quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Carnaval em Praia Grande

Bueno, como é mais perto e menos dispendioso resolvi trocar Floripa por Praia Grande durante o feriadão de carnaval. E foi até bom porque caiu uma chuvarada poderosa na região de Palhoça interrompendo o trânsito na BR 101 por horas a fio. Peguei o ônibus que sai às 13 de Porto e já no caminho a chuva deu as caras.
A viagem que se faz de carro em 2 horas e meia leva 4 horas e quinze de busão! O ônibus abandona a BR 101, na altura da vila São João, situada alguns quilômetros de Torres, e envereda por uma estradinha vicinal de chão batido. Tudo tão bucólico! Rios correm paralelos à estrada; aqui e acolá pequenos vilarejos com suas casas de madeira coloridas; já altos e verdejantes os talos das plantações de arroz exibem a boa safra. O ônibus pára toda hora pra pegar e largar passageiros. Há que se ter paciência. Eu, que nunca ando desprevenida, levo três livros e não tiro os olhos de “Um sonho chamado K2”, escrito pelo grande alpinista paranaense Waldemar Niclevicz. Adoro cada página lida e mergulho fundo na descrição das três tentativas de escalar a "montanha das montanhas", considerada a mais difícil de todas, cuja altura só perde pro Everest. Já perto de Praia Grande, vou até a frente do ônibus e filmo um pouco a paisagem. Não só pra desentorpecer as pernas já meio dormentes de tanta inatividade, como por compulsão mesmo, confesso. O ônibus estaca à margem gaúcha do rio Mampituba, o que me obriga a atravessar a ponte de arame balouçante, já que a de cimento se encontra coberta pela água que transbordara do rio. E lá me vou com duas mochilas, uma de 15 litros, outra pequenina, mais um saco com 60 metros de corda 11, tipo estática, que Kaloca me pedira para trazer. Sem elas, impossível o rappel, explica num dos email, trocados entre nós. Do outro lado do rio, já em Santa Catarina, os táxis esperam os viajantes. Embarco num deles e peço que me leve até a Pousada Colina da Serra. Em lá chegando, Pauleca já está me esperando, carinhoso me envolve num abraço afetuoso. Mariazinha, conta ele, fora à cidade fazer compras junto com Mariana, sua filha. Me dirijo até o bar e verto, num copinho, um pouco de cachaça de amora. Estalo a língua, satisfeita. Eita coisa boa! Botamos as novidades em dia e, inevitavelmente, conversamos sobre o tempo que não promete se comportar muito bem no feriadão. Confirmando a previsão, a chuva, até então mansinha, torna-se vigorosa, intensa. Nada, entretanto, de apavorante: chuvas de verão. Estou tranqüila, na boa, só se chover canivete, não faço meus passeios, podes crer! Agora, já na cozinha, jogando conversa fora com Maria, divirto-me com suas estórias enquanto ela prepara a janta. Por enquanto, de turista, só eu. Os demais chegam, na sexta, à tardinha. Kaloca, que fora me esperar mas se enganara quanto ao horário de chegada do ônibus, dá as caras. Combinamos nossos passeios sem grande precisão de detalhes. Como a meteorologia prevê chuva pra sexta e sábado, decidimos fazer um bóia cross no Mampituba amanhã. Caso a previsão do tempo se confirme, descer o rio com chuva não vai atrapalhar nosso passeio, muito pelo contrário, apenas dará um tempero diferente. Acordo durante a madrugada e escuto as bátegas caindo grossas e ruidosas sobre o teto da cabana. A sexta amanhece nublada, vez por outra, cai uma poeira aquosa, apelidada "chuva de molhar bobo". Maior moleza descer o Mampituba deitada na enorme bóia. As corredeiras, apesar de o rio se encontrar cheio, não apresentam muito risco, e Caloca, sempre atento, me puxa quando encalho numa pedra por uma corda atada em minha bóia. Em duas horas, alcançamos o balneário situado no centro da cidade e retornamos à pousada. Combinamos, então, pro dia seguinte, caso não chova muito, fazer canionismo numa garganta pequena, descoberta por ele, na comunidade de Rio do Meio. Na pousada, só eu ainda de hóspede. Os turistas, devido à chuva, só virão amanhã, sábado. Após a janta, enquanto Maria lava a louça e finaliza a limpeza da cozinha, eu escuto-a desfiar recordações de sua infância passada em Timbopeba, lugarejo distante 10 km de Praia Grande. Mariana e Orides, caseiro da pousada, jogam canastra, placidamente, sentados a uma das mesas do refeitório. Cansada, afinal já são quase meia noite, me retiro, sob protestos, pra cabana tal qual uma cinderela obediente ao badalar das horas. Já deitada, me acomodo com um suspiro de satisfação entre os travesseiros, continuando a leitura das aventuras de Niclevicz. Coisa linda deve ser o Paquistão e a cordilheira do Karakorun de onde desponta o imponente K2. Vontade de conhecer tal lugar....

