quarta-feira, 5 de abril de 2017

Cho La

04/04/2017 – Terça-feira – 18º Dia de Trek Everest BC – Gorak Shep a Zonglha
Dia lindo e frio, o termômetro marca 2º C quando deixamos pra trás Gorak Shep às 7:45. Molezinha de caminho pois as ardidas subidas da ida se transformam em contínuo desce-desce até Lobuche. Enquanto desço o Lobuche La encontro subindo um cara fantasiado com macacão de pelúcia amarela e vermelha cujas orelhas lembram às de urso. Deve ter se inspirado na vestimenta de algum personagem de desenho animado. Se o desejo do cara é causar, conseguiu porque tanto os que descem quanto os que sobem o morrão param pra fotografá-lo. Almoçamos na vila, seguindo pela moraina do glaciar Khumbu até o vale onde se encontra o acampamento-base do pico Lobuche. Neste ponto há 2 trilhas, a da esquerda leva à Dingboche e Periche por onde viemos e a da direita conduz a Gokio. Seguimos por esta trilha, deixando pra trás a platitude empedrada do final da moraina do Khumbu, pra subir então a trilha aberta na encosta da montanha. Aqui que as coisas complicam pra mim. Não pela subida em sim, nada íngreme, suave até, eu diria, mas pela estreiteza da super exposta via e da ribanceira de 200 metros, à minha esquerda. Nir, o querido, oferece preciosa ajuda estendendo sua mão pra segurar a minha nos trechos mais espinhosos já que não paro de exclamar “ui ui ui” cagada de medo que estou. Quando Nir comenta que, se estou considerando a de hoje difícil, a de amanhã será bem pior - a meu ver, observação desnecessária tsk tsk tsk....será que o bom guia tem um pezinho no sadismo?! - basta pra que eu comece a sofrer por antecipação. No outro lado do vale, vejo dezenas de trilhas riscando o flanco da colina que conduz a Dingboche. As linhas no solo lembram aquele brinquedo das antigas chamado “cama de gato” que consistia em trançar um barbante entre os dedos das duas mãos resultando “n” figuras geométricas. Finalmente, termina o suplício da estressante caminhada (foi curta graças a deus), desenhando-se a nossa frente um afunilado vale cortado pelo rio Tsola, em cuja margem sul reinam, lado a lado, enormes, os picos Taboche e Cholotse, enquanto a leste Ama Dablam volta a exibir uma de suas faces. Daqui de cima vejo as vilas de Thukla e Periche sumindo do meu campo de visão à medida que afundamos em direção ao vale. À direita, um declive conduz ao pequeno vale onde está instalado o acampamento-base do Lobuche West, montanha confundida com o Lobuche, este próximo à vila de igual nome onde almoçáramos um par de horas atrás. Pra alcançar o lado de lá do vale onde se encontra Dzonglha, cruza-se uma pequena ponte sobre um córrego. Chegamos às 14 horas ao pequeno povoado que conta com apenas 2 guest houses. Em razão da escassez de acomodações, os donos das pousadas montaram uma dezena de tendas destinadas aos guias e sherpas. Situado a 4.850 metros de altitude, Dzonglha assenta-se aos pés do Cholotse. No verão, os arredores do vilarejo servem de pastagem aos yaks. Ao final da tarde, Ama Dablam dá um show, exibindo aquela linda coloração alaranjada causada pelo sol poente. Nos lodges, sempre há baralhos, tabuleiros de xadrez e de damas à disposição dos hóspedes que servem de passatempo pra quem chega cedo às vilas e tem diante de si algumas horas de ócio até a hora da janta. No amplo salão com 2/3 de seu espaço envidraçado, a salamandra acesa deixa o ambiente prazerosamente aquecido. Sentadas à mesa, não muito distantes de mim, concentradas na jogatina, três inglesas, de inconvenientes e estridentes risadas, agem como se só elas estivessem no refeitório. Cada vez que uma delas vence a partida, mais alto gargalha de modo a trombetear sua vitória. Por deus, se continuar por mais tempo essa barulheira, vou ter de apelar pro meu protetor auricular porque ter de aturar essas gargalhadas de galpão é foda!! As desafinadas gaitadas ferem meus tímpanos de tal forma que.....tô quase enlouquecendo.....puuutzzzz, não mereço isso, o que fiz de tão ruim na outra encarnação pra estar sofrendo tanto nessa hein?!

