sábado, 1 de abril de 2017

Minuto de Silêncio

15º Dia de Trek Everest BC - Sábado - Dingboche a Lobuche
Acordo às 2 da madrugada, e percebo que o céu se mantém estrelado. Agora 6:20, os -2ºC fazem com que meus dedos estejam enregelados. Escovo dentes e lavo o rosto no sacrifício porque não se desfruta do conforto dum banheiro na Guest House Yak. No pátio descoberto, 2 bombonas com água fazem de pia. O céu límpido permite que se veja super bem, não só Lhotse e um cordão de nuvens flutuando atrás de si, como Island Peak e Cho Polu. Agora 8:15, a temperatura amena dispensa agasalhos quentes, tanto que uso apenas uma camiseta de mangas compridas sobre a de mangas curtas quando começamos a pernada ao longo do árido vale. Não muito distante de Dingboche, com pé direito super baixo, feitas de pedras e encimadas por telhados de ardósia, espalham-se três pequenas casas, pertencentes a proprietários de yaks (lembram a dos 7 anões da Bela Adormecida). Pouco importa sejam tão humildes porque ter os picos Taboche e Cholatse nos pátios traseiros é luxo pra poucos. A caminhada transcorre tranquila no vale onde, mais abaixo no mesmo nível de Periche, se distingue o fio d’água de cor parda do leito do Tsola, rio que, por certo, tem origem em algum dos muitos glaciares existentes no Solukhumbu. A paisagem ao redor é magnífica. Basta virar a cabeça pra trás que se vê Kangtega e Thamserku, à esquerda, Taboche e Cholatse e à frente Lobuche. Suaves subidas conduzem até Thukla onde chegamos cedo, 11 horas. A pequena vila com poucas guest houses não seria digna de menção se não estivesse localizada aos pés do Taboche e do Cholatse. Maior realce que ter como pano de fundo esses dois belíssimos picos, impossível. Nem me incomodo com a demora em ver servido o almoço (toda a comida é feita na hora, daí levar uns bons 30 minutos seu preparo), porque, sentada ao ar livre, tenho o privilégio de desfrutar da visão desses 2 lindos 6 mil. Após o almoço em Thukla, sobe-se uma ladeira por 45 minutos com muito vento e frio até alcançar os 4.830 metros do Thukla Pass, emoldurado por coloridas bandeirolas com mantras budistas escritos. Ao redor do passo foram erguidos memoriais em homenagem aos montanhistas e sherpas que perderam suas vidas ou ao subir ou ao descer do Everest. Algumas foram construídas como stupas, outras são singelas pilhas de pedras. O que importa, né? Tudo serve pra marcar a ausência do ente querido que já não se encontra mais entre os seus. Ao ler os epitáfios escritos pelos familiares e amigos daqueles homens e mulheres que morreram realizando seus sonhos, não tem como não se emocionar: meus olhos marejam enquanto mantenho um minuto de silêncio em respeito aos bravos montanhistas. Após o passo, o até então onipresente Ama Dablam torna-se invisível aos meus olhos e ganho a companhia do belo pico Pumori (7.161 metros) e do, igualmente, atraente Lingtren (6.714 metros). Este último lembra o cerro Solo, situado à entrada do povoado argentino de Chálten. Passa-se a percorrer trilha em terreno plano, igual ao do início da manhã, com a diferença que esta está crivada de pedras. Deve ser, possivelmente, vestígio dalguma moraina. De vegetação, pequenos arbustos da família do juniper são lançados no fogão pra perfumar o interior das casas. Passamos bem ao largo das duas grandes tendas amarelas e uma menor, vermelha, pertencentes ao acampamento-base do Lobuche (6.145 metros), outro pico muito procurado no processo de aclimatação pra quem ambiciona o cume do Everest. Duns dias pra cá, tem sido uma constante chegar no início da tarde às vilas onde pernoitamos, não sendo diferente aqui em Lobuche. Sentada num dos bancos que rodeiam o amplo e envidraçado refeitório do Alpine Lodge, percebo encantada que está nevando. No pátio, mesas e cadeiras, não demoram muito em serem cobertas por flocos de neve, adquirindo branca coloração. A nevasca estende-se noite adentro. Desde Phakding, não há um dia que não veja, nas vilas por onde passo, bandos de corvos à espreita de alimentos deixados à toa. Se o cara bobear e virar as costas à sua comida, a ave não hesita e nhac no alimento. Seria o típico furto famélico, eximindo, assim, de culpabilidade o corvo ladravaz hahahaha. Durante a janta, o ambiente no refeitório chega a estar sobreaquecido pra compensar a temperatura abaixo de zero no exterior. Fico um tempão ali, postergando ao máximo o retorno ao quarto, porque, exceto o salão de refeições, o resto da pousada é muuuiiito fria. Quando percebo que só restam eu e outro guia, posto a última foto no Face e, enfrento, tiritante o longo e gélido corredor, recolhendo-me à pequena geladeira que é meu dormitório.

Um comentário:

MimiChaudon.blogspot disse...

Cenário de sonho, Bea! Uma vastidão espetacular rodeada de montanhas e mais montanhas.....uma vida lindamente vivida, minha amiga querida!