topo do morro do Cavalinho. Ali a vegetação já é de outra qualidade: rupestre. Pequenas e delicadas flores brancas, amarelas e fúcsias crescem junto às rochas. Nada se avistava do vale Mampituba lá embaixo. Caminhamos pela crista, atravessando um corredor formado, naturalmente, por rochas. Super legal! O perfil solitário duma árvore em meio à bruma chamou minha atenção e não hesitei em fotografá-la. O passeio não durou mais que 4 horas entre subida, descida e deslocamento de ida e vinda até Praia Grande. No domingo, apenas uma caminhada de 9 km subindo a serra do Faxinal pra visitar a pousada Morada dos Canyons. Eu e Mariola. Tudo muito light. Mas agora, neste findi, vou à forra. Basta de tanta moleza. Cansada do percurso via estrada do mar, sigo, na sexta-feira, reto pela BR 101 até Três Cachoeiras, e lá pego a RS 494 que conduz ao município de Mampituba. A paisagem é linda, cercada de morros e plantações já evidenciando os primeiros brotos verdes dos arrozais. Ao longo da rodovia, quase toda asfaltada, pequenas vilas com sugestivos nomes: Morro Azul, Pixirica e Costão da Nossa Senhora da Piedade. Lá pelas tantas, meu desconfiômetro apita. Pelos meus cálculos, eu já deveria ter entrado numa estrada vicinal que conduz a Praia Grande. Resolvo perguntar pruma mocinha abrigada sob um guarda-chuva já que um chuvisco cobre a região desde que eu passara por Morrinhos do Sul. Sou informada que estou na Roça da Estância, lugarejo gaúcho. Dou ré e retorno pela estradinha de chão batido. Paro mais duas vezes pra tomar informações (numa delas, uns guris, após me indicarem onde eu deveria dobrar, ficaram lançando olhares irônicos......humpf, coisinhas nojentas!). Uma neblina já encobre a paisagem pras bandas de Praia Grande onde chego depois de 4 horas de viagem. Tudo porque me perdi! Tem importância, não. Pra mim tudo é curtição. Rodando e aprendendo! Kaloca e eu, no dia seguinte, vamos ao Barbacuá. Este nome, indígena, significa um fogão escavado na terra pra secar a erva mate. Uma das minhas primeiras “montanhas”, eu subira ao topo de seus 930 m há 3 anos atrás. Todavia, poucas são as lembranças de tal caminhada, motivo por que resolvo repetir o passeio. A manhã exibe um céu azul e uma temperatura morna, quase quente nas 10 horas do horário de verão. Situado no Rio Grande do Sul, pra se atingir este morro há que se cruzar uma ponte de arame sobre o rio Mampituba, o que Kaloca faz com maestria pilotando sua moto 150 cc. Quando entramos na primeira mata, cai um pancadão. Mas como moramos num país tropical, a chuvarada dura coisa de 3 minutos, atenuada em muito pela vegetação que serve de cobertura natural aos pingos grossos que caem vigorosamente. Mesmo assim troco a máquina digital Nikon pela Olympus à prova d’água. Como esta trilha não é muito freqüentada, o mato tá bem cerrado. Fungos de cor amarelada crescem ao redor de troncos de árvores. Observo uma estranha espuma branca saindo da casca dum arbusto. Desavisada, quase me espeto nos afilados espinhos duma palmeira de tucum. Na hora agá, contudo, me dou conta do perigo e evito me agarrar em suas folhas. Dessa feita, Kaloca leva seu facão e desbasta a vegetação que entrava nosso caminho. Afinal, mato é como cabelo, cresce logo. Por isso, aos ecochatos um conselho: catem coquinhos, queridinhos! Após uma caminhada de pouco mais duma hora, chegamos a um descampado plano cuja duração não levou mais que 15 minutos. Logo adentramos outro bosque, menos fechado que o anterior, cuja trilha bem demarcada é trocentas vezes menos cerrada que a anterior. Em 30 minutos de caminhada, ingressamos, novamente, em campo limpo cuja vegetação rasteira me serviu de apoio na subida puxadíssima. O aclive deve ter, talvez, uns 60º de inclinação, tanto que, nos dias subseqüentes, minhas coxas acusaram, doloridas, tal esforço. Em chegando ao platô, a caminhada até o topo foi moleza. Sentamos numa pedra pra apreciar a