05/04/2017 – Quarta-feira – 19º Dia de Trek Everest BC – Zonglha a Thangnak
Partimos de Zonglha cedíssimo, às 6 e 10, a fim de evitar os ventos que costumam açoitar Cho La a partir do ½ dia. Cholatse, banhado pela luz matinal, oferece-se dourado à admiração dos turistas. Durante uma hora, caminhada num vale plano, cercado por montanhas e cristas de montanhas, formando estupendo anfiteatro rochoso. O frio é tanto que minhas mãos doem tão geladas estão. Tenho de parar pra vestir outro par de luvas e mesmo assim custam a esquentar. Não demora muito o sol desponta aquecendo a região. O céu azuladaço, de brigadeiro. Dia perfeito, mais belo impossível. A moleza acaba quando começamos a subir a crista duma colina, seguida doutra subida, dessa feita, ao longo duma canaleta formada por enormes blocos de rocha. Durante a escalaminhada, paro quando me falta fôlego, respiro fundo e continuo. Também pudera, estamos a 5.100 metros! Finalmente, alcança-se uma área plana onde se faz uma pausa pra acalmar os batimentos cardíacos. Do alto desse mirante, avista-se, abaixo, o vale por nós percorrido há um par de horas, algumas lagunas congeladas e os, incansavelmente admiráveis, Cholatse e Ama Dablam. Embora a altitude tenha me deixado um pouco sem ar, nenhum dos trechos foi perigoso, conforme Nir anunciara, no dia anterior, durante aquela passagem tormentosa entre Lobuche e Zonglha. O fato é que, hoje, tanto eu quanto Flavio temos medos a administrar. Ele, o da altitude, eu, o da altura. Terminado o descanso, seguimos adiante e, daí sim, começa o tal trecho que Nir, ontem, anunciara "very difficult, mom" (ele me chama de mãe por respeito à minha idade, hahaha). A trilha, cavada no glaciar, é muiiiito estreita, limitada à direita por um super declive duns 100 metros de altura. Caminhar no gelo sem crampons é dureza. Ainda mais quando a pessoa aqui é cagona. Mas graças ao querido Nir, que me estende sua mão o tempo todo, venço os perigosos 150 metros, percorrendo dali pra frente suave ascenso ao longo do campo de gelo. Mais uma vez, enfrento, apesar de curtíssima, outra atemorizante travessia no gelo, antes de pisar no firme terreno empedrado dos 5.368 metros do Cho La. Como todo passo que se preze, enfeitado está pelas tradicionais bandeirolas budistas. E muita gente se fotografa, feliz da vida, por ter vencido mais uma dura parada do trek. Almoçamos chapati, queijo e ovo (delícia de lanche!) no topo do passo, não nos demorando muito, já que o sol não tem energia pra vencer a força do frio. Iniciamos, então, a descida no terreno pedregoso que, além de íngreme pra caramba, oferece risco de deslizamento de terra. Pra ilustrar o perigo, Nir conta que, em 2016, morreram turistas e porters durante o descenso, por causa do rock ‘n’ roll do pedrario. Nem bem terminou de falar - cataplum -, caem pedras lá do alto do passo, a 60 metros donde estamos...baaahhhh. Pico Gokio e seu glaciar colgante destacam-se na monotonia da paisagem. Vencida a parte mais tortuosa da baixada, inicia outro declive cruzando a barreira formada pelas pedras que rolam da montanha onde o Cho La se localiza. O tempo começa a mudar em torno de ½ dia e as nuvens tomam conta do céu até então imaculado. A cerração torna a paisagem desoladora. Mentalmente, suplico que o dia termine, porque está sendo, sem exagero, sangue nos olhos esta pernada. E nova subida - de novo, nãããooo! - que parece nunca acabar até que, aleluia, alcançamos o cocuruto da colina donde se descortina o vale onde se localiza Thangnak. Daí é só alegria até a vila, caminhando ao lado dum rio que se mostra, em certos pontos, congelado. Enfim, vencida a última curva da estradinha, surge às 14:20 a abençoada Thangnak, vilarejo com 12 casas sendo 5 guest houses. E passo o resto da tarde escrevendo, lendo e postando no Face, porque, simmm, aqui, embora seja o point onde Judas perdeu as botas, tem internet, hahaha!!

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