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

Chuvaral no rio do Boi

Depois de mostrar a Claudia e Val a parte de cima do canyon Itaimbezinho, vamos hoje percorrer a linda trilha do rio do Boi, situada em sua parte inferior. Entrevêem-se, de cada lado da estrada, de chão batido, culturas de fumo, de banana e de arroz, as três fontes econômicas da região. Nas roças, colhe-se a última leva de folhas de fumo, postas a secar em estufas, construídas junto às residências dos agricultores, e, posteriormente, vendidas às indústrias de tabaco, localizadas, em sua maioria, em Santa Cruz, no Rio Grande do Sul. É bucólica a paisagem: carros de bois passam ao largo da estrada carregados de produtos agrícolas, pessoas nos alpendres das casas abanam afáveis enquanto tomam chimarrão. Vacas de olhares plácidos atravancam a estrada. Respira-se a vida interiorana em toda sua simplicidade. O cheiro gostoso de alguma erva, similar à macela, perfuma os caminhos. Sem falar no odor cheiroso da cambraia, uma linda e delicada flor branca que se encontra à beira de regatos e rios da região. Chegamos no posto do IBAMA de onde enveredamos pela trilhazinha que conduz ao leito do rio do Boi. Quando lá chegamos (ao nosso grupo se juntara um casal de paulistas, o Fernando e a Cíntia, muito simpáticos, também, hospedados na Colina da Serra), percebo os estragos causados pela enchente de março. Das outras vezes em que aqui estivera – e já foram seis! – o rio apresentava encantadores pocinhos e tobogãs formados por lisos lajedos de rochas. Era uma delícia escorregar por eles. Agora, dos desvãos e das curvinhas deliciosas, só resta uma paisagem quase uniforme, à semelhança da planície de pedras que vai até o poço do Malacara. Entretanto, o estrago, graças a deus, foi mais na sua embocadura. À medida que adentramos no canyon, reconheço a feição que dele recordava quando aqui estive há dois anos atrás. O clima é de indecisão, sabe-se lá se chove ou não. E lá vamos nós atravessando o rio pra lá e pra cá, o que requer certos cuidados devido à correnteza um tanto quanto forte. Caloca chama nossa atenção para umas pedras sobrepostas umas às outras: “aqui deve ter um nicho de jararaca”. Dito e feito: vemos enrodilhada a víbora abrigada entre as rochas! Exclamações de medo pipocam das bocas femininas. O mulherio debanda assustado. Avanço um pouco, pouca coisa, e indago de Caloca se não há risco de ela pular na gente. Ele afirma que a jararaca está apenas esperando que passe algum rato (elas são muito pacienciosas) pra então dar o bote. Eu nunca havia visto uma cobra tão de perto. Senti, confesso, um medinho. À frente, um lindo morro pontiagudo chama a atenção: é o da Mamica. Me faz lembrar o seio das guerreiras