paisagem que se descortina a oeste: o morro do Cavalinho e os paredões esbranquiçados que formam o cânion do Itaimbezinho; já ao sul, eis a comunidade de Rio do Meio onde duas das várias cachoeiras que formam a garganta do Tupy, já rapeladas por mim, riscam de branco o verde da vegetação. Atrás de nós, a leste, o litoral gaúcho mal e mal entrevisto porque obnubilado pela densa viração. Muito estranha a paisagem: apresenta trechos despejados e outros totalmente encobertos pela maciça presença de nuvens que pairam apenas neste trecho da região. Tirando onda de bipolar esse clima hoje, hein? Terminado o passeio, montamos na motoca, que deixáramos no sopé do morro e retornamos a Praia Grande. Na janta, Maria serve umas costelinhas de porco que me tiram do sério. Assim, ignoro olimpicamente meus sempre altos níveis de colesterol e devoro sem culpa vários e diversos pedaços do bom suíno. Durmo que nem um anjo: de pança cheia e coração leve. Como já há várias semanas não faço canionismo, devido à danada da chuva, combinamos Kaloca e eu que, se no domingo o tempo estiver relativamente bom, rapelaremos as 6 primeiras cachus da garganta do Café. Foi o meu primeiro rapel em Praia Grande há três anos atrás. Naquela época, com muito medo, os rapéis foram guiados por ele. Desci todas as 11 cachus com Kaloca ao meu lado. Eu mal conseguia falar. Só gemia de aflição. Curti nadica de nada, tão apavorada estava. Domingo amanhece quase impecável. Seria ouro sobre prata se não fossem alguns floquinhos a manchar de branco o céu azul-claro. O calor gostoso é um convite à prática desse tão lúdico esporte. E lá vamos nós pela serra do Faxinal, entrando na mata um pouco antes de chegar ao morro dos Cabritos. Atravessamos uma mata atlântica relativamente limpa, terreno quase plano. Decorridos 15 minutos, alcançamos a primeira cachu, a menor delas (10 m), cuja ancoragem na pedra é com grampo P. Observo o volume d´água: não é desprezível. Também pudera, a chuva, há quase quatro meses, não tem dado tréguas aqui no sul! Uma pequena caminhada sobre o leito do rio até a segunda cachoeira, apelidada, adequadamente, do Varal (tudo porque a aproximação até o início do rapel se faz rapelando até um estreito platô, onde, ancorada, se fica pendurada tal qual roupa numa corda). Seus 25 metros são tranqüilos e sua ancoragem também é com grampo P. Já o rapel na terceira cachu é barbada. Um rampão de 30 m com pouquíssima declividade. Portanto mais fácil impossível. Ultrapassamos várias cascatinhas na base da desescalada sem o uso de corda porque nada que inspire muito cuidado. Dessa vez, curto a beça o canionismo. Estou segura, confiando no meu taco e assim desço os 25 m da quarta cachu. Seus degraus acentuados facilitam bastante o rapel, cuja ancoragem é feita numa árvore. Já a quinta cachu, com seus 30 sinuosos metros, forma dois belos platôs, sendo que, no último, a água escavou um incipiente pocinho. Ancoragem na pedra, também com grampo P. O tempo começa a nublar e quando alcanço a sexta, igualmente com 25 m, cuja ancoragem é na árvore, o céu já mostra uma tonalidade cinzento-claro. Nessa última, senti a pressão da água em minhas coxas. Chegou a doer. A função toda demorou pouco mais de 3 horas (iniciamos por volta das 11 e terminamos às 14:10). Preferi não fazer as cinco restantes porque ando meio cansada. Afinal, minha rotina de vida em Porto é bem puxada. Ah, patrulheiros do meio ambiente, um esclarecimento procês: o pessoal aqui de Praia Grande, responsável pela descoberta das muitas vias de rapel na região, evita o que pode a colocação de ancoragens artificiais. Preferem usar ancoragem natural, seja nas árvores ou nas pedras, de modo a preservar a natureza. Só quando não tem jeito mesmo é que usam chapeletas ou grampos P. É isso aí....melhor esclarecer, não é mesmo? Pra evitar polêmicas inúteis, sacou?

segunda-feira, 2 de novembro de 2009

Não tá morto quem se aventura!

