quinta-feira, 17 de novembro de 2011

Tiger Nest

Um cachorro histérico ladrou boa parte da noite num beco ao lado do hotel....arre!! Adoro estes animais mas quando se param a latir, são insuportáveis! Despeço-me de Timphu, a organizada e limpa capital do Butão, pois dormirei em Paro já que amanhã estou zarpando pra Kathmandu de onde parte meu vôo pro Brasil. A pedida de hoje é visitar o Tiger Nest, situado nos arredores de Paro. O dia amanhece lindo! Iniciamos a caminhada quase 11 da matina e a temperatura cálida, após 30 minutos de caminhada, faz até com que eu transpire! O desnível a enfrentar não é pouca coisa, não: perfaz 680 m. Tudo porque o monastério encarapita-se sobre o pequeno platô dum flanco de montanha, a 2.900 m. Fico só imaginado a trabalheira que deu construir este monumental prédio, literalmente, encravado na rocha, à beira dum precipício que se inclina sobre 700 m de vazio. Um espanto, realmente! A trilha atravessa um pinheiral em que as cores outonais tingem de ferrugem e bordô algumas árvores do bosque. Alcançamos o primeiro mirante onde, diante duma grande roda de oração, turistas, sentados em bancos, estrategicamente dispostos, descansam. O lugar se mostra embandeiradíssimo! Troco uma idéia com as mulheres. Inglesas, são bem simpáticas. Uma delas pergunta onde comprei meu chapéu, e discretamente, indaga o preço. Continuamos a subida e Jamyang começa a me atormentar pedindo mais pressa porque o mosteiro fecha às 13 e já são 12 e 30. Ai meu deus, não mereço esse tipo de pressão!! Que guri chato! A subida termina justo no segundo mirante a 3.080 m de onde se vê o Tiger Nest, situado mais abaixo. Um colosso de construção. Embasbaca qualquer um! Desce-se então uma escadaria, protegida por um corrimão engalanado profusamente pelas coloridas bandeirolas de oração, que termina no portão de entrada do edifício. Um pouco antes do templo, uma queda d’água torna o ambiente úmido e frio. Tanto que sou obrigada a vestir minha jaqueta forrada de pele. Já no interior do templo, minha paciência (admito que não sou das mais santas) é posta à prova quando Jamyang, naquela cantilena de guru Rinpoche pra lá e guru Rinpoche pra cá, faz com que eu tente abreviar o tal falatório. Qual o quê! O franzino rapaz se envareta e me chama a ordem com ar severo...pode? Hahaha!! Explica que tem de terminar a explanação. Reviro os olhos e resignada faço ar de que estou prestando atenção. Com ½ orelha, hehe. A única informação que retenho é de que o Tiger Nest, 2º monastério fundado por Rinpoche, foi, em 2000, consumido pelo fogo duma lamparina, e restaurado em 2009. Visito apenas um dos 4 templos existentes em seu interior. Numa boa, já tô de saco cheio de tanta igreja mesmo que seja budista. Afora isso, este ritmo de turismo CVC a que Jamyang me submete faz com eu perca em definitivo a tesão! Hospedada no Tashi Namgey Resort, onde fiquei quando cheguei em Paro, despeço-me de Jamyang que parte amanhã prum trekking de 4 dias. Apesar de sua atitude "profissional” e do treme que tive com ele, gostei do guri!

Na quinta-feira, escutando a bela e triste canção de amor butanesa enquanto o tranqüilo Pema dirige até o aeroporto, já sinto saudades deste país cuja hospitalidade genuína brota de mentes e corações de bem com a vida. Lágrimas discretas afloram em meus olhos. Já no check in rola a maior confusão. E tudo por causa de Jamyang!!Eita guri avoado!! Marcou meu vôo pras 8 da manhã quando na verdade foi agendado pro ½ dia!! Depois de algum estresse e conversê suado com o supervisor da Druk Air consigo embarcar pra Kathmandu. E durante a breve viagem de uma hora, vejo a visão estonteante do Himalaia com seus 8 e 7 mil, incluídos aí o Everest, Lhotse e Kanchenjunga. Uma dica: tal cenário é possível de ver caso seu assento seja o da esquerda. Já em Kathmandu, pego um táxi, embarcando também um sujeito chato pra caramba. Dono duma das trocentas agências que pululam na cidade, entrega um cartão quando salta do veículo. Oxalá, os butaneses não adquiram sses trejeitos tão irritantes exibidos pelos nepaleses! Apesar disso, gosto muito de Kathmandu. Nos terraços dos prédios, há um mundo paralelo. Tudo é possível nessa suja, caótica e inextrincável cidade. Becos que levam a lugar nenhum e a qualquer nirvana. É só desejar e se aventurar. É o que faço após beber algumas doses de rum (comprara uma garrafinha à tarde). Incitada por um som que tocam em algum lugar, resolvo descer e procurar onde rola a tal sonzeira. Minha primeira escapada noturna pra conhecer a noite nepalesa. Assim, chego ao Foley’s Pub onde uma banda toca clássicos do rock’n roll. O bar situado num terraço tem cantos e recantos super convidativos. Um barato! Fico ali até acabar o show. Dia seguinte, acordo com uma leve ressaca. E assim despeço-me da Ásia, hehe