amazonas que amputavam um deles pra melhor acomodar seu arco e flecha. A água límpida embora de um tom amarelo escuro permite ver com nitidez as pedras acomodadas no leito do rio: sobressaem da monotonia cinza do basalto azuladas incrustações de ágatas, ao passo que uma ferruginosa oxidação colore de laranja as pedras escuras. Seixos redondos e polidos, uma maciez tocá-los! Não resisto e num dos tantos poços que o rio forma mergulho pra espantar o calor e limpar o suor que umedece meu corpo. O sol está definitivamente bem escondido entre os maciços de nuvens que cada vez mais se avolumam sobre nós. Numa curva do canyon surge a primeira cachoeira, apelidada maliciosamente de Leite de Moça, já que o córrego que por ela despenca nasce no morro da Mamica. Bem apropriado, não é mesmo? Cada vez mais as paredes do canyon vão crescendo e se tornando mais e mais altas. Em certos trechos, os impressionantes paredões apresentam-se desnudos de vegetação, cobertos apenas de líquens que conferem uma cor esbranquiçada à pedra. Sentamos pra lanchar e Caloca ordena, temeroso da chuva iminente, que não demoremos muito. Uma pena, pois assim não poderemos curtir a segunda cachoeira, a do Braço Forte. Sei lá por quê, julgo precipitada a urgência dele já que só algumas gotas caem indecisas. Feliz, grito “vai ficar só nisso, Caloca, não passa disso!” Ele, cauteloso, “pode ser ... pode ser” e suas passadas largas exibem a desenvoltura de quem desde os 14 anos palmilha sobre pedras de leitos de rios. Um cabrito esse guia!! Que inveja! E não é que de repente a chuva começa a cair em caudal?!! Dos paredões, desabam enxurradas avermelhadas de água, cachoeiras brotam como passe de mágica escorrendo fartamente entre a vegetação que recobre as rochas. E o rio, até então límpido, transforma-se: suas águas colorem-se de marrom e trêfegas escorrem resolutas, avolumando-se numa espantosa velocidade. Quem não era ágil, vira gazela, e as travessias, fáceis, passam a ser feitas com cautela. Numa delas, a corda, que todo bom guia que se preza sempre carrega, é lançada e dessa forma, improvisa-se uma ponte a fim de facilitar a travessia. Uma certa emoção toma conta do pequeno grupo, afinal se percebe, distintamente, no rio, o forte redemoinho que, ávido, mostra suas garras querendo abocanhar os canhestros turistas. Tudo tão sereno e de repente aquilo que era pura mansidão vira furor. É....não dá mesmo pra brincar com uma bacia de captação cujo alcance no entorno do canyon é de 15 km. Sãos e salvos, somos resgatados até a outra margem. Todos nós respiramos aliviados e retornamos intactos ao posto do IBAMA. Outra pequena aventura a adrenalizar nossa trip. Melhor celebração que essa nem a mais fina champanhe pode proporcionar!

