sábado, 13 de novembro de 2010

Bate boca no BC do Mera Peak

Como Nima e Carol se separam do grupo amanhã, já que farão outro trek até o acampamento-base de Ama Dablam, resolvi, ontem à noite, passar a limpo minha “relação” com Nima. Eu sei, eu sei, tipicamente feminino esse tipo de bate-boca, eu sei. Acontece que ainda estava engasgada com o tratamento desinteressado que o dentuço me dispensara durante o trekking. Claro que o meu ânimo um tanto quanto depressivo, magoado, eu diria até, se devia 70/% ao cansaço e abatimento. em decorrência do malogro em não fazer cume no Mera Peak. Não que eu seja do tipo “não levo desaforo pra casa, bem capaz”. Não gosto é de ficar remoendo ressentimentos e, pra mim, o melhor jeito de desfazer rancores, mágoas e demais melindres, é cuspir o osso que me engasga. E foi o que fiz durante a janta quando nos reunimos na barraca-refeitório. Em voz pausada, recitei a minha fala, previamente decorada e ensaiada, em alto e bom tom: “You are working, Nima, not in honeymoon, you have eyes only to Carol, you forgot me”. Sabe o que o tampinha respondeu? “I am not understanding your English.” Francamente, é muita cara de pau falar que não está entendendo o meu inglês! Mais básico impossível, até débil mental entenderia meu pequeno discurso. Os porters, que mal sabem articular uma frase com 20 palavras no idioma de Shakespeare, entenderam tão bem que, imediatamente, guardaram um silêncio atento, aguardando o desenrolar dos acontecimentos. Pois não é que a topetuda da inglesa, uma assanhada como há muito eu não via, resolvei interferir na discussão, vindo em defesa de seu dentuço amante? Ah, isso foi demais pra minha paciência. Dois contra um!! É muita covardia, convenhamos!! Contra a minha vontade, juro por deus, fui obrigada a apelar e, usando um tom um tanto quanto ríspido, cortei, rapidinho, a abusada: “Carol don’t be nosy, please! (sem esquecer os bons modos, evidentemente, comigo é sempre assim: por favor, obrigada, seja qual for o idioma. Varia, apenas, a entonação, conforme a situação enfrentada). E dou por encerrado o fleumático bate-boca. Nima teve o que merecia: ser repreendido na frente de seus subordinados. E a abelhuda da Carol levou um pito de lambugem, pra aprender a não se intrometer no andamento da expedição. Se assim o desejar, que abra sua própria agência e pare de dar pitacos na dos outros. Refeita, acordo, hoje, pronta pra outra - não discussão, deus me livre!! - caminhada. Melhor me sinto, quando vejo todo aquele kit que faz parte dum dia perfeito: um solzão, sem nuvens que o atrapalhe, brilha no esplêndido azulão do céu. Na hora da partida, agora, já de alma lavada, despeço-me do casal sem qualquer ressentimento. Eles agem de idêntica maneira. Carol, não posso deixar de reconhecer, é muito simpática. Ela, de fato, foge do padrão formal de comportamento, exibido em geral por seus conterrâneos. Às 8 e 30, deixamos o BC do Mera e, descemos o passo em 2 horas, chegando em Khare às 10 e 30 onde paramos pra almoçar. Nos telhados de madeira, aproveitando o ensolarado dia, roupas e cobertores coloridos são postos a arejar. Um nuvaredo espesso vindo de oeste começa a tomar conta de Thuna Valley e rapidinho, Khare está envolta em brumas. E junto com as brumas, baixa um frio Um frio de doer as pontas dos dedos, tanto que entro pra dentro da tea house de Pemba que lava louça numa bacia. Água encanada? Bem capaz! Esse luxo só vi em Kathmandu e em Lukla! Aceso apenas o fogão a lenha onde, sobre uma trempe, ferve, num panelão, uma sopa. A escassez de lenha bem como a mão de obra em trazê-la dos arredores de Khote faz com que o uso das salamandras seja racionado: são acesas apenas à noite quando o frio pega mesmo!! Saída de Khare ao meio-dia e chegada em Tangnag às 13 e 30 sob uma espessa neblina que, durante o trajeto, só permitia avistar 30 m a frente. Como a paisagem, ao longo do trajeto entre as duas vilas, é pedregosa, com parca vegetação, a sensação de desolação é enorme, aumentada mais ainda pela presença de neve pendendo dos poucos arbustos existentes. E pensar que há quatro dias atrás, o tempo era solarengo, com céu de brigadeiro. É....o inverno já está prematuramente dando pinta de sua presença. Aqui em Tangnag, na mesma sala onde estive há cinco dias, sinto-me diferente. Mais livre, mais alegre, mais em paz comigo mesma. E olha que nem conquistei o Mera! E se estou assim é porque aceitei as minhas limitações, não me forcei a fazer algo que estaria além de minha capacidade! Sinto-me importante justamente porque estou viva! E porque conheci não só belos lugares como muitas pessoas, algumas interessantes, outras nem tanto. Observar brotar dentro de si bons e maus sentimentos, e não se sentir culpada tampouco orgulhosa de um ou de outro, é um puta exercício de maturidade emocional. Tornei-me severa comigo mesma. Assim, não admito mais atribuir a fulano, ao resfriado ou ao vento a culpa por não ter realizados meus sonhos. Não fazer cume é um fracasso e ponto final. Num guento mais os tais de panos quentes, tipo "o que vale é competir". Ninguém entra em algo pra perder, ora bolas!! Estou satisfeita em assumir que não pude naquele momento, naquele lugar, fazer meu gol. E se não houvesse o tal de vento que impediu os outros montanhistas de alcançar o cume do Mera, eu não teria CONSEGUIDO porque não tinha MAIS condições físicas. Meu fracasso doeu, sim! E foi uma lambada no meu ego hiper valorizado que, dessa forma, é obrigado a se readequar a padrões mais modestos de autoestima. Quando saio da tea house, perceptível, através da luz da lanterna, flutuando no ar, diminutos flocos de neve. Deve estar fazendo dois graus abaixo de zero. Pela primeira vez durante o trekking, estrela alguma desponta no céu. Encontra-se o firmamento pesadamente toldado de nuvens, dando a impressão de estar rebaixado. Como se isso fosse possível! Na minha cabeça, tudo é possível!

Um comentário:

Paulo Cesar Fabro disse...

Ciumeira pura !!!! rsrs