04/04/2017 – Terça-feira – 18º Dia de Trek Everest BC – Gorak Shep a Zonglha
Dia
lindo e frio, o termômetro marca 2º C quando deixamos pra trás Gorak Shep às
7:45. Molezinha de caminho pois as ardidas
subidas da ida se transformam em contínuo desce-desce até Lobuche. Enquanto desço o Lobuche La encontro subindo um
cara fantasiado com macacão de pelúcia amarela e vermelha cujas orelhas lembram
às de urso. Deve ter se inspirado na vestimenta de algum personagem de desenho
animado. Se o desejo do cara é causar, conseguiu porque tanto os que descem
quanto os que sobem o morrão param pra fotografá-lo. Almoçamos na vila,
seguindo pela moraina do glaciar Khumbu até o vale onde se encontra o acampamento-base
do pico Lobuche. Neste ponto há 2 trilhas, a da esquerda leva à Dingboche e
Periche por onde viemos e a da direita conduz a Gokio. Seguimos por esta trilha,
deixando pra trás a platitude empedrada do final da moraina do Khumbu, pra subir
então a trilha aberta na encosta da montanha. Aqui que as coisas complicam
pra mim. Não pela subida em sim, nada íngreme, suave até, eu diria, mas pela
estreiteza da super exposta via e da ribanceira de 200 metros, à minha esquerda.
Nir, o querido, oferece preciosa ajuda estendendo sua mão pra segurar a minha nos
trechos mais espinhosos já que não paro de exclamar “ui ui ui” cagada de medo
que estou. Quando Nir comenta que, se estou considerando a de hoje difícil, a
de
amanhã será bem pior - a meu ver, observação desnecessária tsk tsk tsk....será
que o bom guia tem um pezinho no sadismo?! - basta pra que eu comece a sofrer
por antecipação. No outro lado do vale, vejo dezenas de trilhas riscando o
flanco da colina que conduz a Dingboche. As linhas no solo lembram
aquele brinquedo das antigas chamado “cama de gato” que consistia em trançar um
barbante entre os dedos das duas mãos resultando “n” figuras geométricas. Finalmente,
termina o suplício da estressante caminhada (foi curta graças a deus),
desenhando-se a nossa frente um afunilado vale cortado pelo rio Tsola, em cuja margem
sul reinam, lado a lado, enormes, os picos Taboche e Cholotse, enquanto a leste
Ama Dablam volta a exibir uma de suas faces. Daqui de cima vejo as vilas de
Thukla e Periche sumindo do meu campo de visão à medida que afundamos em
direção ao vale. À direita, um declive conduz ao pequeno vale onde está
instalado o acampamento-base do
Lobuche West, montanha confundida com o
Lobuche, este próximo à vila de igual nome onde almoçáramos um par de horas
atrás. Pra alcançar o lado de lá do vale onde se encontra Dzonglha, cruza-se
uma pequena ponte sobre um córrego. Chegamos às 14 horas ao pequeno povoado que
conta com apenas 2 guest houses. Em razão da escassez de acomodações, os donos
das pousadas montaram uma dezena de tendas destinadas aos guias e sherpas. Situado a 4.850 metros de altitude, Dzonglha assenta-se
aos pés do Cholotse. No verão, os arredores do vilarejo servem de pastagem aos yaks. Ao final da tarde, Ama Dablam dá um show, exibindo
aquela linda coloração alaranjada causada pelo sol poente. Nos lodges, sempre
há baralhos, tabuleiros de xadrez e de damas à disposição dos hóspedes que servem
de passatempo pra quem chega cedo às vilas e tem diante de si algumas horas
de ócio até a hora da janta. No amplo salão com 2/3 de seu espaço envidraçado,
a salamandra acesa deixa o ambiente prazerosamente aquecido. Sentadas à mesa, não muito distantes de mim, concentradas na jogatina, três inglesas, de inconvenientes e estridentes risadas, agem como se só elas estivessem no refeitório. Cada vez que uma
delas vence a partida, mais alto gargalha de modo a trombetear sua vitória. Por
deus, se continuar por mais tempo essa barulheira, vou ter de apelar pro meu
protetor auricular porque ter de aturar essas gargalhadas de galpão é foda!! As
desafinadas gaitadas ferem meus tímpanos de tal forma que.....tô quase
enlouquecendo.....puuutzzzz, não mereço isso, o que fiz de tão ruim na outra
encarnação pra estar sofrendo tanto nessa hein?!



