Mucha moneda, poca plata, assim é a moeda
venezuelana, o bolívar. Ao câmbio oficial 1 dólar vale em torno de 230 bsf.
Porém no câmbio paralelo pagam 550 bsf por una doleta. É um horror transacionar
com esta moeda. Só são emitidas cédulas de 50 e 100 bsf. Tanto que o
papel-moeda vale mais que seu próprio valor nominal. Não há cédulas velhas, são
todas bem novinhas, porque o governo está sempre emitindo mais e mais grana.
Dessa forma, um bolo de dinheiro com uma altura de 5 cm compra apenas uma dose
de rum! Tem de se andar
com uma sacola grande pra acomodar a dinheirama que
pouco vale diante da odiosa inflação. A política cambial venezuelana (leia-se
chavista) é absolutamente perversa, tanto que sou advertida para evitar compras
com cartão de crédito. Isso porque, aqui, ocorre a proeza bíblica da
multiplicação dos pães: por exemplo, uma compra de 1.600 bolivares (equivalente
a 3 dólares) feita no cartão de crédito, resulta num valor próximo aos 130 dólares
a ser debitado na tua fatura mensal! E, nas duties free da área internacional
do aeroporto de Caracas, dólares não são aceitos, apenas bolivares, alcunhados
pelo falecido Chaves de "fuertes"....seria cômico se não fosse
trágico! Bueno, essas recomendações são feitas por Henry, no sábado, durante o
almoço num restaurante especializado em arepa, tradicional prato regional. A
comida consiste num pão de milho, recheado com vários tipos
de carnes, legumes
e queijos. Escolho uma arepa com carne mechada (carne desfiada com molho
picante), abacate e queijo branco. Às 15 já estamos na ala nacional do
aeroporto embora o voo saia somente às 19 horas. A cautelosa antecipação é pra
evitar a prática do overbooking, feita na cara dura pelas companhias aéreas.
Aguardam-se 4 horas num aeroporto bem xinfrim (se fosse bacana até compensaria
a longa espera) para voar 1 hora até Puerto Ordaz onde pernoitamos. Cedinho,
7:30, já estamos no busão em direção a Ciudad Bolivar onde pegamos 3 avionetas
do tempo de Saint Exupery. Aqui já começa a aventura! Na nossa, há 6 assentos.
O piloto, Carlos, maneja com perícia o balouçante veículo. As turbulências,
quando as há, são leves. O céu alterna corredores nublados com espaços abertos
donde vejo enquanto nos afastamos de Bolívar as casas diminuindo de tamanho e o
rio Orinoco passando ao largo desfilando suas águas amarronzadas. Voando a
uns
1.000 metro de altura, dá pra distinguir bem a paisagem. Relevo, inicialmente,
plano, monótono, com vegetação predominantemente arbustiva. Impactante a
desfiguração provocada pela construção da gigantesca usina hidroelétrica de
Guri, no limiar da floresta amazônica. Após 50 minutos de voo, a espessa
vegetação da floresta amazônica começa a dar pinta. Aqui e ali, pontos amarelos
e rosados quebram o predomínio do verde. Ao passar pelo rio Carrao, a
devastação causada pela mineração é desoladora. De repente, na paisagem plana,
os tepuis começam a aflorar, espocando tal pipoca no solo. Majestoso é pouco
pra descrever a belezura desse tipo de elevação, em forma de meseta, com
paredes verticais, cuja altura varia de 2 mil a 2.900 metros. Paramos na aldeia
Kamarata para deixar 2 caixas de papelão com comida (o cheiro é muiiitoooo
bommm). O piloto desce e as entrega a um índio que, juntamente, com sua mulher,
estão esperando a encomenda sentados em sua motocicleta. Quando aterrissamos,
em Uruyen, até eu bato palmas!! Que deu um pouco
de medo de voar na tal
avioneta, ah, isso deu! Uruyen é uma das tantas aldeias indígenas pemones,
localizadas no setor ocidental do Parque Nacional Canaima. O lugar conta com 8
ou 9 casas de adobe em formato de oca, feitas pela comunidade cujos tetos de
palha exibem elaborados trançados. A paisagem que se desfruta de qualquer lugar
onde se esteja é a da magnífica face sudeste do Auyantepui e de suas encostas
revestidas de vegetação. Com altas muralhas formando recortes variados, sua
superfície alcança 700 km², motivo por que é de longe o maior de todos tepuis
existente no globo terrestre. Daqui da aldeia, já dá pra perceber a maravilha
que vai ser essa pernada. Atrás de nossa casinha, corre o rio Yurwan de águas
cristalinas. Esta região onde estamos chama-se vale Kamarata, rodeado por
dezenas de outros tepuis além do Auyan. A Venezuela detém a maioria dos tepuis
do planeta: 115! A maioria localiza-se aqui no Parque Nacional
Canaima. O restante – 140 - estão distribuídos pela Colombia, Brasil, Africa e
Australia. O mais alto tepui do
planeta é o Roraima onde já estive há um par de
anos. No almoço, preparado pela pemone Dulce, é servido arroz, peixe e salada.
