sexta-feira, 28 de dezembro de 2018

A Vibrante Dakar

Quinta-feira bem cedinho, o táxi que Raul contratara no dia anterior nos conduz de Bissau até São Domingo, distante 125 km. Se é que se pode chamar de rodovia, a péssima condição da via nem asfalto tem em certos trechos, o que leva o motora a reclamar com justa razão. A paisagem de savana exibe pântanos aqui e acolá. Faz frio quando chegamos a São Domingo, cidade guinense fronteiriça ao Senegal. Fazemos os trâmites de imigração em ambas as aduanas e pegamos um toca-toca pra Ziguinchor onde fica o porto. Embarcamos no navio Aline Sitoé Diatta, heroína senegalesa morta aos 24 anos, em luta contra os franceses. Estamos acomodados numa cabine para 4 pessoas: nós 2 mais uma peruana, já coroa, naturalizada em Benin, e seu jovem e belo marido senegalês de cuja cabeça pendem pesadas tranças rastafari. O navio tem 3 decks. Inicialmente, navega-se, em torno de 3 horas, ao longo do Rio Casamanse com uma parada em Karabaque para embarque e desembarque de passageiros. A partir daí, o barco singra as águas do Atlântico. Além do restaurante que abre apenas para as refeições, há um bar funcionando permanentemente no 2° deck. Música africana toca o tempo todo. Há muçulmanos rezando compenetradamente suas orações à tardinha tanto no lado externo quanto interno do navio. Chegamos a Dakar às 7 da manhã de sexta e fico impressionada quão grande e populosa a capital do Senegal é, com centenas, sei lá, milhares de arranha-céus e rodovias de pistas duplas, embora nem toda a modernidade tenha - graças a deus! - eliminado os vestígios da velha África com seus vendedores de comidas nas calçadas e aquela  boa bagunça típica de países de 3º mundo. O clima parece mais fresco que em Bissau. Pegamos um táxi até cité Djily Mbaye onde alugamos um quarto numa casa cujos moradores são muçulmano, como aliás o são 85% da população senegalesa. O bairro é moderno com boas residências apesar de as ruas serem em sua maioria de chão batido. Duma mesquita próxima, escuta-se o pregão  do muezin conclamando os fieis à oração matutina. Deixamos as bagagens no nosso amplo quarto com banheiro e vamos à cidade passear. Leva-se quase uma hora num percurso de 8 km porque o tráfego, pesadíssimo, com horrores de carros, é tipo arranca e pára, uma chateação. Em frente ao museu das Civilizações Negras, numa feliz coincidência, encontramos Antonia!! Infelizmente o museu está fechado e só abrirá após o feriado de ano novo. Almoçamos os 3 num restaurante frequentado por nativos de Dakar cujo prato do dia, tipicamente senegalês, chama-se chep (porção grande de arroz, galinha ensopada, cenoura, aipim, repolho e outros 2 legumes desconhecidos que não descubro quais são porque no Senegal falam francês). O ambiente, bem simples, mais parece quintal de casa. A convite de Antonia vamos  ao Museu Senghor. Não gosto do tal museu, na verdade a antiga residência do famoso escritor e político, que tanto ajudou a difundir a cultura africana. Terminada a chata visitação, pegamos outro táxi (não rola andar a pé porque as distâncias são longas) e nos tocamos até o monumento ao Renascimento da África, esse sim, vale a pena conhecer!! São 3 estátuas gigantescas representando uma família em que a criança pousada no musculoso braço do pai aponta pro norte. É impressionante! Sábado, vamos de táxi ao centro onde mulheres sentadas às calçadas oferecem deliciosos petiscos regionais, além da famosa manteiga de karité, vendida a preço de banana. Agora a pé, passamos pelo Palácio Presidencial, onde 1 soldado belamente fardado monta guarda diante dos portões da enorme residência pintada de branco. Sempre caminhando, entramos no interessantíssimo museu de Artes Africanas (IFAN), onde estão expostas diversas manifestações artísticas da África Ocidental, como