Resignada em ficar aqui, sabe-se lá quantos dias mais, rapidinho trato de estabelecer uma rotina. Adoro rotinas, amo ser organizada! Até na minha barraca tudo tinha que ter o seu lugarzinho. Bueno, depois do desjejum no hotel – mingau de aveia com passas – atravesso a rua que margeia o aeroporto e vou circular ao longo da rua principal. Meu destino final duas a três vezes por dia é sempre o mesmo: o Starbuck e seus inúmeros atrativos. Espalhados, em duas ensolaradas e aquecidas salas, confortáveis sofás e poltronas de vime acolhem os clientes. Livros e revistas em abundância não deixam ninguém solitário por muito tempo. Terminais de internete são disputadíssimos. Raramente, encontro algum desocupado. Ah, o wc tem vaso sanitário em vez do buracão! O lugar está sempre atrolhado de gente. Nada como os confortos da civilização ocidental pra atrair o povo. E, como não podia deixar de ser, num atrativo menu, variadas ofertas de chocolates, cafés, bolos, roscas e drinques alcoólicos. O telefone, constantemente ocupado, permite aos turistas avisar familiares e solicitar junto às companhias aéreas adiamento de seus vôos. Consigo captar das conversas entreouvidas, não só aqui quanto no hotel, que o lance é as pessoas se juntarem em grupos a fim de rachar o aluguel dum helicóptero. Se os turistas não se encontram nada satisfeitos com a estadia forçada, o mesmo não se pode dizer dos pequenos comerciantes. Estão felicíssimos, lucrando mais do que nunca com o inusual agito na cidade. Ontem, quando cheguei, a água mineral custava 50 rps, hoje, estão cobrando 100 rps! Sem esquecer das empresas de helicópteros cujo faturamento deve estar nas alturas, já que cada vôo sai em média 600 a 900 dólares por pessoa!! Decido não almoçar no hotel e procuro um restaurante dentre os muitos existentes na rua principal. Não há um que não seja escuro e sujo, salvo dois ou três construídos especialmente para atrair os turistas mais exigentes. Como não sou muito enojada, escolho um, bem sujo e escuro, levada em parte pela curiosidade de conhecer um lugar típico, outro tanto pelo cozinheiro. De feições indianas, o jovem frita, com ar compenetrado, numa enorme panela wok, à vista de quem passa na calçada, um macarrão com legumes. Não entende patavina de inglês o magricela; minha comunicação com ele é feita na base do infalível, e pra lá de antiquado meio de comunicação, usado em priscas eras pelos povos primitivos: o apontar de dedo pro objeto desejado, hahaha. A massa não me decepciona. O mesmo já não posso dizer dos dois doces que provo. O primeiro, super doce, redondo e achatado, tem leve sabor de pipoca. O segundo, uma bolinha maciça, sabe a gosto nenhum. Ambos têm algo em comum: são super gordurosos. Saio dali e resolvo ir até o monastério budista. Lá sou atendida por dois guris que me levam ao interior do templo. Coloridíssimo e claro, não lembra em nada as sisudas e escuras igrejas cristãs. Num altar, cinco imagens de deuses, três com feições humana, dentre elas, Buda, com seu semblante sereno. As demais representam seres de traços animalescos com ares ferozes, assustadores até, eu diria. Tão distinto das imagens dos santos católicos cujas fisionomias, invariavelmente, humanas, exibem doces, resignados ou tristes semblantes. Conversando com os aspirantes a monge, fico sabendo que o regime de estudo é puxado: da manhã à tarde. Já de volta ao burburinho da rua, vou espiar o movimento de aeronaves no aeroporto, a principal atração turística da cidade. A quantidade de gente fotografando e filmando lembra os paparazzi em dia de Oscar. Isso tudo porque o tempo amanheceu e continua bom, com direito a sol brilhando num céu, fracamente, enevoado, o que favorece sobremaneira o pouso e decolagem de vários aviões e helicópteros. Cansada de bater perna na rua principal, resolvo sair do perímetro urbano e vou até o final da pista, onde, separado por um alambrado, foi construído um hotel aos moldes ocidentais. No jardim, uma pequena stupa em cuja cúpula jaz empoleirado um corvo. Um irresistível convite à fotografia. Disparo, como não podia deixar de ser, vários cliques. De onde estou, vejo o rio 50 m abaixo, de forma que resolvo descer até lá. Uma desilusão. A estradinha, respingadésima de lixo, conduz a um leito mirrado, com pouquíssima água fluindo. Retorno, subindo por uma ribanceira, igualmente atulhada de detritos. Esses nepaleses não estão nem aí pra conservação do ambiente. São desleixados mesmos. Mas não só o aeroporto é um espetáculo. As crianças são outro delicioso atrativo. Espontâneas, amistosas, acompanham a tradicional saudação de namastê, unindo as mãozinhas em prece. Presencio duas brigas infantis. Numa delas, pontapés e cuspidas fazem parte do vale tudo. Noutra, um dos contendores, um guri duns 6 anos, com ar de provocador nato, sai da briga, após um pontapé bem dado, debochando, descaradamente, da cara desconsolada do perdedor, que chora sem qualquer pudor. A estupidez humana já se manifesta desde a infância. Pra mim um divertimento, pra eles, um pequeno drama. Agora 15 horas, o céu já se encontra nublado pois o sol, enfastiado de tanta generosidade, deu uma de vilas-diogo e se mandou. Pasang despede-se. Inicia sua jornada a pezito, rumo ao seu vilarejo, situado à oeste de Kathmandu. Agora, do grande grupo, só restam eu e Nara!
Um comentário:
Mais e mais tenho a impressão de que preciso visitar este país antes de morrer...que lugar de cores, incrível.
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