Feriadão de Finados me chama. Pra onde? Praia Grande, ora! Quer melhor lugar pra prantear meus mortos? Lá posso fazer o que mais gosto: canionismo! Afinal, tenho de curtir o que ainda me resta de vida - tão curta ela, né? Tal qual um piscar de olhos ou um estalar de dedos, antes de dar com a cola na cerca, como dizia gauderiamente o meu querido pai (e tu tá bem aí, velhinho?). E lá vou eu na sexta bem cedinho, tipo 7 da matina, rumo à cidade dos infindáveis peraus. Ponho de cara no cd player do carro, um Led Zeppelin pra espantar qualquer vestígio de sono que ainda paire sobre este corpitcho. E como estou ainda na free way, tasco o pé no acelerador até a velocidade permitida de 110 km/h. Sinto-me muito à vontade na estrada, ao contrário da cidade com motoristas estressados e mal-educados. Depois da minha paradinha prum cafezinho no km 1 da Estrada do Mar, ponho The Clash pra rodar. Hoje estou rock and roll. Janela aberta, deixo entrar o arzinho gelado da manhã. Uma neblina faz com que eu acenda o farol. Melhor prevenir que remediar, não é mesmo? Já com fome e perto da tenda do Veio, paro mais uma vez. Belisco o que me oferecem: um pedaço de suculento abacaxi, um naco de queijo e meia bolacha. Arremato com uma taça de café com leite. Agora sim, posso fumar um cigarrinho enquanto ponho Bo Diddley pro que me resta de estrada. Um bom blues sulista do Mississipi cai bem, hein? Dou a minha habitual paradinha na cabana de Kaloca pra acertarmos a hora de partida pra Morrinhos do Sul antes de ir pra Colina da Serra. Em lá chegando, entro na cozinha e pra minha surpresa a encontro vazia. “Mariazinha, Mariazinha, cadê tu, sua gringola safada?” E a danada da loira me faz pular assustada, saindo de mansinho, escondida que está atrás da porta. Quarenta e oito anos nos costados e age tal qual criança. Tsk, tsk, tsk....eta, mulherzinha bem abusada!! Beijocas e mais beijocas. A saudade é muita. Pois não é que faz três semanas que aqui não venho? Um ranguinho maneiro me é servido de almoço: carne de porco, arroz, feijão, uma farinha amarela, espertésima, um troço de louco de boa, que Maria trouxera da Bahia, e salada. Pauleca, com sua simpatia contagiante lasca carinhoso “Bia Seidl, tu de volta”. E eles me contam de suas aventuras em terras baianas, onde foram visitar seu filho que mora em Camamu. Mariazinha até ganhou um bronze em sua pele leitosa. Às 14, depois duma breve soneca, estirada no sofá do refeitório, pego o carro e passo pra pegar Kaloca e Rejane. Vamos acampar novamente em Morrinhos do Sul e fazer o canionismo em Tajuvas, dessa vez rapelando todas as cachoeiras que em maio não fora possível. O dia está supimpa, céu de brigadeiro, calor de sauna finlandesa. A dona da casa onde deixo o carro estacionado me reconhece. Alegre, puxa prosa comigo sobre o vídeo no youtube que eu fizera dela (e foi um vizinho que viu! Olha só, o poder da internete alcança rincões onde nem judas imaginaria perder as botas!), assando roscas no forno de barro, quando aqui estive no início do ano. Uma simpatia essa senhora. Eu por mim ficava mais tempo mas a ladeira me chama, hehehe. Rejane, nada acostumada às indiadas, pena pra subi-la. Tomo a dianteira e deixo o casal pra trás. Quando atinjo o topo da colina, o litoral gaúcho descortina-se, secundado pela laguna de Itapeva. Uma delícia essa paisagem! Espero por eles e aproveito pra descansar da mochila que, pra mim, embora sejam apenas 5 kg, pesa um monte pros meus 48 kg. Chegamos ao local do acampamento já quase 19 horas. Kaloca monta a barraca, e Rejane e eu vamos até um pequeno córrego buscar água. A lua cheia dispensa o uso de lanternas e assim ficamos ao redor da fogueira, comendo enquanto jogamos conversa fora. No dia seguinte, iniciamos o canionismo às 10 horas e tudo está terminado, sem maiores percalços, às 16. Chego na pousada e quando entro no refeitório, ouço o borbulhar do feijão no fogão a lenha. As panelas