a maravilhosa coleção de máscaras funerárias além do tam-tam ou bombolong, o instrumento musical usado para comunicação entre as tribos. Dali continuamos numa longa pernada pela Corniche até Almadie, entrando no mercado onde há dezenas de bancas vendendo artesanato senegalês. Tudo lindo e colorido. Não resisto a tanta belezura e compro um leque arredondado. O trânsito à noite é tão pesado quanto durante o dia, tanto que levamos quase 1 hora pra vencer meros 6 km do restaurante Bazoff ao nosso hotel. No domingo, vamos a Goreé, distante 2,5 km da costa, embarcados numa chalupa cuja navegação não dura mais que 20 minutos. Percebo conforme nos aproximamos da ilha que sua ponta leste é plana enquanto a ocidental exibe um penhasco projetado sobre o mar. Paga-se 1 taxa de cessão de serviços municipais de 500 francos para visitá-la. Rodeada pelo mar cristalinamente azul-esverdeado, a pequena vila, ora com casarios em estilo provençal, ora em estilo ibérico com balcões de madeira, exibe profusão de azaleas e buganvílias colorindo as ruas de variadas cores. As torres de telefonia móvel, pra passarem despercebidas, são disfarçadas de palmeiras! Lembra-me de certa maneira a uruguaia Colônia del Sacramento. No mercado de artesanato Le Castel, a oferta de roupas coloridíssimas e peças em madeira e palha é um colírio pros olhos. Tem de regatear porque senão as vendedoras põem os preços nas alturas. Muito pitoresco o modo como as mulheres limpam os dentes: ao invés de fio dental usam uns pedaços finos de pau que ficam esfregando sobre e entre os dentes. A partir de uma feitoria fundada pelos portugueses em Goreé, a ilha foi, entre os séculos XV e XIX, um dos maiores entrepostos de comércio de escravos, levados do continente africano aos 4 cantos das Américas. Como não podia deixar de ser, entramos na Casa dos Escravos que abrigou 20 milhões de escravos durante 350 anos, oriundos em geral da Nigéria e Benin. Na casa, que comportava em média de 100 a 200 africanos, homens, mulheres, crianças e adolescentes eram amontoados em celas coletivas, divididos conforme gênero e idade. Nos homens eram colocados grilhões e bolas de ferro. Era permitido ir 1 vez por dia ao banheiro, excetuadas as adolescentes já que em suas celas 1 buraco servia a tal fim. Na cela dos recalcitrantes, pequeno e estreito cubículo, eram jogados os rebeldes. Nelson Mandela quando lá esteve saiu em lágrimas do lugar. Dia 31, pela manhã, caminhamos na praia, onde donos de cavalos e cabras levam seus animais para serem banhados nas águas do Atlântico. À tarde, almoçamos no Caesar’s, restaurante cujo cardápio atraente oferece gostosa comida senegalesa, com preços razoáveis. Sua internet é boa e da varanda onde estamos acomodados vemos o movimento no boulevard La Republique. Terminado o almoço, dou umas bandas pelos arredores enquanto Raul tatua no atelier dum francês um baobá na panturrilha da perna direita. Paro diante da banca dum vendedor de bebidas e compro ataya, chá amargoso e doce. Ainda prefiro o tuba, o maravilhoso café com especiarias, que vem a ser mutatis mutandis 1 chay que usa café ao invés de chá. Resolvemos então encarar a tarefa de ir à rodoviária pra saber como se vai pra Gâmbia. Tranquilizados já que não é necessário comprar passagens com antecedência, basta apenas chegar e escolher o veículo disponível no momento, voltamos pra casa, antes passando no super onde compramos comida pra fazer à noite. Afinal, hoje é véspera de ano novo!! Preparo na espaçosa cozinha, onde um casal da Mauritânia também prepara sua ceia, um fricassê pra mim e Raul. Brindamos com bordeaux rosé o novel 2019 que se aproxima, enquanto lá fora espoucam centenas de brilhantes e coloridos fogos de artifício!! Jere jef, Dakar!!

terça-feira, 18 de dezembro de 2018

Guiné Bissau, sua linda!

