segunda-feira, 28 de abril de 2014

O lado B do país da felicidade

Na segunda-feira, deixamos Jakar às 7 e 30, iniciando o que será uma longa viagem porque, ao contrário da ida, quando pousamos em Trongsa, iremos direto e reto a Paro. Pema entra numa estradinha lateral à principal e estaciona em frente a um resort tribacana donde se tem magnífica vista de Trongsa e de seu Dzong. Lá permanecemos durante uma hora, a meu ver, desnecessariamente. Sua explicação é de que a camionete precisava ser lavada. Tenho pra mim que ele ficou de trelelê com algum amigo. Bueno, com a tal parada no resort e outras duas em razão de consertos na rodovia, responsável por interligar a parte oeste à central do país, a viagem durou 3 horas a mais num percurso que seria “normalmente” de 9 horas para cobrir 258 km! Muito cansativa a viagem num único esticão. Sobrando tempo, bem melhor fazê-la em dois dias. Porém, como retorno, na quarta-feira, a Kathmandu, o jeito é vir duma tacada só. O céu continua nublado, com chuviscos intermitentes. Chegamos em Thimpu às 19 horas. Como Pema Boss, dono da agência AB Travel (http://www.totallybhutan.com), responsável por toda a logística de minha permanência no país, manifestou desejo de me conhecer, vou ao seu encontro. Ele já está me esperando no restaurante. Podre de cansada, eu queria mesmo era ter ido direto a Paro mas noblesse oblige, né? Bem educado embora formal, Pema Wangchu mais escuta do que fala. Coitado, porque, a bem da verdade, meu inglês é sofrível. Questiono-o a respeito de dois assuntos que atiçam minha curiosidade. E fico então sabendo que não é pela religião, por considerá-las sagradas, que o governo butanês proíbe a escalada às montanhas. Temem as autoridades, isso sim, o chamado “efeito nepalês”, sinônimo de poluição ambiental!! O Nepal, em certos aspectos, é um exemplo a não ser seguido, conforme fica subentendido na conversa. Fazem muito bem os butaneses em assim agir. Uma vergonha os relatos da sujeira deixada por escaladores e sherpas nas montanhas nepalesas, em especial, Everest, a mais procurada das 8 mil. Eu, no Paquistão, fiquei apavorada com a imundície no Baltoro Glaciar: pilhas enormes de latas de alumínio, entre outros materiais altamente poluentes ali abandonados. Outro assunto que me intrigava é agora desvendado: é permitido, sim, ao turista realizar passeios culturais, ciclismo, trek e outros esportes de aventura sozinho no país. Porém, como salienta, Pema Boss, sem garantia de encontrar carro para alugar, hotel para pousar e guia para conduzi-lo. Enfim, dificultam a vida do viajante autônomo. Sei lá se como forma de controlar os turistas a fim de proteger seus costumes e tradições, ou como meio de antecipar capital de giro. Explico. É necessário depósito antecipado de todo o valor referente aos tantos dias de estadia no país. Claro que essa quantia cobre tudo, passeios, hoteis, refeições, guias, traslados e até água mineral. Semelhante ao sistema de cruzeiros all included. Provavelmente sejam os dois motivos. Quando, afinal, chego a Paro, tomo uma ducha bem rápida, dou uma bisolhada rapidésima na internete e caio, exausta, na cama, dormindo num piscar de olhos. Ah, antes disso tomo um golinho de uíque butanês que comprara em Thimpu. Pra relaxar de vez, hehe!! 


Tanta a preguiça na terça que resolvo tirar a manhã e permanecer no quarto organizando o material audiovisual. O hotel é o mesmo onde estive hospedada quando aqui cheguei há 15 dias: o agradável Dewachen. Clara, a habitação, com paredes forradas de pinho, tem móveis do mesmo material. De sua varadinha, dá pra se curtir o vale onde Paro se aninha. Deixo a TV ligada no canal oficial do Butão enquanto estou escrevendo no computador. Volta e meia, entretanto, dou uma olhada no aparelho permanentemente ligado (nem em casa vejo tanta televisão como quando estou no exterior). E numa dessas olhadelas sou atraída por um programa. Denuncia a violência doméstica. A dramatização exibe chefe de família dando um tapa na mulher enquanto o filho, pequeno, chora assistindo à cena. O locutor em off discursa durante dois minutos. Embora não saiba butanês, bem posso imaginar o teor da conversa. E passa mais de uma vez durante a manhã! Sinal de que os desmandos dos homens levaram o governo a encarar seriamente a situação. Pois é.....o país da felicidade tem também os seus esqueletos no armário! Nem tudo é hapiness, conforme apregoa a propaganda oficial no exterior. O que importa, entretanto, é que estão sendo tomadas medidas para enfrentar a cruel realidade da violência doméstica contra as mulheres! À tarde, dou um chega pra lá em meu bicho-preguiça e vou com Pema até o centro de Paro. Lá nos separamos. Pema, que não veste seu gho, não pode entrar em trajes civis no Dzong, lugar que ainda não conheço. Já a caminho da bela fortificação branca construída sobre uma colina, paro pra fotografar 3 senhoras. Girando suas rodinhas de oração, recitam mantras enquanto circulam ao redor das várias stupas ali existentes. Coisas mais queridas elas com seus cabelos curtos e franja reta. Detalhe: as butanesas, depois duma certa idade, usam esse estilo de corte de cabelo. No interior do Dzong, tenho a sorte de presenciar os monges, alguns com 6 anos, alvorotados porque a aula terminou. Os turistas que lá se encontram endoidecem e tiram fotos de todos os ângulos possíveis. Embora não posem, os pequenos monges não se furtam de serem fotografados. Passeio sem pressa, super contente porque às vezes é muito bom andar sozinha, sem guia! E subo até o topo de outra colina, situada acima do Paro Dzong, para visitar o Museu Nacional. Em formato circular, foi originariamente construído para ser torre de observação do Dzong. Pobrinho, o museu exibe coleções de máscaras de várias manifestações de Buda, alguns animais empalhados e painéis descrevendo a fauna, flora e vegetação existente no país. Durante o passeio, paro e converso com duas menininhas. Bonitas, desinibidas, falam um pouco de inglês. O tempo que, pela manhã estava perfeito, com sol e céu azul, agora exibe uma feição acinzentada, tristonha, típica de dias nublados. Nem isso consegue empanar meu estado de espírito. Estou encantada, amando Paro, cidade que, em 2011, dela apenas conheci o Tiger Nest. Esporte nacional, o arco e flecha tem clubes em todo o país. Quando estou retornando ao centro da cidade, passo ao lado de um. Óbvio que entro na arena. Até parece que não iria especular, curiosa que sou. Alguns homens treinam, lançando os arcos numa distância de 150 metros. Tão sem graça quanto futebol, na minha opinião, o que me leva a sair dali sem demora, após bater umas fotos que nem boas ficaram. Embora tenha reservado apenas um dia para curtir Paro, lastimo agora o pouco tempo, tanto que quando retornar ao Butão, com certeza, aqui permanecerei por período mais longo! Posso dizer que encerro minha permanência neste adorável país com chave de ouro!

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