domingo, 13 de novembro de 2011

Overdose de templos

Manhã enevoada e fria. Depois do café da manhã, visita a dois importantes monastérios. Vamos de carro primeiro até Tamshing Monastery, datado de 1501 e fundado por Pema Lingpa, discípulo do guru Rinpoche. Atualmente, moram nele 95 monges, entre órfãos e crianças, todos muito pobres cujos pais não têm condições de suportá-las mesmo em escolas públicas. Por falar em Rinpoche, este indiano, considerado reencarnação de Buda, nasceu segundo a lenda, numa flor de lótus, já no corpo taludo dum guri de 8 anos. Fundador da escola tântrica do Budismo, adotada no Butão, Rinpoche tem oito manifestações ao passo que Buda exibe três: passado, Amitaba (segurando uma bola nas mãos); presente, Shakyamuni e futuro, Mytria. Até a vinda de Rinpoche, no século VIII, o Butão não tinha o budismo como religião. Habitado por nômades que migravam ao sabor das estações com seus rebanhos de yaks, comum a prática de rituais primitivos. Entramos no monastério e dentro do pátio interno que conduz ao templo, o cântico matinal dos mantras se faz ouvir. Como é lindo esse som!! Pema também nos acompanha e quando estamos percorrendo um escuro corredor vejo quem carregando um pesado manto feito com argolas de metal? Pema! Cumpridas as regulamentares três voltas, ele pousa-o sobre uma pedra onde fica sempre à disposição dos fiéis. Logo a seguir, Jamyang, magrinho de dar dó, cumpre sua obrigação de bom budista e dá suas três circuladas carregando os 25 kg do xale metálico. O ritual serve para amenizar a quantidade de pecados existentes no ser humano. Deixamos o lugar e seguimos a pé eu e Jamyang por uma estreita trilha ao longo do Chamkhar Chhu, um dos maiores rios do país onde se pratica rafting e canoísmo no verão. Pra delírio dos maconheiros brasileiros, pés de maconha nascem ao longo da estrada como se fosse inço, tá ligado? Após uns 40 minutos de caminhada, surgem os muros brancos onde, na parte superior, 108 pequenas stupas, no estilo tibetano, indicam que ali se encontra Kurje Lhakhang. Importantíssimo monastério este porque aqui se encontram impressões do corpo de Rinpoche. Uma água que corre um pouco abaixo do monastério, considerada sagrada, é procurada por cancerosos que crêem em seus poderes curativos. Tudo porque – murmura a lenda - foi criada pelo guru Rinpoche. No interior de um dos três templos, há uma passagem subterrânea onde o fiel entra por um buraco e sai pelo outro. O trajeto deve também ser percorrido três vezes à semelhança do ritual do xale. Tudo pro camarada abater um pouco seu débito de pecados e diminuir o número de reencarnações. No primeiro templo, belíssimas esculturas das oito manifestações de Rinpoche e das três de Buda. Depositados diante do altar, onde estão as divindades, jazem dezenas e dezenas de pequenos potes dourados contendo água sempre renovada a cada manhã. Depositados diante dos altares cédulas de ngultrum e de dólares. Se fosse no Brasil, não sobrava um níquel pra contar a estória. Jamyang nunca deixa de depositar nem que sejam 100 ngultrum a cada vez que entra num templo. Do Kurje Lkhakhang seguimos caminhando até o Jambay Lhakhang. Caceteada de tanta informação fornecida pelo tagarela do Jamyang, necessito urgente duma chávena de chá pra restaurar minhas forças. Num dos quiosques da feira, entramos e Pema junta-se a nós. Três mulheres na mesa ao lado bebem cerveja e comem momo. O plano hoje é um almoço numa fazenda pra comer a típica comida butanesa. Como se eu já não a conhecesse durante todos esses dias de permanência no país! A casa, confortável pros padrões deles, tem uma tevê que funciona mal e quartos pra serem alugados pra turistas. E, sinal de status, uma sala exclusiva destinada às orações com altar e tudo! Jamyang verte duma linda garrafa feita de bambu com enfeites de prata uma dose generosa de ara pra nós três. De excelente qualidade, adquiro uma garrafa pela módica quantia de 100 gnultrum ( 5 pilas). Dos vários pratos servidos, eu só não conhecia o queijo frito e um tipo de iogurte feito com leite de yak, levemente azedo, que acompanha as refeições. Bom demais o gosto dessa bebida láctea. Jamyang que, desconfio, já bebera alguns copinhos de ara na feira afora o entornado aqui, inicia um papo chato. De que é de bom tom presentear a dona da casa com algum mimo. Cansada que estou de caminhar de templo em templo, escutando ele despejar informações sem nem mesmo parar pra respirar, surto! Quando pela quarta vez ele repete a cantilena do “não é obrigada, Bi (me chamam assim), mas seria bom dar algo em sinal de gratidão à dona da casa”, levanto a voz, já irritadíssima, e mando ver. Pergunto-lhe se pensa se eu sou estúpida já que está repetindo pela quarta vez tal tema. Fica aquele silêncio bicudíssimo. Fazer o quê! Só assim consegui dar um stop nele. Terminado o almoço, dou um rolê pelo festival, liberando tanto Jamyang quanto Pema. Quero ficar um pouco solita, em silêncio, sem ter que prestar atenção no falatório de Jamyang que já me irritou o suficiente por hoje. Último dia do festival, rola a tradicional benção dada pelos monges ao povo que forma uma quilométrica fila. Já os turistas têm o privilégio de serem abençoados sem ter de enfrentar grandes esperas. Cansada e com frio, dou por encerrada minha participação no festival e venho pro hotel onde fico no refeitório o resto do dia. Tudo de bom usufruir o calor irradiado pela salamandra, a internete funcionando bem e um chazinho pra bebericar enquanto lá fora a chuva pipoca no telhado. O que quero mais da vida?

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