terça-feira, 15 de novembro de 2011

Trongsa

Deixo Bumthang em meio a despedidas calorosas das quatro garçonetes que me atenderam durante minha curta permanência na pequena vila. A amabilidade delas é fruto tanto de suas naturezas meigas, dum dever profissional e ainda duma vivaz curiosidade pelos turistas. Distribuo beijocas e desejo tashi delek a todas elas, incluindo o simpático gerente, rapaz deveras atencioso. Após uma hora de viagem, uma placa no meio da estrada avisa que por 2 horas está interrompida a passagem em razão de reparos que estão sendo feitos mais adiante. Uns poucos veículos atrás de nós aguardam também. Um deles é um miniônibus com uma galera que retorna dum trek de 30 dias. A friaca e a chuva miudinha não impedem os jovens de armarem uma fogueira na beira da via. E ninguém parece se importar com a imprevista pausa. Logo surgem batatas postas sobre as brasas. Após assadas, são distribuídas, recebendo eu também uma. Um dos rapazes pergunta de onde sou, tecendo o inevitável comentário “Ronaldino” quando sabe que sou from Brasil. Com outro, travo um bom papo. Ele conta que trabalha como ator numa companhia teatral em Timphu. Como eu, gosta de plantas e me ajuda a nomear algumas em meu computador. Conta que a maioria da população prefere a monarquia ao parlamentarismo. No imaginário popular, o pai do atual monarca, adorado pela população, é o cara porque foi responsável por várias benesses como saúde e educação gratuitas. Os butaneses têm receio de que o primeiro-ministro nãos seja tão generoso quanto o 4º Rei. E a prosa ajuda as 2 horas a transcorrer agradavelmente. Por mim, poderia ter sido até mais longa a tal interrupção de tão bom o astral! Estranho que Jamyang esteja super quieto e o questiono. Ele deixa escapar que está curtindo aquela ressaca. Pema faz hehe quando ouve. Pergunto quanto bebeu a noite passada. Confessa que foram 4 copos de ara e 3 cervejas! Bem que eu desconfiava que ele era chegado a um tragoléu! A estrada super enevoada faz com que Pema dirija com cuidado redobrado. Ele conta que mesmo quando está numa estrada reta não ultrapassa os 80 km. Às 13 e 10 chegamos em Trongsa com tempo ainda bem ruim. Cheia de ladeiras, Trongsa tem um comércio viçoso. Cidade natal de meu guia, Jamyang vai almoçar com sua avó, deixando Pema cuidando de mim. Assim, eu e o gorducho motorista, mascador contumaz de dhoma, entramos num restaurante localizado na rua principal. Escolho uma comida bem típica. Num prato raso, uma porção generosa de arroz, ao passo que num pote menor, carne de yak bem apimentada. Peço ainda o tal leite azedo de yak. Já a carne de Pema são rodelas de toicinho, iguaria muito apreciada no país. Jamyang retorna de seu almoço pra me levar a passear. Indagado se a avó mora num dos vários edifícios espalhados pela town, responde não. Acrescenta que por ela não ter muito dinheiro vive numa casa. Visitamos então a Torre, o museu da dinastia Wangchuck, situado numa bela construção redonda formado por vários pisos ao redor dum espaço interno vazado. Como são proibidas fotos, sou obrigada a deixar a máquina fotográfica na portaria...merrdaa!! O museu é bem legal. Além de objetos relacionados aos reis butaneses, exibe ainda lindas estatuetas de Buda e do guru Rinpoche em suas diversas formas. Numa sala, assisti a um documentário sobre o Butão. Do último piso se tem uma esplêndida visão de 360º dos arredores. Vislumbro assim terraços destinados a plantações de arroz e o estreito rio Mangdy Chhu onde em uma de suas margens avulta o portentoso Trongsa Fortress. Ao longe, no topo duma colina, as adejantes bandeiras de orações pregadas em longos mastros de bambu. Tamanha a importância de Trongsa entre os 20 distritos butaneses que o monarca antes de ser coroado rei é ungido senhor de Trongsa. Saindo da Torre, a próxima visita é ao Fortress. Ainda bem que o chuvisco deu uma estiada. Descemos uma longa escadaria que conduz o enorme edifício. Similar ao de Punakha, tem aquele estilo fortificado, em que janelas pequenas são abertas na parte superior de altas paredes brancas. Um peludo cachorro dorme na soleira da porta dum dos templos existentes no interior da enorme construção. Macacos passeiam nas traves do teto! Um monge aprendiz quando ouve o badalo do sino, avisando das preces vespertinas, sai em louca disparada. O tal de Norling Hotel é o pior dos que me hospedei. O quarto cheira a desinfetante e o refeitório a fritura. Não só os árabes comem com as mãos. Os butaneses, idem. Conforme Pema, a comida assim fica muito mais saborosa. Quando estão com turistas, entretanto, usam talheres. Já deitada, escuto o barulho forte da chuva caindo lá fora. Não custo muito a pegar no sono. Andar de carro cansa a beça!!
Saímos de Trongsa às 6 da manhã duma terça enevoada. O lusco-fusco da madrugada dá um ar espectral ao vale do rio Mandgye Chhu. Durante a viagem, o mau tempo se mantém e a cerração vez por outra dá pinta na estrada. Macacos pendurados nos galhos das árvores fogem quando tento fotografá-los...merrrdaaa!! quando passamos por Punakha, Pema pára o carro no mercado e compra dois sacos de makhu. Esta especialidade, típica de Punakha, é feita de arroz. Tem o formato de pastel, porém sem recheio algum. Chegada em Timphu às 13 e 40. Confusão quando Jamyang tenta me instalar num hotel sem internete. Recuso veementemente. Voltamos pro carro e Jamyang enlouquecido ao celular tenta descolar outro já que os bons estão lotados. Enquanto esperamos a resposta de algum hotel, Jamyang me leva numa loja de artesanato. Compro presentes pra 3 anos! Bueno, afinal tudo se ajeita! Sou acomodada num hotel que se não tem internete no quarto, tem no refeitório onde me instalo até tarde da noite, baixando fotos e conversando no FB com amigos e bebendo uísque butanês. Tão bom que bebo três copos! Chego a conclusão que o melhor amigo duma mulher solitária não é mais o cabelereiro ou o costureiro e sim um notebook plugado na internete e um bom trago ao lado!

