quarta-feira, 2 de novembro de 2011

O mandingueiro falo butanês!

O pequeno reino do Butão, menor que o estado do Rio de Janeiro, tem como religião oficial, o budismo, introduzido no país no século VII DC pelo indiano Guru Rinpoche. Sua população não ultrapassa os 700.000 habitantes. E a capital, Timphu, conta com a modesta cifra de 60.000 almas. Aliás, a cidade, segundo padrões asiáticos, não passa duma town. Tal classificação se deve à ausência de sinaleiras nos cruzamentos. Nas ruas mais movimentadas, guardas uniformizados, envergando vistosas luvas brancas, comandam o tráfego. A partir do século XX, a teocracia budista, que vinha governando o destino da nação, cede lugar ao poder laico, representado pela dinastia Wangchuck. No início do século XXI, a última monarquia absolutista do planeta dá um adeus ao poder e transforma-se numa monarquia constitucional. O país, com isso, sela, em definitivo, seu novel status democrático, conclamando eleições, realizadas em 2008. Tais ousadias limitam-se, entretanto, ao campo político, já que as tradições mais ortodoxas do budismo permanecem zelosamente preservadas. Prova disso é o fato de serem ainda os monges os responsáveis pela escolha dos nomes das crianças recém nascidas. O idioma oficial é dzongkha, uma das 53 línguas pertencentes à família tibetana e a moeda atende pelo nome aparentemente impronunciável de ngultrum (leia-se niultrom). Ruminando tais informações obtidas no amansa-burro do Google, sou levada de carro até Drugyel Dzong, situado nos arredores de Paro. O complexo de ruínas, datado do século XVII, foi construído pra celebrar a vitória contra uma das muitas invasões do exército tibetano no território butanês. Justo daqui inicia minha "invasão" de oito dias, percorrendo a trilha conhecida como Jomolhari Trekking. Segundo Jigme, as condições climáticas são nada auspiciosas. Meu atencioso guia avisa que está inviável fazer o roteiro original que incluiria uma visita à vila de Lhingzhi e travessia do Yali La, um passo com 4.820 m. Tudo isso devido a prematuras nevascas ocorridas na semana anterior a minha chegada. Há, ressalva ele, a possibilidade – tudo dependendo do caprichoso comportamento climático – de se fazer a trilha Yaktsa, uma rota alternativa. Faço uma prece à Lord Buda, pedindo-lhe que convença São Pedro de poupar dos seus já frequentes ataques de mau humor o território butanês. Tudo pra evitar - tá bem, confesso meus propósitos egoístas - que o trajeto de retorno seja o mesmo da ida. Então, às 10 e 30, sob um céu encoberto, salvo por fugazes instantes em que o sol consegue furar a barricada de nuvens ao seu redor, ponho o pé na estrada larga de chão batido onde trafegam vez por outras alguns carros levantando nuvens de poeira. A temperatura amena dispensa o uso da jaqueta forrada com pele sintética, mas não o uso dum agasalho de fleece. A caminhada seria fácil se eu não estivesse exausta da noite em claro, por conta da diferença do fuso horário. Assim, a pernada torna-se um verdadeiro sacrifício. As fotos são tiradas sem prazer, maquinalmente. Nem curto por onde passo. Só tenho um desejo: chegar ao acampamento pra poder dormir. Mesmo assim, reparo nas stupas com as bandeiras coloridas das preces budistas e numa plantação de nabos onde a camponesa e seu filhinho trabalham com afinco. A nuvem de apatia em que estou envolvida é, bruscamente, interrompida quando, ao passar por uma casa, meus olhos são atraídos – não dá pra ignorar mesmo! – pelo desenho dum big caralho. Metralho Jigme com perguntas assanhadas. O rapaz, sem embaraço algum, explica que o desenho serve pra inibir os olhares invejosos, afastando, dessa forma, os demônios liberados pelas energias negativas da inveja. Simples e genial essa sacada dos budistas! Constranger como forma de proteção. Contra o mau olhado, pau na gentalha invejosa, hahahaha!! Muito boa essa!! Poxa, meu, agora, ao invés de usar figa ou pimenta, vou pendurar uma piroca no pescoço, hahaha!! Saímos da estrada e pegamos uma estreita passagem entre lavouras de arroz. O que sobrou, após a colheita, é apenas um solo revolvido, preparado já para o iminente inverno. Impossível não perceber, ainda que super sonada, a extensa cobertura de pinheiros nas encostas das montanhas. Quando paramos pra almoçar, desabo na grama e tiro um rápido cochilo. Chego a babar tamanho o cansaço! A pior parte, entretanto, é o trecho final. Um sacrifício vencer a infindável uma hora de pernada que me separa de Shana, o lugar onde irei acampar. Por breves instantes, chego a cochilar enquanto caminho. Nunca experimentara essa requintada tortura que é dormir de pé! Quando chego ao acampamento às 15 e 15, me jogo dentro da barraca e durmo até às 18 e 30, quando Jigme me acorda pra jantar. A ceia, deliciosa, conta com 5 pratos: sopa de cogumelos, arroz, espinafre, cogumelos ensopados e peixe acebolado. De sobremesa, maçã amassada com leite quente. De volta à barraca, vejo pontos luminosos atrás de mim. São os olhos das mulas que brilham na escuridão da noite sem estrelas, hehe. Agora já deitada, escuto o cincerro dos animais enquanto se movimentam no bosque, situado a poucos passos de minha barraca. Meu termômetro-bússola-apito marca civilizados 10º C, tanto que meus pés rapidinho se aquecem dentro do saco de dormir. Adormeço mal deito a cabeça no arremedo de travesseiro feito com um monte de roupas tiradas da mochila. A vida, gente, não é de todo ruim, não, hehe!

2 comentários:

Miriam Chaudon disse...

Bea, tinham muitas mulas! Eram quantas pessoas neste trekking?

Beatriz disse...

no meu trekking, só eu. mas outros grupos iam e vinham do acampamento do Jomolhari Peak