Embora tenha chovido durante a noite, o dia
amanhece apenas nublado. O acampamento situado no encantador bosque entre a 2ª muralha e o Dragon, faz com que eu durma e acorde ao som do barulhinho
gostoso da correnteza do rio situado a 20 metros de minha
barraca! O Dragon é um
dos afluentes do Churun, responsável pela formação do canyon del Diablo. A colossal garganta corta o tepui no sentido sul-norte, dando-lhe um formato de Y visto de cima. A passarada assanhada não para de trinar. Deve
estar, no mínimo, curiosa com nossa movimentação aqui embaixo, afinal Auyantepui
não é point turístico bombado como o Roraima. Converso com Antonio, meu porteador,
enquanto espero nossa partida. Com 23 anos, é casado desde os 16 e tem 2 filhos:
uma guria e um guri. Trabalha desde os 8 e já
subiu ao Auyantepui 52 vezes porteando carga!! Orgulhoso, gaba-se de que
pode carregar até 70 kg mas o normal é 30. Na aldeia de Uruyen, planta feijão,
arroz e mandioca. Aponta pra uma palmeira e explica que se chama san pablo,
usada nos tetos das casas e trançada tantos por homens quanto por mulheres.
Também são usadas
outras espécies de folhas de palmeiras como kukurito, ceja e moriche,
durando os tetos em média 7 a 10 anos. Saímos bem cedo, 7:20, porque a pernada
até o próximo acampamento é, segundo os guias, duríssima. A escalaminhada até o
topo da 2ª muralha mostra-se, de fato, bem ríspida, encarando-se inclusive paredão
bem exposto que a mim deu medinho. Mas a beleza do mundo encantado das pedras e
dos musgos suplanta qualquer cansaço! Na metade da subida, a espetacular visão do
rio Dragon e adjacências é emocionante. Inacreditável que possa existir tanta
belezura no topo deste tepui. Quando terminamos o ascenso e alcançamos a tão sonhada
(por mim) 2ª muralha, as dificuldades não param. Aí é que se tornam mais e mais
exigentes, deveras cansativas. Tudo por que temos pela frente quilômetros de campos cobertos por
pequenos arbustos e altas gramíneas. Embora seja
terreno plano, em nada se compara com
aquilo que pensáramos ser difícil só porque tinha que ser escalaminhado. O
terreno coberto de areia e material orgânico é fofo tal qual um colchão o que
torna super estafante a pisada. Mas o pior está por vir quando se adentra as
zonas de bosques. O que era até então fofo mas seco se torna pantanoso. O
coitado do espanhol enfia umas das pernas na lama até a altura do joelho. Por pouco
a Cannon dele não é sugada por aquela meleca preta. É um outro mundo este, situado além da 2ª muralha. Não tem nada a ver com o que vimos há 2 dias atrás quando chegamos no topo do
Auyan: colinas a perder de vista cobertas uniformemente por espessa vegetação,
num emaranhado formado por diversos tipos de vegetação arbustiva. Dentre as flores,
destaca-se pela delicadeza a carnívora heliamphora pulchella. Mais um
bosque com solo pantanoso e outro campo sujo onde cruzamos o leito quase seco dum
rio que exige cuidado porque o lajedo está escorregadio. Por duas vezes somos obrigados, por causa
duma merda de chuva que não deslancha, a tirar os impermeáveis da mochila pra
cinco minutos depois recolocá-los de
volta na bolsa. Caminhar no terreno fofo, puta que os pariu e deus que me perdoe, é pagar
penitência tamanha a dureza do esforço exigido. Mil
vezes preferível escalaminhadas, por deus! Ao meio-dia, já com quase 5 horas de
caminhada, chegamos no acampamento Lomita à beira do rio de mesmo nome cujas
águas são deliciosamente alaranjadas. Esta coloração se deve à reação do tanino
contido nas plantas com a água. Exausta de enfrentar o tal terreno fofo até me
permito descansar um pouco escorada numa parede rochosa enquanto espero o almoço ser
preparado. Terminada a refeição, mais desafios a enfrentar na trilha: um tronco improvisado fazendo
de ponte sobre um córrego demanda cautela. Eu sempre com medo de cair, fico toda
orgulhosa quando consigo transpô-lo sem muita frescura. Após o almoço, o sol
acena num vai e vem caprichoso entremeado pela persistente garoa. Contudo,
predomina céu encoberto. Mais 1 hora e meia de pernada e chegamos, aleluia, a
uma baixada onde se encontra o acampamento Neblina (1.820 msnm). Como sempre os
acampamentos são preferencialmente escolhidos ao lado dum rio. Este não foge à
regra porém suas águas são comumente escuras. O dia pode ser considerado duro:
8 horas lutando num terreno entre o fofo e o pantanoso cansa as pernuchas, tá ligado?
Novamente improvisam um toldo de lona
pra proteger cozinheiros e
comida já que a intermitente garoa não dá folga. Fico conversando com Mario e
descubro que sua mãe muito católica vai à igreja orar pela segurança dos filhos
(ele tem um irmão gêmeo que também trabalha como guia) tanto quanto saem pra
trabalhar como quando retornam. Não sou católica mas aprecio
essas estórias de devoção. Pra repor as energias consumidas nas estafantes 8 horas de
caminhada, é servida na janta massa al sugo e a indefectível porém
gostosa sopa de legumes com queijo aos pedaços. Recolho-me cedo à minha “casinha”, porque o corpo implora, geme, pelo descanso na posição horizontal.






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