domingo, 13 de novembro de 2011

Overdose de templos

Manhã enevoada e fria. Depois do café da manhã, visita a dois importantes monastérios. Vamos de carro primeiro até Tamshing Monastery, datado de 1501 e fundado por Pema Lingpa, discípulo do guru Rinpoche. Atualmente, moram nele 95 monges, entre órfãos e crianças, todos muito pobres cujos pais não têm condições de suportá-las mesmo em escolas públicas. Por falar em Rinpoche, este indiano, considerado reencarnação de Buda, nasceu segundo a lenda, numa flor de lótus, já no corpo taludo dum guri de 8 anos. Fundador da escola tântrica do Budismo, adotada no Butão, Rinpoche tem oito manifestações ao passo que Buda exibe três: passado, Amitaba (segurando uma bola nas mãos); presente, Shakyamuni e futuro, Mytria. Até a vinda de Rinpoche, no século VIII, o Butão não tinha o budismo como religião. Habitado por nômades que migravam ao sabor das estações com seus rebanhos de yaks, comum a prática de rituais primitivos. Entramos no monastério e dentro do pátio interno que conduz ao templo, o cântico matinal dos mantras se faz ouvir. Como é lindo esse som!! Pema também nos acompanha e quando estamos percorrendo um escuro corredor vejo quem carregando um pesado manto feito com argolas de metal? Pema! Cumpridas as regulamentares três voltas, ele pousa-o sobre uma pedra onde fica sempre à disposição dos fiéis. Logo a seguir, Jamyang, magrinho de dar dó, cumpre sua obrigação de bom budista e dá suas três circuladas carregando os 25 kg do xale metálico. O ritual serve para amenizar a quantidade de pecados existentes no ser humano. Deixamos o lugar e seguimos a pé eu e Jamyang por uma estreita trilha ao longo do Chamkhar Chhu, um dos maiores rios do país onde se pratica rafting e canoísmo no verão. Pra delírio dos maconheiros brasileiros, pés de maconha nascem ao longo da estrada como se fosse inço, tá ligado? Após uns 40 minutos de caminhada, surgem os muros brancos onde, na parte superior, 108 pequenas stupas, no estilo tibetano, indicam que ali se encontra Kurje Lhakhang. Importantíssimo monastério este porque aqui se encontram impressões do corpo de Rinpoche. Uma água que corre um pouco abaixo do monastério, considerada sagrada, é procurada por cancerosos que crêem em seus poderes curativos. Tudo porque – murmura a lenda - foi criada pelo guru Rinpoche. No interior de um dos três templos, há uma passagem subterrânea onde o fiel entra por um buraco e sai pelo outro. O trajeto deve também ser percorrido três vezes à semelhança do ritual do xale. Tudo pro camarada abater um pouco seu débito de pecados e diminuir o número de reencarnações. No primeiro templo, belíssimas esculturas das oito manifestações de Rinpoche e das três de Buda. Depositados diante do altar, onde estão as divindades, jazem dezenas e dezenas de pequenos potes dourados contendo água sempre renovada a cada manhã. Depositados diante dos altares cédulas de ngultrum e de dólares. Se fosse no Brasil, não sobrava um níquel pra contar a estória. Jamyang nunca deixa de depositar nem que sejam 100 ngultrum a cada vez que entra num templo. Do Kurje Lkhakhang seguimos caminhando até o Jambay Lhakhang. Caceteada de tanta informação fornecida pelo tagarela do Jamyang, necessito urgente duma chávena de chá pra restaurar minhas forças. Num dos quiosques da feira, entramos e Pema junta-se a nós. Três mulheres na mesa ao lado bebem cerveja e comem momo. O plano hoje é um almoço numa fazenda pra comer a típica comida butanesa. Como se eu já não a conhecesse durante todos esses dias de permanência no país! A casa, confortável pros padrões deles, tem uma tevê que funciona mal e quartos pra serem alugados pra turistas. E, sinal de status, uma sala exclusiva destinada às orações com altar e tudo! Jamyang verte duma linda garrafa feita de bambu com enfeites de prata uma dose generosa de ara pra nós três. De excelente qualidade, adquiro uma garrafa pela módica quantia de 100 gnultrum ( 5 pilas). Dos vários pratos servidos, eu só não conhecia o queijo frito e um tipo de iogurte feito com leite de yak, levemente azedo, que acompanha as refeições. Bom demais o gosto dessa bebida láctea. Jamyang que, desconfio, já bebera alguns copinhos de ara na feira afora o entornado aqui, inicia um papo chato. De que é de bom tom presentear a dona da casa com algum mimo. Cansada que estou de caminhar de templo em templo, escutando ele despejar informações sem nem mesmo parar pra respirar, surto! Quando pela quarta vez ele repete a cantilena do “não é obrigada, Bi (me chamam assim), mas seria bom dar algo em sinal de gratidão à dona da casa”, levanto a voz, já irritadíssima, e mando ver. Pergunto-lhe se pensa se eu sou estúpida já que está repetindo pela quarta vez tal tema. Fica aquele silêncio bicudíssimo. Fazer o quê! Só assim consegui dar um stop nele. Terminado o almoço, dou um rolê pelo festival, liberando tanto Jamyang quanto Pema. Quero ficar um pouco solita, em silêncio, sem ter que prestar atenção no falatório de Jamyang que já me irritou o suficiente por hoje. Último dia do festival, rola a tradicional benção dada pelos monges ao povo que forma uma quilométrica fila. Já os turistas têm o privilégio de serem abençoados sem ter de enfrentar grandes esperas. Cansada e com frio, dou por encerrada minha participação no festival e venho pro hotel onde fico no refeitório o resto do dia. Tudo de bom usufruir o calor irradiado pela salamandra, a internete funcionando bem e um chazinho pra bebericar enquanto lá fora a chuva pipoca no telhado. O que quero mais da vida?

