quinta-feira, 11 de fevereiro de 2016

O dourado Dragon

Aqui, no topo do Auyan, talvez porque menos distante do céu (hehe) há bem mais concentração de nuvens do que no vale, porém sem qualquer vestígio de cerração como ontem durante a manhã enquanto escalaminhávamos a parede sul buscando o topo do tepui. Terminado o desaiuno, saímos do acampamento El Oso, por volta das 8 horas, em direção ao Dragon, nosso próximo ponto de pernoite. Inicialmente caminhamos por uma superfície rochosa basicamente plana. Apenas dois trepa-pedras envolveram certas habilidades para transpô-los. Comparado a ontem, a pernada é trifácil, mamãozinha com açúcar como se diz na terrinha. O tempo meio caprichoso, ora se mostra ensolarado ora nublado. Se chover, tô nem aí, eu tô na paz, eu tô na boa!! Tão feliz me sinto que não resisto ao som que sai de meu IPod (Los Hermanos, adooorooo) e me ponho a dançar! À medida que avançamos mais visível é a 2ª muralha, avolumando-se a nossa frente enquanto a 1ª se amesquinha, tornando-se cada vez menos perceptível. Entramos numa mata fechada, cheia de sinuosas curvas, num sobe e desce ininterrupto conhecida como labirinto, motivo por que os guias advertem que devemos caminhar juntos uns aos outros, sob risco de nos perdermos. Colo atrás de Ricardo, bem coladinha...vá que algum fauno queira me sequestrar, hein?! De repente, não mais que de repente, numa dobra da mata, uma visão ex-ta-si-an-te: as douradas águas do rio Dragon cercado por margens cuja areia é ro-sa-da! Paralelo aos dois, bosque e rio, impõe-se a sombra poderosa da 2ª muralha. A floresta é linda com arbustos e árvores de mais ou menos 5 metros de altura. Hospedadas nos troncos das árvores diversos tipos de bromélias e no solo um tapete de folhas secas. Ao parar pro almoço, no acampamento Lecho, descemos à margem do Dragon. Os belgas ficam desconsertados diante desta senhorinha de ½ idade que sem pudores toma banho da forma com que veio ao mundo. Enquanto a francesa depila os sovacos e o padrasto faz a barba rola um bate-boca da parte dela, que se mostra indignada, sabe-se lá o motivo. No almoço, comemos salada de massa com atum, cebola e pimentão verde. Do rio avista-se a poucas centenas de metros o maciço paredão da 2ª muralha. Continuamos a pernada bosque adentro cuja beleza me deixa a cada curva da trilha mais e mais encantada quando então chegamos às 14 horas no acampamento Dragon (1.765 msn), como o Lecho, também situado às margens da alaranjada correnteza do Dragon. Organizo minhas coisas dentro da barraca e trato de matar o tempo até a janta indo passear ao longo do leito seco do rio, um extenso lajedo  entrecortado por largas gretas. Ao longe, os porteadores lavam louça. Agora 16:10 a chuva que estava de garoa apertou motivo por que interrompo a caminhada abrigando-me na barraca. Uma pena porque eu estava viajando com a visão da 2ª muralha diante de mim cujas rochas em seu topo assumem formatos que os olhos não cansam de inventar. Os guias na improvisada cozinha (uma lona segura por pedaços de pau) já iniciaram os preparativos da janta. Escuto daqui seu conversê mas nem eles tampouco os pemones fazem frente à tagarelice dos belgas, imbatíveis na charla! O dia de hoje foi o de mais curta distância e o menos fatigante tirando alguns trepa-pedras e uma que outra subida mais perrenguenta. Gente, tô decepcionado com o espanhol. Quando o conheci, fiquei toda contentinha supondo que daí resultaria uma parceria legal em razão da similaridade entre nossos idiomas já que os demais falam francês. Qual o quê! O cara prefere tentar se comunicar naquele seu inglês macarrônico com o resto do grupo, ao passo que comigo dispensa polido tratamento, é vero, mas super convencional do tipo “buen dia...buen apetite” e congêneres. Se bate papo 5 minutos por dia é muito!! E não estou exagerando, não!! Mais, nunquinha manifesta a mínima curiosidade sobre o Brasil. E sempre que tento contar algo sobre Pindorama, o espanhol, após prestar 10 segundos de atenção, se escafede junto a seus irmãos europeus! E nem se fale que a língua seja um empecilho, não é mesmo? Meu contato com os demais membros do grupo é superficial porque não falo francês. Somente Bernard e Antonio conseguem se comunicar relativamente bem em inglês. O coitado do Jean Jacques tenta recordar a duras penas o que aprendeu no colégio há mais de 30 anos. Apesar dessa limitação na comunicação não me sinto isolada porque quando quero conversar um pouco mais procuro a companhia dos guias. Os membros do grupo são bem diferentes entre si. Jean Jacques embora fale alto e fisicamente lembre um ursão devido a sua espessa barba, é fofo, o tipo do cara bom. Bernard, fisioterapeuta, é o líder, quem organiza as viagens e orienta os colegas nas passadas mais difíceis durante as escaladas, o típico doutor sabe tudo. Ed, cuidador de idosos, exibe aquele perfil de cara que entra mudo e sai calado. Padrasto de Cynthia, os dois, aparentemente, se dão bem e cuidam um do outro. Michel, militar, belos olhos azuis, é o bonitão da turma. Joaquim, policial civil, não consegue disfarçar a atração que sente pela francesa. Antonio, italiano de nascimento, vive na Bélgica desde criança. Fala com fluência inglês daí por que assume naturalmente a função de intérprete. Enfim, Cynthia, 28 anos, advogada, magra, bonitinha. Por isso, e por ser a única integrante feminina de seu grupo, é super paparicada. Tentei no início enturmar com ela mas ao cabo dos dias ela não demonstrou muita simpatia em confraternizar embora arranhe espanhol e inglês. A única vez que se dirigiu a mim foi pra perguntar minha idade. Fazer o quê, né? Em compensação, os homens são prestativos e bem agradáveis no trato....vive la différence!!
 

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