segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Réveillon na Colina da Serra

Fazendo as honras da casa, me coloquei no papel de guia de Claudia e Val. Como é véspera da virada de ano, decidem as gurias que não é bom fazer nenhuma trilha pesada. Querem se guardar pra meia-noite, tais quais cinderelas já um pouco passadas, entretanto. Solamente um passeiozinho leve. Então proponho conhecermos uma cachoeira, a Magia das Águas, localizada no parque da pousada de mesmo nome. E lá vamos nós! O lugar fora atingido pela enchente de março e apresentava-se diferente da última vez em que lá estivera. Um estrago só a terrível enxurrada fez em Praia Grande, no início do ano, desfigurando em muito a paisagem. O sol a mil, e as gurias, nem aí, aproveitam com gana as reentrância das rochas, deixando-se massegear pela correnteza do rio. Bom demais, gritam elas! De repente, o céu tolda-se de muitas nuvens. Pegamos as mochilas e batemos em retirada. Quando estamos quase alcançando a estrada principal, a chuva despenca com força total. Buscamos refúgio em um abrigo de ônibus e lá ficamos sentadas esperando a chuva amainar. Resolvo pedir carona prum fiatezinho que passa sem pressa. O motorista nos dá carona até o supermercado Magagnin de onde podíamos telefonar e pedir que alguém da pousada viesse nos buscar. Não demorou muito, João Paulo veio nos resgatar e lá subimos nós a serra do Faxinal em direção à Colina da Serra. Coisa boa o verão, passada meia hora o sol volta a reinar num céu limpo e sereno. Dentre as muitas pousadas em Praia Grande – e conheço várias -, essa é a bambambam! Talvez porque tenham se criado ao longo dos anos que venho me hospedando aqui, laços de amizade entre mim e seus donos, Maria e Paulo. Maria é um caso à parte: dona de um senso de humor afiado me diverte com suas observações irônicas. Além do mais suas comidinhas caseiras são muiiiitooo apetitosas, destacando-se o bolinho de arroz que, invariavelmente, requisito quando chego. Já Paulo, o Pauleca, “o nosso marido”, como brinco com Maria, é uma pata choca com os filhos, trata Mariana, de 17 e João Paulo, de 25, como se ainda fossem bebezinhos. Adoro ficar na cozinha, fumando um cigarrinho e bebericando as cachacinhas preparadas com frutas variadas. A de amorinha está louca de especial e me sirvo de outro copinho enquanto tagarelamos alegremente. Quase não vejo Maria parada, quando não está preparando comidas para os hóspedes, está ajeitando as cabanas – em número de seis – ou então lavando roupa. Não pára essa mulher, que máquina, incrível sua disposição!! E hoje então a azáfama é intensa pois os preparativos da ceia estão a milhão. Sua simpática sobrinha, Mara, veio de Sombrio pra ajudá-la e prepara, conforme indicações precisas de Mariazinha, uma mousse de morango dentre as muitas sobremesas do cardápio. O lombinho exala um odor picante de bons temperos e a tradicional lentilha borbulha cheirosa sobre o fogão a lenha. Me sinto em casa, bem à vontade e adio o quanto posso minha ida à cabana. Mas, enfim, crio coragem e deixo aquele aconchego todo. É necessário tomar banho e me enfeitar para a festa. A ceia é servida às 22:30 horas e na mesa comprida os hóspedes sentam-se depois de se servirem fartamente dos quitutes colocados sobre o bufê. Quando a meia-noite junta os ponteiros no relógio, rumamos pra colina: dali dá pra se enxergar os fogos de artifício que espocam em Torres, praia gaúcha situada a pouco mais de 40 km de Praia Grande. Os lindos desenhos coloridos arrancam exclamações de alegria de todos nós. E graças a deus, ninguém fica se abraçando, beijando e desejando feliz ano novo. Suspiro de alívio...ufaaaa....ainda bem!!! Isso talvez se deva porque a maioria das pessoas são hóspedes e mal se conhecem. O céu estrelado prenuncia bom tempo para o dia seguinte. Fico feliz já que farei canionismo com Caloca no Rapel do Café. Oxalá permaneça bom o clima! Já estou sentindo aquele friozinho na barriga só em pensar que amanhã, ou melhor, hoje, afinal já é uma da madrugada, vou estar descendo doze cachoeiras!!! Coisa boa tudo isso!!!

