quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A doidinha de Kharki Tanga

Nem bem 20 horas já estou na barraca aninhada em meu saco de dormir. Tá muiiitooo friooo. Custo a pegar no sono porque meu nariz entupido não dá trégua. Pego meu kit de remédios e ingiro algumas pílulas além de pingar soro em ambas narinas. Porém depois que pego no sono só acordo às 6 da manhã. Quando o porter me entrega a xícara de chá às 6 e 30 (antes do café da manhã, servem um chá e trazem uma bacia com água quente pra lavar o rosto), vejo um céu azul clarinho sem quaisquer pingos de nuvens. E posso, então, curtir, à esquerda de Kalo Himal – ontem era impossível a visualização devido ao espesso nevoeiro -, a presença de outras duas montanhas, igualmente, despidas de glaciares. Os sintomas de resfriado são claros: garganta arranhada e cabeça latejando um pouco. Do nariz, agora, desentupido escorre um muco clarinho e ralo. Carol diz que são coisas da altitude e me oferece uma cartela com pastilhas de limão. Chupo uma e sinto a garganta mais aliviada da sensação de dor. Impossível comer o café da manhã. Não por causa da garganta, absolutamente! É porque servem um pequeno almoço onde panquecas e omeletes (até aí tudo bem) convivem com alfaces, vagens, tomates e batatas....só não! Escolho uma panqueca que recheio com geléia. E bebo leite com chocolate Cadbury. Tudo de bom! Deixamos Thukding às 9 e 45. Muito íngreme, a trilha atravessa os mesmos bosques de rododendros do dia anterior. À medida que nos aproximamos de Kharki Tanga, situada a 3.850 m, a exuberante e verde feição da paisagem é substituída por um cenário mais circunspecto. Charpate e Kalo Himal, onipresentes durante todo o caminho, mostram outras de suas faces quando chegamos à pequena vila Kharki Tanga às 12 e 30. Em cada vila, há, no mínimo, uma tea house. E o uso desses estabelecimentos varia conforme a opção de trek contratado. A nossa expedição usa o espaço apenas como refeitório, já que a comida é preparada por Nara, o cozinheiro da expedição; uma segunda modalidade fornece refeições ao passo que a terceira inclui não só refeições como hospedagem. A proprietária da tea house, onde serão feitas nossas refeições, é uma sherpa de 53 anos, mãe duma guria de 12 anos com acentuado retardo mental. Bonitinha, não diz coisa com coisa. Adora repetir uma palavra que, pra mim, soa como “terabou”. Pergunto a Nima o que significa em nepali. Sua resposta: “nothing”. Coisa de doidinhos nepaleses! Durante o almoço essa guria faz tanto, tanto gritaredo (de nada adiantam as admoestações – fracas - da mãe) que debandamos da tea house e vamos comer ao ar livre. Muito melhor saborear sem berros o excelente almoço preparado por Nara: salsichas, deliciosas batatas fritas (previamente cozidas), além duma torrada com queijo de yak e duas fatias de tomate. Do acampamento, vislumbro o Naulakh La, primeiro passo a ser cruzado, situado a 4.500m. Dá até pra enxergar as coloridas bandeirolas de oração budista tremulando ao vento. Bandos de nuvens deslizam no azulão do céu pra lá e pra cá. Após o almoço, vou pra barraca escrever e ler um pouco. Tão quente aqui dentro que sou obrigada a ficar apenas de camiseta de manga curta. Às 3 da tarde, Nima me chama pra subirmos a íngreme e larga encosta de montanha que conduz ao Naulakh La. Vamos fazer uma caminhada de aclimatização até 4.100 metros. Durante a subida, três mocinhas sherpas (nesta região predomina esta etnia) descem do passo com uma agilidade de cabritas. Segundo Nima, trabalham em outras vilas, retornando vez por outra a suas casas. Sentados numa pedra, permanecemos no local durante 30 minutos, espaço de tempo suficiente pra que a cerração envolva o acampamento até então perfeitamente visível. Quando retornamos à vila, Nara avisa que está na hora do chá das cinco - servido, contudo, às 4 da tarde. A partir dessa hora, o sol vai sendo escondido pelas altas montanhas. E o frio começa a pegar motivo por que tomo o rumo de casa (minha barraca). Quero mais me abrigar no quentinho de meu saco de dormir. Agora, 17 horas, após um revigorante chocolate com biscoitos, já bem aquecidinha no interior de minha tenda, descanso e penso na vida. Tá tanto frio que desanimo de ler o livro do Ian Rankin antes da janta e visto minha jaqueta azul de plumas. A maluquinha da aldeia, que veio atrás de mim, desfere chutinhos contra a lona da barraca. Quer entrar. Bem chatonilda essa guria! Ignoro-a até que ela se cansa e vai incomodar Nima e Carol na barraca deles. Ainda bem! Não há como não notar a quantidade de corvos que voam dum lado pro outro, numa busca diligente por restos de comida. Em contraponto ao seu coro desafinado, um trinar delicado de pequenos pássaros ecoa no ar. Ponho minha cara pra fora da barraca e constato que a neblina se escafedeu. Um realce só a paisagem. Em alguns picos, os reflexos dos últimos raios de sol poente os tingem duma cálida tonalidade amarelada, enquanto em outros incide uma discrição rosácea. Observo que as montanhas exibem, em regra, coloração acinzentada. Poucas são as rochas cuja cor é avermelhada. Há, entretanto, rochas bem escuras, beirando o preto. Reflito, no aconchego da barraca, que as trilhas são deveras árduas. De tirar o fôlego. O ácido lático não dá moleza pros músculos, continuamente provocados durante a pesada atividade física. Este trek nem se compara àqueles já percorridos nos Andes chilenos, argentinos, peruanos e bolivianos. Ah, que droga, começa a dar pinta uma leve dor de cabeça. Percebo que esta não é do resfriado e sim da altitude. Nem hesito em tomar um Tylenol DC. Quando saio da barraca pra jantar, um pouco mais de 18 horas, o cenário é de quase escuridão. Resta, pra não faltar com a verdade, um fugaz vestígio de claridade pros lados do ocidente. Durante a ceia escutamos música do aparelho de som que Carol trouxe. Casada, três filhos adolescentes, marido 20 anos mais velho que, segundo ela, é seu melhor amigo. Contudo, o best friend não sabe que ela está tendo um caso com o trek guide Nima. Ele, mais que apaixonado, está envaidecido por transar com uma mulher rica, loura e de olhos azuis. É um tampinha com dentes de coelho.....pufff. Quando retorno pra barraca após o jantar, o céu parece um coador, tão repleto se encontra de estrelas. Nem crocitar ou pipilar de aves ecoa no ar geladésimo e límpido da noite. Com certeza, estão recolhidos em seus ninhos. E eu também!!

2 comentários:

Paulo Cesar Fabro disse...

Bia, os bons costumes dizem que tu não pode dedurar sua companheira de trekking em rede mundial. Nunca se sabe qdo há um tradutor de português à disposição.

Beatriz disse...

hahahaha!!!! espera q vem mais!! eu ainda nem terminei. ah, e antes q me esqueça, vai te f.....
abreviei não por causa dos bons costumes, mas por precaução. sabe-se lá se não usarás isso como pretexto pra me processares e ganhares uma grana em cima de mim! não devemos confiar em economistas q fizeram facul de direito.