segunda-feira, 8 de novembro de 2010

Avalanches em Tangnag

Tenho dormido muito bem. Ao contrário de outros trekkings, nem tenho acordado durante a madruga pra fazer xixi, o que dispensa, graças a deus, o uso da pee bottle adquirida em Kathmandu. Bizarro pra nós, mulheres, encaixar, na semi escuridão, se valendo apenas duma lanterna de testa, a vulva na boca da garrafa. Claro que pra temperaturas severas, bem abaixo de zero, não há como escapar da garrafinha. A temperatura, embora fria, ulálá, tem-se mantido acima de zero. Tenho acordado, cedíssimo, por volta das 6. Antes de todos, incluídos aí galinhas e galos. Também pudera, 10 da noite, o mais tardar, já estou ferrada no sono, abraçadíssima a Morfeu. Uma hora mais tarde, um porter traz chá e uma bacia com água quente super bem-vinda. Tudo de ruim ter que se lavar no rio cuja água geladésima faz doer dentes e mãos quando usada. Uma manhã linda. Da porta da barraca dá pra ver perfeitamente a montanha Kusum Khang com suas encostas estriadas de branco e seu cume totalmente coberto de neve. Já Chat Pate que mostrou, durante uma boa parte do trajeto percorrido ao longo do vale do Inku Khola, seu exato formato piramidal, aqui em Tangnag jaz escondida por uma montanha que se localiza bem a sua frente. Deixa ver apenas uma ligeira nesga de sua face noroeste. E, é justamente neste flanco, um pouco mais tarde, na azulada manhã de segunda-feira, que tenho a sorte de tirar uma seqüência de fotos duma avalanche que rola ribanceira abaixo. Exclamações de admiração e comentários entusiásticos escapam tanto de turistas quanto de nepaleses quando presenciam aquele espetacular tsunami de neve lambendo de branco a encosta da montanha! Deixamos o acampamento às 9 e 10 da matina pra conhecer o glaciar Inku, nascente não só do Inku Khola quanto do Inku Lake. Caminha-se num terreno de onde brotam pequenos e cerrados arbustos para, então, atingir a crista empedrada da moraina de onde se vê, lá embaixo, um lago de águas verde-piscina. Nima conta que há 20 anos atrás uma avalanche de grandes proporções caiu sobre o lago. Além de soterrar parte de seu leito, alargou o canal através do qual escoam as águas que alimentam o rio. Sento-me e curto a paisagem. Árida, quase sem vegetação, predominam somente tons secos: ocre, cinza, marrom e preto. O único toque vivaz são os brancos glaciares que pendem dos flancos das montanhas. Olhando pro horizonte, percebe-se quão pouco largo é o Inku Valley; as montanhas que o confinam, da perspectiva onde me encontro, parecem se tocar em certos trechos do vale. Pois não é que surge novo clima desagradável com o casal de pombinhos? Dessa feita, com Carol. O tampinha de meu guia que comunicara, ontem, através da amante e porta-voz, que passaria, a partir de hoje, a me acompanhar, larga na frente em passo acelerado. Sei lá se pra mostrar seus dotes pra namorada ou se pra me fazer desistir  de sua companhia já que sabe que não gosto de caminhar rápido. Quando chegamos no alto do morro, o tampinha dentuço desce um barranco, todo saltitante, novamente se exibindo pra ela. Quer fotografar o lago e seu glaciar dum ângulo diferente. Eu, coitada de mim, sigo-o, faceira, louca por um pouco de adrena. Carol intervém. Adverte que eu não vá. Mesmo assim resolvo encarar o declive arenoso. Nem tão íngreme assim é. Um jovem porter, designado pra servir de companhia à Carol (Nima que, teoricamente, seria o meu condutor, sempre que pode escapole pra longe de mim como o diabo da cruz) me segue morro abaixo. Aflito, faz sinais pra que eu suba. Como sou, normalmente, obediente às orientações dos guias, retorno. Não dá outra, a inglesa, vai à forra, tomando as caras pelo amante. Enfática, censura-me, arrematando com ar solene que o Himalaya é muito perigoso! Hahaha, essa é boa. Supervalorizando os perigos himalaianos desse barranco de merda (sem neve tampouco gelo) que qualquer criança desceria gritando de pura alegria. Nem adianta argumentar que pratico canionismo no sul do Brasil, acostumada, portanto, a enfrentar desníveis perrenguentos bem piores. A inglesa não me escuta! Estou começando a achar tudo de ruim o casal. São nada companheiros. Pior, ainda me podam em aventuras inocentes. Sacoooo!!! Após o almoço, um treino de rapel num boulder situado atrás de nossas barracas. Com não mais que 10 metros de altura, rapelo toda estilosa - duas vezes - mostrando a eles que entendo do riscado. Nem me elogiam. Pra minha surpresa quem me cumprimenta pelo desempenho é a finlandesa. Sei não, essa dupla tá de pinimba comigo (ou será meu lado paranóico que tá de implicância com eles?). Pra ser justa, Carol, embora seja metida, faz uma social vez por outra. Porém o baixinho dentuço tá nem aí pra mim. Muito boçal mesmo esse sujeito! Trato de dar um chega pra lá mental nos dois porque, quando estou aborrecida, sou daquelas que incubo por horas e horas o mau estado de espírito. E isso não faz nenhum bem. Assim, espaireço, explorando a “rua principal” de Tangnag. Na frente dum açougue, onde estão expostos sanguinolentos pernis de carneiro, encontro Nara. Em acirrada disputa, o cozinheiro joga uma partida de botão com um colega. Crianças a volta do tabuleiro dão palpites naquela língua difícil de pronunciar que é o nepalês. E, como ontem, começa a surgir das bandas do sul, nem bem ainda 15 horas, um incipiente nevoeiro. Uma hora depois, as brumas escanteiam a visibilidade, escondendo montanhas e tudo mais que se encontra a 50 m de distância. Acompanham o chá, servido no refeitório, amêndoas, bolachas doces e uma espécie de bolinho de chuva. Tenho até medo de engordar do tanto que ando comendo. A salamandra não se encontra acesa, porque o custo cobrado nas tea houses pelo seu uso é 200 rps por pessoa. Como quem paga isso é agência – embutido, lógico, no preço do pacote -, os caloríferos só são acesos à noite nessa época do ano. Nova avalanche, dessa vez, descendo a encosta da torre norte do Mera Peak. Antes da ceia, provo tongba, uma bebida alcoólica. Muito apreciada no leste do Nepal, é servida num pequeno pote de madeira onde se deita água quente numa mistura de sementes de milho fermentado. A beberagem é sorvida através dum canudo de bambu. Quem diria, hein? Encontrar, aqui, na Ásia, uma espécie de chimarrão alcoólico. Essa é boa!! Não sei dizer se sabe a vinho, cerveja ou uísque. Contudo, o sabor não me agrada. Surgem no refeitório, os finlandeses que se mantém na mesma atitude distante da noite anterior. Estou ainda meio puta com Nima e Carol. Assim prefiro ficar na minha, editando fotos na máquina. E, novamente, ao ir pra barraca, vejo um céu estreladésimo. Quer coisa melhor que isso? Antes só do que mal acompanhada. E fodam-se aqueles dois!!