de alumínio penduradas de ganchos na parede reluzem de tão polidas. Encontro Mariazinha encostada à pia, lavando alfaces colhidas, não faz muito, da horta. Mais comentando que perguntando, a irreverente me saúda “E aí, abençoada, foi dessa vez que deixaste tua pomba pendurada nos galhos?” O motivo de tal maledicência se justifica: gostaria a abusada de que eu permanecesse mais na pousada tagarelando com ela. Essa gringa me diverte, e como! Aliás, Mariola é dona de expressões deliciosas tais como “fulano não tem nem pinto pra chutar”, quando o sujeito é pobre e metido a besta. Se enojada de algum papo que eu e Pauleca, seu marido, entretemos, lasca sem mais nem menos “ó, pra vocês, baixei uma cortina acústica”. E fica fumando seu cigarrinho com ar distante. Pauleca, com ar pachorrento, balança a cabeça como quem diz "essa não tem jeito mesmo". Ciente da beleza e do aconchego da pousada, a Mariazinha do Bole Bole diagnostica, com acerto: “Os turistas gostam tanto da pousada que vão embora olhando pra trás.” Mas como quem fica parado é poste, no domingo, repito o canionismo na Via dos Monitores. É ponto de honra a colocação duns grampos na cachoeira de 60 metros. E lá vamos nós, Kaloca e eu, empreender tal missão. Ao contrário da primeira vez em que aqui estive, a gargantinha agora apresenta outra feição. As pedras que, àquela época, luziam de tão molhadas, assanhadamente escorregadias, loucas pra te dar um tombo, agora não apresentam perigo algum: sequinhas e opacas estão. Parecem outras. Incrível, como a chuva realça o colorido da rocha e seus cristais. Putz, pois não é que São Pedro faz um make up trilegal nas rochas?! Kaloca, matreiro, bate com o martelo na pedra pra verificar a solidez da mesma. O som permite avaliar se ela é oca, porque se assim o for, o lugar torna-se proibidésimo, até pra pôr grampo de cabelo. Meu guia, com habilidade adquirida em anos de prática, perde, se tanto, uns 20 minutos perfurando, com martelo na pedra um grampo P. Segundo ele, só sai se houver um terremoto. E “olhe lá”, garante com seu ar confiante. Eis cumprida nossa tarefa em tornar a maior cachoeira da via mais segura pro rapel. Nesse feriadão só repito velhos passeios. Sendo assim, na segunda torno a rapelar as seis cachoeiras da Via dos Iniciantes. Apesar de pequena e estreita, é uma ravina encantadora, circundada de abundante vegetação, típica de mata ciliar, com rochas forradas de musgo verdejante. O ápice desse breve canionismo é saltar do alto duma rocha de 4 m num dos inúmeros poços formados pelo Mampituba. E o meu corpo mergulha tal qual um ponto de exclamação nas águas limpas e tranqüilas do rio. Refrescada, junto-me a Kaloca e Rejane, sentados, abraçadinhos, à margem do rio. De lanche, um abacaxi de Terra de Areia, maduro, no ponto exato. O odor da fruta paira na impecável tarde de Finados. Oxalá meus mortos descansem em paz. Porque eu ...estou!

sábado, 10 de outubro de 2009

Via Secundária da Garganta do Orbal

Como a meteorologia prevê chuvas só no feriado de Nossa Senhora Aparecida, saio de Porto, na sexta, por volta das 15 horas. Um acidente, na avenida Castelo Branco, saída da cidade pro litoral, deixa o trânsito trivagaroso, naquela de engata 1ª e freia o carro. Um saco o congestionamento. Dura 40 minutos. Haja paciência!! Véspera de feriado, o fluxo de carros é maior que o usual. Como não tenho pressa de chegar, dirijo com cuidado, não ultrapassando os 100 km permitidos na free way. Próximo de Xangrilá, vejo outro acidente na estrada do mar – RS 389 – envolvendo dois carros. Meu deus, como está gente é imprudente. Estão sempre apressadíssimos, como se quisessem salvar a mãe da forca!! Estragam o feriado na ânsia de encurtar o trajeto em 15 ou 20 minutos. Chego a Praia Grande e dou uma paradinha na cabana de Kaloca pra combinar nossos passeios. Depois tomo o rumo da pousada Colina da Serra onde encontro Mariazinha solita, sem seu