segunda-feira, 10 de abril de 2017

Dramáticas Alterações na Paisagem

08/04/2017 – Sábado – 22º Dia de Trek Everest BC– Gokio a Phortse Tanga
Céu de brigadeiro e frio às 7:30 quando deixamos a vila. De volta ao sul, damos, então, às costas ao Cho Oyo, caminhando rente às margens do Gokio Cho e de mais duas pequenas lagoas pertencentes ao sistema de lagos Gokio. A trilha, inicialmente plana, rodeia o pico Machermo. Uma hora após termos saído de Gokio, o Dudh Koshi volta a dar o ar de sua graça, sem, todavia, exibir aquela tonalidade esverdeada de Phakding a Jorsalle. A coloração, nesta região, é esbranquiçada, merecendo por isso o apelido “rio do leite”. Embora a paisagem mantenha-se árida, o caminho na encosta da montanha é lindo demais embalado pelo baita dia. De quando em quando, no solo, cresce um tipo de gramínea bem dura e, muito raramente, miniarbustos de juniper. O sendero se dá ao longo do Dudh Koshi que revoluteia nervoso pelo estreito vale por ele escavado. Após 3 horas de pernada subindo e descendo sem qualquer dificuldade sossegadas colinas, chegamos à vila de Machermo, enclausurada num vale cercado por altas montanhas, dentre elas o imponente maciço Machermo. Pouca demora, o suficiente prum chá, dessa feita sem biscoitos (suponho que o estoque de Nir tenha acabado), toca a pôr o pé na estrada. Agora, sim, a subida, embora curta, é de tirar o fôlego. O Dudh Koshi, à medida que se perde altitude, mais se distancia da trilha, serpenteando no fundão do estreito vale centenas de metros abaixo. No lado oposto do rio, em sua margem leste, várias vilas dependuram-se nas encostas das montanhas: algumas com lodges, outras apenas habitadas por proprietários de yaks. A estradinha que liga as vilas serve de rota alternativa quando Cho La fecha devido às fortes nevascas ou pra quem prefere emoções mais fortes pois a via é super mega estreita. À medida que Dole se aproxima, brusca e dramática mudança na paisagem. O árido cenário cede lugar - como num passe de mágica –a florestas de rododendros. Começa a ventar bastante, mas graças a deus o céu se mantém firmemente azulado com nuvens esparsas aqui e acolá. Durante bom tempo, dá pra enxergar Cho Oyo: basta virar pra trás e ei-lo coberto de neve tal qual bolo confeitado com glacê. A nossa frente, cada vez maiores Kangtega, Thamserku e Kusum Kangguru. Após Dole, onde almoçamos, o verdor do cenário se consolida em definitivo nos compactos bosques de coníferas que ocupam por completo os flancos de montanhas. Tais florestas são habitat dos preciosos veados almiscarados de cujas glândulas é retirada a essência usada em perfumes. Voltam, também, os velhos e temidos degraus de pedra. Uma surpresa verificar que há córregos e cachoeiras ainda congelados nesta época do ano. Na margem de lá do rio, num largo platô, onde a montanha faz a curva, avista-se uma vila grandota, chamada Phortse. Chego às 16 horas em Phortse Tanga, pequeníssima vila onde dormiremos. Bem acomodada no refeitório da guest house, admiro da janela do refeitório, a lua quase cheia iluminando o topo nevado do Thamserku e me dou conta - a la putcha - de que o trek terminará em 2 dias!!


09/04/2017 – Domingo – 23º Dia de Trek – Phortse Tanga a Jorsalle
Ouro sobre prata o tempo!! Quer coisa melhor que céu limpo e friaca matinal pra começar a caminhada? Delícia pura! Desde Phortse Tanga, situada a 3.680 metros, donde saímos às 7:30, avançamos apenas 2,2 km pois foi preciso vencer uma encosta muiiitooo íngreme e cheia de degraus, pra então atingir os 3.973 metros do Mong La. Daqui de cima dá pra ver, ao norte, as vilas de Phortse e Tengboche, ocupando platôs e separadas por um vale formado por dois cordões paralelos de montanhas. Quem não sai de cena são Kangtega e Thamserku. O percurso de Mong La a Kyangjuma é uma novidade porque fomos ao Eve BC pela trilha que passa por Tengboche. Como as demais, trata-se de trilha estreita em encosta de montanha com suave descida, limitada à esquerda por precipícios de mais ou menos 400 metros de altura. Quando paramos em Kyangjuma pra tomar um chazito, dou a última espiada no Lhotse e Ama Dablam, que parece proteger com suas pétreas asas a encantadora vila. A quantidade de turistas indo pro Eve BC cresce a cada dia que passa, incrível! O ruído de helicópteros já se faz ouvir de novo. Se fechasse os olhos, teria a sensação de estar numa zona de guerra devido ao incessante tráfego dessas aeronaves sobrevoando o Solukhumbu. O trajeto de Kyangjuma a Namche Bazar é uma tranquilidade só. Almoço em Namche e visito o gompa (monastério budista) porque quero ofertar lamparinas pra iluminar os caminhos de meu filho. Inobstante o fluxo constante de turistas, aceitos na boa pelos nepaleses, esse amável povo mantém suas rotinas diárias, como a dum pai que retorna a Jorsalle onde foi buscar os filhos que estudam durante a semana numa escola em Namche. Percorre-se uma linda alameda sombreada de pinheiros, cruza-se o Dudh Koshi duas vezes e às 17:30 já estamos na pousada em Jorsalle. Tão agradável a guest house com seu refeitório envidraçado voltado pra margem direita do Dudh Koshi. Mobiliada no tradicional estilo sherpa, a sala é circundada por mesas que lembram escrivaninhas diante de longos bancos forrados com colchonetes cobertos por tapetes. O reflexo da lua cheia no leito do rio é um quadro delicioso que vislumbro da janela de meu quarto, tanto que fico um tempão curtindo a cena!


