segunda-feira, 2 de abril de 2007

Sobrevoando o Campo de Gelo Sul

Graças a deus consigo comprar óculos no aeroporto já que havia perdido os meus ontem sabe-se lá onde. Seria o caos ficar três semanas lendo com dificuldade já que minha visão de senhorinha de meia-idade me obriga a usá-los. Transcorridos 20 minutos após a decolagem, sobrevoa-se a região da Laguna Aculeo. Até então só o que se avistara era aquele espesso piso branco de nuvens quando então aflora através delas uma cadeia de montanhas, cuja altura deve ser, suponho, mais ou menos 6.000 metros, já que se está voando a mais de 7.000. Os picos exsurgindo daquela brancura parecem ilhas no meio de um mar de espuma como se estivessem suspensos no céu já que não se consegue enxergar o solo totalmente encoberto por aquele tapete de nuvens. De algumas montanhas, em forma de lua crescente, dá pra se ver uma larga extensão de seus topos, de outras somente os picos borrando de marrom o nuvaredo. Na escala em Puerto Montt, o tempo mostra-se bem nublado distinto daquele solzão e céu claro lá de cima. Agora, novamente, no ar o tempo volta a ser ensolarado; por vezes as nuvens abrem uma brecha e podem ser avistadas montanhas cobertas de neve. Já perto de Punta Arenas, as extensões de terreno encobertas de gelo e neve vão aumentando; a proximidade com o campo de gelo sul evidencia-se quando, então, estamos finalmente voando sobre ele: uma impressionante e formidável extensão de 350 km de gelo cuja largura varia de 14 a 45 km. Há 48 glaciares no Campo de Gelo Sul, 35 no Chile e 13 na Argentina. Há outro campo de gelo, o Norte, menor, com 200 km de extensão e 19 glaciares. A distância entre os dois campos é de aproximadamente 80 km. À medida que o avião se dirige para o sul, os glaciares amiúdam-se, dá pra ver até suas gretas azuladas. Percebo-os nitidamente sobre o campo de gelo, desembocando em lagunas de cor esverdeada. Muitos deles são grandes como o Grey, outros pequenos. Tudo é de tirar o fôlego! Um conselho: pra poder distinguir com calma e sem estresse todo esse esplendor, sente-se à esquerda no avião (uma moça da agência Comapa em Puerto Natales me contou que vai várias vezes a Santiago e nunca conseguiu ver o campo porque o tempo está geralmente está encoberto, e, eu, a sortuda aqui consegui enxergá-los de prima). Saindo do Campo de Gelo Sul, o terreno liberto da neve exibe de novo sua coloração marrom, rastros prateados de água provenientes dos glaciares originam compridos rios cujo traçado desenha um perfeito ziguezague sobre o solo, perceptível, apenas quando se está voando. Chego em Punta Arenas às 12 horas, após ter tido a sorte de ver o Parque Nacional de Torres del Paine, graças ao bom tempo durante o vôo. Porque não sabia, pego um táxi até o terminal rodoviário onde embarco no ônibus das 13 horas com destino a Puerto Natales. Se eu tivesse melhor informada teria poupado 7 mil pesos da corrida e aguardado no aeroporto já que o expresso Buses Fernández passa por lá para pegar os passageiros caso se telefone à empresa. A distância de Puntas Arenas a Puerto Natales é de 247 km que se vence em três horas. A estrada, asfaltada e plana, revela em ambos os lados uma paisagem de pampa, sem maiores atrativos cuja vegetação predominante são coirones, tufos de grama já amarelos nessa época do ano. Vêem-se pastando nos campos bandos de ovelhas, uma das fontes de renda da região. À medida em que me aproximo de Puerto Natales, as montanhas vão surgindo. Algumas com as encostas e cumes cobertos de neve, aliás, a neve será tema recorrente neste meu roteiro, fazer o quê, né? Natales é pequena, uma graça, 15.000 habitantes, ruas retas que desembocam no Pacífico, ou melhor, num braço deste oceano conhecido como Seño Ultima Esperanza. Depois de consultar a internet de um cibercafe situado perto do terminal de ônibus, deixo minha bagagem no hotel e procuro me informar dos bons restaurantes existentes na cidade (agora não uso mais mochila pra viajar, e, sim, mala com rodinha, é muito mais prático e dá pra carregar numa boa enquanto se procura hotel, meu caso, já que não fiz reserva). Assim, eis-me depois de dois dias só comendo sanduíches, jantando no melhor restaurante da cidade, o Marítimo, segundo informações dadas pelo dono da Cafeteria Melissa (muito boa a internet desse lugar, bem veloz). A idéia de perguntar a ele, surgiu porque sendo gordo e com cara de quem gosta da boa mesa saberia, com certeza, indicar-me bons restaurantes. Tiro e queda, o homem estava corretíssimo, a comida leve, sem pretensões de ser sofisticada, está saborosíssima. No couvert, pão quentinho e pebre (molho feito com aji em pasta, aji verde, tomate, cebola, alho, salsa ou cilantro, azeite e suco de limão). Escolho como entrada um ceviche de salmão, a seguir um estofado de robalo guarnecido com batata, cenoura, pimentão e abóbora cozidos. Já não há mais muito espaço em meu estômago, mas a curiosidade em experimentar uma sobremesa vence a temperança, vem então um cocktail de frutas flambadas ao rum (banana, laranja, uva e pêssego). A bebida? Nada melhor que um vinho, o levinho sauvignon blanc....apenas uma taça. Quando viajo não cometo muitos excessos salvo o de caminhar pra caramba e me extasiar sem pudores com a paisagem.

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