sábado, 10 de outubro de 2009

Via Secundária da Garganta do Orbal

Como a meteorologia prevê chuvas só no feriado de Nossa Senhora Aparecida, saio de Porto, na sexta, por volta das 15 horas. Um acidente, na avenida Castelo Branco, saída da cidade pro litoral, deixa o trânsito trivagaroso, naquela de engata 1ª e freia o carro. Um saco o congestionamento. Dura 40 minutos. Haja paciência!! Véspera de feriado, o fluxo de carros é maior que o usual. Como não tenho pressa de chegar, dirijo com cuidado, não ultrapassando os 100 km permitidos na free way. Próximo de Xangrilá, vejo outro acidente na estrada do mar – RS 389 – envolvendo dois carros. Meu deus, como está gente é imprudente. Estão sempre apressadíssimos, como se quisessem salvar a mãe da forca!! Estragam o feriado na ânsia de encurtar o trajeto em 15 ou 20 minutos. Chego a Praia Grande e dou uma paradinha na cabana de Kaloca pra combinar nossos passeios. Depois tomo o rumo da pousada Colina da Serra onde encontro Mariazinha solita, sem seu maridão. Pauleca foi ao casamento dum sobrinho em Floripa. Ela prepara, rapidamente, uns bifes acebolados, uma salada de alface, arroz e feijão. De sobremes, mação em calda. Supimpa refeição! Jogamos, depois da janta, o mexe-mexe, um jogo de cartas bem interessante. Ganho duas partidas e deixamos a negra pro dia seguinte. Estou cansada e tenho de acordar cedíssimo. Sábado amanhece nublado o que não me incomoda. Frio não está e isso é o que importa. Às 6 e 30 passamos pra pegar Kaloca. Maria nos leva de carro até o ponto onde a trilha começa. Uma pequena caminhada na matinha nebular, com árvores de pequeno porte, cobertas de barba de bode, e logo alcançamos a parede norte do Orbal onde se localiza a primeira cachoeira da via secundária dessa garganta. Com 20 m, é uma barbada a descida pelo paredão liso e vertical. Caminho com cuidado até a segunda cachu porque as rochas estão molhadas e resvaladiças. Ainda bem que a distância é pequena. Quando começo a descê-la, me dá um frio na barriga. Seus 50 m impõem respeito. Trato de me acalmar. Apesar da altura, sua rapelagem não oferece maiores problemas porque é uma cachu negativa. Basta dar mais ou menos corda e eis controlada a velocidade da descida. Prefiro segurar a corda enquanto desço. Meus pés balançam no ar e o meu corpo gira 180º. Estranha sensação essa! Pendurada tal qual um marionete. Um corpo flutuando no ar preso por cordéis. Mais uma pequena caminhada até a terceira queda, um longo tobogã com 60 m, feito em três lances. Deliciosa sua rapelagem. Curto demais enquanto vou dando corda. Paro durante a descida e filmo, usando, pela primeira vez, minha Olympus à prova d’água. As demais cachus, próximas umas das outras, evitam o esforço da dura caminhada sobre as pedras escorregadias. No canionismo, o fácil, via de regra, é a rapelagem das cachoeiras. Mão de obra mesmo é a caminhada sobre o leito do rio. Exige equilíbrio a pisada nas pedras. E quando elas se encontram molhadas - como hoje -, a coisa se complica. Eu, cheia de receios de escorregar e me estabacar no terreno irregular e crivado de rochas cujas arestas são bem afiadas, apelo, muitas vezes, pro esquibunda, o que torna mais cansativa a “caminhada”. Meu equilíbrio não é lá dos melhores, reconheço! A quarta cachu tem, se tanto, uns 10 m. Venço-a facilmente. A quinta, hehehe, é ridícula com seus 5 m. Sem comentários. Até então, a ancoragem vem sendo feita nas árvores. Eu, sempre desconfiada, cada vez que inicio os procedimentos de rapel, indago de Kaloca, com uma voz esganiçada, se elas são firmes. Ele, com sua verve habitual, me tranqüiliza: “Biazinha, se tu cair, cai a árvore e eu juntos contigo, não vamos te deixar na mão!!”. É o que basta pra eu relaxar. Esse Kaloca!! A sexta, com seus 35 m, exibe uma ancoragem com dois grampos P fixados na rocha. Nesse ponto da via, enxerga-se o paredão do cânion. Mais adiante Praia Grande com grandes extensões de terrenos alagados causados pelo chuvaral que castiga a região há bem uns 4 meses. A sétima cachu, com 50 m, é perrenguenta pra caramba. Dá trabalho a danada. Enormes blocos de rocha dificultam a rapelagem. Já em terra firme, à direita, a via do vértice principal, onde fiz canionismo ano passado, desemboca na via onde estamos. A vegetação pluvial de mata atlântica é exuberante. Muito musgo revestindo as rochas. Bromélias rosa e azul, penduradas nos galhos e