sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Os vales de Dangochang e Takethang

A poderosa correnteza do rio Paro e o tlim tlim do sininho, pendurado ao pescoço da madrinha da tropa de mulas, são os únicos sons audíveis no silêncio desta fria manhã de sexta-feira em que o termômetro marca 9º C. Quando levanto pra ir ao banheiro, o muleiro já atou os embornais aos focinhos do bichos, contendo a ração diária, preparada, caprichosamente, em parcimoniosas porções arredondadas. Nublado permanece o céu desde ontem à tarde, embora a concentração de cerração localize-se mais a oeste, enquanto a leste rola uma chance de o céu abrir – quem sabe - no decorrer do dia, já que são apenas 7 e 30 da manhã. Após o desjejum, servido ao ar livre, numa mesa armada ao lado da stupa, seguimos, como de hábito, eu e Jigme, à frente, deixando para trás os três rapazes. Alegres, arrumam a matalotagem, enquanto Sonam diz qualquer coisa naquele estranho e gutural idioma que os fazem rir muito. Perceptível a influência do cozinheiro sobre o pequeno grupo, incluído aí Jigme, formalmente o líder da expedição. Acontece que o cozinheiro é muito mais malandro que os três juntos. Tem um jeito vivaz e senso de humor. Escuto à noite de minha barraca, quando já deitada, os outros dando risada do conversê dele. Em breve, nos ultrapassarão, juntando-se a nós, então, Wangyel, responsável por carregar a mochila que contém o almoço. O caminho através da floresta é praticamente pavimentado por pedras à semelhança do de Itupava. Morre aqui, entretanto, tal semelhança, porque, graças a deus, as pedras não são escorregadias como as da serra paranaense, fazendo com que a gente leve, não um, e sim, vários tombos durante a pernada. De fato, Itupava é pra fazer uma só vez! Saímos da floresta e entramos no vale de Takethang, vale este não muito largo, cujas encostas de montanhas exibem as partes superiores pintalgadas de neve. A exuberância dos bosques de pinheiros cede lugar a uma paisagem econômica, onde crescem arbustos de pequeno porte, distinguindo-se o sailex em cujos galhos finos, já desfolhados, restam uns pequeninos frutos vermelhos. O solo coberto por gramíneas é um pasto natural pros rebanhos de yaks que já se avistam amiúde. Alguns dos animais, os melhores, têm, pendurados, nos cornos, penduricalhos confeccionados com o próprio pêlo, tingidos de vermelho. Algumas flores de caule longo lembram as sempre-vivas dos nossos cerrados! Uma breve pausa para o almoço, ótimo, como sempre. Sonam se puxa no cardápio. Não repete os pratos embora lance mão dos mesmos ingredientes. A comida forte, apimentada, vem a calhar já que aquece o corpo neste dia tão friorento. Pra aumentar a baixa sensação térmica, o céu, que mostrou há bocado pedacitos azulados, permitindo a passagem de fugidias nesgas de sol, volta a ser toldado de cinzento. Vez por outra minúsculos flocos de neve caem. Bandeirolas coloridas de orações budistas enfeitam não só os parapeitos de algumas pontes como tremulam diante das poucas casas pertencentes aos pastores de yaks. E, claro, sempre presentes ao redor das brancas stupas, construídas até nestes cafundós. Percorrendo agora o vale de Dangochang, crianças chamam minha atenção. Seus belos olhinhos amendoados miram curiosos a curiosa turista. Não resisto e eis-me a sacar fotos dos pimpolhos. Nada tímidas posam, todavia, sem afetação alguma! O termo certo pra definir suas posturas seria compenetradas. Conforme ganhamos altitude, menos impetuoso se torna o rio Paro, ganhando ares de quase languidez se comparado ao frenético turbilhonar de sua correnteza quando rasga a floresta. A quantidade de yaks pastando evidencia a importância destes bovinos como um dos suportes econômicos de milhares de famílias, produzindo leite, queijo e chugo. Este último vem a ser uma iguaria típica, resultante da solidificação do leite da nak (fêmea do yak). Cortado em pequenos retângulos parece bala de côco. Mas só na aparência porque o gosto sabe a sebo...arghh!! Ah, e tem mais! De seu pêlo, farto e grosso, são tecidas cordas, assaz resistentes. Os pastores de yaks, por força do desaparecimento da forragem durante o inverno, se tornaram nômades. Conduzindo seus rebanhos, migram até as terras baixas onde sobram pastagens. Trocam então, queijo, manteiga e chugo por outras mercadorias, sobrevivendo até o início da primavera, quando então retornam às terras altas onde a pastagem voltou a crescer abundante após o degelo da neve sobre o solo. Muitas famílias constroem toscos refúgios de pedras cobertos com uma lona onde vivem durante o verão e outono. Se uma família tiver mais de 100 yaks, é considerada pelos padrões butaneses ricas, tá ligado? Além da pecuária, a agricultura é outra fonte de renda, destacando-se a cultura do arroz, seguida pela do milho, trigo e cevada. Contudo, a principal fonte de riqueza do país é a venda de energia hidroelétrica à Índia. Como santo de casa não faz milagre, em muitos locais, a eletrificação ainda não foi implantada. Mas os butaneses, com maior poder aquisitivo e idéias mais afeitas à modernidade, investem em energia solar, motivo pelo qual testemunho sobre o telhado de 3 casas as tais placas solares. Já a telefonia celular alcança praticamente todos os rincões. Pode faltar luz, mas de celular ninguém se priva! Prova disso é a inconfundível silhueta metálica da torre de telefonia móvel, encarapitada no cocuruto duma montanha, próxima a Soe Village. O pequeno agrupamento de casas, que cresceu no meio do vale, ganhou o status de vila e adquiriu assim o direito de ter construídos escola, hospital e, como não poderia deixar de ser, um centro veterinário, em função da intensa atividade pecuária que rola na região. A partir deste vilarejo, a trilha é praticamente plana até o acampamento, situado às margens do rio Paro, aqui reduzido a um pequeno filete d’água. Estrategicamente escolhido, o local, empinado a 4.080 m de altitude, queda aos pés do pico principal do Jomolhari. Pertinho, encontram-se as ruínas de Jango-Dzong (dzong significa fortress), que pertenceu a um dos muitos reinos existentes no país antes de sua unificação, no século XVII, pelo venerável Zhabdrung Ngawang Namgyal, um lama tibetano budista. Merda....fiz uma puta contratura no quadril direito. Primeira vez em trekking que sinto tanta dor na lombar. Após o chá da tarde, durmo um pouco, já que o frio de 1º C me faz desistir de continuar a leitura. Folhear livro com luvas é muito chatooo!! Quando sou chamada por Wangyel para a janta, uma lua crescente e algumas estrelas brilham no céu....obaaa!!! Será que amanhã conseguirei ver o Jomolhari? Hoje não rolou, infelizmente. O tanto que vi foi a pálida visão acinzentada duma parte de seus flancos. E olhe lá!

4 comentários:

Miriam Chaudon disse...

Bonitões os Yaks, não é mesmo?

Beatriz disse...

fofésimos!! mas as mulas têm ainda a minha predileção!!

Miriam Chaudon disse...

Hahaha! Apaixonou-se pelas mulas! Elas lhe conquistaram pelo olhar ou pela dentadura?

Beatriz disse...

tanto pelo meigo olhar qto pelos vigorosos dentões!