4 comentários:

Paulo Cesar Fabro disse...

Bia, a respeito da sua´última frase, creio que era justamente isso que eles faziam, não era ????
KKKKKKKKKKK

Bia, não fale mal da Carolzinha Sweatheart, isso é muito feio. Mesmo não querendo, vc não cosegue deixar de descrevê-la como uma adorável criatura, uma anjo enviado às montanhas pelo mundo civilizado.
E além de tudo essa sua briga com ela está elevando os níveis de audiência do blog às alturas...
rsrs

Beatriz disse...

vai te fu....meu!!

Miriam Chaudon disse...

Que vista hem de dentro da barraca!!!!
Que experiências inesquecíveis!

Paulo Roberto - Parofes disse...

É...olha Bea, posso dizer pra vc que a montanha as vezes muda as pessoas. Mau humor aparece, personalidades mudam, a montanha tem disso.
Li em um livro do Krakauer se não me engano que as vezes ele e o parceiro brigavam na barraca só porquê não tinham assunto! ahahahahahah....Eu mesmo escutei coisas de uma pessoa que nunca pensava escutar em uma ocasião em que eu estava debilitado, cuspindo catarros verdes que pareciam um feto, e temendo um edema pulmonar a 4300m, resolvi descer. Nossa escutei umas coisas absurdas tipo "vc está descendo por nada", disso pra pior...
Em relação aos finlandeses, é o jeito deles. Conheci alguns nessas minhas mochiladas pelo mundo. São rudes, frios, sem emoção. Geralmente ignoram os outros...rs
Bola pra frente, e que as estrelas sempre te ajudem!
Abraços