O domingo amanhece lindo. O céu azul não lembra em nada o dia anterior, cinzento e frio. Deixamos Tangnag, cedinho, às 7. A paisagem árida, constituída quase que, exclusivamente, por pedra e areia, vai adquirindo outra feição, à medida que me aproximo de Khote. Abundante vegetação brota nas encostas das montanhas, ocupadas agora por largas extensões de bosques de pinheiros. A coloração até então bege do cenário é substituída pelo luxuriante verde das matas. Pedras cobertas de espesso musgo denunciam um clima menos seco nesta parte do vale do Inkhu Khola. E bruscamente o tempo muda, quando estamos a não mais de 40 minutos de Khote. Nuvens envolvem o vale e uma espessa bruma impede a visualização além de 30 palmos de distância. Agora em Khote, após 3 horas de pernada, descanso numa sala improvisada de cozinha. Faz um frio danadinho tanto que sai fumaça de minha boca. Nara prepara um almoço rápido, composto de batata frita, omelete e sopa com muito alho e gengibre...ebaaa!!! E como não poderia deixar de ser o infalível chá. Num cenário envolto em brumas, deixo a aprazível vila Khote e ingresso num bosque de pinheiros de cujos galhos pendem gotas de orvalho. O tempo, úmido e frio mais o céu encoberto, faz com que a tarde mostre uma feição de 18 horas embora o relógio aponte tão-somente 13 horas! Como Thaktor se localiza mais acima de Khote, as subidas são mais freqüentes que as descidas. O cansaço acumulado, resultado do longo trekking, já se faz sentir. Paro algumas vezes pra descansar. Quando chegamos a Thaktor às 13 e 45, Nara indica onde será armada minha tenda: no interior duma estrebaria! Isso tudo porque cai uma garoa miúda e constante e dessa forma ficarei melhor abrigada. Ele não é um amor de atencioso? Tal qual o Menino Jesus, comemoro meu nascimento num paradouro de animais, hahaha! Porque hoje faço 58 anos!! E quer coisa melhor do que passar meu niver neste país encantador, rodeada de gente alto astral? Presente bacana de niver me dei hein?!! O fofo do Nara faz um bolo em minha homenagem e desenha com chocolate “Beatriz Happy Birthday”. E, quando eu apago as velas, os três porters, mais Nara e Pasang batem palmas. Tão emocionante!! Só de lembrar me arrepio toda!! E nos pusemos a conversar. Pasang, estirado sobre o banco e apoiado sobre um cotovelo, mais escuta do que fala. É todo sorriso. Nunca o vira assim antes! Exibe engraçadas manchas claras ao redor de ambos os olhos, causadas pelos óculos escuros. Parece um texugo o querido Pasang. E conversa vai, conversa vem, sou informada de que seus nomes são dados, conforme o dia de seus nascimentos. Pasang, por exemplo, cujo significado é sexta-feira, assim foi chamado porque veio ao mundo neste dia da semana. Pemba, a dona da Mera Guest House and Restaurant, situada em Khote, deve seu nome porque nasceu no sábado. Aos nomes acrescentam as etnias: Pemba Sherpa, Pasang Sherpa, Nara Tamang e por aí afora. Embora o papo esteja bom, vou me deitar porque faz muiiitooo frio. A segunda-feira, data da Proclamação da República no Brasil, amanhece com aquela cara nojenta de segunda-feira que ninguém merece quando está trabalhando: nublada e friorenta. Saimos de Thaktor às 7 e 10 e logo alcançamos o bosque de rododendros. Pra minha surpresa, está tudo coberto de neve. A caminhada se faz difícil devido à placa de gelo que se formou sobre o solo, tornando deveras escorregadia a ascensão. Até o passo Tuli Kharka foi só subida, dura subida, agravada pela presença de neve e gelo. Neve é muito bonito nos filmes e em fotos. Na vida real, é traiçoeira pra caramba, tornando penosa a caminhada! E eu que nem lembrava mais de que a ida fora mais descida que subida, santo deus!! Pasang escolhe uma rota alternativa, mais curta, pra seguirmos adiante. Um pouco melhor porque