arbustos, quebram o predomínio do verde da vegetação. Cogumelos amarelados grudam-se em troncos de árvores caídas sobre o leito do rio. Uma beleza de visual. Cascatinhas encantadoras me fazem estacar a todo momento. Paro e saco a máquina pra filmar toda essa exuberância. A oitava cachoeira, com 30 m, não apresenta declive acentuado. Está mais pra rampa. A ancoragem continua sendo num tronco de árvore. No seu final, um pequeno poço raso. A nona cachoeira apresenta um declive mais suave que a anterior, porém seu poço é mais fundo. A aproximação entre as cachus, até então curta, agora é bem mais longa. Dura coisa duma hora a caminhada até a décima. Rapelar esta cachu de 25 m, cheia de degraus, é moleza. A décima-primeira e última cachu com 30 m apresenta certa dificuldade. Desce-se pela direita percorrendo uma pequena canaleta. Na metade da vertente, um degrauzão obriga a uma travessia pro seu lado esquerdo. Requer alguma habilidade. Se sol houvesse - o tempo permanece, entretanto, emburrado -, eu teria mergulhado em seu poço. Embora raso, dá pra se espojar em suas águas límpidas. Quando terminamos, telefono pra Maria e ela vai nos buscar na Vila Rosa. Deixamos Kaloca em sua casa e vamos pra pousada. Uma jantinha com uma saborosa carne de panela e uma partidinha de mexe-mexe nos entretêm até a chegada de Mara, sobrinha de Maria, seu marido Luis Antonio e Gustavo, o filho do casal. Cansadíssima, bato um papinho curto e vou pra cabana. Morfeu acena, seu dedão, imperioso. O domingo surpreende: um sol lindo, artigo de luxo nesses últimos tempos! E um baita calor. O programa hoje são algumas cascatas desconhecidas da Magia das Águas. Dessa feita, Rejane, namorada de Kaloca, nos acompanha. Marinheira de primeira viagem, Rê está assustada. A primeira queda é qualquer coisa de fácil com seus 5 m de pura diversão. Pelo menos pra mim. A segunda com 10 m também é moleza, emendando num bretezinho de 8 m de declive com confortáveis degraus. Uma beleza. Enquanto observo Rejane descendo, recordo de meus primeiros rapéis, tão medrosa e desajeitada quanto ela. Kaloca acompanha-a, orientando-a na descida. Não dá mole pro medo da namorada. Coitada! Comigo ele tem mais paciência. Também pudera, eu sou cliente, hehehe. A quarta cachu, embora tenha 30 m, forma belos e largos degraus. Somente seu início, apresenta alguma dificuldade, pois um resvaladiço paredão vertical, duns 3 m, requer um certo cuidado. Já a quinta é mais técnica porque seu desenho vertical exige bastante atenção pra descer seus 30 m. Por fim, os 10 m da sexta queda são tranquilitos demais. Foi tudo muito rápido. Em três horas, terminamos nosso cascade (nem dá pra se considerar canionismo essa rota alternativa da Magia das Águas!), e subimos o morro punk até a pousada. Kaloca, já na moto, com Rejane, na garupa, agarrada em sua cintura, tomam o rumo de casa. Encontro Maria, Luis, Mara e Gustavo sentados à sombra, curtindo o mormaço da tarde domingueira. Com ar preguiçoso, suas pálbebras pendem, a meio pau, sonolentas. Também pudera, não faz muito almoçaram. Passo a tarde batendo papo com Luis e Gustavo. Luis permite que o filho dê umas voltinhas no páteo da pousada. Embora tenha apenas 14 anos, sabe dirigir e muito bem! Entende tudo de carro, dá de 10 a zero em mim. Ao anoitecer, o tempo muda e uma chuva de molhar bobo se estende até o dia seguinte. Impossível fazer qualquer coisa nesta segunda-feira, dia da padroeira do Brasil. A não ser rezar. Apesar de católica, sou nem um pouco praticante desta fé, de modo que vou em busca de meu desjejum. Luis e Mara, uma pena, tem de retornar a Sombrio. Entretanto, meu amiguinho sabe-tudo-de carro fica.........ebaaa!!! Convido-o pra dar uma banda em Praia Grande. A chuva continua. Ele me dá dicas sobre direção. Uma gracinha de guri! Almoçamos e vou pra cabana ler um pouco. À tarde, levo Maria na manicure e aproveito pra visitar algumas pessoas. Ao lado, no banco de passageiros, meu fiel escudeiro, Guga, com seu semblante sério, compenetrado. À tardinha, retornamos os três pra pousada e o tempo começa a melhorar. À noite, quando vou pra cabana, o céu, estrelado, anuncia bom tempo. Não dá outra. Terça-feira, quando saio de Praia Grande, a manhã está esplêndida! Um solzão brilha no céu sem nuvens. Pena que eu tenha de retornar, mas, porém, todavia, contudo, entretanto, o dever me chama na chincha, snif, snif! Hasta la vista, Praia Grande!!

