sexta-feira, 19 de fevereiro de 2016

Canaima

Acordo às 4 e 30, após um sono irrequieto, não por estar deitada em rede, mas pelo retorno à civilização. Não que eu despreze os confortos urbanos porém sempre sinto um banzo antecipado quando a aventura está prestes a findar. Bom demais se desligar da pressa e ansiedade que as obrigações cotidianas nos impõem. Somente preocupada com cobras e escorpiões, colocar repelente contra os famigerados mosquitos e atenta às raízes do terreno: isso é tudo o que ocupa minha cabeça. O desajuno são ovos mexidos com tomate e arepa mais suco de laranja. São 6 horas e as curiaras, canoas motorizadas, esperam-nos à beira do rio. Acho que o desassossego com a navegação no rio Churun, devido ao pouco volume de água em seu leito, amenizou porque choveu forte a noite toda. Este rio é um dos que descem do Auyantepui. Deixamos Isla Ratón, e iniciamos a navegação às 6 e 20. Várias vezes os homens descem do barco porque ele encalha em trechos rasos do rio entre as pedras que cobrem seu leito. Quando entramos no rio Carrau a navegação melhora e deixamos o canyon del Diablo passando a navegar pelo canyon Ahonda, a segunda garganta do Auyantepui, a oeste da del Diablo. Boa parte da navegação se dá contornando o grandioso tepui! Por 3 vezes descemos e caminhamos em trilhas que bordejam o rio devido às corredeiras, com uma parada numa praia de areias bem branquinhas à beira do rio Carrau. À medida que vamos descendo o rio Carrau, o Auyantepui vai se distanciando, mostrando sua grandeza até então só entrevista parcialmente. No final da manhã, chegamos a Canaima, balneário famoso à margem do lago de igual nome cujas águas tépidas exibem cor de caramelo. Pequena vila com várias pousadas onde podem ser admirados os saltos Ukaima, Gwadayma e Hacha guarnecidos ao fundo pelos tepuis, Kusari, Kurun e Kurawaina. Bem mexida a situação política aqui na Venezuela já que a maioria do povo quer retirar Maduro do poder pela via legítima do referendo, mas pra tanto precisa esperar que o cara complete metade do mandato. A situação está tão grave, especialmente em Caracas, que as cozinhas das casas são chaveadas porque os ladrões, ao invés de roubar dinheiro ou eletrônicos, roubam comida!! Vou à noite no barzinho, situado a pouco mais de 30 metros da pousada. Luzes vermelhas, verdes e azuis com DJ tocando música eletrônica e caribenha. Peço rum com gelo e me deito na areia à beira da água curtindo a lua já bem crescida no céu estrelado. O ar é morno e uma aragem gostosa faz farfalhar as folhas das palmeiras. Tudo de bom salvo a música, alta demais. Na quinta, passo a manhã lavando algumas roupas e ajeitando a mala. Não quero caminhar muito porque meu pé direito está ligeiramente machucado de tanto virá-lo durante os 7 dias de trekking. O dia lindo, quente. A pousada Morichal é legal com refeitório aberto e teto coberto de folhas trançadas de palmeira. Uma rede super disputada entre mim e Henry diante duma TV eternamente ligada. A comida é muito boa, caseira mas super bem temperada. Ilse, irmã da proprietária, Iné, é uma fofa. Atende na recepção e bar, sempre antenada nos noticiários políticos. O ruído das avionetas é constante porque o aeroporto fica a 100 metros da pousada. Ora os aviõezinhos decolam rumo a Ciudad Bolívar, ora sobrevoam os canyons, ora aterrissam vindo de Caracas com mais turistas. À tarde vamos de barco até o salto Hacha. Desembarcamos na praia e caminhamos por um corredor rochoso que há por trás da queda donde se vê a espessa cortina branca formada pela água que despenca da cachu. Tomamos banho numa espécie de minicanyon formado por um córrego, tipo tobogã, que termina num laguinho. Após, vamos até o salto Gwadayma onde vários nativos jovens se jogam dum penhasco. Na beira da praia, as índias põem seus bebês na água e algumas após o banho dão o peito pra eles. De volta à pousada, a Assembléia Nacional venezuelana discute o grave problema hidroelétrico que aflige o país. Na sexta, enquanto espero a condução que nos levará ao aeroporto, curto pai e filha, ambos pemones. A menina, super educada, me conta que não foi à aula hoje porque não tem tênis. No pequeno aeroporto de Canaima, o motorista do melhor lodge, vestido de índio, faz a delícia dos turistas. O aeroporto é pequeno com barzinho e venda de artesanato indígena. Saímos de Canaima às 10:45 e chegamos em Ciudad Bolívar às 11 e 50. O voo está sendo mais tranquilo que o da ida. Mais uma hora de bus até Puerto Ordaz por uma rodovia com 2 pistas. Como aqui não há regras para condução de pessoas em motos é comum ver até 5 pessoas se espremendo no pequeno assento destinado a um passageiro apenas! E a entediante espera pra Caracas porque nosso avião só sai às 16 horas. Isso se não atrasar mas, aleluia, parte no horário. Quando chegamos a Caracas esperamos 40 minutos pelas bagagens, mais o traslado até o hotel que, devido ao horário do rush, consome quase uma hora de viagem. Amanhã embarco cedo pra casa encerrando este magnífico trekking a um dos lugares mais lindos do planeta!! 

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