caminhamos um bom trecho num terreno sem neve e quase plano. Tão nublado o tempo que não se enxerga mais que 15 m a frente. Parece que estou numa cena de Dr. Jivago! E sobe-se, sobe-se e sobe-se. Às 11 e 30, encontramos Nara, juntamente com nossos três porters, nos esperando pro almoço. O bom cozinheiro, que devido à defecção de Nima, passou à condição de líder da expedição, está terminando de preparar meu ranguinho cuja dieta é a mesma de ontem: batatas fritas, omelete e sopa....ebaa!! Apesar de cansada, não perdi o apetite. Avidamente, devoro o a la minuta. Tanto frio faz que meus pés e mãos começam a doer enquanto estou parada almoçando. A descida de Cheeter La até Naulakh La é, relativamente fácil, conquanto exija certa atenção devido a grande quantidade de neve na trilha. A coisa complica mesmo na descida do Naulakh La até Tharki Tanga. A íngreme ladeira, e bota íngreme nisso, coberta por neve e gelo, exige redobrados cuidados. Um tombo aqui e tu rola sem parar uns bons 200 m. Durante os trechos mais críticos, Nara ajuda-me, segurando-me a mão. Quando o terreno permite, coloco um saco embaixo do bumbum, e deslizo ladeira abaixo. Bem divertido meu skybunda, o que arranca sorrisos de Nara e Pasang. Quando nos encontramos a meio caminho da vila, sou surpreendida por um cenário muito mas muito louco mesmo!! Naquele céu toldado por denso nuvaredo, faz-se, sem mais aquela, abruptamente, um claro através do qual o sol escapole, descobrindo várias montanhas ao redor. É inacreditável: apenas, no passo Naulakh, tempo bom, no restante da região, tempo totalmente encoberto. A descida até Tharki Tanga dura 3 horas e, quando chegamos na vila às 15 horas, tomamos um chá pra nos reenergizar, porque prosseguimos viagem até Thukding onde, finalmente, iremos pernoitar. Somente quando ingressamos noutro bosque de rododendros, após uma hora de pernada, a senda não exige tanto cuidado, pois, aleluia, inexistem vestígios de neve no solo. Porque estamos numa zona de menor altitude, noto um tamanho mais avantajado nos rododendros. Um pouco antes de alcançarmos Thukding, duas jovens que vem em sentido contrário ao nosso, param pra conversar com Nara e Pasang e os informam sobre o cancelamento dos vôos pra Kathmandu devido ao mau tempo. Nem esquento minha cabeça com tal informação. Estou mais preocupada com o fim do trekking. Fico sempre meio chateada quando acaba o que era doce, sniiifff. Meus joelhos dão gemidinhos de dor quando chegamos na vila às 5 da tarde. Também pudera, foram 10 horas de pernada! No lusco fusco do entardecer, uma chuva fininha dá o ar de sua graça embora não faça mais tanto frio. Venho observando que, nas vilas, só tenho visto crianças em idade pré-escolar. E indago de Pasang, apenas pra confirmar o que já venho suspeitando, o motivo. Meu sereno guia explica que a criançada, a partir dos 5 anos, vai pra Lukla estudar. Acrescenta que, durante o ano letivo, moram com parentes, pois os pais permanecem nas vilas atendendo aos turistas. No dia seguinte, terça, dia 16, o tempo feio persiste. Após o desjejum, partimos de Thukding às 7 e 45 e cruzamos o rio Ghatte Khola três vezes, equilibrando-nos sobre rústicas pontes feitas de troncos de árvores. O trajeto até Lukla, uma descida, é breve: uma hora e trinta minutos. O mau tempo confirma-se quando entramos na cidade: céu totalmente nublado. Tão distinto de quando eu parti há 14 dias!! Sem contar que a cidade ferve com a estadia forçada dos mais de 600 turistas que esperam seus vôos de retorno a Kathmandu.
Um comentário:
Ovo frito e batata frita de aniversário junto com aquele sorriso encantador com direito a bochecha queimada de sol de altitude e até bolo, não tem preço!
Feliz aniversário atrasado ahahahahah
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