quarta-feira, 7 de junho de 2006

As casas de Seu Wilson e Dona Raquel

Partimos de Igrejinha de manhã. O trajeto até o lugar onde ficarei hospedada, durante minha permanência no vale do Pati de Cima, não vai além de duas horas. A paisagem é linda e a trilha serpenteia através das encostas das serras que circundam o vale. Chegamos na casa de seu Wilson e Dona Maria. Nara, a filha deles, nos informa que ambos foram a Guiné comprar mantimentos. As acomodações são luxuosas se comparadas às de Igrejinha. São duas as residências: a que tem dormitório e banheiro coletivos, e a da família onde sou acomodada num cômodo só pra mim. Meu quarto dá pro terreiro de onde descortino o Morro do Castelo e a Pedra Branca. Pequeno, só acomoda uma cama de casal, ao lado, num banquinho, há uma caixa de fósforos e uma vela: aqui também não há luz elétrica. Aliás é a única casa do Pati em que há geladeira...a gás, é claro. Foi trazida de Guiné por seu Wilson com a ajuda de parentes e amigos que a carregaram sobre um andor, no muque, numa viagem cuja duração foi de 10 horas! À tarde, vamos visitar Dona Raquel, nora de seu Dô, cuja casa dista 30 minutos da de seu Wilson. Ela embora aparente mais de 60, tem 51 anos. É uma mulher pequena e magrinha. Dos 14 filhos paridos, 12 sobreviveram. Moram com ela dois netos e duas netas, todos em idade escolar, mais um filho, o “caçulo”, já adulto. O marido, depois do derrame, foi viver em Guiné cuidando das filhas que lá estudam. Ela ficou no Pati roçando a terra mas já começa a se aventurar no turismo. Salienta a muita fé que tem em Deus e se orgulha de estar conseguindo sobreviver sem a ajuda do companheiro. Conta sua versão da arca de Noé, concluindo que as serras que rodeiam sua casa são produto das espumas das águas que destruíram o planeta. Fala-me de sua raiva cada vez que “ficava de barriga”. Acrescenta que tomava muito chá tentando abortar, dava murros na barriga mas nada de conseguir pôr pra fora os meninos. Paria com incrível facilidade, ora com ajuda de parteira, ora sozinha, como no parto de Agnaldo. Neste, sonhou que estava parindo, acordando com dores: eis Agnaldo que surge entre suas pernas no meio dos lençóis! Em outro, encontrava-se na roça quando sentiu as contrações, subiu correndo a encosta do morro, e, nem bem conseguira se lavar, o menino já estava saindo perna afora. Explica-me que a raiva de se saber prenhe era não só pela barriga que dificultava o trabalho na roça como pelo fato de ter mais uma boca pra alimentar. Faz questão de esclarecer que isso não a impediu de criar todos com muito amor. Depois que nasciam, ela nem pensava em se desfazer deles, só “magicava” em se livrar das crias enquanto na barriga. Ela nos oferece café colhido de sua roça e me explica todo o processo. O grão é tirado vermelho do pé e posto a secar, depois é pilado pra desgrudar a casca do grão. Coloca-se, após, na peneira, jogando-se ele para cima e para baixo de modo que a casca seja levada pelo vento até que reste apenas o grão limpinho de qualquer resíduo, quando então está pronto pra ser socado no pilão e transformado em pó. Foi este o café que bebi acompanhado por um pão de massinha barrado com margarina. À tardinha, chegam os netos, muito bem educados, distribuindo boas tardes às visitas. Sentam quietinhos na cozinha observando atentamente o que conversamos. Saímos de lá e voltamos pra casa de Seu Wilson onde Nara nos serve um ajantarado: feijão, arroz, salada de tomate, carne assada, abóbora, banana verde frita e godó de banana (cozinha-se a banana verde ralada na água, passa-se na peneira e junta-se a um refogado de cebola, pimenta, pimentão e galinha ou carne, a gosto). Terminada a janta, puxo conversa com Nara e fico sabendo que Seu Wilson é viúvo de uma filha de Seu Dô. Por sua vez Dona Raquel era neta de um irmão de um dos avós de Dona Maria. Estas intrincadas relações familiares demonstram que os laços no Pati não são só de mera vizinhança, há uma forte consangüinidade unindo as 30 famílias que ainda restam na região.

Nenhum comentário: