terça-feira, 8 de novembro de 2011

Correndo atrás dos asnos!

Não consegui aquecer meus pés durante a noite por causa do frio danado que fez e continua fazendo embora já sejam 7 e 30 de la matina! Em compensação, a manhã faz-se ad-mi-rá-vel!! Um céu abertaço, sem quaisquer fiapinhos de nuvens. O fofo do Wangyel me chama pra avisar que o Jomolhari se encontra livre e desimpedido de nuvens. Enfim, elas se mandaram de seu cume, ebaaa!! Coisa boa poder apreciar, finalmente, em sua inteireza, este magnífico 7 mil. Fotografo-a a beça, descendo inclusive até a ponte pra tentar obter uma melhor visão!! Saída do acampamento Stupa às 8 e 30, percorrendo uma floresta de coníferas que, banhada por faixas de sol, adquire alegres e novas nuances de sombra e luz. O chão coberto pelas finas folhas cor de ferrugem dos cipestres destaca ainda mais as azuladas águas do rio Paro. Praticamente uma descida este retorno a Shana, pouquíssimos aclives tenho de enfrentar. E os que há tiro de letra. Aclimatada estou de sobra ainda mais agora que estou descendo. Um aroma gostoso de menta exala dos pinheiros. E o frio não dá mole não, tanto que, após 1 hora e 30 minutos de caminhada, continuamos vestindo jaquetas de pluma. Onde houvera terra fofa e poças d’águas resta uma superfície congelada e escorregadia. Jigme pára diante duma bifurcação e explica que esta estradinha secundária conduz ao Tremo La onde, ao norte, se encontra a fronteira do Tibete. Já houve casos de guias - acrescenta o jovem - que, por não conhecerem bem o caminho até o Jomolhari, se enganaram e levaram o grupo até as bordas do território ocupado pelos vilões do momento, os chineses. Neste ponto da fronteira, é permitido o escambo uma vez por dia entre os locais de ambos os países. Após quase 3 horas de pernada, um presente! Ao sair da floresta e entrar numa clareira, eis à frente um belíssimo passo de montanha super largo, coberto de neve, chamado Zeli La que conduz, é claro, ao Tibete. Afinal, estamos a não mais que 30 km deste país! E o tráfego de mulas é intenso pois expedições vão e vêm do Jomolhari. Nidup e Sonam, quando não estão tangendo nossas queridas mulas, soltando gritos guturais, cantam canções folclóricas com grande vigor. Dhendup os acompanha sacudindo seu longo e peludo rabo, correndo vigilante ao lado dos animais. O cão mora em Jangothang onde Nidup nasceu e vem acompanhando seu dono desde lá. E atrás deles, eu, correndo e filmando a cena. Parece que tenho 10 anos eu! Muito vibrante o trecho do rio Paro entre Shana e Thangthangkha onde há uma maior quantidade de corredeiras e diversas pontes feitas de troncos de árvores bem rústicas encimadas pelas coloridas bandeirolas de orações budistas. Esta parte da trilha recebeu amplo calçamento de pedras. Tudo porque a floresta, aqui mais densa e úmida, não permite a entrada generosa dos raios solares de modo a secar o solo encharcado de chuva e neve. Mas não só por isso recebeu tais cuidados. Esta estradinha, que nem pode assim ser chamada pois não passa duma tosca trilha, é rota que liga vários povoados a Paro, a segunda maior cidade do país. Acautelo-me onde ponho os pés. Afora o lamaçal, há tanta mas tanta bosta de mula e cavalo que periga a gente também escorregar na merda, hehe. O dia esplêndido sem um risco branco de nuvem no céu....aleluiaaa!! Meio-dia paramos pro almoço. Nos dedos atacados pela psoríase há pequenos cortes que sangram e doem pra caramba, em especial quando pego algo, no caso, o garfo para comer. É sempre assim quando estou em lugares altos e frios. Fazer o quê, né? O jeito é pôr pomada, encher os dedos de bandeide e tocar pra frente. Jigme pede licença pruma mocinha que lava roupa em frente a uma casa, e, assim, lá entramos pra que eu conheça uma moradia autenticamente butanesa. A casa com três peças, todas escuras, é super humilde, sem nenhum conforto. O proprietário, além de dono de cavalos, administra uma pequena mercearia. Quando, penalizada, comento com Jigme quão pobres são, o rapaz dá um sorrisinho irônico. Após breve pausa (acho que foi pra fazer suspense), diz que a família é rica!! Tudo porque não tem onde gastar o dinheiro ganho...dá pra acreditar? E moram num tugúrio! Isso será por eles serem budistas ou apenas ignorantes? Tanto a eletricidade quanto a estrada, uma larga faixa de chão batido, acabam em Shana. Aliás, a estrada, em processo de melhorias, tem como trabalhadores somente indianos. Como venho observando, essa gente tem intensa participação não só no campo militar como em outros aspectos da vida econômica do país. Mas não vamos parar em Shana porque, segundo Jigme, Zang Gi Pan, onde iremos acampar, fica mais perto de Paro e conseqüentemente nossa caminhada amanhã será mais curta. É pernada que não acaba! Já bem irritada porque não chegamos nunca, nem tento disfarçar meu descontentamento. Ademais estou super cansada pois vinda dum trekking que perfez até o momento 106 km! Só ontem no passeio a Choro foram 20 km. E lembro agora que Jigme revelara ser essa sua segunda guiada. Tá explicada a pouca prática do guri! Imagina se tem cabimento caminhar muito num dia pra poupar no outro e logo no último!! Depois de mais de 9 horas de bateção de bota na estrada, chegamos à tardinha no tal acampamento. Lugar cheio de lixo e à beira da tal estrada que os indianos estão construindo. Nem o visual salva! Repreendo Jigme sobre a desnecessidade de a gente ter caminhado tanto hoje. Ele só sabe dizer I’m sorry, fazendo cara de compungido. Durante a janta quando me olha é com o rabo dos olhos pra rapidamente abaixá-los. Provavelmente, sente-se envergonhado. Já rateou duas vezes comigo, hehe. Estou exausta tanto que terminada a janta, vou deitar. Sem condições pra conversinhas como habitualmente faço. E fico com pena de não poder curtir mais a lua divinamente branca no céu desembaraçado de nuvens!! Mas enfim o corpo véio pede um descanso urgente. Tudo tem limites!

2 comentários:

Miriam Chaudon disse...

Que fotografias maravilhosas!!! E realmente, as montanhas devem ser habitadas por seres iluminados!

Michel disse...

Saudações de Minas Gerais!

Estou muito impressionado com suas viagens, isto é um grande sonho e trabalho! Tenho vontade de poder fazer estas viagens, mas das que você fez até hoje só fiz a Pedra da Mina em Passa Quatro - MG, não é nada fácil ainda mais você que fez a travessia toda. Manda muito!!!

Encontrei seu blog pesquisando sobre o voluntariado em Torres del Paine. O que vc tem a dizer sobre este programa de voluntários ?

Continue trabalhando seus sonhos e que tenha muita luz e bons joelhos! voltarei pra ler mais vezes o seu blog, seu estilo de escrita é bom de ler!

Grande abraço.
Michel Curi