Terça- feira é meu último dia em Kathmandu. Assim, quase tenho um piti quando acordo e observo que as pilhas, que comprara no dia anterior e pusera no carregador de bateria ontem à noite, continuam descarregadas. Entro numa loja da Fuji e peço pra fazer um teste com um carregador. Quero descartar a possibilidade de o meu estar com defeito. Está bom. Devem então ser as pilhas. Um dos balconistas diz que as que comprei são ruins. Fico danada. Era só o que me faltava ter comprado pilhas (e comprei um monte delas!!) defeituosas na véspera de meu trekking cuja duração será de 14 dias!! Saio dali em disparada, zanzando pelas vielas da Thamel, na tentativa de localizar a loja onde comprara as pilhas. Depois de muita procura, suando por todos os poros, finalmente, localizo-a. O vendedor se lembra de mim, ainda bem! Sou, então, obrigada a discutir um pouco com ele, só um pouquinho, conseguindo, graças a deus, trocá-las por outras duma marca melhor. Mas pensam vocês que as coisas se acalmaram? Só não! O problema agora é com meus dois cartões de crédito. Ambos são recusados nos caixas eletrônicos. Em todos os que há no bairro!! Como ainda tenho umas rupias, resolvo enfrentar o problema após minha visita a Swayambhunath, conhecida, vulgarmente, como Monkey Temple, em razão da quantidade de símios que vivem nos jardins desse santuário budista. Pego um riquixá não sem antes barganhar com o motora que pede 1.000 rps. Faço que vou embora, ele vem atrás de mim e pergunta quanto eu quero pagar. Digo que só tenho 500 rps. Ele faz uma pausa rápida e aceita. Graças ao intenso exercício de pedaladas diárias, o homem, baixinho e forte, exibe uma bunda arrebitada de meter inveja em muita mulata brasileira. Extremamente ágil, conduz-me através das apinhadas ruas. Entrevejo açougues que expõem seus produtos – pedaços vermelhos de carne - sobre mesas nas calçadas. Meu motorista buzina frequentemente. Sua buzina é uma gambiarra das mais tri: na boca dum frasco de plástico foi colocada a ponta duma corneta infantil. E seu fom fom abre alas mesmo, alertando veículos e pessoas que nós queremos passar. Atravessamos o rio Bagmati de cujo leito, mirrado de água, exsurge uma quantidade de dejetos de toda espécie. À beira duma avenida, um lixão exala um fedor insuportável. Não à-toa, vejo muito nepaleses usando máscaras cirúrgicas que os protegem não só dos altos índices de poluição como também do mau cheiro. O movimento do tráfego assemelha-se aos fluxos das marés: há momentos em que as ruas estão tranquilas, fáceis de transitar. Em outros, pintam congestionamentos aparentemente insolúveis. De repente, o que parece impossível acontece: os carros andam e as ruas adquirem uma feição pacata de cidade interiorana. Ao final da breve viagem, uma lomba acentuada, que conduz à colina onde se situa Swayambhunath, faz com que o motora desça da bicicleta levando o riquixá no muque. Aqui, riquixá não têm marcha, não! Avisto, sobressaindo contra o azul do céu uma enorme cúpula dourada assentada sobre um gigantesco domo branco. Quando chegamos na entrada do templo, o condutor do riquixá resolve ir junto. Como mal fala ou entende inglês, sua atuação limita-se apenas em apontar a direção por onde devo seguir. Já dentro dos jardins do santuário, um grupo de macacos quase pula em cima de mim, tentando afanar os amendoins que trago na mão. O guia, pra quem eu comprara também um saquinho, oferece alguns grãos que os macacos comem avidamente. Não tarda muito, avança, majestoso, escorraçando o bando o macho alfa. Guinchos dramáticos ecoam no ar. A impressão que se tem é que a macacada está sendo cruelmente atacada, e não espoliada de restos de comida. Tenho pela frente uma escadaria com 365 degraus cuja inclinação me surpreende. Acentuadíssima, é bem fatigante. Além da stupa principal onde foram gravados os olhos de Buda na parte cúbica de sua colossal estrutura, espalham-se na grande área arborizada dezenas de outros templos de variados tamanhos e formatos. Swayambhunath localiza-se no topo duma colina, ensejando uma excelente visão de Kathmandu. Abraçada por montanhas verdejantes que formam um cordão circular ao seu redor, a cidade encontra-se encravada num vale situado a 1.400 m acima do nível do mar. Velas acesas diante de rodas metálicas de oração e tilintar de sininhos. É um mundo de crença e fé deveras mais autêntico do que aquele professado no ocidente. A atmosfera exala uma energia impressionante, sem sombra de dúvida. Num pequeno lago, moedas são jogadas na base de cimento onde jaz a estátua duma deidade feminina. Para tanto, compram-se moedas, já em desuso, de vendedores especializados neste tipo de comércio. Quando as moedas não caem no lago, e sim na base de cimento, espoucam aplausos saudando a boa mira do indivíduo. E como não podia deixar de ser, muito artesanato à venda. Depois de três dias de contínua oferta de mercadorias, começo a cansar. Embora sejam muito bonitos, coloridos e cheios de detalhes exuberantes, os objetos são sempre os mesmos, exibindo apenas ligeiras variações. É muita coisa pra ver, se bobear dá pra ficar uma manhã ou tarde, curtindo não só os templos como as pessoas que por aqui transitam. Afora a presença constante dos macacos que mais uma vez me surpreendem com outra cena muito legal. Recostada numa árvore, uma macaca cata piolhos num filhote enquanto um outro mama numa tetinha vermelha que mais parece uma verruguinha de tão pequena que é. Meu guia-motora resolve dar por encerrado nosso tour e me conduz até a saída sem maiores delongas. De volta à Thamel, escolho pra almoçar, embora já sejam 4 da tarde, um restaurante com um amplo páteo cheio de árvores frondosas e mesas ao ar livre. Escolho momo de espinafre com cogumelos. Essa comida típica nepalesa consiste numa trouxinha de massa cozida no vapor ou frita, recheada com verduras ou carne. Come-se o petisco mergulhando-o num molho vermelho bem picante. Dum modo geral, a comida nepalesa é muiiitooo apimentada. Quando retorno ao hotel, tento novamente retirar dinheiro e nada. Todos os caixas eletrônicos continuam recusando meu cartão. Telefono pro Brasil. Linha ocupada. Um dos recepcionistas, homem deveras solícito, me leva de moto até um caixa eletrônico distante do hotel onde, segundo ele, eu conseguirei sacar dinheiro. E lá vamos nós pelas ruas de Kathmandu, enfrentando o rush das 7 da noite. Ali na boleia da moto, encaro o trânsito, mais uma vez, não na condição de pedestre, mas de passageira. Dessa feita, na carona duma moto. Constato mais uma vez quão hábeis são os motoristas nepaleses. Com segurança, agilidade e muita paciência, avançam, abrindo caminho na maré de carros, motos e bicis. De nada adianta a boa vontade do empregado do hotel. Ambos os cartões são mais uma vez rejeitados. Nem esquento a cabeça. Resolvo que amanhã vou pedir a Sunir dinheiro emprestado. E já curtindo a pequena aventura noturna, lamento que o retorno seja tão rápido. Descubro mais tarde, conversando com outra hóspede, uma norueguesa, que meus cartões tinham de ser desbloqueados pra transações no exterior. Mas, bah, como sou pateta!!
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