terça-feira, 9 de novembro de 2010

Aclimatação em Khare

Sonhei com Praia Grande, mais exatamente, com Maria e Paulo, ambos na cozinha da pousada. O que faziam ou falavam, e se eu estava junto, tampouco lembro quando desperto. Sonho mais prosaico impossível. Duma sem gracice decepcionante. Um céu azul de brigadeiro às 7 e 45, quando deixamos Tangnag, após o desjejum, rumo a Khare, o próximo vilarejo onde iremos acampar e permanecer dois dias para fins de aclimatação. Embora o desnível entre as duas vilas seja de apenas 500 metros, a pernada não é das mais custosas porque se dá a maior parte nas terras planas do Inku Valley, acompanhando o sinuoso trajeto do Inku Khola. Revejo Kusum Khang e Chat Pate dum novo ângulo. Muito legal poder avistar, em toda sua inteireza, o maciço formado pelas duas montanhas e o contraste entre seus claros cumes nevados e encostas escuras. Chat Pate, em especial, revela melhor ainda sua forma piramidal. À minha frente, avisto o tempo todo a brancura impecável do glaciar Mera e seu passo, enquanto à direita o cume norte do Mera Peak ganha mais e mais relevância à medida que se ganha altura. Na estradinha, um bom movimento de porters indo e vindo de Khare. Namastes vibram no ar. Boa demais essa vida!! Obrigada meu pai, gracias minha mãe!! Pasang, o climbing guide que me acompanha desde o início do trek, tem-se revelado um dedicado guia. Super na dele, é tranqüilo e atencioso. Embora seu inglês seja precário, presta informações com boa vontade, ao contrário do tampinha do Nima. Caminha, invariavelmente, atrás de mim. E não adianta dizer que tome a dianteira, recusa-se (sei lá por quê), sinalizando que eu prossiga na frente. Paro pra fazer xixi e aproveito pra descansar um pouco. Deitada na grama, percebo que a pálida tonalidade azulada do céu, quando acordei, é, agora, no adiantado da manhã, substituída por um tom mais forte de azul. Da terra brotam gramíneas cujo pálido verdor já sinaliza que o verão há muito se despediu, cedendo a vez ao outono. Apesar de sua coloração amarelada e de sua aparência ressecada, a vegetação quebra um pouco a aridez da paisagem coroada por maciços rochosos cinza-escuros. Uns quarenta minutos antes de alcançar a vila, uma subida mais forte acaba com a moleza até então por mim desfrutada. Às 11 de la matina, chego em Khare, cuja altitude beira os 4.800 metros. A vila, um pouquinho maior que Tangnag, tem dois armazéns e algumas tea houses, alojamentos um pouco mais confortáveis que as barracas. Guardando uma prudente distância das casas mais próximas, ergue-se a famosa casinha de pedra. E não é aquela dos contos de fada dos Irmãos Grimm, não!! É o tão temido e fétido WC coletivo. Os de Tangnag e Khare são construções pra lá de sofisticadas com suas janelas, portas e tetos de madeira se comparados com os daqui, sem teto, servindo de porta um esfarrapado saco de aniagem. Colocadas a uns 50 cm do solo, ripas de madeira permitem ver toda a merda acumulada pela turistada durante a temporada. São megafedorentos. Tem de entrar e sair de nariz tapado, tão nauseabundo é o cheiro, mesmo naqueles mais ajeitadinhos. Quando chego na vila, o casal 20, Nima e Carol já lá se encontram, acomodados num colchonete. Sorridentes, me saúdam. Carol, muito antenada, quando percebe que estou sentada diretamente na terra, ordena que tragam outro acolchoado pra eu sentar. O tampinha nem se deu conta. Também pudera. Só consegue ter olhos pra Carol, uma versão requentada da Xuxa. Ah, sim, esqueci de comentar que a inglesa dá certos ares com a "rainha dos baixinhos". Agora, sim, bem refestelada, bebo o reconfortante chá que me foi entregue por um sorridente porter. Nem tento saber o nome de todos eles. São oito!! O dia continua lindo: ouro sobre prata. Conquanto se entreveja apenas uma diminuta pontinha branca, já dá pra perceber, daqui da vila, o cume central do Mera. Se deus quiser, daqui a dois dias, estarei lá em cima, olhando pra Khare do alto de seus mais de 6.400 metros! Pelo menos tentarei. Perto da barraca onde descanso após o almoço, um rádio toca uma canção nepalesa que embala minha leitura. A música suave, a bem da verdade, nem combina muito com a trama pesada escrita por Rankin. A trilha sonora, adequada ao livro do escocês, exige algo porrada, tipo Sepultura, sonzeira muito mais a ver com o romance policial, intitulado Os Ressuscitados. Ao longe, o troar de avalanches soa no ar frio da tarde. Estou no céu e bem viva! A sombra dum corvo plaina sobre minha barraca. Agora, 15 e 30, a paisagem faz-se gris, insossa. Sem a presença luminosa do sol, ofuscado por um nevoeiro, não se avista coisa alguma além de 50 metros. Passada uma hora, a densa neblina espairece, o sol volta a brilhar e a aquecer a vila, até ser embuçado, em definitivo, pela noite que dá as caras antes das 18 horas. Durante a janta, conversando com Carol, comento que não tenho visto americanos na trilha. Ela responde que eles preferem trilhas mais fáceis como as dos acampamentos-base do Everest e Annapurna. Na janta, momo frito. Um pitéu. Como mais do que deveria. É uma injeção de colesterol direto na veia. Ah, vez por outra, até pode, né?

4 comentários:

Paulo Cesar Fabro disse...

Bia, vejo que a vontade de fazer a pazes com a Carolzinha Sweatheart já está tomando conta do seu ser.
Claro, a culpa toda é do Nima, não poderia ser da Carolzinha !!!
rsrs

Beatriz disse...

q vontade nada!! aguarde os próximos capítulos: ela será destroçada por minha afiada língua no seu idioma...dela, viu pece, não no nosso!!

Paulo Cesar Fabro disse...

Ah Bia, então vc foi gastar seu inglês tão diligentemente acumulado em ums rusga com a Carolzinha ?!?!?
Que feio !!!

Beatriz disse...

hummmppfff!!