maridão. Pauleca foi ao casamento dum sobrinho em Floripa. Ela prepara, rapidamente, uns bifes acebolados, uma salada de alface, arroz e feijão. De sobremes, mação em calda. Supimpa refeição! Jogamos, depois da janta, o mexe-mexe, um jogo de cartas bem interessante. Ganho duas partidas e deixamos a negra pro dia seguinte. Estou cansada e tenho de acordar cedíssimo. Sábado amanhece nublado o que não me incomoda. Frio não está e isso é o que importa. Às 6 e 30 passamos pra pegar Kaloca. Maria nos leva de carro até o ponto onde a trilha começa. Uma pequena caminhada na matinha nebular, com árvores de pequeno porte, cobertas de barba de bode, e logo alcançamos a parede norte do Orbal onde se localiza a primeira cachoeira da via secundária dessa garganta. Com 20 m, é uma barbada a descida pelo paredão liso e vertical. Caminho com cuidado até a segunda cachu porque as rochas estão molhadas e resvaladiças. Ainda bem que a distância é pequena. Quando começo a descê-la, me dá um frio na barriga. Seus 50 m impõem respeito. Trato de me acalmar. Apesar da altura, sua rapelagem não oferece maiores problemas porque é uma cachu negativa. Basta dar mais ou menos corda e eis controlada a velocidade da descida. Prefiro segurar a corda enquanto desço. Meus pés balançam no ar e o meu corpo gira 180º. Estranha sensação essa! Pendurada tal qual um marionete. Um corpo flutuando no ar preso por cordéis. Mais uma pequena caminhada até a terceira queda, um longo tobogã com 60 m, feito em três lances. Deliciosa sua rapelagem. Curto demais enquanto vou dando corda. Paro durante a descida e filmo, usando, pela primeira vez, minha Olympus à prova d’água. As demais cachus, próximas umas das outras, evitam o esforço da dura caminhada sobre as pedras escorregadias. No canionismo, o fácil, via de regra, é a rapelagem das cachoeiras. Mão de obra mesmo é a caminhada sobre o leito do rio. Exige equilíbrio a pisada nas pedras. E quando elas se encontram molhadas - como hoje -, a coisa se complica. Eu, cheia de receios de escorregar e me estabacar no terreno irregular e crivado de rochas cujas arestas são bem afiadas, apelo, muitas vezes, pro esquibunda, o que torna mais cansativa a “caminhada”. Meu equilíbrio não é lá dos melhores, reconheço! A quarta cachu tem, se tanto, uns 10 m. Venço-a facilmente. A quinta, hehehe, é ridícula com seus 5 m. Sem comentários. Até então, a ancoragem vem sendo feita nas árvores. Eu, sempre desconfiada, cada vez que inicio os procedimentos de rapel, indago de Kaloca, com uma voz esganiçada, se elas são firmes. Ele, com sua verve habitual, me tranqüiliza: “Biazinha, se tu cair, cai a árvore e eu juntos contigo, não vamos te deixar na mão!!”. É o que basta pra eu relaxar. Esse Kaloca!! A sexta, com seus 35 m, exibe uma ancoragem com dois grampos P fixados na rocha. Nesse ponto da via, enxerga-se o paredão do cânion. Mais adiante Praia Grande com grandes extensões de terrenos alagados causados pelo chuvaral que castiga a região há bem uns 4 meses. A sétima cachu, com 50 m, é perrenguenta pra caramba. Dá trabalho a danada. Enormes blocos de rocha dificultam a rapelagem. Já em terra firme, à direita, a via do vértice principal, onde fiz canionismo ano passado, desemboca na via onde estamos. A vegetação pluvial de mata atlântica é exuberante. Muito musgo revestindo as rochas. Bromélias rosa e azul, penduradas nos galhos e arbustos, quebram o predomínio do verde da vegetação. Cogumelos amarelados grudam-se em troncos de árvores caídas sobre o leito do rio. Uma beleza de visual. Cascatinhas encantadoras me fazem estacar a todo momento. Paro e saco a máquina pra filmar toda essa exuberância. A oitava cachoeira, com 30 m, não apresenta declive acentuado. Está mais pra rampa. A ancoragem continua sendo num tronco de árvore. No seu final, um pequeno poço raso. A nona cachoeira apresenta um declive mais suave que a anterior, porém seu poço é mais fundo. A