terça-feira, 1 de janeiro de 2008

Rapel do Café

O dia amanhece porreta! Avisto do meu quarto, lá embaixo no vale, uma plantação de arroz coberta por nuvens que rastejam rentes ao capinzal. São seis da manhã e eu bem desperta já estou excitada com meu terceiro canionismo. O primeiro, o do Café, que vou mais uma vez repetir, nem conta porque, à época ainda cheia de medo, Kaloca desceu junto comigo todas as cachoeiras. Com prazer, abro um parêntese pra contar algumas coisas sobre esse praiagrandense da gema a quem admiro demais! Guia formado pela Embratur e monitor da Associação Brasileira de Canionismo já nasceu aventureiro. Suponho que adquiriu o gostinho de rapelar quando de seu nascimento, afinal, desentranhar-se do útero materno deve ter-lhe despertado o fascínio pela altura. Foi, com certeza, seu primeiro canionismo, hehe. E depois disso não mais parou. Escalador, já solou o Cerro Negro, na Argentina quando, frustrado, não alcançou na segunda tentativa o cume do Aconcágua. Persistente, não desiste de chegar ao topo da montanha mais alta da América. Seus olhos risonhos garantem: “eu vou conseguir!!” Tanto que fez uma promessa: deixou o cabelo crescer. Só será cortado quando atingir o topo da montanha. Embora não receba patrocínio algum, se manda estrada afora com recursos próprios. Seu grito de guerra é “quanto pior melhor” enquanto abre um largo sorriso maroto. Não há mau tempo pra Kaloca. Considero-o uma versão masculina de Poliana. Desde que o conheci não contrato senão ele como guia nas minhas andanças através da região. Daí, claro, foi ele quem nos acompanhou durante os 5 dias de nossa permanência em Praia Grande. O escolhido pra nos levar de carro até o ponto da estrada da serra do Faxinal, que dá acesso à primeira cachoeira do Café, foi Luiz Antonio, primo da Maria, um fofo de primeira grandeza! O céu, até então claro, nubla e eu penso cá com meus botões “merda”. Céu cinzento quando se está dentro dum canion dá uma baita má impressão. Tudo fica mais escuro ainda. Imagine você, confinado entre estreitos paredões de rocha basáltica, cuja coloração já, naturalmente, escura, torna-se ainda mais escura, sem o brilho reconfortante do sol e do céu azul. Ai...ai...dá um puta medo, tá ligado?! Nesse canionismo, chamado Rapel do Café, desce-se uma garganta cujo desnível beira os 500 metros. Portanto, não é das mais altas da região. Foi, assim, batizada por Kaloca, em homenagem ao luxuoso café colonial, repleto de quitutes que espera os intrépidos aventureiros ao final da indiada, no sítio de Valmor. As saborosas iguarias reabastecem todas as energias dispendidas durante a prática deste fascinante esporte. Bueno, doze são as cachoeiras cujas alturas variam de 6 a 47 metros. A distância percorrida entre a primeira e a última cachu fica em torno de 1,5 km. Embora pouco extensa a garganta, demora-se em torno de 5 horas pra atravessá-la de ponta a ponta. Eu, entretanto, entro às 10 da manhã e saio às 19 horas. O álibi pra tanta demora é que sou novata, uai! Somente duas cachus foram batizadas. Uma delas é a do Varal, assim chamada, porque, na sua aproximação, há que se descer até uma pequena platibanda onde se fica preso num backup, qual roupa pendurada na corda, pra daí então iniciar os movimentos de descida até o poço situado 25 metros abaixo. Por isso, é considerado um rapel mais técnico. A cachoeira mais difícil, no meu entender, é, contudo, a Sinistra, justamente assim apelidada, porque suas águas escorrem por um brete que impede a passagem dos raios solares. A sua complicadésima aproximação e uma passada exigente duma rocha pra outra faz com que ela seja bem mais técnica que a do Varal. E, aqui, cometo - ala putcha - aquela “barberagem”, típica de iniciantes. Pois não é que me trapalho e fecho as pernas?! Gurias - prestem atenção! -, quando se faz rapel, é necessário deixar as pernas bem a-ber-tas, ouviram?! A imperícia faz com que eu pendule e bata com os costados no duro lajedo. Mais susto que dolorido o pancadão! Ainda bem que não houve fratura porque senão eu iria pagar o maior mico saindo resgatada do canion. Que horror, eu, mais uma vez, envolvida com bombeiros. Nem pensar! Já basta Arequipa!! Mas a Sinistra - não à-toa, foi assim batizada - reserva outra surpresinha após 37 m de descenso. Um pequeno poço obriga que se nade até sua borda de onde é feito novo rapel de modo a enfrentar as turbulentas águas que jorram por um paredão de 10 metros até o solo. Infindável aventura pruma cagona como eu! Brota, então, um medo de que a água me carregue poço afora. Fico paralisada. Peço a Kaloca que estenda a corda. Ele recusa, dizendo que eu tenho de nadar até a borda do poço. Quase choro. Apelo pros meus brios, respiro fundo e resolvo encarar. Pois não é que chego?! Eita Caloca, meu guia e mestre!! Sempre me incentivando!! Um dia, juro, e promessa é dívida, vou rapelar esta Sinistra na buena, sem grandes sobressaltos. Apesar de todo o cagaço, estou tinindo trincando, na ponta dos cascos, louca pra fazer outro canionismo! E que chegue duma vez a hora!