segunda-feira, 6 de julho de 2009

Paso Portachuelo

Amanhece nublado, com cerração, embora não esteja muito frio. Terminado o desjejum, partimos às 8 horas, em direção ao Paso Portachuelo (4.750 m). A trilha é fácil, sem grandes subidas, e, após duas horas, alcançamos o paso cujo nome se deve a duas rochas, situadas uma frente a outra, à semelhança de um portal. Após cruzá-lo, já se vê, à esquerda, um extenso nevado que, devido a sua forma, foi apelidado Leon Dormido, pertencente à cordilheira Raura. Nesta zona os nevados não abundam, e por isso sobressai, em meio à coloração cinzenta de algumas montanhas, certos tons de ocre, denunciando a presença de óxido de ferro na composição das rochas. É o caso do cerro Pucacaca e suas três cumbres afiladas parecendo um M invertido. Paramos pra fazer um lanche e de onde estamos, já se avista a laguna Viconga. Dentre tantos belos cerros, dois, em particular, destacam-se: Milpo e Pilanko, também, pertencentes à cordilheira Raura. O primeiro, cuja forma assemelha-se à palma duma mão com os cinco dedos estendidos pro céu, exibe na parte traseira um largo platô coberto de neve. Contudo, à medida que nos aproximamos, tal formato vai se tornado indefinível. Observo, ainda, que sua coloração preta e branca, evidencia prováveis rochas ígneas e sedimentares em sua formação. Antecedendo o Milpo, o cerro, Pilanko, com seu maciço e quadrangular paredão rochoso, em cujo cume despontam pontas, lembra um castelo com ameias e torreões. Uma pequena subida contornando a laguna Viconga cuja coloração das águas verde-escuro origina-se do degelo do nevado Leon Dormido. Por sua vez, a laguna é nascente do Viconga, extenso rio que desemboca no Pacífico. Aproveitando suas corredeiras, foi construída uma represa para geração de energia elétrica, que beneficia várias cidades dispostas no entorno de Huayhuash. Quando se termina de contorná-la, sou brindada com a visão ofuscante dos nevados Cuyoc e Puscanturpa. Eu, que ficara pra trás, como sempre, encontro o grupo em frente a um portão vermelho, início do território dos Huaylas, descendentes dos povos pré-incas. O motivo de estarem todos parados deve-se à exigência do responsável pelos ingressos, em poder de Sergio, que vem mais atrás com Enrique e Carmen. Metida que sou, tento passar um conversê no homem. Ensaio até uns passos de samba, tentando amaciá-lo, mas que nada, mantém-se, o incorruptível homenzinho, irredutível. Acabo protagonizando, sem querer, uma cena hilária porque todos os bascos caem na risada quando me vêem dançando. Desfeito o imbróglio, retomamos a caminhada e daí pra frente é só pampa. Uma linda cachoeira, cheia de degraus, despencando do rio Viconga, produz um som rumorejante de água batendo nas pedras. Após, outra, menorzinha, igualmente, atraente. E, espalhadas na relva, colônias de cactus Opuntina Flocossa, cuja fina penugem branca assemelha-se a algodão. Uma beleza esse cáctus de altitude! Chegamos ao acampamento Viconga às 13 horas e nossas tendas estão armadas aos pés do belo cerro Madalena, que já me atraíra a atenção durante a caminhada. As termas encontram-se a 20 passos de distância. Mas antes do tão desejado banho de águas calientes, somos chamados pro almoço. Na mesa, uma travessa de ocopa, creme feito com huacatay (uma espécie de vegetal), espalha-se sobre batatas cozidas. Uma delícia! Infelizmente, tenho de apelar pro Luftal depois de comer porque os gases estão por demais buliçosos em minha barriga, resultado inevitável da altitude. Um assanho essa flatulência.....arre! Terminado o almoço, vamos, contentes da vida, pras termas, situadas a 20 passos de distância das barracas. São duas piscinas ao ar livre: uma, pequena, reservada para o uso de sabonete e xampu; a outra, maior, só pro enxagüe. A paisagem ao redor