sábado, 3 de outubro de 2009

Tenha dó, São Pedro!!

Embora o tempo no Sul tenha se mostrado madrasta - chove quase todas as semanas – tenho ido a Praia Grande desde meu retorno do Peru. Assim, fazer alguma atividade nessa região é uma questão de sorte e, também, de não se deixar acovardar diante dos prognósticos meteorológicos nada alvissareiros. Mas quer saber duma coisa? Prefiro os findis chuvosos de Praia Grande aos findis ensolarados de Porto. Canionismo só consegui fazer em setembro porque, com o volume d’água que São Pedro tem mandado, as cachus ficam bombadas e o risco que se corre não compensa a aventura. Enfim, uma janela de bom tempo permite que eu conheça a Via Proibida, uma garganta situada na parede sul do canyon Itaimbezinho. Com 10 cachoeiras, o canionismo não apresenta maiores dificuldades. Dessa feita, ao contrário do habitual, quando tenho como companhia apenas meu guia, junta-se a nós um pessoal de Floripa: Joel, um venezuelano, radicado há anos no Brasil, a quem eu conhecera no II Encontro Sul Catarinense de Escalada e Montanhismo, realizado em maio na Pedra Branca, e Ana, amiga dele. Alto astral, Joel curtiu seu primeiro canionismo como se estivesse num parque de diversões. Deu gosto ver sua animação e alegria. No restante do mês, retorno a Praia Grande, conformando-me apenas às longas pernadas pela região pois o tempo chuvoso não dá mole pro canionismo. Reconheço que levo o maior medão de rapelar cachus após um chuvaral. Só agora, burra velha, me dou conta do motivo. Muito estranho esse meu receio da água, já que nasci em Rio Grande, cidade debruçada sobre o Atlântico. Desde pequena, portanto, água me é muito familiar. Porém só Freud e os métodos nada ortodoxos de meu pai explicam o motivo dessa leve fobia. O velho costumava levar eu mais meu irmão ao Clube Regatas onde passa o canal que liga o mar ao porto. Lá nos dava "aulas de natação". O método consistia em amarrar às nossas cinturas uma corda de sisal. Assim, seguros por aquele salva-vidas improvisado, nos jogava à água sem dó nem piedade. Se ensaiássemos um choro ou demonstrássemos medo, ele advertia que parássemos com a frescura! E sabem duma coisa? Apesar de nada agradável tais lições (bebia água pra caramba), gostaria de que o tempo desse um pulo pra trás só pra ver meu pai mais uma vezinha me empurrando dentro d'água. Bueno, chega de recuerdos nostálgicos...Voltemos ao presente: semana retrasada, fomos eu e Kaloca fazer uma caminhada na fazenda Silveirão, situada na crista sul do canyon Josafaz. Esta fazenda dá acesso a uma garganta lateral àquele canyon, ponto de partida dum canionismo com 10 cachus cuja altura vai de 22 a 130 m. Belo sítio. Araucárias espalhadas aqui e ali, nesta época já sem os frutos, lançam sombras no dia ensolarado. Num lago, marrecos nadam rente à margem. E o som de sininhos, amarrados aos pescoços de cabritos que pastam perto de onde estamos lanchando, são o único barulhinho bom que se ouve ao redor. Conheço a primeira e a segunda cachoeira do Silveirão. Esta última conta com respeitáveis 90 m de queda livre. Será um dos meus próximos canionismos assim que o tempo firmar. Continuando o passeio, conheço um pequeno cemitério cercado por um muro de taipa com apenas dois jazigos, datados do século XIX, onde foram enterrados os avós de Monalisa, guia da região. Revelam certo apuro as lápides, já castigadas pela ação deletéria do tempo, despontando numa delas a cabeça, parcialmente, arruinada duma santa qualquer. Encontramos lá pelas tantas, um abandonado forno de pedra, utilizado na produção de carvão vegetal. Práticas antigas da gente de antanho. Pena que acabou! Devia ser bonito, vê-lo aceso à noite, iluminando a paisagem dos campos de cima da serra. Finalmente, agora, em outubro, consigo fazer outro canionismo. Depois de ter ficado a semana inteira observando os boletins meteorológicos, a quase infalível Epagri garante uma trégua no chuvaral. Assim, na sexta à tarde, de mala e sem cuia, me mando pra Praia Grande. Viajo tranqüila, sem pressa. Ponho um cd com músicas variadas. Rola de tudo: desde os tristes fados de Amália Rodrigues aos plangentes lamentos de Cesaria Évora, roçando pelos animados sambões de Martinália