05/04/2017 – Quarta-feira – 19º
Dia de Trek Everest BC – Zonglha a Thangnak
Partimos
de Zonglha cedíssimo, às 6 e 10, a fim de evitar os ventos que costumam açoitar
Cho La a partir do ½ dia. Cholatse, banhado pela luz matinal, oferece-se dourado
à admiração dos turistas. Durante uma hora, caminhada num vale plano, cercado
por montanhas e cristas de montanhas, formando estupendo anfiteatro rochoso. O
frio é tanto que minhas mãos doem tão geladas estão. Tenho de parar pra vestir outro
par de luvas e
mesmo assim custam a esquentar. Não demora muito o sol desponta
aquecendo a região. O céu azuladaço, de brigadeiro. Dia perfeito, mais
belo impossível. A moleza acaba quando começamos a subir a crista duma colina,
seguida doutra subida, dessa feita, ao longo duma canaleta formada por enormes
blocos de rocha. Durante a escalaminhada, paro quando me falta fôlego, respiro
fundo e continuo. Também pudera, estamos a 5.100 metros! Finalmente,
alcança-se uma área plana onde se faz uma pausa pra acalmar os batimentos
cardíacos. Do alto desse mirante, avista-se, abaixo, o vale por nós percorrido há
um par de horas, algumas lagunas congeladas e os, incansavelmente admiráveis, Cholatse
e Ama Dablam. Embora a altitude tenha me deixado um pouco sem ar, nenhum
dos trechos foi perigoso, conforme Nir anunciara, no dia anterior, durante aquela passagem tormentosa
entre Lobuche e Zonglha. O fato é que, hoje, tanto eu quanto Flavio
temos medos a administrar. Ele, o da altitude, eu, o da altura. Terminado o descanso,
seguimos adiante e, daí sim, começa o tal trecho que Nir, ontem, anunciara "very
difficult, mom" (ele me chama de mãe por respeito à minha idade, hahaha). A trilha,
cavada no glaciar, é muiiiito estreita, limitada à direita por um super declive
duns 100 metros de altura. Caminhar no gelo sem crampons é dureza. Ainda mais
quando a pessoa aqui é cagona. Mas graças ao querido Nir, que me estende sua
mão o tempo todo, venço os perigosos 150 metros, percorrendo dali pra frente
suave ascenso ao longo do campo de gelo. Mais uma vez, enfrento, apesar de
curtíssima, outra atemorizante travessia no gelo, antes de pisar no firme
terreno empedrado dos 5.368 metros do Cho La. Como todo passo que se preze, enfeitado
está pelas tradicionais bandeirolas budistas. E muita gente se fotografa, feliz
da vida, por ter vencido mais uma dura parada do trek. Almoçamos chapati, queijo
e ovo (delícia de lanche!) no topo do passo, não nos demorando muito, já que o sol não tem energia pra vencer a força do frio. Iniciamos,
então, a descida no terreno pedregoso que, além de íngreme pra caramba, oferece
risco de deslizamento de terra. Pra ilustrar o perigo, Nir conta que, em 2016,
morreram turistas e porters durante o descenso, por causa do rock ‘n’ roll do
pedrario. Nem bem terminou de falar - cataplum -, caem pedras lá do alto do passo, a
60 metros donde estamos...baaahhhh. Pico Gokio e seu glaciar colgante
destacam-se na monotonia da paisagem. Vencida a parte mais tortuosa da baixada, inicia outro
declive cruzando a barreira formada pelas pedras que rolam da montanha onde o Cho
La se localiza. O tempo começa a mudar em torno de ½ dia e as nuvens tomam
conta do céu até então imaculado. A cerração torna a paisagem desoladora. Mentalmente,
suplico que o dia termine, porque está sendo, sem exagero, sangue nos olhos
esta pernada. E nova subida - de novo, nãããooo! - que parece nunca acabar até que,
aleluia, alcançamos o cocuruto da colina donde se descortina o vale onde se
localiza Thangnak. Daí é só alegria até a vila, caminhando ao lado dum rio que
se mostra, em certos pontos, congelado. Enfim, vencida a última curva da
estradinha, surge às 14:20 a abençoada Thangnak, vilarejo com 12 casas sendo 5
guest houses. E passo o resto da tarde escrevendo, lendo e postando no Face,
porque, simmm, aqui, embora seja o point onde Judas perdeu as botas, tem internet, hahaha!!



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