A região norte do país, inclusa aí a mítica floresta amazônica, confesso, nunca me atraiu muito. Os motivos? Atribuo ao brilho em cinemascope das florestas hollywoodianas e aos seus musculosos Tarzans, pipocando de árvore em árvore, o furto de atenção com a prata da casa. Exatamente por isso, a escolha do meu roteiro de férias resultou mais duma obrigação moral de conhecer essa parte do país. Afora isso, a oportunidade de praticar um dos meus esportes favoritos, o montanhismo, pesou bastante em minha decisão. Afinal, é lá, na porção noroeste do estado do Amazonas, que se encontra o pico mais alto do Brasil, o Neblina, com 3.014 m. Cumpre esclarecer que mensuração posterior a sua conquista, em 1965, pelo topógrafo Jose Ambrosio Miranda Pombo, fixou sua altitude em definitivos 2.993m. Decolo de Porto Alegre às 19:20 com troca de aeronave em Sampa. Enquanto espero o embarque pra Manaus, na capital paulistana, raros os momentos de silêncio. Os intermitentes anúncios de vôos, transmitidos pelos altofalantes, disparam avisos aos passageiros de embarque por tal portão para Salvador, Maceió, Aracaju, Belo Horizonte, Boa Vista, Porto Velho e por aí afora. Adoro essa balbúrdia de aeroporto, anunciando destinos variados, a maioria dos quais por mim desconhecidos. Aterriso na capital dos manauaras às 3 da madruga, cujo horário local, considerando as dimensões continentais do país, obriga-me a retroceder os ponteiros do relógio em duas horas. Acordo em Manaus, cujo significado na linguagem indígena é a mãe de todos os deuses, com céu nublado. E eu crente que veria um céu azul, típico, na minha imaginação, de clima equatorial. A cidade, grande, feia, suja e barulhenta, exibe em sua zona central um comércio intenso em que lojas de roupas e eletroeletrônicos se sucedem umas as outras. Vendedores, de microfone em punho, anunciam as promoções do dia. Uma leve garoa começa a cair, contrariando as fartas precipitações pluviométricas previsíveis em temperaturas tropicais. O calor, espesso e úmido, deixa meu corpo todo melado. Suo a beça. Curto, entretanto, tal sensação. Sinto-me super à vontade, pra espanto dos manauaras que se queixam da quentura do dia. Bancas com frutas típicas exibem os exóticos ramutãs, as redondas sapotas e cachos e mais cachos de vermelhas pupunhas e tucumãs. Esta última é usada como recheio no pão e das quatro somente a pupunha não é saboreada in natura, cozida que é na água fervente. Às 14 horas, enquanto espero o vôo pra São Gabriel da Cachoeira, ponto de partida de nosso trek, provo, no aeroporto Eduardinho, um pirarucu ensopado. Uma delícia o sabor e textura deste peixe. Conheço, então, dois de meus colegas de expedição: Lili, globetrotter desde seu divórcio, vive em Minas, desde meninota, embora seja goiana. Já Marcelo, paulista, professor de matemática na UFMG, encontra-se radicado na capital mineira há uma década. Às 15, embarcamos numa aeronave turbohélice da Trip. Quando as densas nuvens permitem, surgem flagrantes da floresta amazônica. Emociono-me com aquele cerradíssimo colchão verde, formado pelas altas copas das árvores. Não observo durante os 858 km percorridos quaisquer rasgos de clareiras, a não ser o brilho prateado e sinuoso do rio Negro onde despontam ilhas de areia cuja coloração branquíssima quebra vez por outra a hegemônica tonalidade verde escura da floresta. E recebo meu primeiro impacto ao descobrir muitas pedras em seu leito! Sei lá por que sempre imaginei os rios amazônicos desatravancados de rochas, ou seja, rios de planícies. Associo rios rochosos àqueles que descem de serras e montanhas. Tão ignorante euzinha.....tsk tsk!! Como seu nível de água, nesta época do ano, está baixo, o pedrario aflora à superfície. Uma serra lindíssima chama minha atenção. Quando chego ao modesto aeroporto de São Gabriel, às 17 horas, a primeira coisa que pergunto a Branco, dono da agência Amazonas Neblina Tour, responsável pela expedição, é o nome da serra que avistara do avião. Trata-se da Bela Adormecida, assim chamada porque seu formato assemelha-se ao de uma mulher deitada de barriga pra cima. Brincam os gabrielenses que a donzela, quando a névoa a encobre, foi dar um rolê pra tomar café. Tão fértil o imaginário popular, não é mesmo? Logo de cara gosto da cidade, situada à margem esquerda do rio Negro. Afoita e curiosa, largo minha bagagem no hotel Deus Me Deu (paciência, acrescento eu, pra agüentar as modestas instalações do “melhor” hotel da cidade, hehehe) e vou com Lili dar uma banda pela cidade. Encontramos, bem próximo ao hotel, um bareco com mesas ao ar livre, cujo suco de taperebá (cajá) é qualquer coisa de bom! Repetimos, gulosas, a bebida, of course! Branco passa no hotel e nos leva pra jantar na praça de alimentação repleta de barracas onde são vendidos além de carne e galinha grelhadas, arroz, feijão, massa, salada e a quinhapira (quinha: pimenta; pira: peixe). De origem tucana, neste caldo, cujo ingrediente básico é o tucupi (líquido extraído da mandioca), o peixe é cozido. Acompanha, ainda, um redondo biju, pão feito com goma e massa de mandioca, que se mergulha no apimentado caldo. O peixe de hoje é piau (bem espinhento), mas também se usa aracu e piraíba, igualmente repletos de finas espinhas. Assim, todo cuidado é pouco quando se come tais tipos de peixe. Conheço, então, nosso guia, Pepe, logo por mim alcunhado de Legal. E Traíra, um garimpeiro, contador de estórias fantásticas, que me deixam de boca aberta, nem todas, segundo Branco, lá muito verídicas. Como todo mentiroso é simpaticíssimo. A noite não poderia ter terminado em melhor companhia.
2 comentários:
esse video foi gravado onde? em são gabriel da cachoeira ou manaus?? lindo de +
show parabéns
foi gravado em são gabriel, anderson.
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