Não há voo direto do Brasil a Guiné Bissau. Necessário conexões em Marrocos, Cabo Verde ou Lisboa. Escolho a última não demorando mais que 4 horas no aeroporto português. No voo Lisboa-Bissau, sentada ao lado dum homem cuja cor retinta de tão preta, como dizia minha vó, revela sua inequívoca origem africana, trato de puxar assunto. Conversa-vai, conversa-vem, quando pergunto se a mãe dos filhos mora em Bissau, o simpático guineense declara não sem uma ponta de malícia que está desbloqueado (?!) hahahaha. Inquieta, com câimbras nas pernas, trato de passear no avião, terminando a caminhada na fila do toalete, bom lugar pra se bater um papo. A mulher, que lá se encontra, comenta que vem de 2 costelas, lançando mão dessa imagem pra explicar sua ascendência guineense-cabo verdiana. Falante, esclarece com autoridade que “os homens são uns malandretes, uns safados.” Um rapaz, também aguardando sua vez de ir ao toalete, confirma, sorridente, a observação. Mas o que fazes, senhorinha, metida num avião a caminho da quase desconhecida Guiné Bissau, hein? Indo ao encontro de Raul que vive e trabalha em Bissau, capital do país! O que não se faz por um filho, não é mesmo? Nunca em meus planos ou sonhos cogitei visitar a África. O foco sempre foram as altas montanhas, motivo por que considerava até então os Andes na América do Sul e o Himalaia na Ásia suficientes pra me proporcionar toda a dose de aventura desejada. Só terminada a viagem, já no Brasil, foi que senti às ganhas a importância de ter conhecido uma parte do continente africano....valeu, Raul Luar!! No pequeno aeroporto de Bissau, Raul me espera juntamente com Frederico e Carlos, vice-cônsul brasileiro. Tenho apenas vislumbres de ruas ora escuras ora iluminadas enquanto sou conduzida até o apartamento onde ficarei hospedada, gentilmente, cedido por outro amigo de Raul, o Jorge, português que trabalha como optmetrista numa ótica 6 meses por ano. Nesta noite, conversamos deitados lado a lado na cama de casal, eu e Raul até quase amanhecer: o filho, animadíssimo, cheio de assuntos, tem muito a me contar. Não consigo ainda atinar porque Raul preferiu vir pra Guiné Bissau, onde 2/3 da população vive abaixo da linha da pobreza. Pouco maior que Alagoas, sua população não supera 1 milhão e oitocentas mil pessoas. Situado na costa ocidental da África, banhado pelo oceano Atlântico, seu relevo, predominantemente plano, revela savanas no interior, ao passo que o litoral, formado por planícies pantanosas, é constituído por cordões de ilhas denominadas Bijagós. O clima tropical exibe duas estações: a chuvosa e a seca. Estamos agora no período da seca, com dezembro e janeiro sendo os meses mais frescos. Mesmo assim, as temperaturas se mantêm elevadas devido aos ventos quentes vindos do deserto do Sahara que enchem a atmosfera de poeira. Meu primeiro dia em Bissau é impactante!! Grave problema detecto de cara na cidade: sem lixeiras e aterro sanitário, o lixo é jogado ao léu nas ruas e ali mesmo queimado! Tal desleixo, gravíssimo, mais do que o feio impacto estético causado, envolve riscos à saúde pública. Apesar disso abstraio (fazer o quê, né?) e deixo a cidade e seu ritmo alegre me envolver enquanto caminho ao longo das ruas de chão batido, poucas com calçamento. Embora localizada no estuário do rio Geba, impraticável banhar-se em suas águas pois é zona de mangue...uma pena! Não canso de admirar a coloração de pele dos guineenses: tal qual pérola negra (licença, viu, Luiz Melodia?), brilha, sedosa, sem mescla alguma. Movimentada, a zona central da cidade, chamada praça, é ocupada por dezenas de vendedoras de comida envoltas em seus trajes coloridos que, sentadas às calçadas, apregoam em voz alta seus produtos: mariscos, polvos, lulas, camarões, peixes, carnes, galinhas vivas, fatias de côco, bananas, laranjas já descascadas, mamões, abacaxis em rodelas, ovos cozidos, castanhas de caju, amendoim. Homens, escarrapachados em cadeiras, trocam euro por franco CFA a um preço um pouco melhor do que nos estabelecimentos bancários. Compro uma banana e uma fatia de abacaxi que vem a ser