Espre
guiço com vontade e pulo da rede. Um baita dia, aquele azulão no céu. Beleza pura quando olho pro pico da Neblina e pra serra do Camelo: estão despejados de nuvens, avistando-se, nos mínimos detalhes, o paredão sul do Neblina, esbranquiçado de liquens, e o paredão sudeste do Camelo, igualmente, coberto por essa associação de fungos e algas. Devido à localização, ambos apresentam pouca vegetação, motivo por que a rocha apresenta-se bem exposta. Destaca-se numa árvore, próxima ao local onde fica nossa “cozinha”, diversas orelhas de pau (um tipo de cogumelo gigante) formando degraus naturais colados em seu
tronco. Lembram, pra quem é católico, pias de água benta. Previdente mundo vegetal esse que tenho o prazer de conhecer. Assim, muitas sementes de árvores resguardam-se no interior de resistentes cascas. Destaco as da castanha de macaco por seu curioso formato que remete às minhas raízes gauchescas. Em formato de cuia, o duro invólucro que as envolvem contém em média quatro a cinco sementes, culminando com uma sofisticada tampa que lembra mitra de bispo. Deixamos Bebedouro Novo às 8:15, chegando em Pau do Breu, às 9:27. Assim apelidado, o paradouro deve seu nome a uma resina excretada por certas ár
vores, utilizada na vedação de canoas e utensílios esburacados. Devido ao seu odor, é usada como defumador e, ainda, como repelente de mosquitos. Afora isso, a textura do pau de breu é gosmenta de maneira a impedir que as formigas façam ninho em seus troncos. Uma resina de mil e uma utilidades! Há, porém, outras árvores, cujas vagens destilam, também, uma substância gosmenta, cor de caramelo, duma textura de látex, visando à proteção contra formigas e cupins. Essa natureza não prega prego sem
estopa! A quantidade e variedade de cipós são de encher os olhos. Alguns lembram cobras enrodilhadas. Até me pregaram susto! Do paradouro Pau do Breu até o do Campeão, onde chegamos às 11:05, há um declive bem acentuado, atapetado de folhas secas, que exige cuidado, porque se neguinho bobear, o escorregão está garantido. Claro está que após uma descida, vem o quê? Acertou, meu caro Watson, se pensou
numa íngreme subida. Pra diminuir o impacto do ascenso, degraus escavados, naturalmente, no solo, facilitam o esforço físico. Há muitos animais de caça na área: o que não faltam são cutias, tatus, capivaras, porcos do mato, antas e mutuns, exibindo estes últimos penas retintas de tão pretas. Segundo Messias, a carne desta ave é melhor que franco congelado. Ao longo do caminho, cruzamos com um grupo de yanomamis, espingarda a tiracolo e jamaxi vazio, sinal de que a caçada não foi exitosa. Um feixe de penas de mutum, fincado mais adiante, sinaliza a passagem deles. Descansamos por uma hora no Campeão onde Pepe fica contando causos de fazer a gente rachar o bico de tanto rir.
Ao meio dia partimos deste paradouro. O caminho, inicialmente, é morro acima. Segue-se uma descida e nova subida, dessa feita bem empenada. Uma trégua palmilhando um trecho plano, embora de curta duração. O restante da trilha retorna à sua feição aclivosa e áspera, quando às 13 horas, alcançamos a planura do paradouro Laje, cuja altitude inteira respeitáveis 1.700m. Pepe explica que a serra por onde subimos fica entre o maciço do Neblina e a serra do Barro. E fico alucinada pela belíssima semente de ma
caco cujo pedúnculo amarelo, lembra uma minicenoura, encimada por um broto verde em formato de castanha do caju. E não só esta semente me deixa deslumbrada. A redonda cunuri, dum marrom luzidio e tessitura suave, no seu interior, exibe uma coloração verde-pistache. Um colírio pros olhos os líquenes brancos, amarelos e vermelhos, agarrados aos troncos de árvores caídos na trilha. São um contraponto colorido à redundante tonalidade verde-escura da mata. Almoço a sempre frugal refeição composta de
bolachas e suco, enriquecida - ainda bem! - pela mistura de nozes, amendôas, castanhas do Pará e do caju, previdentemente, trazida de Porto Alegre. O Laje deve tal nome a um extenso e empinado lajedo, formado por rochas cobertas de limo escorregadio. Daqui pra frente, tem início um longo trecho pedregoso, estreito, tipo canaleta. Porque se está caminhando dentro duma mata muito fechada e úmida, as árvores são revestidas por musgos que pendem de seus galhos, tornando a paisagem um tanto quanto espectral. O caminho, muito empenado,
