sábado, 19 de abril de 2014

Mundo Encantado dos Rododendros

Acordo cedo pra caramba na expectativa do tão cobiçado trek cujo atrativo máximo serão banhos relaxantes (suponho eu) em piscinas térmicas no 4º dia da pernada. Ao partir do resort distribuo tashi delek e kadencha aos amáveis serviçais (quando em viagem, no estrangeiro, faço questão de aprender o que considero as palavrinhas mágicas no idioma do país onde estou: obrigada, bom dia, boa tarde, boa noite e tudo de bom). Às 9 e 20 da manhã, já no centrinho de Jakar, espero Pema que foi comprar um sortimento de dhoma para mastigar durante a caminhada. Após rodar de carro por uns 30 minutos, chegamos a vila de Dur de onde iniciará a pernada. Pema estaciona o carro e nos dirigimos a uma stupa, próxima à margem direita do rio Chamkhar Chu, ponto de encontro com o resto do staff. Não dá 5 minutos, vejo 2 jovens se aproximando. Pema nos apresenta. O alto e de boa aparência é Dorji, o cozinheiro, com 25 anos; o outro, franzino e baixinho, nem aparentando os 29 anos, é seu assistente, Thukten. Até bem pouco tempo, os dois eram internos num monastério da província de Trashigang. Devido às restrições, em especial, as sexuais (como os padres católicos, os monges budistas igualmente não podem casar ou ter relações sexuais), abandonaram os estudos e adotaram a vida laica. Quase nada falam de inglês porque nas escolas budistas não ensinam este idioma. Pema, super atencioso, trouxe um cinto, emprestado por um amigo, para eu firmar na cintura a calça. Devido a um defeito no fecho, a droga da vestimenta escorrega perigosamente cintura abaixo. Vez por outra o sol dá pinta, contudo não consegue se impor diante do céu bastante enevoado. Temperatura agradável com uma brisa amena que agita delicadamente as folhas das árvores. Marcado o início da caminhada pras 10 horas, já são 11 horas e nada do arriero. Pema, que se comunica com o homem por celular, fica sabendo do motivo da demora: os cavalos fugiram do local onde haviam sido colocados ontem à noite. Nenhum deles aparenta ansiedade ou irritação, porém volta e meia, Dorji ou Thukten falam ao celular com o arriero para saber se ele já está a caminho. Vantagens de ser budista. Encosto-me na stupa e até tiro um cochilo. Também eu estou numa vibe tranquila, por incrível que pareça, considerando meu temperamento nada paciencioso. Lá pelas tantas, já meio entediada, presto atenção num homem que está subindo num poste para fixar cabos de alta tensão. Um pouco acima da base os postes têm ao seu redor arame farpado e o homem passa por essa proteção com muito cuidado já que está descalço! Percebo que o coitado meio que se contrai quando, inadvertidamente, pisa numa das pontas do aramado. Só quando começa a atarraxar a braçadeira que suportará o pesado fio é que se prende com um mosquetão ao poste. Os outros três que o acompanham apenas se limitam a lançar pra ele a tal braçadeira. No mais ficam sentados no chão esperando que o escalador desça pra seguirem até o próximo poste. Finalmente, o arriero, cujo nome também é Dorji, chega...aleluia!! Às 12 horas, depois de toda a carga arrumada sobre os lombos dos cavalos, em número de 8, partimos. Paramos ½ hora depois para almoçar. Arroz vermelho, cogumelos, uma verdura tipo acelga e galinha. Maçã de sobremesa que Thukten descasca e corta em fatias. Vou acabar mal acostumada com tanta mordomia! Dorji Cook assim chamado para se diferenciar de Dorji Horse, o arriero, segundo Pema, é um grande piadista. Noto que Pema se delicia na companhia tanto do cozinheiro quanto do baixinho. Fico alucinada quando vejo o mundareu de rododendros vermelhos que enfeitam os bosques de coníferas. As agulhas dos pinheiros colorem de ferrugem o solo. Tão linda esta trilha! Decorridos 5 km, praticamente planos, marginando o rio Chamkhar Chu, inicia um ascenso de não mais que 1 km seguido dum curto trecho quase plano. Decorridas 4 horas de caminhada, passadas as 16, paramos numa clareira onde os rapazes assentam o acampamento. Uma barbada este primeiro dia. Agora, final de tarde, começa a esfriar. O céu encontra-se quase todo coberto de nuvens cinzas, salvo um pequeno rasgo de azul ao norte. Embora estejamos a 3.100 metros o que tem de mosca é impressionante. Mal entro na barraca, para trocar a roupa por outra mais quente, começa a chover forte por uns 20 minutos, seguida duma breve estiada para então recomeçar de novo. Fico ali então bem aconchegada dentro de meu saco de dormir revendo na câmera as fotos que tirei durante o dia. Tenho como trilha sonora o agradável tilintar dos cincerros dos cavalos e o tamborilar da chuva no teto da tenda. Thukten serve o lanche na barraca por causa da chuva. Arroz torrado e biscoitos com chá e leite. Apesar da persistente garoa que substituiu a chuvarada, Dorji Horse faz uma linda fogueira. Os homens, postados ao seu redor, viram-se vez por outra a fim de aquecer as costas. Após a janta, também usufruo da fogueira, já que a chuva parou. Olho pra cima, como de hábito, quando escurece, e vejo no céu estrelas. Trovões não muito distantes anunciam mais chuva. Quando sinto os primeiros pingos, me mando pra barraca enquanto os homens permanecem ao redor do fogo. Não dão a mínima bola pra chuva esses butaneses. Adormeço em meio ao animado conversê e às risadas dos quatro.

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