meu café da manhã. Mulheres passam por mim carregando comida em bacias de plástico aninhadas sobre as cabeças. Como vim a descobrir mais tarde, foram elas que utilizando este expediente astucioso conseguiram repassar armamento e munição aos soldados guineenses que lutaram na guerra contra os portugueses no século passado. Guiné Bissau, como entidade soberana, é um bebê ainda: apenas, em 1973, logrou declarar sua independência de Portugal! A população pode ser dividida nos seguintes grupos étnicos: fulas (por serem nômades se espalharam por toda África) e os povos de língua mandinga, que compõem a maior parte da população; há ainda os mandjacos e balantas (2 primeiras etnias guineenses a estudarem no exterior), mancanhas, saracules, pepel e bijagós. As crenças tradicionais africanas convivem bem com o islamismo professado por metade da população. A economia do país depende principalmente da piscicultura e da agricultura, destacando-se as culturas da castanha de caju e amendoim, principais produtos de exportação. Almoço nos dias em que permaneço em Bissau no restaurante Bayana, lugar aprazível, com caramanchão feito de vegetação artificial e mesas de pneus. O menu com pratos típicos é bem gostoso, destacando-se mancara com citi (galinha com creme de amendoim). Provo os sucos de veludo e cabaceira e os acho meio sem graças. Bueno, o plano é passar o natal em Bubaque, uma das 20 ilhas habitadas das 88 pertencentes a Bijagós, não ultrapassando a população insular 33 mil pessoas. Devido à sua biodiversidade, desde 1996, Bijagós foi declarada pela UNESCO Reserva Ecológica da Biosfera. Há 2 parques nacionais espalhados pelo arquipélago: o de Orango e o Marinho de João Vieira e Poilão. Pousadas apenas em Bubaque, Rubane, João Vieira, Orango e Kere. Embora o estilo musical predominante em Guiné Bissau seja o gumbé, em Bijagós reina o kundere. Na ilha de Orango, o sistema matriarcal faz com que as mulheres escolham seus homens. Pra tanto, preparam um prato à base de peixe, deixando-o à porta das tabancas onde eles vivem. Se for comido, significa que o cara aceitou. Então, dia 21, nos mandamos pra Bubaque num barco que, além de comportar nos 2 deques pessoas e suas bagagens, carrega cachorros, galinhas, porcos e carneiros!! Até todos se acomodarem a bagunça é grande mas quando o apito soa indicando que o barco está prestes a zarpar todos sentam-se em seus lugares. Um pequeno bar, no deque inferior, vende batatas fritas de saquinho, a apreciadíssima sande (sanduíche) recheada com fígado ensopado, refris e cerveja. Há passageiros, contudo, que levam viandas, geralmente com peixe e arroz, pra comer durante a travessia. Pouquíssimos turistas, além de mim e Raul. Normalmente, os 73 km de Bissau a Bubaque é feito em 4 horas, entretanto devido à avaria em um dos motores, a viagem arrastou-se durante 6 horas!! Ao longo da travessia, na vastidão do Atlântico, enxergo 2 ilhas, a grandota das Galinhas e outra bem pequena em que pontões rochosos afloram à beira d’água. Ao entardecer, dois espetáculos: a oeste, o pôr do sol torna o céu deliciosamente incandescente, ao passo que, a leste, a lua cheia brilha no céu sem qualquer respingo de nuvem. Chegamos à noite, no porto há muita gente esperando parentes e amigos. Apesar de todo mundo ansioso pra desembarcar, por o pé em terra firme, há bem pouco empurra-empurra. Vamos direto à pousada Cruz Pontes onde ficamos hospedados durante os 5 dias de nossa permanência em Bubaque. Simples, os quartos têm banheiro e ventiladores. Os com ar condicionado custam mais caro. O café da manhã é básico: pão, margarina, geléia, nescafé, chá, leite em pó e água quente numa térmica. O dono, Seu Paulino, embora de poucas falas, sempre sorri quando o cumprimento. Algumas ruas em Bubaque são ladrilhadas com conchinhas de modo a evitar a erosão. No mercado, diante do porto, mulheres vendem coquinhos de dendê, mariscos, mexilhões e outros frutos do mar. Agitação intensa enquanto cargas são transferidas do cais ao interior das pirogas. Aos desavisados parece que as pessoas vão brigar, contudo é o jeito de ser dos