E um tempero muito apreciado pelos pemones, o kumate. O molho é obtido mediante
um complexo processo em que se misturam aji e yuka. Dependendo da tribo, são
acrescentados, cupins, formigas ou peixes. Pura proteína, tá ligado? Eu adorei
o ardido tempero. Os pemones que habitam o vale Kamarata pertencem à tribo
Kamarakoto. Na dinâmica política dos pemones, o líder máximo é chamado
capitão-general (?!!), já nas comunidades, o manda-chuva tem a patente de
capitão (por tupã, não entendi e também não conseguiram me explicar o
motivo de os índios terem adotado a hierarquia militar dos brancos).
Conversando com um dos pemones, comento sobre os efeitos deletérios causados
pela mineração. Ele conta que tal atividade econômica foi estatizada, porquanto
eles próprios se indignaram com o impactante sistema de extração do ouro usando
máquinas e mercúrio. Exigiram do governo a proibição desse tipo de garimpagem.
Atualmente, os indígenas continuam a exploração aurífera mas no sistema
antigo
de bateia que não polui o ambiente. Um breve descanso após almoço (meu
descanso foi arrumar e desarrumar minhas tralhas num frenesi compulsivo que nem
20 anos de terapia têm conseguido resolver) e tocamos rumo ao canyon do rio
Yurwan. Calor na medida certa, céu pintalgado de nuvens fofas, tipo flocos de
algodão, usufruo da visão desbundante do poderoso Auyantepui durante toda a
pernada. O paredão cheio de pontas irregulares em seu topo lembra uma muralha,
sobressaindo entre a compacidade rochosa algo semelhante a um gigantesco
portão, como aqueles dos castelos medievais. À esquerda, outra escultura nas
rochas remete às torres de vigia. Resguardado está o pétreo feudo! Depois de
atravessar um trecho de savana, penetra-se numa mata que tem como limite a
superfície lindamente amarelada do rio Yurwan. Não há como resistir a um
tchibum nas águas frescas onde, infelizmente, a pulseira de prata que enfeita
meu pulso direito é
reivindicada por alguma entidade.....será? Se for Yara, que
faça bom proveito....arghhh!! Atravessamos o rio e continuamos a caminhar ao
longo do verdejante bosque até um brete de tirar o fôlega cujas paredes bem
próximas uma da outra tornam o local escuro como aquelas antigas igrejas
católicas (lembrei demais da garganta Kaigangue, localizada em Praia Grande/SC).
O brete desemboca num lago circundado por paredes rochosas de 20 metros de
altura donde despenca uma cachu cujo jorro d’água retumba no anfiteatro de
pedra. Fico desbundada, nunca tinha visto algo igual. A pernada de retorno se
dá quase ao entardecer, motivo por que apuro o passo já que não trago lanterna
na mochila. Vou pro meu quarto assim que termina a janta, dessa feita,
preparada pelos guias. Não demora muito chegam os dois belgas com quem divido o
quarto. São tranqüilos e custo um pouco a dormir porque minha cama sem
mosquiteiro não me protege das baratas que insistem em dar rasantes sobre meu
rosto. Não resta outra alternativa, a não ser sair a cata dum filó pra me proteger das
cucarachas.....hehe.







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