aproximação entre as cachus, até então curta, agora é bem mais longa. Dura coisa duma hora a caminhada até a décima. Rapelar esta cachu de 25 m, cheia de degraus, é moleza. A décima-primeira e última cachu com 30 m apresenta certa dificuldade. Desce-se pela direita percorrendo uma pequena canaleta. Na metade da vertente, um degrauzão obriga a uma travessia pro seu lado esquerdo. Requer alguma habilidade. Se sol houvesse - o tempo permanece, entretanto, emburrado -, eu teria mergulhado em seu poço. Embora raso, dá pra se espojar em suas águas límpidas. Quando terminamos, telefono pra Maria e ela vai nos buscar na Vila Rosa. Deixamos Kaloca em sua casa e vamos pra pousada. Uma jantinha com uma saborosa carne de panela e uma partidinha de mexe-mexe nos entretêm até a chegada de Mara, sobrinha de Maria, seu marido Luis Antonio e Gustavo, o filho do casal. Cansadíssima, bato um papinho curto e vou pra cabana. Morfeu acena, seu dedão, imperioso. O domingo surpreende: um sol lindo, artigo de luxo nesses últimos tempos! E um baita calor. O programa hoje são algumas cascatas desconhecidas da Magia das Águas. Dessa feita, Rejane, namorada de Kaloca, nos acompanha. Marinheira de primeira viagem, Rê está assustada. A primeira queda é qualquer coisa de fácil com seus 5 m de pura diversão. Pelo menos pra mim. A segunda com 10 m também é moleza, emendando num bretezinho de 8 m de declive com confortáveis degraus. Uma beleza. Enquanto observo Rejane descendo, recordo de meus primeiros rapéis, tão medrosa e desajeitada quanto ela. Kaloca acompanha-a, orientando-a na descida. Não dá mole pro medo da namorada. Coitada! Comigo ele tem mais paciência. Também pudera, eu sou cliente, hehehe. A quarta cachu, embora tenha 30 m, forma belos e largos degraus. Somente seu início, apresenta alguma dificuldade, pois um resvaladiço paredão vertical, duns 3 m, requer um certo cuidado. Já a quinta é mais técnica porque seu desenho vertical exige bastante atenção pra descer seus 30 m. Por fim, os 10 m da sexta queda são tranquilitos demais. Foi tudo muito rápido. Em três horas, terminamos nosso cascade (nem dá pra se considerar canionismo essa rota alternativa da Magia das Águas!), e subimos o morro punk até a pousada. Kaloca, já na moto, com Rejane, na garupa, agarrada em sua cintura, tomam o rumo de casa. Encontro Maria, Luis, Mara e Gustavo sentados à sombra, curtindo o mormaço da tarde domingueira. Com ar preguiçoso, suas pálbebras pendem, a meio pau, sonolentas. Também pudera, não faz muito almoçaram. Passo a tarde batendo papo com Luis e Gustavo. Luis permite que o filho dê umas voltinhas no páteo da pousada. Embora tenha apenas 14 anos, sabe dirigir e muito bem! Entende tudo de carro, dá de 10 a zero em mim. Ao anoitecer, o tempo muda e uma chuva de molhar bobo se estende até o dia seguinte. Impossível fazer qualquer coisa nesta segunda-feira, dia da padroeira do Brasil. A não ser rezar. Apesar de católica, sou nem um pouco praticante desta fé, de modo que vou em busca de meu desjejum. Luis e Mara, uma pena, tem de retornar a Sombrio. Entretanto, meu amiguinho sabe-tudo-de carro fica.........ebaaa!!! Convido-o pra dar uma banda em Praia Grande. A chuva continua. Ele me dá dicas sobre direção. Uma gracinha de guri! Almoçamos e vou pra cabana ler um pouco. À tarde, levo Maria na manicure e aproveito pra visitar algumas pessoas. Ao lado, no banco de passageiros, meu fiel escudeiro, Guga, com seu semblante sério, compenetrado. À tardinha, retornamos os três pra pousada e o tempo começa a melhorar. À noite, quando vou pra cabana, o céu, estrelado, anuncia bom tempo. Não dá outra. Terça-feira, quando saio de Praia Grande, a manhã está esplêndida! Um solzão brilha no céu sem nuvens. Pena que eu tenha de retornar, mas, porém, todavia, contudo, entretanto, o dever me chama na chincha, snif, snif! Hasta la vista, Praia Grande!!

sábado, 3 de outubro de 2009

Tenha dó, São Pedro!!