domingo, 30 de dezembro de 2007

Trilha do Poço Malacara

No domingo, o sol aparece no início da manhã mas breve sua presença porque sem muita demora  Praia Grande fica coberta por espessa camada de nuvens. Vamos eu mais Caloca mostrar um trecho do Malacara, considerado um dos canions mais lindos do planeta, pra Valeria e Claudia, minhas amigas que vieram do Rio de Janeiro e Brasília conhecer a região. Nos acompanham Mariana, Luiz Antonio e Gustavo, parentes de Mariazinha, dona da Pousada Colina da Serra onde estamos hospedadas. Porque gostamos de caminhar rápido, eu e Val tomamos a dianteira e chegamos à frente dos outros no bolicho do Toninho Schimidt aninhado às margens do rio Malacara.
Cai uma chuva fininha. Toninho, uma figura pra lá de querida, me recebe de braços abertos, e, de imediato, me serve, uma cachacinha. Figura pitoresca diz que encabula quando fica sem falar. “Não sei por que mas envergonho quando calado”....pode? Esse é o Toninho!! Cunhou um bordão que nunca canso de escutar a cada vez que o visito. “Diz Toninho, diz”. Daí ele estufa o peito e com o olhar perdido no horizonte, atende ao meu pedido empostando a voz: “chove lá fora, pinga aqui dentro". Esse Toninho é uma figuraça!! Emérito contador de saborosos “causos” dentre eles se destaca o da cobra que o picou. Conta ele que tinha lá seus sete anos quando roçava com seu pai um pedaço de terra. Tropeça numa pedra e se estatela no chão quando sente uma fisgada na barriga supondo que fosse a ponta duma pedra. Qual o quê! caíra sobre as presas duma jararaca. Levado pro hospital, apodrecia, quando foi resgatado de volta à vida pelas mãos do Dr. João. “Graças a ele estou aqui vivinho”, exclama enquanto aponta a feia cicatriz em seu abdômen. Casado com Eni, ainda apaixonada e ciumenta, embora viva com ele há mais de 20 anos, Toninho não se intimida e galanteia as turistas que o visitam. A chuva, entretanto, não veio pra se instalar e quando o resto do pessoal nos alcança, dela só restam terra e grama umedecidas. Nos tocamos, então, pro poço do Malaca caminhando sobre o leito do rio. O canion que já havia sido castigado pela presença fulminante do tufão Catarina, em 2004, teve suas feições desfiguradas quando a avassaladora enchente de março transformou sua encantadora embocadura recheada de poços e cascatinhas em uma árida planície de pedras. Completamente mudado o Malaca! Como diz Caloca, só outra enchente vai dar nova feição a essa parte inicial do canyon. À medida que nos aproximamos, as paredes vão se tornando visíveis e maiores: já dá pra se avistar as Gêmeas, duas lindas cachoeiras situadas além do poço, ponto final da trilha permitida pelo IBAMA para se passear. Tudo tão mudado desde a última vez que aqui vim! Mesmo assim me atiro com prazer nas águas escuras do pequeno lago e nado até as pedras do outro lado da margem. Da pequena cascata jorra uma água espumenta formando mansos redemoinhos em sua superfície. Tiramos nossos lanches das mochilas e comemos nozes, amêndoas, avelãs e um bolo de banana delicioso feito pela mãe de Caloca. Sobre nossas cabeças, um gavião-tesoura mergulha no cinza do céu em um elegante vôo. Esta bela ave preta e branca, oriunda do Canadá, está fugindo do inverno rigoroso daquelas plagas em busca de terras mais quentes, provavelmente, porque seja época de procriação. Retornamos por uma trilha lateral ao leito do rio, caminhando dentro de uma mata cerrada pontuada aqui e acolá pelo vermelho vivo das helicônias. Quando chegamos à barraca de Toninho, este mais alegre do que nunca entretém seus amigos com um animado conversê. Famintos - afinal, nosso lanchinho de frutas secas fora pra lá de frugal -, logo surgem das mochilas bandejas de cerejas, pedaços de queijos, pacotes de biscoitos e o restante das frutas secas, logo colocadas sobre a rústica mesa de madeira que há no alpendre. Ninguém se faz de rogado e os petiscos são rapidamente devorados. Resolvo inovar e misturo cereja com queijo: é uma delícia..... aconselho! Na mesa de sinuca, sempre há moradores da Vila Rosa jogando: no momento, dois amigos de Toninho disputam com seriedade uma partida. Gustavo espadana alegremente no rio aproveitando o fim de tarde caliente observado por seu pai. Caloca e Claudia sentados mais além conversam animadamente. Próximas ao balcão, Val e Mariana descansam da caminhada, sentaditas em mochinhos. Eu filmo as pessoas e curto, curto demais o ambiente, a paisagem. Pouco importa se inverno ou verão, se sem sol ou com chuva: bom demais estar de volta à Praia Grande!!