é linda: o cerro Madalena à frente e ao longe um pedaço do Leon Dormido. Ao redor da piscina grande, um grupo de jovens turistas israelitas toma sol. O ambiente é festivo porque a água caliente relaxa os músculos e os ânimos, por supuesto! Dessa vez encaro o desafio de entrar nua na piscina. Desprevenida, não levara biquíni. Assim, teria de entrar de short e regata, desveti-los pra me ensaboar, colocá-los ao sair, novamente, pra trocá-los, por uma roupa seca. Muita mão de obra, o que me leva a desistir de tanto troca-troca, adentrando n’água como uma Eva antes de cometer o pecado original. A temperatura da piscina está ma-ra-vi-lho-sa. Meu banho, dessa vez, foi completo, ulálá! Como é bom tomar um banho de verdade e não aquela tapeação que venho fazendo há três dias. Neste camping, são sem portas os sanitários (quando não os há, os arrieros improvisam um WC, cavando um buraco fundo e armando uma barraquinha ao redor), o que acho ótimo, já que todos exalam fétido odor. Dessa forma, rola uma ventilação, afora o visual das montanhas ao redor enquanto faço pipi. Depois duma leitura do Pólo Sul, pinta um baita desejo de tomar café e comer bolachas cream cracker com manteiga. Assim, vou até a cozinha e peço água quente e manteiga pra Ruperto, um dos arrieros. Ambos os cozinheiros já se encontram nos preparativos da ceia: Julio depena uma galinha e Antonio descasca batatas. No refeitório, preparo o café, comendo várias bolachas besuntadas com fartas camadas de manteiga. Enquanto aproveito um solzinho gostoso de fim de tarde, contemplo o lindo cerro Pucacaca e o cerro Madalena. Lá no fundo do vale, uma porção do Leon Dormido é realçada por retardatários raios de sol refletidos em seu dorso esbranquiçado. Ouço à distância as vozes alegres dos arrieros e um cão come um pé de galinha ao lado da barraca-refeitório. Começa a esfriar, afinal o sol já está se despedindo do dia. Em conversa com um dos bascos do grupo dos 8, fico sabendo que os habitantes da Euska Herria se refugiavam nas montanhas quando das invasões de godos, visigodos e árabes naquela região em épocas dantanho. Daí talvez a origem da inclinação dos bascos pelo montanhismo e escalada. Enquanto espero a janta, junto-me a Sergio que se encontra no refeitório, conversando com Jose e sua esposa. Ele é responsável com mais outro colega pela usina hidroelétrica do rio Viconga. A mulher de belos olhos amendoados carrega um bebê de 4 meses no colo. Montados em duas mulas e acompanhados por dois cachorros, retornam pra represa, vindos de Cajatambo onde têm uma casa. Vendo que Sergio está acampado no local, fazem uma pausa prum dedo de prosa. Pelo papo, percebo que são amigos há muitos anos. Os dois contam, alternando detalhes, da morte, por broncopneumonia, dum americano de 70 anos. Das tentativas de reanimá-lo. E do contentamento da mulher do cara em estar fazendo o trekking, sem saber, contudo, que o marido acabara de morrer mais à frente. Do modo como carregaram o corpo do falecido, atravessado no lombo da mula, e da ponta de seus pés arrastando no chão, tão alto era ele. E do velório que fizeram antes de ele ser trasladado pros USA. Foi um autêntico “causo”, como se diz aqui no Sul, contado a duas vozes. Depois da janta, fazemos um brinde, com vinho caliente, em homenagem a Enrique e Carmen que, amanhã, seguem outro rumo junto com Sergio. Retornando à barraca, a lua cheia, a milhão, ilumina os campos ao redor. O cerro Pucacaca tem seu perfil realçado pela luz do luar. Um espetáculo a noite! Nem vou reclamar pros meus botões se me der vontade de fazer xixi, como vem acontecendo durante todas as madrugadas. Por isso, trato, antes de dormir, de beber mais um chazinho.....pra garantir a mijada noturna, hehehe

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