Embora o tempo no Sul tenha se mostrado madrasta - chove quase todas as semanas – tenho ido a Praia Grande desde meu retorno do Peru. Assim, fazer alguma atividade nessa região é uma questão de sorte e, também, de não se deixar acovardar diante dos prognósticos meteorológicos nada alvissareiros. Mas quer saber duma coisa? Prefiro os findis chuvosos de Praia Grande aos findis ensolarados de Porto. Canionismo só consegui fazer em setembro porque, com o volume d’água que São Pedro tem mandado, as cachus ficam bombadas e o risco que se corre não compensa a aventura. Enfim, uma janela de bom tempo permite que eu conheça a Via Proibida, uma garganta situada na parede sul do canyon Itaimbezinho. Com 10 cachoeiras, o canionismo não apresenta maiores dificuldades. Dessa feita, ao contrário do habitual, quando tenho como companhia apenas meu guia, junta-se a nós um pessoal de Floripa: Joel, um venezuelano, radicado há anos no Brasil, a quem eu conhecera no II Encontro Sul Catarinense de Escalada e Montanhismo, realizado em maio na Pedra Branca, e Ana, amiga dele. Alto astral, Joel curtiu seu primeiro canionismo como se estivesse num parque de diversões. Deu gosto ver sua animação e alegria. No restante do mês, retorno a Praia Grande, conformando-me apenas às longas pernadas pela região pois o tempo chuvoso não dá mole pro canionismo. Reconheço que levo o maior medão de rapelar cachus após um chuvaral. Só agora, burra velha, me dou conta do motivo. Muito estranho esse meu receio da água, já que nasci em Rio Grande, cidade debruçada sobre o Atlântico. Desde pequena, portanto, água me é muito familiar. Porém só Freud e os métodos nada ortodoxos de meu pai explicam o motivo dessa leve fobia. O velho costumava levar eu mais meu irmão ao Clube Regatas onde passa o canal que liga o mar ao porto. Lá nos dava "aulas de natação". O método consistia em amarrar às nossas cinturas uma corda de sisal. Assim, seguros por aquele salva-vidas improvisado, nos jogava à água sem dó nem piedade. Se ensaiássemos um choro ou demonstrássemos medo, ele advertia que parássemos com a frescura! E sabem duma coisa? Apesar de nada agradável tais lições (bebia água pra caramba), gostaria de que o tempo desse um pulo pra trás só pra ver meu pai mais uma vezinha me empurrando dentro d'água. Bueno, chega de recuerdos nostálgicos...Voltemos ao presente: semana retrasada, fomos eu e Kaloca fazer uma caminhada na fazenda Silveirão, situada na crista sul do canyon Josafaz. Esta fazenda dá acesso a uma garganta lateral àquele canyon, ponto de partida dum canionismo com 10 cachus cuja altura vai de 22 a 130 m. Belo sítio. Araucárias espalhadas aqui e ali, nesta época já sem os frutos, lançam sombras no dia ensolarado. Num lago, marrecos nadam rente à margem. E o som de sininhos, amarrados aos pescoços de cabritos que pastam perto de onde estamos lanchando, são o único barulhinho bom que se ouve ao redor. Conheço a primeira e a segunda cachoeira do Silveirão. Esta última conta com respeitáveis 90 m de queda livre. Será um dos meus próximos canionismos assim que o tempo firmar. Continuando o passeio, conheço um pequeno cemitério cercado por um muro de taipa com apenas dois jazigos, datados do século XIX, onde foram enterrados os avós de Monalisa, guia da região. Revelam certo apuro as lápides, já castigadas pela ação deletéria do tempo, despontando numa delas a cabeça, parcialmente, arruinada duma santa qualquer. Encontramos lá pelas tantas, um abandonado forno de pedra, utilizado na produção de carvão vegetal. Práticas antigas da gente de antanho. Pena que acabou! Devia ser bonito, vê-lo aceso à noite, iluminando a paisagem dos campos de cima da serra. Finalmente, agora, em outubro, consigo fazer outro canionismo. Depois de ter ficado a semana inteira observando os boletins meteorológicos, a quase infalível Epagri garante uma trégua no chuvaral. Assim, na sexta à tarde, de mala e sem cuia, me mando pra Praia Grande. Viajo tranqüila, sem pressa. Ponho um cd com músicas variadas. Rola de tudo: desde os tristes fados de Amália Rodrigues aos plangentes lamentos de Cesaria Évora, roçando pelos animados sambões de Martinália até tudo se acabar nas