sábado, 12 de novembro de 2011

A Dança Sagrada dos Homens Nus

O bom tempo acabou! O dia amanhece nublado, chuviscando. E bastante frio. Apressadinho este inverno! Nem bem espera o outono terminar e já lança suas garras frias e cinzentas sobre o país! Desde ontem há freqüentes quedas de luz cuja duração varia de 5 a 30 minutos. O irônico da situação é o fato de o país ser produtor de energia elétrica, vendendo esse bem para a Índia. Casa de ferreiro, espeto de pau. Vende tanto que não sobra pra consumo próprio. Jambay Lhakhang Drub é um festival budista que durava inicialmente apenas dois dias. Com o florescente turismo, foi estendido pra quatro dias de modo a atrair mais e mais turistas. Começou na quinta-feira e hoje, sábado, está no penúltimo dia. Realizado dentro dos muros brancos que cercam Jambay Lhakhang, em que Lhakhang significa templo, a construção data de 659 DC. Os espetáculos são protagonizados por um membro de cada família local. Se o festival ocorresse num fortress, os participantes do show seriam os monges. Na parte da manhã, lá vamos nós três até o templo. Seu eu soubesse que é pertíssimo do hotel – coisa de 20 minutos de caminhada - nem teria vindo de carro. É um espetáculo atrás do outro. Assisto a dois: um, de evidente conteúdo cômico com homens mascarados, arranca risadas da platéia; já o segundo show trata-se duma dança feminina meio sem graça, seguida da cerimônia da fertilidade. O sacerdote enquanto mantém o falo sobre as cabeças das mulheres, entoa preces desejando-lhes bons votos de fecundidade e saudável prole. A maioria dos espectadores é butanesa. Sentados no gramado, em muros, em cadeiras ou de pé assistem aos espetáculos, conversam entre si enquanto as crianças brincam ao lados dos pais. Todos vestem seus melhores gho e kira. As mulheres usam colares feitos de osso de yak e seus toego, uma espécie de jaqueta curta usada sobre a kira, são fechados na altura do peito por broches. Embora a primeira vista as kira pareçam iguais umas as outras, tal impressão não se confirma a um exame mais acurado. Diferenças sutis na padronagem tornam-nas peças únicas. Ao lado do templo, foi instalado um mercado com inúmeras barracas vendendo mercadorias oriundas da Índia e da China. Praticamente inexistente a industrialização de manufaturados no país, o jeito é importar em largas quantidades de modo a suprir um mercado ávido por novidades. Quiosques com mesas e bancos de plástico brancos oferecem as duas marcas de cervejas nacionais, a Red Panda e a 1000, além de refris, sucos, chás e comidas típicas. À venda, em sacos de aniagem, goiabas maduras pedem para ser comidas. Num quiosque, pedaços de dhoma envoltos em folhas largas e verdes aguardam seus usuários. Estou pra ver coisa igual aos banheiros!! Entupidos, transbordam merda pra todos os lados!! Devido a isso, ninguém mais entra neles, procurando alívio no terreno baldio, situado nas traseiras que, por seu turno, também já se está a tornar repelente embora ao ar livre. Retornamos ao hotel eu, Pema e Jamyang a pé porque o carro, entalado entre dois outros veículos, não permite qualquer manobra. Pema que não gosta de caminhar, reclama um pouco durante a caminhada. Malandrinho esse gorducho! Após o almoço, descanso um pouco, lendo um policial escocês em meu quarto. Muito macia e gostosa minha larga cama. Difícil é levantar no frio desta tarde sem sol. Enfim, reúno forças – minha vontade é ficar malandreando na cama – e regresso ao templo onde o festival retoma suas apresentações à tarde. Muita gente, residente em fazendas distantes da town, passa o dia inteiro no pátio externo ao templo e muitos trazem de casa suas