10/04/2017 – Segunda-feira – 24º Dia de Trek Everest BC – Jorsalle a Lukla
Considero-me abençoada porque o tempo tem sido impecável, melhor impossível! Meu quarto, de frente pro rio, permitiu que durante a noite eu fosse ninada pelo barulhinho bom das águas do rio escorrendo vale abaixo. A guria da pousada quando soube de minha idade, 64 anos, lascou “you seem so old but strong”. Como a inocente tem 18 anos, devo parecer centenária pra ela, hahaha. Flavio tem feito suas refeições na cozinha junto com guias e porters tal qual uma gata borralheira, hehehehe. Falando sério, o cara é deveras estranho. E Nir, coitado, fica correndo da cozinha pro refeitório, onde estou, dividindo sua atenção entre nós dois. Saímos às 7 e 45 de Jorsalle e o movimento na trilha, neste início de manhã, é absurdo. Chega a ter congestionamento humano nos trechos mais estreitos da estradinha. Hordas de turistas, porters e caravanas de mulas são obstáculos à caminhada porque quem está voltando – nós, no caso - tem de esperar quem vai pro norte já que eles sobem e nós descemos. É regra não-escrita e obedecida pela maioria dos trekkers. Prímulas e gencianas a beça colorem de lilás as beiradas da trilha. Ao atravessar Phakding, encontro o querido Richard sentado à frente dum hotel, bronzeadíssimo, com aquela alegria de viver admirável. Pergunto se foi ao Eve BC e sua resposta afirmativa me deixa muito contente. Conversamos um pouco enquanto Nir não chega e tiramos fotos para a posteridade. Ele também voa pra Kathmandu amanhã. Tenho certeza que vou encontrá-lo na Thamel! Paramos em Gath, no mesmo restaurante onde almoçamos na ida. Flavio, que chegara antes de nós, comeu sozinho e se mandou terminada a refeição, sem sequer um alô de despedida. Dia desses, bolada com suas atitudes, perguntei se fizera algo que houvesse lhe ofendido. Respondeu que não era nada pessoal, que é assim mesmo, difícil de lidar. Baaahhh, em quem fui amarrar o cavalo, hein?!! Continuo cruzando com bandos de turistas rumo ao Eve BC. Há, inclusive, gente paralítica, caso duma mulher a cavalo. Atrás, um porter leva sua cadeira de rodas. Estou pasma, nunca imaginaria tanta gente assim. Sabia, claro, ser o trek mais badalado do planeta mas não que fosse assim tãoooo muvucado. Ainda bem que nossa pernada iniciou na primeira quinzena de março e não em abril, mês, pelo visto, procuradíssimo pela galera. De Gath a Lukla atravessamos as vilas de Cheplung e Mushey que, na ida, envoltas em cerração, não permitiram que se avistasse, do outro lado do vale, o tanto de vilas construídas nos platôs de montanhas. Eu pensando ser moleza a caminhada de Gath a Lukla em razão da perda de altitude, dou com os burros n’água, porque a trilha é só subida, calcorreando aquelas escadas de pedras feitas pra gigantes e não pra nanicas como eu. A rota, cercada por árvores em ambos os lados, exibe também lindas mani walls. Sopra um ventinho frio que levanta areia fina e sinto meu rosto levemente coberto de pó, que não é de arroz, hehehe. Quando menos se espera, eis Lukla em cuja entrada há um pórtico encimado pela estátua de Sagarmatha. Às 15:30, Nir está no check point dando baixa nas nossas carteirinhas TIM. Atravesso a vila e a encontro mudada. Novos lodges e outros em construção. Bom saber que Lukla está prosperando! Observo também que o meio da rua foi pavimentado ao contrário do chão batido de anos atrás quando aqui estive pra fazer Mera Peak. Ao final do mais longo trek de minha vida – 278 km em 24 dias -, estou dividida em dois sentimentos: alegria e tristeza. Contente por ter tido a oportunidade de admirar estonteantes paisagens, por ter conhecido pessoas bacanas, por ter ascendido ao topo de 3 picos de mais de 5 mil metros sem sofrer qualquer problema de aclimatação. O sentimento de tristeza resulta da saudade - precoce, por certo - dos bons momentos vividos, é o tal gostinho de “quero mais”. Dessa vez, o quero mais não vai demorar muito, em 4 dias, estarei em outra região pra conhecer novas montanhas do Himalaia......ebaaaa!!!

Um comentário:

MimiChaudon.blogspot disse...

Lindo, lindo, lindo!