sábado, 29 de dezembro de 2007

Canions Itaimbezinho e Fortaleza

Descobri Praia Grande, localizada em Santa Catarina, meio ao acaso em 2002. Estava procurando um lugar maneiro pra comemorar meus 50 anos quando, ao ler numa revista de turismo sobre aquela pequena cidade cujo principal atrativo são os canyons em seu entorno, não vacilei e me toquei pra lá. Curiosa, peguei um ônibus em Porto Alegre e me fui BR 101 afora. No trecho da rodovia onde há a vila São João, um pouco antes de Torres, o ônibus dobra à esquerda e envereda por uma estradinha vicinal, de chão batido, num trajeto pra lá de sacolejante. Gastam-se 4 horas pra percorrer 230 km. Mas fazer o quê se não sei ainda dirigir, né? Desde então não parei mais de ir a Praia Grande. Visitei vários e diversos canyons ou peraus como são chamados na região estes magníficos acidentes geológicos. De todos os tamanhos e formatos, os canyons são estupendos, de perder o fôlego. Conheço o Josafaz, o maior deles com mais de 16 km de extensão, o Faxinalzinho, o Itaimbezinho, o Molha Côco, o Índios Coroados, o Malacara, o Churriado, o da Pedra, Macuco ou das Bonecas e o Fortaleza, sendo que estes dois últimos estão no município de Jacinto Machado, distante de Praia Grande cerca de 60 km. Atualmente, já dominando um pouco o medo de altura, faço canionismo, tendo rapelado o canyon da Pedra e a garganta do Café. O Malacara desci por uma trilha aberta na encosta de sua parede sul. À época, ainda não me animava a rapelar suas cachoeiras. Entretanto, acampei e passei uma noite naquele magnífico grotão. Foi aí que conheci Kaloca, o meu mestre em canionismo. Portanto, nada melhor que passar a virada de ano neste lugar que tanto amo!! Assim, lá me vou com duas amigas escolhendo um roteiro light já que elas não são tão aprofundadas assim em esportes radicais. Por óbvio, iniciamos nosso roteiro com uma caminhada de borda ao redor dos clássicos canyons Itaimbezinho e Fortaleza cuja parte superior situa-se no Rio Grande do Sul e a inferior em Santa Catarina. Embora o dia esteja meio nublado, graças a deus, não apresenta viração ou nevoeiro. Este fenômeno é causado pela diferença de temperatura e pressão entre o litoral e a serra resultando numa espessa formação de nuvens no interior dos canyons dificultando, assim, a visão dessas profundas e extensas gargantas. O canyon do Itaimbezinho faz parte do Parque Nacional dos Aparados da Serra e seu acesso se dá pela estrada da serra do Faxinal que une Praia Grande a Cambará, cidade esta já localizada em terras gaúchas. O canyon com pouco mais de 5 km de extensão é o único na região que não se apresenta verticalizado, ou seja, em degraus. Há duas trilhas na parte superior: a do Cotovelo de onde se avista lá embaixo o rio do Boi serpenteando serelepe em meio às rochas que recobrem seu leito. Do mirante tem-se uma visão dos impressionantes paredões rochosos cuja altura média fica em torno de 700 metros. Chamam a atenção os pinheiros nativos e o campo de turfas por onde os pés descuidados podem se afundar até o tornozelo depois de uma temporada chuvosa. Já da segunda trilha, alcunhada de Vértice, vislumbram-se as cachoeiras das Andorinhas e a do Véu de Noiva. As belíssimas quedas d'água apresentam-se volumosas para encantamento dos turistas. Há uma boa infraestrutura no parque com lanchonete e mesas ao ar livre pra quem quiser fazer um piquenique. Deixamos o parque pra trás e continuamos a subir a serra chegando então a Cambará de onde uma estradinha com pouco mais de 20 km nos conduz ao canyon Fortaleza, com quase 8 km de extensão, situado no Parque Nacional da Serra Geral. A trilha, bem demarcada, permite admirar o esplêndido canyon e uma de suas cachoeiras, a Fortaleza, que despenca de seu paredão sul numa vertiginosa e volumosa queda d’água. Caso o tempo permita, consegue-se até avistar o litoral, distante pouco mais de 40 km. Entretanto, tal visão nos é furtada porque a visibilidade não é lá das melhores. O céu continua nublado, rapidamente a massa cinzenta transforma-se em pesadas e baixas nuvens pretas, raios ao longe riscam o céu de prateado. Trovões metralham o silêncio da tarde. Nuvens velozes saem do interior do canyon formando um cenário de filme americano, gênero catástrofe. Eu, embasbacada diante de tal espetáculo, saco ávida minha câmera do bolso da bermuda e passo a filmar antes que a chuva finalmente caia em pingos grossos e cortantes. O vento me empurra pra frente, eu me vejo entre assustada e deslumbrada com tal manifestação selvagem da natureza. Molhada até os ossos sinto na pele a chuva me vergastar avidamente. Nem dou bola. Estou como o diabo gosta, hahahahaha!!! Passados 15 minutos, a chuva cessa abruptamente e o sol aparece meio tímido. Aproveitamos a estiagem e enveredamos então até a trilha que dá na cachoeira do Tigre Preto, situada numa garganta lateral do Fortaleza. Pra se ver a cachoeira de frente tem de se atravessar o arroio Segredo. Pra isso, passa-se bem junto à borda da cachoeira. Parece assustador, contudo, ela forma um largo platô, quinze metros abaixo de onde, então, despenca por mais 180 metros até atingir o fundo da garganta. Continuando a caminhada, contorna-se a borda do canyon e chega-se afinal na Pedra do Segredo, um monolito de rocha basáltica de 5 metros de altura apoiado numa área de apenas 50 centímetros quadrados, dando a impressão que a qualquer instante irá despencar canyon abaixo! No final da tarde, retornamos à Praia Grande. Se o tempo houvesse nos brindado com um sol radioso, o passeio não teria sido tão bom. Afinal, uma pequena tempestade de verão faz o sangue correr mais rápido e o coração bater acelerado, não é mesmo?