refeições. Transmitidas por alto-falantes, reverbera por todo o pátio as orações vespertinas entoadas pelos monges sentados de pernas cruzadas no chão de um dos dois pequenos templos que faz parte do Jambay Lhakhang. A litania é marcada pelo som de instrumentos musicais. Enquanto dois monges sopram cada um longas cornetas, outros dois percutem com baquetas curvas e vermelhas enormes tambores, ao passo que um quinto arranca sons tilintantes de pesados pratos de bronze. O som é indescritivelmente lindo. Na frente dos sacerdotes, tiras de papel retangular contêm as preces. Um deles de tanto que cochila deixa pender a cabeça pra frente, desequilibrando-se e quase batendo com a testa no chão, hehe. Não é pra menos, o som é hipnotizante! Comprei um colar lindo de turquesa e mais uns potinhos de jade. Os espetáculos da tarde já terminaram e o número de pessoas que circula pelo templo se reduziu consideravelmente. Na saída, camionetes com as caçambas repletas de aldeões e pequenos monges deixam o templo. Na janta, novos turistas se encontram no refeitório. Bebem cerveja enquanto aguardam a janta ser servida. O alegre grupo de australianos ainda se encontra em Bumthang, ocupando uma longa mesa. Vez por outra fugazes momentos sem luz. E velas acendem-se já previdentemente deixadas nas mesas. Jamyang que obviamente já tomou alguns copos de ara a mais senta-se a minha mesa. Sonam Wangmo, uma das garçonetes, aproxima-se. Vamos todos assistir à sacred naked men dance. Intimo Jamyang a me ensinar um palavrão em butanês. Meio a contragosto, o guia revela que J–The (pronuncia-se jedá) equivale ao fuck, hehe. E lá vamos nós mais uma vez assistir ao Jambay Lhakhang Drub! Enquanto esperamos o início do show, eu, Sonam e uma amiga sua bandeamos pelos corredores da feira. Convido-as para tomar um chá. Está muiitoo frio. Sentadas num dos quiosques, Sonam, que ontem viera assistir à dança, confidencia sobre o tamanho avantajado dos pênis de alguns dançarinos. Um discreto gesto com as mãos enfatiza o tamanho do bicho. Quando pergunto se ficaram duros, sorri e balança a cabeça negando. Em várias tendas, disputam-se jogos de dardos e um tipo de carteado similar ao pôquer. Em torno dos jogadores, curiosos bisbilhotam as jogadas. Isolados da arena por um cordão, um expressivo número de pessoas, considerando o frio e o adiantado da hora – 11 da noite -sentadas, acocoradas ou de pé, formam um semicírculo ao redor do local onde acontecerá o tão esperado evento. Mulheres protegem-se do frio com mantas na cabeça. Outros trouxeram papelão onde se sentam. Sonam pega minha mão e abre caminho até a primeira fileira onde sentamos e esperamos a famosa dança por quase uma hora, quando então todas as luzes são apagadas, salvo a da fogueira cujo brilho ilumina parcamente o pátio. Guardas controlam a platéia, admoestando os turistas que, ignorando ou se fazendo de desentendidos, tentam fotografar. Após muito suspense, eis os dançarinos! Nus em pelo, exceto pelos rostos que se mostram enfaixados à semelhança de múmias, entra em cena um bando de homens e meninos muito à vontade, provocando a platéia. Pendurados de alguns falos, camisinhas. Alguns tocam em seus membros como se fossem jóias preciosas. Dão barrigadas de modo a encostar os pênis nos espectadores. Gritaria e risada não só de mulheres quanto de homens. Elas, entre envergonhadas e excitadas, estão encantadas, inclusive a turistada. Quando vêm pro nosso lado, Sonam me puxa de modo que não sejamos atingidas por uma rabanada de caralho, hahaha!! Sinceramente? Esperava outra coisa! Guardo pra mim que no espetáculo rola um toque mais grotesco que artístico. Vai ver não entendi!

