sexta-feira, 10 de julho de 2009

Paso Yaucha

Devido ao frio, levanto não uma, mas duas vezes pra fazer xixi durante a madrugada, e, na noite clara, a lua prateia tudo ao derredor. Pela manhã, mesmo com um sol escancarado, a baixa sensação térmica faz doer as pontas dos dedos dos pés e das mãos. Escuto um dos bascos comentar que a temperatura, durante a noite, foi de – 4ºC, o que resta comprovado pela fina camada de neve branquejando o solo e os tetos das barracas. Partimos às 8 e, sobre nós, um céu de brigadeiro prenuncia um lindo dia. Um pouco além do acampamento, mais um portão, onde os ingressos são apresentados. Ingressamos na quebrada Ancocancha, um largo vale repleto de pequenas lagunas. Vejo, plantados nos flancos das montanhas, os primeiros queñuales, árvore típica dos Andes. Sua copa, formada por folhas miúdas, é frondosa; o tronco, de coloração ocre, é revestido por finíssimas lâminas de casca (parecem papel-seda), cuja função é servir como isolante térmico contra o frio andino. Flores vermelhas caem de seus galhos. As nuvens formam zonas de sombra nas encostas dos cerros, expondo a superfície áspera e fissurada das rochas. Gosto de vê-las sem a cobertura branca da neve, assim posso apreciar a textura e cor das pedras pelas quais sou apaixonada. Decerto, essa visão é mais agressiva que a dos nevados porque estes são suavizados pelo manto da neve que os protege. À medida que avançamos em direção ao paso Yaucha - uma suave subida em ziguezague, deveras fácil – vão surgindo os nevados. Às 10:20, já no cocoruto do Yaucha (4.750 m) , desfruto, deliciada, a visão reluzente das brancas faces ocidentais dos nevados Ninashanca, Rondoy, Toro e Jirishanca. Um espetáculo de encher os olhos! Embora fofos e espessos flocos de nuvens estejam já se agrupando, o sol mantém-se inabalavelmente radioso no céu. E oxalá assim permaneça durante o resto do dia! Ao lado do paso, há um morro cujo acesso até seu topo permite apreciar o Yerupaja e Siula dando a tapa suas caras oeste. Não vou até o final, apenas o suficiente pra poder fotografar os dois gigantes nevados. Como sói acontecer, sempre há uma pendente pedregosa em ziguezague após os pasos. E a que enfrento não foge à regra, conduzindo à quebrada Huacrish, resguardada à direita por uma belíssima muralha formada por numerosos e altos blocos rochosos. Ao longo do declive florescem arbustos de tarwi que exalam um agradável odor adocicado. Um rio de águas claras serpenteia serelepe ao longo da quebrada. Já em terreno plano, rebanhos de touros pastam nos campos. Durante boa parte do percurso, é possível, olhando pra trás, avistar os imponentes nevados Tsacra e Huacrish. Eu, toda contente, pensando que não havia mais ladeira pra descer, tenho uma desagradável surpresa: eis a minha frente outra pendente, esta sim, extremamente íngreme e tortuosa. Entretanto sou recompensada, enquanto desço o áspero declive, com a visão da superfície verde-esmeralda das águas do belíssimo lago Jahuacocha. Situado lá embaixo, no vale, dá pra ver com nitidez os dois rios que o alimentam. Um deles é o rio Pacclón; o outro é justo o que desce pela quebrada Huacrish, delimitando o seu final uma formidável cachu de uns 200 m de altura. O sol continua forte e firme reinando no céu. Dessa vez, as fofas nuvens brancas não levaram a melhor, ofuscando seu brilho. Nosso acampamento, o Inca Wain, situa-se em frente às faces oeste dos nevados Rondoy, Jirishanca, Toro e Yerupaja. Chegamos ao acampamento às 13 horas, e, como de hábito, faço meus alongamentos. Os cozinheiros compraram duas ovelhas para a pachamanca que será servida no almoço, amanhã. Oba, haverá um festim!! Neste acampamento, há um pequeno comércio local: numa tendinha, uma índia vende refris, cervejas, toucas e meias. Pergunto se vende cigarros, a resposta é negativa. Aponta com o dedo de sujas unhas, a casinha mais adiante. Dirijo-me até lá. A habitação, tosca, é feita de pedras, teto coberto de palha e chão de terra batida. Muito escura, a moradia lembra uma caverna. A dona, uma mulher de seus 60 anos, parece ter uns 70. Pergunta enquanto eu a fotografo (essa não se incomoda) se eu não tenho remédio pras dores que sente nos joelhos (provavelmente artrite, devido à idade). Aliás, desde ontem, têm sido constantes os pedidos de medicamentos. Um homem e depois uma mulher pediram pastilhas pra garganta. Todos se queixam de que as cidades, onde há farmácias e médicos, localizam-se muito longe. Afora isso, os meios de transportes são os lombos das mulas ou de cavalos, dificultando, sobremaneira, a locomoção. Pobre gente, tão mal tratados e mesmo assim resignados. Recuso o convite de Vivi pra tomar banho na lagoa. Só de pensar em entrar na água gelada, sinto calafrios. Nananinanão....eu fora! Sento ao ar livre junto a Arantza, Juan e Milton, aproveitando o sol gostosinho do meio da tarde. Aproveito e fumo um cigarro que trago com volúpia e vagar. É o primeiro cigarro em oito dias. O grupo dos 8 também se aquece ao sol, sentados mais adiante de onde estamos. Boquiaberta, vejo bandos de gaivotas voando de lá pra cá. Nunca, nunquinha, imaginaria encontrar gaivotas a 4.000 m de altitude!! Sempre pensei fossem aves marítimas....puxa, que coisa! Ficamos até quase às 17, lagarteando, quando, então, o sol desaparece atrás das montanhas, e a temperatura baixa vertiginosamente. E o frio começa a pegar, obrigando todos a se recolherem ao interior de suas barracas até a hora da janta. Mais uma vez retorno à leitura do Pólo Sul. Passados quinze minutos, largo o livro sobre a barriga, distraída que sou pelo bramido potente das águas da cachu despencando montanha abaixo. Lembra barulho de ondas batendo na areia....que legal! E continuo prestando atenção aos ruídos a minha volta. Balidos de ovelhas, ainda, soltas no pasto. As risadas de Arantza, provocadas por algo que Juan lhe conta, me fazem sorrir. E a algazarra de vozes masculinas na barraca ao lado, pertencentes a dois bascos do grupo dos 8, desperta-me o desejo de ser uma mosquinha pra escutar a conversa. Fazer o que, né? Admito, gente, o meu lado voyeur vez por outra escapa....assim, sem eu me dar conta. Mas juro, é do bem , podem crer!

2 comentários:

Paulo Roberto - Parofes disse...

Nossa, que lugar!!! A vontade é falar um palavrão ahahahahahah
Nunca ouvi falar nestes nevados e fiquei apaixonado pelas fotos!
O conjunto inteiro lembra um pouco o Huayna Potosi de La Paz, compare e verá! Abraços

Professora Carla Nogueira disse...

kkkkkkkkk
Todo mundo tem um lado Voyeur...
Interessante esse lance deles pedirem remédios... Pelo visto são esquecidos pelo governo!
Puxa! Podi ficar sem fumar pro resto da vida... Não só 8 dias...
kkkkk
Carla