melodiosas canções italianas de Nico Fidenco. Com a janela do carro semiaberta, sinto o vento acariciando, de leve, meu rosto. Tão bom estar com o pé na estrada! Dou minha habitual paradinha na barraca do Véio onde já sou reconhecida pelos balconistas. Diante da oferenda do vendedor, estendendo-me, gentilmente, um pedaço de abacaxi, apurada, recuso: “depois, agora preciso ir ao banheiro”. Quando retorno, aceito tudo o que me é oferecido. Entro na SC 450 já anoitecendo. Embora esta rodovia, que liga a BR 101 a Praia Grande, abranja apenas 21 km, não gosto de dirigir à noite. Cheia de curvas, sinto-me um tanto insegura. Afora isso, as luzes dos carros que trafegam em sentido oposto, ofuscam meus olhos, dificultando um pouco a visão da estrada. Redobro a cautela e diminuo a velocidade pra 70 km. É de bom tamanho. Ao chegar à pousada Colina da Serra, encontro Pauleca assando um galetinho. Mariazinha, a gringola, preparou uma maionese de aipim porque sabe que gosto demais dessa comida. Tudo de bom nossa janta. Antes do ranguinho, beberico meu tradicional copito de cachaça com camomila e mentruz. Gente, prefiram mentruz, um baita vermífugo, às horríveis pastilhas de clorofina usadas pra purificar as águas dos rios. Até porque o cloro, arghhhh, tem um gosto horrível e sei lá se seus efeitos colaterais não são piores do que hospedar os vermezinhos assanhados, sassaricando em nossos intestinos. Bueno, sábado, vamos, Kaloca, Gezaela e eu fazer canionismo na via dos Monitores. Esta pequena garganta, situada ao lado do morro dos Cabritos, nasce, também, na parede sul do canyon Itaimbezinho. Embora nublado, o tempo não está frio. Afinal, já estamos na primavera. Kaloca não conhece a garganta, sabe apenas que a maior cachoeira tem 60 m. Foi grampeada por amigos dele há mais dum ano. Quando adentramos na mata, nos deparamos com dois pneus e uma caçamba de caminhão! Kaloca explica que um afobado caminhoneiro, ao fazer a acentuada curva em S, caiu ravina abaixo. E consta que só sofreu arranhões. Ainda bem! Depois duma pequena caminhada na mata ciliar, chegamos à primeira cachoeira. Embora de pequena altura, dá um certo trabalho. A segunda, no entanto, é fácil demais. Gezaela, uma praiagrandense de 22 anos, com um pequeno piercing incrustado na narina esquerda, revela-se uma companhia trilegal. Guia da região e estudante de Administração em Tubarão, é uma graça de guria. Seus olhinhos rasgados brilham, animados, com a aventura. Uma energia gostosa se estabelece entre nós. Estou tão tranqüila que nem me reconheço. Observo, nas laterais da garganta, desmoronamentos de terra provocados pelas sucessivas enxurradas que vem castigando o sul de Santa Catarina há três meses. Nas demais cachoeiras, Kaloca descobre que as chapeletas foram retiradas e daí tem de improvisar ancoragens, amarrando a corda ora ao redor de pedras ora ao redor de árvores. Puta que os pariu, dane-se o inconseqüente que retirou as ancorangens das cachoeiras! Se descubro quem foi o maldito, cubro esse cara de impropérios. Mas felizmente, Kaloca, um cara super experiente tira de letra o perrengue. Assim, conseguimos rapelar as 7 cachoeiras sem maiores problemas. Um canionismo pra iniciantes, se recolocadas as chapeletas e grampos nos devidos lugares. Deixo Kaloca em sua casa e convido Geza pra comer pastel na lancheria do Pulga. Resisto, bravamente, embora a gula me incite, a bisar o petisco. No domingo, o dia permanece nublado e vamos até a Pedra Branca, eu, Kaloca e Rejane, sua namorada. Já fiz esta caminhada várias vezes, mas sempre é um prazer subir a trilha, um trajeto de pouco menos duma hora, cujo maior perrengue é um pequeno trecho bem íngreme, um miniescalão, pouco antes de se atingir o cume. Touceiras de calhandras, uma flor que desponta na primavera, revelam já seus delicados pomponzinhos vermelhos ao longo do sendero. Já no topo do monumental maciço de rocha, uma inesperada névoa baixa sobre nós, encobrindo o vale todo. Hora de descer, portanto. E na viagem de volta a Praia Grande, deixo rolar o som maneiro da Nação Zumbi, à época em que Chico Science - grande perda a morte desse cara - era o líder da banda..........eita mundinho bom!!