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

A caminho de Bumthang

Acordo e vejo Wangdue Phodrang completamente encoberta por espessa névoa. Graças a deus, às 9, o sol aparece e dá aquele lustro na estreita, sinuosa e esburacada estrada que conduz a Bumthang, um dos 20 distritos (o equivalente a estados) do país, onde ficarei 2 dias. Pema, antes de entrar em curvas fechadas, buzina. Aliás, todos motoras são super cautelosos ao dirigir. Quando vêm carros no sentido oposto, puxam o freio de mão e, pacientes, esperam sua vez de passar. A estrada, em péssimas condições de pavimentação, super esburacada, apresenta largos trechos sem capa asfáltica. Entretanto, o governo está investindo em obras de infraestrutura o que se evidencia pelas máquinas e homens trabalhando ao longo da única rodovia que une Timphu ao centro do país. Macacos pendurados nas árvores são figurinhas fáceis durante o trajeto. Paramos em Nobding, uma vila em cujo mercado mulheres vendem legumes e verduras destacando-se pimentas verdes e vermelhas. Mais adiante, nova pausa, dessa feita numa tea house de onde se desfruta da visão panorâmica dos Himalaias com seus cumes nevados cujo acesso é proibidésimo. Isso porque, acreditam os budistas, os topos das montanhas são habitados por deuses. Daí o motivo de barrarem a presença de escaladores, seja com ou sem oxigênio, enchendo o saco das divindades, hehe. Sentada ao ar livre sorvo meu chá com leite e mordisco um biscoito, aproveitando o esplêndido dia. Embora não sejamos monges, viajamos sem pressa alguma. Basta eu manifestar desejo de parar, seja pra tirar foto ou por qualquer outro motivo, Pema estaciona o carro, atendendo prontamente ao meu pedido. Após atravessar o primeiro passo do dia chamado Pele La (3.400 m), enfeitadíssimo com dezenas e dezenas de bandeiras de oração, paramos em frente a um restaurante. Atopetado de gente, no hall de entrada, sobre uma mesa, espalham-se belos produtos típicos como coloridas botas masculinas e sapatos femininos usados em festividades religiosas. Eu e um americano, engenheiro, dividimos uma mesa durante o almoço. Ele trabalha na Índia e conversamos um pouco sobre o Butão que, segundo ele, é praticamente sustentado por aquele país. Às 13 e 30 embarcamos rumo a Trongsa, outro distrito integrante do pequeno reino. Durante o trajeto, vez por outra, desfilam diante da janela do carro pequenas vilas situadas à beira da estrada. Pema trouxe um pen drive com canções românticas butanesas. Lindas e melodiosas, curto a beça o som. Quebrando a uniformidade da verde vegetação, as cores do outono se fazem presentes tracejando de variegadas tonalidades de vermelho e amarelo os flancos das montanhas. Lindíssima paisagem! Homens com longos feixes de bambu e blocos de pedra nas costas caminham ao largo da rodovia. Dum mirante, a 2.350 m, avista-se Trongsa e seu belo e branco fortress. Fazemos uma breve parada na vila, porque Jamyang quer ver rapidamente sua avó que aqui vive. Pema aproveita e compra num quiosque dhoma. Envolto numa folha, ele o põe na boca e começa a mastigá-lo. Provo e não gosto. O cheiro é super ruim também. Pema passa mastigando a noz durante o restante do trajeto até Bumthang. O carro – arghhh - se empesteia dum budum horrível. Vindos de Bumthang, bato um papinho com uns ciclistas ingleses. Acabam de percorrer 71 km de subidas e descidas além de atravessar o Yotong La, um passo de 3.600 metros. Notório o processo de modernização empreendido pelo Butão! Tanto em Timphu, Punakha, Wangdue Phodrang quanto em Trongsa as old townso demolidas e cedem lugar a novas edificações padronizadas, parecidas com nossas cohabs porém em estilo butanês. Jamyang me conta que 5 aeroportos domésticos estão sendo construídos, incluído um em Bumthang. Passamos por Chazam Valley, famosa pela fabricação de produtos feitos de bambu. Prova disso são os lotes de terra divididos por cercas trançadas com este material. Nuvens já dão pinta no céu....hummm. No interior do veículo, o clima é festivo. Enquanto os filmo, Pema e Jamyang cantam a canção que rola no aparelho de som. No lusco-fusco da tarde, cruzamos o derradeiro passo Kiki La, adornado com as esvoaçantes bandeiras de oração. Vinte minutos depois, chegamos enfim à town de Bumthang em que Bum significa mulheres e thang terra, após 9 horas duma agradável viagem entremeada com várias pausas. Uma rápida parada no centro da vila em cuja rua principal uma loja ao lado da outra vendem mercadorias de baixa qualidade de origem chinesa e indiana. Embora sejam somente 17 e 30, já se faz escuro, pois o sol desaparece cedo nas regiões montanhosas. Meu hotel, o Tschela Hotel, é bem legal. Diante da porta de meu quarto, uma cortina colorida e, na fechadura, um pesado cadeado. Revestido de pinus claro, tapetes grossos cobrem o chão. Na cama, um baita edredom. Quando chego ao refeitório, um espaçoso recinto, uma salamandra acesa aquece o ambiente. Faz bastante frio na rua. Sentados nos cantos, onde estão dispostos alguns sofás diante de mesinhas, um grupo de australianos, fotógrafos amadores, troca impressões sobre o país. A janta, no sistema self service, é razoável, exceto a carne que, de tão frita, chega a ser esturricada. Provo ara, aguardente artesanal feito de arroz. Fortíssima, sua graduação equivale à da vodca. Antes de se mandar pra cozinha de onde não retorna mais, Jamyang, dando por cumprida sua tarefa de hoje como guia, assopra que a expectativa de turistas para 2012 é de 100.000! Podicrê!! E fico, não matutando esse tipo de info que não me interessa nem um pouco, pero divagando sobre a foto na parede. Ladeado por suas quatro esposas, todo pimpão, eis o antigo monarca, pai do atual. Ricamente trajadas, as mulheres, todas irmãs, são lindas. O maior barato é que elas são simultaneamente tias e madrastas da prole real, hehe!! Ergo um brinde à tão bela família: Tashi Delek!