exige que se use as raízes como agarras na subida. Ainda bem que abundam a torto e a direito. Até então encapsulados no interior duma mata compacta, formada por árvores de grande porte, com pouca penetração de luz solar, a vegetação cede lugar a um habitat povoado por uma infinidade de bromélias, arbustos e palmeiras. Pequenos veios d’água brotam no terreno pedregoso. À medida que se ganha altitude, entramos numa zona em que a claridade começa a dar o tom. Um corredor, formado por açaís e bromélias, precede a nossa chegada ao Mirante onde ch
egamos às 16 horas. Esta região apresenta uma crista quase contínua de serras destacando-se dentre elas a do Imeri onde estão o Neblina, o 31 de Março e o Camelo. A visão subjacente do vale, das serras e dos picos a perder de vista é espetacular. Dois picos, porque mais altos e pontudos que os outros, destacam-se ao sul: Brás de Aguiar e Guimarães Rosas. O primeira tem o cume em forma de pirâmide, já o segundo o tem mais achatado. À nordeste, o largo platô da serra do Barro, avistada durante a navegação no Cauaburis, embora dum ângulo bem diferente do que entrevejo agora. Araras e tesourões rasgam o céu. A altitude
beira os 2.120 metros. Nuvens gordalhufas projetam zonas de sombra no verde compacto da floresta, situada bem, mas bem abaixo de onde nos encontramos. Pepe aponta a serra pela qual subimos, coberta duma espessa vegetação, sucedida por essa zona aberta, ensolarada, tão distinta da mata cerrada pela qual até bem pouco trilhávamos. Do Mirante até o acampamento-base, levo uma hora e meia porque paro muito pra fotografar e apreciar a vegetação tão distinta daquela há pouco percorrida. No solo pedregoso,
distingo, entre outras pedras, blocos de granito branco. Os elegantes açaís destacam-se no azul do céu. Filetes d'água escorrem entre as pedras, formando pequenos poços de água bem clarinha, evidenciando a origem calcárea das rochas. E as flores, antes raras, agora abundam, destacando-se belos exemplares de orquídeas. As agora onipresentes bromélias são figurinhas fáceis. Algumas abrigam em seus reservatórios minúsculas pererecas. Difícil
fotografá-las, todavia Ely foi recompensado pela sua paciente procura, capturando em sua lente Nikkon o diminuto anfíbio. Depois duma descida cujo desnível é 120 m, chega-se às 17 e 30 ao acampamento-base, plantado às margens do córrego Tucano. Como estamos numa época de pouca chuva, escorre por entre seu leito pedregoso um fio de água cristalina e fria. Por isso, não sigo o bom exemplo de Marcelo que, corajosamente, toma um banho completo. Limito-me tão
-somente a uma pífia lavação de mãos e rosto, salgado de tanto suor destilado. A perspectiva do Neblina e do 31 de março é bem diferente daquela avistada no Bebedouro Novo. Aqui, exibem os dois picos seus paredões noroeste. Mais uma vez - merda, merda e merda - encontram-se envoltos por uma aureóla de nuvens. Bem em frente ao acampamento, a serra do Montilla e ao longe a do Baruri. O rango, pra variar, vai ser massa com, tchan tchan tchan, molho rosé. Lili faz um arranjo com maçarandubinhas (flores secas cujo formato lembra u
ma rosa, embora duma coloração amarronzada) para enfeitar nossa mesa, que nada mais é do que uma lona estendida no chão. Sobre a fogueira, feita com galhos e pedaços de madeira catados pelos índios, pendem as borbulhantes panelas. Nosso incansável guia desdobra-se em dois, não, três Pepes. Enquanto cozinha, arruma nossas redes e, ainda, tem tempo de pegar algum remédio na ambulância, como é chamada a branca caixinha retangular de primeiros socorros. Tão bom tudo isso: o ruído de água escorrendo entre as pedras do córrego, os pios dos pássaros se recolhendo pros seus ninhos e as risadas dos índios, provavelmente, zombando de nós, os caras-pálidas, enquanto a lua crescente desponta no céu estreladíssimo.
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