até tudo se acabar nas melodiosas canções italianas de Nico Fidenco. Com a janela do carro semiaberta, sinto o vento acariciando, de leve, meu rosto. Tão bom estar com o pé na estrada! Dou minha habitual paradinha na barraca do Véio onde já sou reconhecida pelos balconistas. Diante da oferenda do vendedor, estendendo-me, gentilmente, um pedaço de abacaxi, apurada, recuso: “depois, agora preciso ir ao banheiro”. Quando retorno, aceito tudo o que me é oferecido. Entro na SC 450 já anoitecendo. Embora esta rodovia, que liga a BR 101 a Praia Grande, abranja apenas 21 km, não gosto de dirigir à noite. Cheia de curvas, sinto-me um tanto insegura. Afora isso, as luzes dos carros que trafegam em sentido oposto, ofuscam meus olhos, dificultando um pouco a visão da estrada. Redobro a cautela e diminuo a velocidade pra 70 km. É de bom tamanho. Ao chegar à pousada Colina da Serra, encontro Pauleca assando um galetinho. Mariazinha, a gringola, preparou uma maionese de aipim porque sabe que gosto demais dessa comida. Tudo de bom nossa janta. Antes do ranguinho, beberico meu tradicional copito de cachaça com camomila e mentruz. Gente, prefiram mentruz, um baita vermífugo, às horríveis pastilhas de clorofina usadas pra purificar as águas dos rios. Até porque o cloro, arghhhh, tem um gosto horrível e sei lá se seus efeitos colaterais não são piores do que hospedar os vermezinhos assanhados, sassaricando em nossos intestinos. Bueno, sábado, vamos, Kaloca, Gezaela e eu fazer canionismo na via dos Monitores. Esta pequena garganta, situada ao lado do morro dos Cabritos, nasce, também, na parede sul do canyon Itaimbezinho. Embora nublado, o tempo não está frio. Afinal, já estamos na primavera. Kaloca não conhece a garganta, sabe apenas que a maior cachoeira tem 60 m. Foi grampeada por amigos dele há mais dum ano. Quando adentramos na mata, nos deparamos com dois pneus e uma caçamba de caminhão! Kaloca explica que um afobado caminhoneiro, ao fazer a acentuada curva em S, caiu ravina abaixo. E consta que só sofreu arranhões. Ainda bem! Depois duma pequena caminhada na mata ciliar, chegamos à primeira cachoeira. Embora de pequena altura, dá um certo trabalho. A segunda, no entanto, é fácil demais. Gezaela, uma praiagrandense de 22 anos, com um pequeno piercing incrustado na narina esquerda, revela-se uma companhia trilegal. Guia da região e estudante de Administração em Tubarão, é uma graça de guria. Seus olhinhos rasgados brilham, animados, com a aventura. Uma energia gostosa se estabelece entre nós. Estou tão tranqüila que nem me reconheço. Observo, nas laterais da garganta, desmoronamentos de terra provocados pelas sucessivas enxurradas que vem castigando o sul de Santa Catarina há três meses. Nas demais cachoeiras, Kaloca descobre que as chapeletas foram retiradas e daí tem de improvisar ancoragens, amarrando a corda ora ao redor de pedras ora ao redor de árvores. Puta que os pariu, dane-se o inconseqüente que retirou as ancorangens das cachoeiras! Se descubro quem foi o maldito, cubro esse cara de impropérios. Mas felizmente, Kaloca, um cara super experiente tira de letra o perrengue. Assim, conseguimos rapelar as 7 cachoeiras sem maiores problemas. Um canionismo pra iniciantes, se recolocadas as chapeletas e grampos nos devidos lugares. Deixo Kaloca em sua casa e convido Geza pra comer pastel na lancheria do Pulga. Resisto, bravamente, embora a gula me incite, a bisar o petisco. No domingo, o dia permanece nublado e vamos até a Pedra Branca, eu, Kaloca e Rejane, sua namorada. Já fiz esta caminhada várias vezes, mas sempre é um prazer subir a trilha, um trajeto de pouco menos duma hora, cujo maior perrengue é um pequeno trecho bem íngreme, um miniescalão, pouco antes de se atingir o cume. Touceiras de calhandras, uma flor que desponta na primavera, revelam já seus delicados pomponzinhos vermelhos ao longo do sendero. Já no topo do monumental maciço de rocha, uma inesperada névoa baixa sobre nós, encobrindo o vale todo. Hora de descer, portanto. E na viagem de volta a Praia Grande, deixo rolar o som maneiro da Nação Zumbi, à época em que Chico Science - grande perda a morte desse cara - era o líder da banda..........eita mundinho bom!!