quinta-feira, 10 de novembro de 2011

Fortress, Monastérios e Templos

Estes desjejuns à inglesa são de foder. Poxa, arroz, tomate ensopado, ovos, bacon e, de fruta, banana verde!! Eles seguem à risca o tal ditado que ensina a comer como um rei no café da manhã. Plebéia que sou, fico mesmo com 2 torradas, geleia e chá com leite. O hotel onde estou hospedada é bem confortável, com wireless no quarto. Estou começando a perceber o motivo de a maioria das pessoas que flanam pelo país serem de meia-idade. Além de o Butão cobrar uma taxa diária de permanência considerada alta (em torno de 200 dólares), sua moeda, o ngultrum, vale a metade da rupia nepalesa. Obviamente que a moçada, com menos grana do que os coroas se mandam pro Nepal, onde tudo já é barato de per si, mais ainda se comparado ao Butão. Ademais, aqui você não tem opções de lodges, bed and breakfast ou albergues. Tudo é arranjado pelas agências em esquemas fixos. Neste dia ensolarado, sem qualquer traço de nuvem no luminoso céu azul, temos pela frente apenasmente 77 km até Phunakha. Pema, rechonchudo, dirige o carro com perícia e serenidade, enquanto o espevitado Jamyang querendo demonstrar seus conhecimentos deita falação sem dó e nem piedade de meus ouvidos. Não gosto desse tipo de informação diarréica prestada pelos guias, com a lição na ponta da língua, nem quando são brasileiros, imagina falando inglês! Mas o rapaz, ar levemente malandro, é simpático, prestativo, e eu vou com a cara dele. Acomodados na espaçosa camionete Hyundai, percorremos uma estrada que costeia flancos de montanhas, sinuosa que nem cobra coral. Uma curva após a outra pendendo sobre abruptos precipícios! A vegetação das florestas, luxuriante, consiste basicamente de coníferas e cobre por inteiro as superfícies das montanhas. Mas há outras variedades de árvores e arbustos como rododendros, juníperas e carvalhos. Já em Hongtsho Valley, a obrigatória passagem pela Immigration Check Point, órgão governamental responsável pelo controle de acesso ao leste do país. Jamyang desce com meu visto em que estão discriminados os lugares permitidos à visitação. Necessário porque há regiões, caso do sudeste, onde está proibido o ingresso de turistas, de modo a proteger a cultura local. Neste vale, há uma concentração de refugiados tibetanos responsáveis pela produção de maçãs e batatas. Quando retorna, Jamyang traz um saco de maçãs. Pequenas e deliciosas, como duas! Meia hora depois estamos em Dochu La, passo de 3.050 m, onde foram construídos o Druk Wangyal Temple e o Druk Wangyal Stupa, um conjunto de 108 stupas em estilo butanês, homenageando os militares mortos, em 2003, na guerra contra Assam, estado que pleiteia independência da Índia. A visão que se tem dos Himalaias é esplêndida. Vários 7 e 6 mil formam um cordão de montanhas nevadas, uma ao lado do outra, em absoluta visibilidade. Destacam-se dentre as inúmeras elevações Gangkhar Punsuam (7.600m), o mais alto pico butanês, Masagang (7.100 m), Perigang (7.300 m) e Gangchenta. Embora seja um seis mil, no meu entender é o mais atraente com 3 cumes enfileirados em seu topo. E, durante um bom tempo, enquanto nos dirigimos a Punakha, continuo avistando os Himalaias. Hipnótica paisagem essa! E o surtado guia segue ministrando lições e mais lições de história. Assim, agora sei que fortress é sede não só da administração dos distritos como residência de monges. Já os monastérios e templos abrigam somente monges, variando o número de sacerdotes num e noutro. Há monastérios femininos como a branca e solitária construção que encima o alto duma colina, nos arredores de Punakha. Pouquíssimos, entretanto, se comparados aos templos masculinos. Punakha, sede do reino até 1955, localizada a 1.200 m, desfruta de clima bem mais ameno no inverno que Timphu, a 2.400m, motivo por que os monges se mandam no final do outono buscando a antiga capital. Sem pressa alguma, abençoando a quem encontram no caminho, a viagem dura 2 dias, com direito a pernoite no Thinley Gang Valley. Quente no verão, o rafting é esporte muito apreciado e praticado nos dois rios, às margens dos quais a Punakha Town se debruça. Bom demais ver ao longo da viagem a farta quantidade de bandeiras de orações tremulando nas pontes, ao redor das stupas e dos passos de montanhas. Em chegando nos arredores de Punakha, vamos conhecer um templo, antes do almoço. Os campos tosados após a colheita do arroz exibem enormes pilhas arredondadas de feno. Tão amena a temperatura que uso blusa curta. Uma brisa balança de leve os galhos das árvores. Quando estamos retornando do tal templo onde não quis entrar, vejo uma velhinha com uma coroa de folhas na cabeça. Não hesito e a fotografo sem nem mesmo pedir licença. Ela começa a falar aquela algaravia da qual só conheço meia dúzia de palavras. Entro numa que quer dinheiro pelas fotos. Peço, então, ajuda a Jamyang. A explicação é comovente: deseja que eu dê as fotos prela quando ficarem prontas! Já no restaurante, lotado de turistas, comida self service gordurosa pra caramba. A única coisa que presta é o sorvete de uva. Admirável a disposição destes turistas de meia idade. Alguns deles mais pra lá do que pra cá, de bengala em punho, não se mixam e viajam serelepes, sempre em bando. Dá de todas as nacionalidades: ingleses, americanos, franceses, alemães, malásios e por aí afora. Terminada a refeição, vamos visitar Fortress Punakha, o segundo mais antigo do país, construído por Zhabdrung Ngawang Namgyal. Estrategicamente, localizado na junção de dois importantes rios, o Pho Chho e o Mo Chho, as límpidas águas verdes, em certos trechos, de tão rasas, deixam à mostra o cascalho do leito por onde escorrem. O imponente edifício caiado de branco fulge no céu da tarde. Suas dependências convidam à meditação. Num lugar como este até eu queria ser monja, uai!! Incenso queima em dois grandes vasos brancos dispostos ao lado da grande escadaria que conduz à entrada do santuário. Jamyang, com uma echarpe branca sobre seu gho, ao entrar no prédio, toca nas rodas de oração que repicam alegres acordes metálicos. Cada vez que entra num dos pequenos templos espalhados pelo enorme prédio, repete 3 vezes a típica persignação budista, executando aquele movimento que primeiro leva a mão à cabeça, após a boca para finalmente pô-la sobre o coração. Finda a visita, mais 45 minutos de viagem, e eis nós chegando a Wangdue Phodrang, distrito vizinho à Punakha, onde irei pernoitar. O trajeto se faz ao longo do rio Pho em cujas margens os terraços plantados com arroz exibem uma delicada tonalidade amarelo-dourado. A lua cheia já dá pinta no céu embora sejam apenas 17 horas. O hotel super modesto não tem WF....que pena! Na janta, parata, pão indiano que adoro, quentinho e crocante. De sobremesa goiaba, a fruta da estação. Mais simples impossível.