guineenses falando alto, de forma enérgica, cuidando pra que seus pertences sejam acomodados em segurança. Quando partem, a calmaria se instala no porto restando apenas o bailado leve das gaivotas voando sobre a água esverdeada do canal que separa Bubaque de Rubane. O ar refresca um pouco à noite, já durante o dia é deliciosamente cálido. Dia seguinte, vamos eu, Raul e Antonia, uma brasileira, naturalizada alemã, que conhecemos durante a viagem de barco, pedalando até Bruce, linda praia, localizada na ponta sul da ilha. São 15 km de estrada plana, chão batido, cercada por densa vegetação. Dentre as variedades de árvores, destaca-se a palmeira do dendê, donde além do óleo é extraído vinho. Esta bebida, conhecida como vinho de palma, pode tanto ser consumida fresca quanto fermentada, adquirindo assim certo teor alcoólico. Ao longo do caminho, em ambos os lados da estrada, despontam aldeias, chamadas tabancas, com suas moradias de adobe e teto de palha. Em Bubaque há 7 tabancas, cada uma com 2 mil pessoas, sendo, portanto, a ilha mais populosa do arquipélago. Crianças saem correndo das casas gritando “branco, branco” quando nos vêem passar. São encantadoras e não se negam em ser fotografadas ao contrário de suas mães que fazem gestos negativos quando percebem que estou apontando a câmera em suas direções. Homens em bicicletas carregam nos guidões galinhas vivas e varas com peixes. Ao chegar a Bruce, o mar verde, calmo, levemente morno, convida a prolongados mergulhos em suas águas onde balouçam barcos coloridos ancorados a 100 metros da praia. Almoçamos no restaurante de Mana Fatu 1 garoupa inteira com batatas fritas e salada, regada a refeição a Cacho Fresco, um branco português bem geladinho. No terreiro da propriedade, desenvolvem-se os preparativos pra inauguração da pousada de Manu Fatu. Ao ar livre, sobre trempes, onde abaixo a lenha, já em brasas, arde, enormes tachos contendo arroz com carne, dobradinha e chep jhed (molho feito com pedaços de cebola, pimenta, cenoura e pimentão) cozinham. Vez por outra mulheres com compridas varas de madeira remexem o interior dos panelões donde saem fumarolas e bons odores. Como temos horário pra entregar as bicis alugadas, não podemos ficar pra festa que terá apresentação de música e dança kundere!! Mas o que é do homem o bicho não come hehehe!!! Na véspera de natal, eu, Raul, Antonia mais 2 dinamarqueses vamos de lancha a Rubane onde, no resort Ponta Anchaca, almoçamos e assistimos ao cair da noite sabem ao quê? Show de kundere!!! Durante a dança, os dançarinos carregam chocalhos feitos com tampinha de refrigerantes que ecoam agradável som metálico em contraponto à batida seca dos tambores executados pelos percussionistas. Costurados às vestimentas das dançarinas objetos de metal e vidro mais pulseiras de madeira atadas aos tornozelos complementam a percussão. Emocionante reconhecer a origem do samba no batuque dos tambores e nos passos de dança!! Entretanto, a complexidade e variedade dos movimentos corporais dos dançarinos de Kundere, em especial dos pés, superam em muito os de nossos sambistas, exigindo extraordinário vigor e preparo físico. Claro está que retornei a Bubaque em estado de graça!! Dia de natal, Melchior, dono da Saldomar, rústica e charmosa pousada, prepara lauto almoço para hóspedes e não-hóspedes. O catalão adora contar a bruta e complicada relação com o pai, terminando a narrativa com a dramática revelação de que seu viejo, um homem duro que nunca chorara, desmanchou-se em lágrimas, pouco antes de morrer, pedindo perdão por ter estigmatizado a homossexualidade do filho. Finaliza dizendo em alto e bom som “tengo cojones” enquanto bate no peito, pra provar ao interlocutor que embora homossexual é macho pra caramba. Escutei 3 vezes essa estória sem que houvesse qualquer floreio a mais ou a menos, até os socos no peito foram 3! Manhã seguinte, retornamos a Bissau, alugando uma lancha que vence em 1 hora e 20 minutos o que demoráramos 6 horas na viagem de vinda!! Temos pressa, amanhã bem cedinho estamos indo pra Dakar passar o ano novo! Albarabake, Bissau!!