quarta-feira, 9 de novembro de 2011

Uma etapa termina e outra começa

Manhã linda, céu azul de brigadeiro embora o termômetro-bússola marque no interior da barraca zero grau. E enquanto estou escovando os dentes no interior de minha casa de lona, presencio uma cena inusitada: uma mula bocejando!! Sendo a maxila superior desses meigos animais composta somente por quatro grandes dentões, quando abre a boca os tais incisivos se destacam comicamente. E a coitada ainda está com sono pois solta um bocejo atrás doutro. Impossível ser mais meiga apesar do bocão, hahaha!! Agora mesmo apaixonei de vez pelas mulitas. Queria uma pra mim!! Tenho certeza de que elas preencheriam muito bem minhas carências infantis melhor que um cão. Já refeita do desgaste causado pela longa jornada do dia anterior, sem que paire vestígio algum de azedume neste espírito jovial, desejo kuzoo-zangpo pra Jigme e demais rapazes. Graças a deus as rusgas entre mim e ele são breves como o mau tempo no país. Está acabando o trek. Hoje será nossa derradeira pernada....sniiiff!! E já estou sentindo saudades daquilo que nem acabou! Até Dhendup se mandou pra Jangothang. Fofo e absolutamente na dele, vou sentir sua falta embora incomode à noite. Ontem deu showzinho novamente. Jigme perguntara há 2 dias atrás se eu gostaria de conhecer uma propriedade rural, oferta que aceitei prontamente, bem satisfeita. Este vilarejo, onde estamos, Zang Gi Pan, tem várias fazendolas e a faina pra enfrentar os rigores invernais é intensa. Pimentas secando nos telhados dão um toque colorido de vermelho ao prateado do zinco. Homens aram a terra pra plantar um tipo de trigo apenas consumido pelo gado durante o inverno. E nas plantações de arroz, senhoras de idade organizam o restolho em medas para formarem os gordos cones. Saímos da estrada e descemos até uma das casas onde, num pátio ensolarado, mulheres pilam arroz. E me deslumbro com uma maçaneta de madeira no portão que dá acesso a outro pátio isolado por um muro alto. E solto ohs com a escadinha esculpida diretamente num grande tronco de árvore. Incrível, porque é tudo muito tosco, remontando a tempos dantanho. Apesar dessas simplicidades, a casa, contudo, é bem mais confortável que a visitada ontem em Shana. Possui os tradicionais três pisos. No que a família reside, uma sala onde está instalada a cozinha. Ao lado, outra mais ampla e clara, servindo como sala de visita e dormitório (há uma cama num canto). Móveis de madeira com portas de vidro guardam louças e edredons. Uma tevê antiga. Sofás e mesas. Tudo simples, sem frescura. Pôster na parede de astros de filmes de caratê. Na terceira sala, um altar de orações onde, diante de estátuas de divindades budistas, há as habituais oferendas (pujas), contendo potinhos de arroz e água. A dona da casa, muito simpática, quando sorri revela – uma pena - dentes superiores bastantes estragados. Amável, oferece chá e flocos de milho e de arroz feitos por ela. Depois que aprendi a fazer a saudação de bom dia, distribuo kuzoo-zangpo a quem vejo pela frente. É o que ocorre cada vez que passa alguém por mim na estrada. Passamos por uma escola onde os alunos uniformizados com o tradicional gho brincam no pátio. Na estrada, yaks estão sendo levados a Paro tangidos por alguns homens que se divertem conversando entre si. Jigme alerta pra eu tomar cuidado com os animais porque eles às vezes se invocam. Wangyel após entrar num armazém, sai de lá com 2 refrescos de manga. Um oferece pra mim! Que fofo ele! Bebo o refri geladinho cujo sabor me surpreende pela quase ausência de conservantes. Uma delícia! Chegamos por volta das 11 em Drugyel Dzong onde Jamyang, que será meu guia nesta nova etapa da viagem, me espera juntamente com o motorista Pema. Despeço-me do pequeno time um tantinho emocionada, pespegando uma beijoca na bochecha de cada um. A convivência durante os 8 dias em que durou o trek foi muito legal. Por mais fugaz que sejam os laços criados, geralmente, me afeiçoo a guias e demais membros do staff. Por fim, posamos pra tradicional fotografia em grupo e mais uma vez disparo vários kardincheyla (muito obrigada) pra todos eles, admirando pela última vez o Jomolhari que daqui só vê o triângulo do cume!

Já dentro da confortável camionete Hyundai, Pema estende uma caixa contendo bolos e salgados, além de refris. Passamos por Paro rapidamente e rodamos através duma boa estrada de asfalto que conduz a Timphu, onde dormirei hoje pra amanhã partirmos num tour cultural. O objetivo é assistir a um festival budista num distrito chamado Bumthang situado a mais de 280 km da capital. E Jamyang se revela aquele tipo de guia que dispara informações como se fosse uma metralhadora verbal. E em inglês!! Ai ai...Assim então sou informada que o país tem 72% de área verde e relevo basicamente montanhoso. O carro faz uma parada pra apreciarmos a confluência dos rios Paro e Wang. Na margem do primeiro, três construções de stupas em estilos diferentes estão dispostas lado a lado: a nepalesa, com o tradicional terceiro olho em sua cúpula, a simplicidade quadrangular da butanesa e as formas mais arredondadas da tibetana. Jamyang prossegue sua aula, ensinando agora o significado das cores das bandeiras de orações. Colocadas não só nos topos das colinas, nas pontes as bandeirolas também estão presentes. Isso pra que tanto o vento quanto a água, elementos fluidos da natureza, espalhem os textos sagrados contidos nelas. Daí a razão de ser da tal expressão usada com assiduidade por montanhistas brasileiros, desejando “bons ventos”. No meu entender, “boas águas”, “boa correnteza”, ou algo similar, poderia - por que não? - muito adequadamente tornar-se uma saudação da galera do surfe, não é mesmo? Mais adiante, dois pórticos enfeitados com símbolos budistas sinalizam cada um as rotas que conduzem à Índia e ao Tibete. Chegamos em Timphu às 13 e 30, e, após, uma sauna a vapor pra relaxar e lavar o cabelo duro de sujo depois de 8 dias sem banho algum, dou uma banda pela cidade. Situada num vale, rodeado por montanhas, a uma altitude de 2.400 m, Timphu, embora ostente ainda construções antigas, é uma cidade que se está modernizando a toque de caixa. Limpa, bem organizada, denotando certo cuidado no planejamento urbanístico, suas construções, a maioria edifícios de apenas 4 pisos, obedecem ao padrão arquitetônico butanês. Por toda a cidade, painéis e fotos das bodas reais, com a romântica pose do casal de pombinhos, os monarcas Jigme e Jetsu. Como já são quase 18 horas, o tráfego lento de carros na rua principal revela a hora do rush onde passeio à-toa. Muitas - muitas mesmo - lojas e galerias comerciais, destacando-se as de tecidos onde pousam nas prateleiras variadíssimas padronagens de panos de lã feitos a mão. Sem falar nas belas e coloridíssimas sedas cujos bordados de pássaros, flores e dragões fascinam pela perfeição do trabalho. O burburinho de fim de tarde é o mesmo em todas as cidades do planeta e aqui não foge à regra. Apressados, os butaneses saem do trabalho loucos pra ir pra casa, vestindo seus belos trajes tradicionais, o gho (masculino) e a kira (feminina). E eu lá entre esse povo de feições idênticas às dos chineses, curtindo a lua cheia que paira sobre a Praça do Relógio.